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terça-feira, 24 de janeiro de 2023

"Poesia", de Jorge Luis Borges - ed. Companhia das Letras (2017) - compilação de poemas de 1969 a 1985




"Escrever um poema
é ensaiar uma espécie de magia menor.
O instrumento dessa magia,
a linguagem, é bastante misterioso.
Nada sabemos  de sua origem.
Só sabemos que se ramifica em idiomas
e que cada um deles consta de um indefinido
e cambiante vocabulário e de um número indefinido
de possibilidades sintáticas.
Com esses inapreensíveis elementos, compus este livro."
introdução do autor
no livro "Os Conjurados"


Acabei de ler, há pouco, o robusto "Poesias" de Jorge Luis Borges, coletânea de poemas com nada menos que sete publicações do autor: "Elogio da sombra" (1969), "O Ouro dos Tigres" (1972), "A Rosa Profunda" (1975), "A Moeda de Ferro" (1976), "História da Noite", "A Cifra" (1981)

Eu apaixonado pela escrita de Borges pude me deliciar ao longo de suas mais de 600 páginas com todo aquele universo de enigmas, magia, labirintos, bravuras, reminiscências e inspiração. Poemas delineados com a pena da sabedoria de quem muito viveu, muito viu e muito estudou, e ao mesmo tempo da admissão da ignorância diante da vastidão de segredos do mundo. Paisagens fantásticas, questionamentos sobre a arte de escrever, batalhas sangrentas em guerras na Europa ou nas estâncias do pampa gaucho marcam as páginas de "Poesias". 

Organizado cronologicamente, a partir da publicação de "O Elogio da Sombra", de 1969, o livro tem, na minha visão, um crescimento gradual, chegando a um nível incrível em "A Cifra" (1981) e culminando, para mim, em "Os Conjurados", de 1985, no melhor momento de sua poesia e razão, como aliás, na maior parte das vezes é natural na vida de um escritor, mas curiosamente, no caso de Borges, exatamente em seu momento de maior limitação física, muitíssimo doente, e praticamente cego na época da publicação.

Prato cheio, aliás, transbordante, para os apreciadores da obra do escritor argentino, mais conhecido e aclamado por seus contos, mas muito valoroso também por seus poemas que, no fim das contas são enriquecidos dos mesmos elementos recorrentes que tanto apaixonaram leitores como eu.




Cly Reis



quinta-feira, 12 de maio de 2022

cotidianas #755 - "A Sentinela"


ilustração de Dave McKean
extraída da graphic novel  "Asilo Arkham"
Entra a luz e eu me lembro; está ali.
Começa por dizer-me seu nome, que é (logo se entende)
o meu.
Volto à escravidão que durou mais de sete vezes dez anos.
Impõe-me sua memória.
Impõe-me as misérias de cada dia, a condição humana.
Sou seu velho enfermeiro; obriga-me a lavar os seus pés.
Espreita-me nos espelhos, no mogno, nos vidros das lojas.
Uma ou outra mulher o rejeitou e devo compartilhar sua
angústia.
Dita-me agora este poema, que não me agrada.
Exige-me o nebuloso aprendizado do duro anglo-saxão.
Converteu-me ao culto idolátrico de militares mortos, com os
quais talvez não pudesse trocar uma única palavra.
No último lanço de escada sinto que está a meu lado.
Está em meus passos, em minha voz.
Minuciosamente o odeio.
Percebo com prazer que quase não vê.
Estou em uma cela circular e a infinita parede se estreita.
Nenhum dos dois engana o outro, mas nós dois mentimos.
Conhecemo-nos demais, inseparável irmão.
Bebes a água de meu copo e devoras meu pão.
A porta do suicida está aberta, mas os teólogos afirmam que
na sombra ulterior do outro reino estarei eu, me esperando.

