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sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Como ler Borges e Cortázar



Belíssima arte com os dois escritores


Eu tenho um costume de leitor que me acompanha há anos. Sempre quando vou ler um livro de Borges ou Cortázar meu ritual começa assim; escolho uma de minhas cuias e bombas de mate preferidas, aqueço a água, ajeito a erva, minha erva não é brasileira e sim a tipo exportação que vai para o Uruguai. Lá a Ilex é chamada “Yerba" e não é moída como no Brasil, mas sim "pura hoja" (pura folha), este processo acaba mantendo a maioria de suas propriedades benéficas. Depois de preparado esse mate fica mais forte e concentrado do que chimarrão tomado no sul e é capaz de deixar quem sorve desperto por horas. O mais curioso é que essa erva é plantada no Brasil e exportada para o Uruguai e também para Argentina o que faz com que eu a contrabandeie de volta como os “quileros”, personagens do filme "El Baño Del Papa". Outro fato é que nestes países a infusão se chama "mate" e não “chimarrão” como em grande parte do Rio Grande do Sul, exceto na fronteira com os países platinos. O nome mate vem da língua Guarani e no Uruguai os índios Charruas bebiam para aguentar as horas de longas cavalgadas, já os Minuanos e Guenoas acreditavam que dava força e vigor aos guerreiros.

O citado "O Aleph"
de Borges
Julio Cortázar foi um grande apreciador do mate e como bom "mateador", levava o seu pra onde quer que fosse, tanto que é famoso o episódio em Paris quando lhe falta erva, obrigando-o a usar um chá para substituir. Para qualquer adepto, faltar um dos ingredientes do preparo, tanto água como a erva é como estar desarmado em combate, quem tem o "vício mateiro', sabe o que digo. O grande poeta Atahualpa Yupanqui dizia; "Dias sem mate nos fazem perder um pouco da força e anos sem ele anulam praticamente toda nossa identidade”.

Jorge Luis Borges que alem de exímio ensaísta e contista, também era um dos maiores pesquisadores sobre a identidade do "gaucho" platino, admitia não ser um bom cevador de cuias, seus mates eram curtos e lavavam rápido, geralmente eram feitos com a água fervendo e na maioria das vezes refugados pelos amigos. Uma manhã enquanto o escritor mateava na fronteira Brasil-Uruguai, viu pela primeira vez a morte de um homem. Um gaucho que mais parecia saído do conto “O morto” do livro "O Aleph", matava seu oponente nas famosas peleas de bolicho. Borges assistiu tudo incrédulo e com a cuia na mão. Esta fronteira foi à mesma que o escritor desbravou de ponta a ponta e nos conta em alguns de seus livros, com passagens por Livramento no Brasil, Riveira, Tacuarembó, Cerro-Largo no Uruguai e talvez Bagé a qual ele cita no conto “Emma Zunz”. 
Dois gauchos platinos mateando
Além do escritor sempre admirei profundamente a ideologia e os princípios políticos e sociais de Cortázar. Ao mesmo tempo em que Borges é um dos poucos autores que consegue ligar profundamente na escrita às raízes culturais de onde venho. Confesso que literariamente acho Borges superior a Córtázar e humanamente acho o contrário. Julio tinha uma sensibilidade universal e Borges era mais coloquial, mas são apenas observações minhas.

A compreensão literária de ambos é bem complexa e discutida por muitos críticos, mas em particular e sobre Jorge L. Borges, ela exige que seus leitores muitas vezes tenham um pouco dessa “platinidade” no sangue, como isso o autor se torna mais compreensível e intimo. Ambos viram-se apenas três vezes na vida, tinham estéticas, pensamentos e ideologias diferentes, mas uma admiração profunda e mutua os uniu sempre. Para nós meros mortais ficou um legado literário enorme, que vale cada releitura com um bom mate é claro.

*para aqueles que não são do Rio Grande e arredores, ou até mesmo para os nativos da região mas que não conhecem, não lembram ou não estão familiarizados com os termos, aí vai um pequeno glossário para melhor compreensão do texto.

