foto: Ricardo Lacerda |
É um absurdo o que
me aconteceu neste domingo, mas um fato desses não posso deixar
passar batido. Domingão de sol, 11h, resolvo dar uma caminhada na Redenção. Eis que esse cara da foto estraga o passeio. Ali, bem no
meião do Brique, sentado numa caixa de som que sequer era plana, o
cidadão cantava: "Que dulce encantos tienen tus recuerdos
Mercedita...". Pô, mas que coisa séria! Parei para dar
aquela conferida. Eis que o louco emenda uma milonga do Alfredo
Zitarrosa. Aí pensei, cá com meus botões: "Imagina se
emenda uma chilena". Foi bem aí que o diabo do músico
começou: "Volver a los 17, después de vivir un siglo...".
Ah, não! Violeta Parra em plena Redenção é mais que luxo pro
gaúcho. Entrou um cisco no meu olho, marejado por detrás das lunas.
E ali fui me quedando. Eu e uma dúzia de vivente. E ele não parava:
de boininha a la rebelde, violão desbeiçado, microfone todo
enjambrado com durex, a cada troco que despejado no case (a
maioria de 2 conto), ele dizia um simpático: "brigado,
cara". O sotaque não enganava: o “qüera” não
era desde aqui.
E assim o tempo foi
passando, em meio a zamba, chacarera, chamamé, milonga e até
corrido mexicano. Fui ficando, por supuesto. Entre uma e outra
instrumental, o exibido encarnou Atahualpa Yupanqui, Daniel Viglietti, José Larralde, Miguel Aceves Mejia y otras cositas
más. Uma melhor que a outra. Pedi Victor Jara e Los Olimareños.
Fui prontamente atendido. Vendo que estava prestes a fundar um
fã-clube do folclorista ali mesmo, um casal (na casa dos 60 e picos
de idade) puxou assunto. "Eu vim comprar carne. Preciso ir
pra casa fazer o churrasco, mas tá difícil", disse ele.
"Por mim, como uma tapioca por aqui mesmo", retrucou a
senhora. Mesmo contrariado, o senhor tentou ir embora umas quatro
vezes, mas ela sempre dizia: "Deixa eu ouvir mais essa".
A certa altura, já
há uns 45 min ali, meu novo amigo foi saindo e me disse, de galhofa,
"entrega ela lá em casa amanhã, por favor". Deixei
10 mirréis pro artista. Segundo meu escrutínio, ele angariou uns R$
200 naquela uma hora e meia em que fiquei no espetáculo. Eu também
precisava ir para casa. Quando o artista resolveu dar uma pausa para
tomar água, aproveitei e fugi – ainda que a contragosto. Emiliano
está de partida. Apenas passou por Porto Alegre. Nessa semana, deve
voltar para sua Córdoba natal. Que cara sacana esse Emiliano,
estragando o passeio dos outros.
por Ricardo Lacerda
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