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"A Sentinela"
Jorge Luis Borges

sábado, 15 de janeiro de 2022

cotidianas #741 - "Labirinto"




arte: warrakloureiro
Não haverá nunca uma porta. Já estás dentro.

E o alcácer abarca o universo
E não tem anverso nem reverso
Não tem extremo muro nem secreto centro.

Não esperes que o rigor do teu caminho
Que fatalmente se bifurca em outro,
Que fatalmente se bifurca em outro,
Terá fim. É de ferro teu destino

Como o juiz. Não creias na investida
Do touro que é um homem cuja estranha
Forma plural dá horror a essa maranha

De interminável  pedra entretecida.
Não virá. Nada esperes. Nem te espera
No negro crepúsculo uma fera.


****************
"Labirinto"
Jorge Luis Borges
(tradução de Augusto de Campos)

segunda-feira, 2 de maio de 2016

"Borges e os Orangotangos Eternos", de Luís Fernando Veríssimo - Ed. Companhia das Letras (2000)




Um romance de Luís Fernando Veríssimo às voltas com Jorge Luis Borges e entremeado pela obra de Edgar Allan Poe. Ah, algo assim não teria como ser nada menos do que incrível! "Borges e os Orangotandgos Eternos" que ganhei no Natal e que só agora, pela fila, teve sua vez, é um saboroso e envolvente mistério repleto de homenagens e referências literárias sem, por isso, tornar-se chato nem pedante. Bem ao estilo do autor, bem humorado e inteligente, o romance tem o charme de ter um de seus ídolos literários Jorge Luis Borges como "personagem" numa espécie de ode e reconhecimento à sua genialidade, inventividade e capacidade de criar tramas labirínticas, fazendo do escritor argentino o parceiro de investigação do portoalegrense Vogelstein, um professor, tradutor, escritor amador e amante de livros, envolvido na cena de um misterioso assassinato em Buenos Aires, em meio a um congresso de especialistas da obra de Edgar Allan Poe. Ao melhor estilo do escritor norte-americano criador do estilo de literatura de mistério e cuja obra é praticamente centro do livro, um dos integrantes do congresso, um antipaticíssimo estudioso, Joachim Rotkopf, é assassinado dentro de seu quarto de hotel fechado por dentro sem sinais de arrombamento, a exemplo do célebre conto "Os Assassinatos da Rua Morgue", tendo tendo tentado deixar, possivelmente, algum tipo de mensagem secreta, uma pista, antes de morrer, pela posição de seu corpo junto a um espelho, elemento, por sua vez muito comum na obra de Borges. Suspeitos não faltam uma vez que Rotkopf não era nada querido e mais de uma vez havia sido jurado de morte por integrantes daquele congresso. Aí então que Vogelstein, por ter sido o primeiro a encontrar o corpo, o detetive Cuervo, outro apreciador da obra de Poe (e mais uma das referências à sua obra) e Jorge Luis Borges, amigo e conselheiro de investigações do policial por conta de sua elevadíssima capacidade dedutiva fruto da construção de mistérios improváveis, debruçam-se sobre os elementos do crime com todas seus recursos, desde pistas concretas, as investigações das autoridades, as informações de Vogelstein, o último a ver Rotkopf com vida, especulações baseadas em obras da literatura de mistério, elocubrações misticas e a tradicional e charmosa "falsa" erudição de Borges com a qual sempre alicerçou sua obra de maneira tão verossímil a ponto de nos perguntarmos se os livros, lugares ou civilizações que criava nunca existiram de verdade.
Um adorável mistério cheio de reviravoltas, surpresas e até mesmo clichês mas sendo estes colocados proposital e charmosamente por Veríssimo como uma reverência ao gênero literário que criou mitos como Conan Doyle e Agatha Christie e do qual seu "convidado", Jorge Luis Borges, fez uso de forma tão original e especial em sua obra. "Borges e os Orangotangos Eternos", além de uma homenagem ao herói Borges, da saudação à obra de Poe, de um exercício estilístico, é acima de tudo uma declaração de amor à literatura, ao gosto de escrever e ao gosto de ler e, nisso em especial, se justifica plenamente. Quem sai ganhando com toda essa séria brincadeira literária de Veríssimo é o leitor.