  • Quilero: Contrabandista de alimentos nas fronteiras com Uruguai
  • Gaucho: Sem o uso do acento, se escreve assim no pampa sul-americano, também se acentua como “Gaúcho”.
  • Mate: O mesmo que chimarrão, infusão com erva.
  • Platino: Aquele que tem origem nos países do prata.
  • Fronteiriço: habitante da fronteira sul, mescla de Português, Espanhol e Índio.
  • Cuia: recipiente para preparar o mate.
  • Bomba ou Bombilla: Objeto de metal para sorver o mate.
  • Yerba: Erva Mate.
  • Mateador e Vício Mateiro: Aquele mateia ou chimarreia sempre, também se diz amarguear.
  • Pelea de Bolicho: Briga de Bar, as mais típicas eram a faca ou em carreiras ( corridas) de cavalo, e na Taba (Jogo do Osso – típico na fronteira do RG do Sul, Uruguai e Argentina)





quinta-feira, 9 de outubro de 2014

cotidianas #327 - O Mate (Chimarrão), de Cortázar a Senhor dos Anéis


Os Quechuas chamavam de "mati" a infusão feita de folhas para beber proveniente de uma planta. Os Guaranis atribuíam esta erva à lenda da jovem "la Caá Yarí", mas nos primeiros séculos às autoridades religiosas espanholas catequizadoras diziam que o mate era coisa do diabo que "fomentava o ócio e contaminava a todos, não sendo bom para saúde da alma e do corpo". Mesmo assim, Julio Cortázar ao escrever não dispensava um bom mate, e pra onde quer que fosse levava sua cuia de "louça" e uma "yerbita buena", até o dia que ficou "puto" quando viu a mesma faltar em Paris. Este é um dos contos preferidos do amigo escritor José Francisco Botelho, amante do mate.
Julio Cortázar
Sabato e Perón, entre rodadas de mate e uma "amizade" abalada, se entreolhavam pra ver quem daria primeiro os pêsames pela morte de seus entes queridos. Perón tinha perdido Evita e Sabato três familiares. Artigas gostava de matear com a gauchada e seus "perros" Cimarrones na beira do fogo. Brizola mateou com Che Guevarra, que mateou com o Presidente Haedo. Entre as alfinetadas políticas de Haedo, uma cuia de mate pra acalmar os ânimos. Na selva boliviana, entre os pertences capturados com "El Che", uma pequena cuia com mate "virado" várias vezes.
Na fronteira do Rio Grande do Sul, o ator Richard Gere provou o mate, mas não gostou. Preferiu um tal pão "cacetinho". No set de "O Senhor dos Anéis", o ator americano Viggo Mortersen (Aragorn) levava sempre sua cuia e uma térmica (termo), e fez grande parte do elenco provar a bebida, recebeu um "thanks" da maioria, mas no fim conseguiu um parceiro, Sir "Gandalf" Ian McKellen, que sorveu e aprovou. Viggo morou na Argentina e pegou lá o costume e, por último, mateou até com o Papa Francisco no Vaticano.
O Uruguai é hoje maior consumidor de erva mate do mundo, seguido da Argentina. No Rio Grande do Sul, é chamado de "chimarrão" no norte e centro do Estado, e "mate" na fronteira com Uruguai e Argentina pela influência do espanhol. Entre conflitos seculares o mate também está presente nos costumes do Líbano e da Síria. Levado por imigrantes libaneses da Argentina, lá a infusão recebe o nome de "yer-bah mah-tay" e tem seu consumo ligado às tradições das famílias. Não lembro a primeira vez que tomei o mate, mas lembro de muitos amigos e pessoas que conheci por causa dele. Nenhuma outra bebida no mundo é capaz de agregar, unificar e “hermanar” tanto como "El Matecito", que é universal. A propósito, vou tomar o meu agora.

por Francisco Bino




Francisco Bino é Especialista em Vinhos e Viticultura, mas possui uma Confraria de Cerveja Artesanal. Cinéfilo, fã de cinema anos 70 e folclore sul-americano, ama cultura pop, é colecionador de discos dos Beatles e filmes clássicos. É apresentador do evento Underrock and Beer, na Serra Gaúcha, a única harmonização de cervejas artesanais com cenas clássicas do cinema. Também escreve e possui grupos de cinema no facebook.