Todos diziam que Norman tinha mania de limpeza. Também: ele limpava a casa todo santo dia! Não havia manhã em que não varresse, aspirasse, passasse um rodo, um pano. Atentava a cada cantinho, cada vinco, cada centímetro. Nada ficava sem ser limpo.
Ao contrário do que diziam dele, no entanto, não era TOC que lhe movia, mas, sim, uma constante e ininterrupta sujeira na casa. Não havia o que fizesse: aumentava a frequência da faxina, trocava o alvejante, usava óculos para enxergar melhor durante a limpeza. Chegou até o ponto de assear a casa ajoelhado, esfregando com minúcia o piso.
Mas nada resolvia. A sujeira, que por horas dava uma trégua (quiçá, minutos), reaparecia como que por mágica. Minúsculos grãos acinzentados, como um pó fino.
Porém, Norman não dava-se por vencido, e impunha novamente seus instrumentos de guerra contra o inimigo. Punha-se a esfregar de novo, e de novo, e de novo. Até suar, até cansar-se, como se perdesse a energia vital à medida que se desgastava. Sentiu, como sempre, uma coceira à altura do tornozelo esquerdo, certamente alergia daquele pó horroroso.
Mas não. Vendo com atenção, percebeu que não era o pó que causava a coceira no pé, mas o pé que causava o pó. Quanto mais esfregava as unhas, mais esfarelava. Norman viu então que estava se desintegrando e, consequentemente, varrendo a si próprio. Naquela manhã, inclusive, quando havia jogado na lixeira pelo menos duas pazinhas dele mesmo.
Dias depois, a senhora da faxina, alertada pela família da tarefa que precisaria cumprir, entrou toda amedrontada no apartamento. Um calafrio percorreu-lhe a espinha. Como encontraria o rapaz? Mas estava tudo em ordem, nada a temer, nenhum defunto, nenhuma alma penada. Apenas um certo volume de pó cinza pelo chão, que não precisou de muito tempo para consegui varrer. Juntou suas cinzas, que não deu nem um quarto da lixeira, e as carregou num saco plástico preto para o contêiner na rua, que rumou para o aterro sanitário logo em seguida.
Daniel Rodrigues
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