Cly Reis

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Como ler Borges e Cortázar



Belíssima arte com os dois escritores


Eu tenho um costume de leitor que me acompanha há anos. Sempre quando vou ler um livro de Borges ou Cortázar meu ritual começa assim; escolho uma de minhas cuias e bombas de mate preferidas, aqueço a água, ajeito a erva, minha erva não é brasileira e sim a tipo exportação que vai para o Uruguai. Lá a Ilex é chamada “Yerba" e não é moída como no Brasil, mas sim "pura hoja" (pura folha), este processo acaba mantendo a maioria de suas propriedades benéficas. Depois de preparado esse mate fica mais forte e concentrado do que chimarrão tomado no sul e é capaz de deixar quem sorve desperto por horas. O mais curioso é que essa erva é plantada no Brasil e exportada para o Uruguai e também para Argentina o que faz com que eu a contrabandeie de volta como os “quileros”, personagens do filme "El Baño Del Papa". Outro fato é que nestes países a infusão se chama "mate" e não “chimarrão” como em grande parte do Rio Grande do Sul, exceto na fronteira com os países platinos. O nome mate vem da língua Guarani e no Uruguai os índios Charruas bebiam para aguentar as horas de longas cavalgadas, já os Minuanos e Guenoas acreditavam que dava força e vigor aos guerreiros.

O citado "O Aleph"
de Borges
Julio Cortázar foi um grande apreciador do mate e como bom "mateador", levava o seu pra onde quer que fosse, tanto que é famoso o episódio em Paris quando lhe falta erva, obrigando-o a usar um chá para substituir. Para qualquer adepto, faltar um dos ingredientes do preparo, tanto água como a erva é como estar desarmado em combate, quem tem o "vício mateiro', sabe o que digo. O grande poeta Atahualpa Yupanqui dizia; "Dias sem mate nos fazem perder um pouco da força e anos sem ele anulam praticamente toda nossa identidade”.

Jorge Luis Borges que alem de exímio ensaísta e contista, também era um dos maiores pesquisadores sobre a identidade do "gaucho" platino, admitia não ser um bom cevador de cuias, seus mates eram curtos e lavavam rápido, geralmente eram feitos com a água fervendo e na maioria das vezes refugados pelos amigos. Uma manhã enquanto o escritor mateava na fronteira Brasil-Uruguai, viu pela primeira vez a morte de um homem. Um gaucho que mais parecia saído do conto “O morto” do livro "O Aleph", matava seu oponente nas famosas peleas de bolicho. Borges assistiu tudo incrédulo e com a cuia na mão. Esta fronteira foi à mesma que o escritor desbravou de ponta a ponta e nos conta em alguns de seus livros, com passagens por Livramento no Brasil, Riveira, Tacuarembó, Cerro-Largo no Uruguai e talvez Bagé a qual ele cita no conto “Emma Zunz”. 
Dois gauchos platinos mateando
Além do escritor sempre admirei profundamente a ideologia e os princípios políticos e sociais de Cortázar. Ao mesmo tempo em que Borges é um dos poucos autores que consegue ligar profundamente na escrita às raízes culturais de onde venho. Confesso que literariamente acho Borges superior a Córtázar e humanamente acho o contrário. Julio tinha uma sensibilidade universal e Borges era mais coloquial, mas são apenas observações minhas.

A compreensão literária de ambos é bem complexa e discutida por muitos críticos, mas em particular e sobre Jorge L. Borges, ela exige que seus leitores muitas vezes tenham um pouco dessa “platinidade” no sangue, como isso o autor se torna mais compreensível e intimo. Ambos viram-se apenas três vezes na vida, tinham estéticas, pensamentos e ideologias diferentes, mas uma admiração profunda e mutua os uniu sempre. Para nós meros mortais ficou um legado literário enorme, que vale cada releitura com um bom mate é claro.

