ilustração: Cly Reis |
Tirem-me os deuses
Em seu arbítrio
Superior e urdido às escondidas
O Amor, glória e riqueza.
Tirem, mas deixem-me,
Deixem-me apenas
A consciência lúcida e solene
Das coisas e dos seres.
Pouco me importa
Amor ou glória,
A riqueza é um metal, a glória é um eco
E o amor uma sombra.
Mas a concisa
Atenção dada
Às formas e às maneiras dos objetos
Tem abrigo seguro.
Seus fundamentos
São todo o mundo,
Seu amor é o plácido Universo,
Sua riqueza a vida.
A sua glória
É a suprema
Certeza da solene e clara posse
Das formas dos objetos.
O resto passa,
E teme a morte.
Só nada teme ou sofre a visão clara
E inútil do Universo.
Essa a si basta,
Nada deseja
Salvo o orgulho de ver sempre claro
Até deixar de ver.
****
"Tirem-me os deuses"
Ricardo Reis
(heterônimo de Fernando Pessoa)
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