O homem adentrou confiante e disfarçadamente insolente a casa de chás, a única da cidade. Queria tomar um chá. Pediu à garçonete:
- Hoje só temos de naftalina – avisou ela, com bloquinho e caneta em punho ansiosa para anotar o invariável pedido.
- Como assim, “naftalina”?
- Sim. Naftalina.
- Naftalina naftalina? Aquela bolinha branc...
- Essa mesmo. Naftalina.
Suficiente para o homem trocar o contido semblante de homem confiante somente pelo de insolente. E sem disfarces. Despejou-lhe os impropérios mais desumanos, capazes de fazer corar um fervoroso guerrilheiro talibã e desconverter o beneditino mais temente. Ela, sem se ofender, entretanto, continha, sim, a impaciência. Queria, enfim, anotar o pedido. Quando ele terminou de vomitar-lhe palavras com o dedo em riste, ela voltou a dirigir-lhe:
- Então, o senhor já escolheu que chá vai tomar?
- Mas como assim “escolheu”, senhorita? Não foi você mesmo quem disse que só tinha de naftalina?!
- Sim.
- Então?!
Ficaram se encarando por alguns segundos: ela, com a ponta da esferográfica a centímetros do papel pronta para feri-lo com garranchos; ele, testa franzida, contrariado como um homem contrariado a quem não se pode contrariar. Com voz agora baixa, quase descrédula, tornou a questioná-la:
- Você tem certeza de que não tem outro chá? Tipo hortelã, canela, abacaxi... Não mesmo?
- Não mesmo.
- Olha: eu fico impressionado com essas coisas. É por isso que esse país de merda não vai pra frente! Me serve um desses aí, então. Mas vai rápido!
- De naftalina?
- Claro que é de naftalina, porra!
A garçonete finalmente pôde anotar o pedido, a parte da qual ela mais gostava.
Daniel Rodrigues
Nenhum comentário:
Postar um comentário