*para aqueles que não são do Rio Grande e arredores, ou até mesmo para os nativos da região mas que não conhecem, não lembram ou não estão familiarizados com os termos, aí vai um pequeno glossário para melhor compreensão do texto.

  • Quilero: Contrabandista de alimentos nas fronteiras com Uruguai
  • Gaucho: Sem o uso do acento, se escreve assim no pampa sul-americano, também se acentua como “Gaúcho”.
  • Mate: O mesmo que chimarrão, infusão com erva.
  • Platino: Aquele que tem origem nos países do prata.
  • Fronteiriço: habitante da fronteira sul, mescla de Português, Espanhol e Índio.
  • Cuia: recipiente para preparar o mate.
  • Bomba ou Bombilla: Objeto de metal para sorver o mate.
  • Yerba: Erva Mate.
  • Mateador e Vício Mateiro: Aquele mateia ou chimarreia sempre, também se diz amarguear.
  • Pelea de Bolicho: Briga de Bar, as mais típicas eram a faca ou em carreiras ( corridas) de cavalo, e na Taba (Jogo do Osso – típico na fronteira do RG do Sul, Uruguai e Argentina)





sábado, 8 de novembro de 2014

Jorge Luis Borges e a Morte do Gaucho



Muitos escritores, poetas e pesquisadores, escreveram sobre o Gaucho e sua composição total. Mas poucos conseguiram em suas obras e poesias, definir tão bem este personagem como os que vou descrever abaixo. Cada um o fez a seu modo e com observações e considerações em particular. A poesia gauchesca que ao contrario do que se pensa não é feita por gauchos e sim por homens educados e que tiveram contatos com os da alcunha pejorativa , em guerras, patriadas e outros eventos, teve total importância para nos apresentar esta definição. Assim como A Ilíada de Homero que narrava os acontecimentos de Tróia, a poesia gauchesca narrou as façanhas deste personagem primitivo e antigo. Poetas como; Bartolomé Hidalgo, Hilário Ascasubi, José Alonso y Trelles, Leopoldo Lugones e José Hernandez. E escritores como; Estanislao del Campo, Ricardo Güiraldes, Simões Lopez Netto e Antonio Lussich, este com sua obra "Los Tres Gauchos Orientales" e que foi considerado por Borges o antecessor de Martin Fierro, todos eles deram o norte para as bases de estudo feitas ao longo dos anos. Cabe lembrar que nesse contexto, pesquisadores mais recentes como; Fernando O. Assunção e Lidia Teresita Berón, conseguiram em suas pesquisas, unificar melhor os dados sobre a origem do mito e assim dar uma definição real sobre ,costumes, vestimentas, e sua relação com o meio em que viviam.
Borges comparou e unificou
a estética cultural dos gauchos
No Livro "El Martín Fierro" de Jorge Luis Borges, ele nos presenteia com uma análise íntima e profunda sobre esta poesia e em tudo o qual ela se insere. Eu considero o melhor estudo sobre este personagens e também das obras dos autores acima, já que Borges as compara.
A pesquisa vai além do livro argentino e apresenta metáforas para acreditar que Martín Fierro não inicia ou intermedia um ciclo, mas sim se encerra com fim da poesia do livro homônimo. Creio que no livro de Hernández ,ele decreta o fim de uma era com a morte universal de nosso Quijote e a qual Borges afirma haver uma real tentativa de reinvenção em nossos dias. Eu acredito fielmente nisso. Leiam estas bibliografias e tirem suas conclusões, eu particularmente as considero dentre tantas as mais importantes para quem deseja se aprofundar no estudo. Ainda acho que Hernández matou o Gaucho (sem acento) e Borges jogou a pá de cal encima.