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quarta-feira, 1 de novembro de 2023

cotidianas #812 - Pílula Surrealista #55

 

- Cara, você nunca sentiu que precisava extrair mais do mundo, da vida? Uma sensação de que, sei lá, não consegue aproveitar o bastante, que faltam sentidos a nós humanos pra absorver as coisas com mais vigor, mais verdade.

- Como assim?

- Olha isso aqui à nossa volta: dá uma vontade de captar mais o que é bom, o que é vivo, de sentir mais o gosto das coisas, porque parece que o que a gente tem nesse mundo real não dá conta.

- Pra isso serve a arte. "A arte existe porque a vida não basta". Não é assim que o poeta diz?

- Não, não é só de arte que eu tô falando. Isso que eu digo é mais do que arte ou qualquer coisa palpável. É um desejo de vida mesmo, entende? Não é só respirar, é... 

- Explica melhor.

- Humm, sei lá... não sei nem se eu sei dizer, mais é o que eu sinto, sabe? É como se necessitasse sentir com mais inteireza esse milagre da vida. O sol que ilumina as árvores, o azul ou o preto do céu, o vento que bate na pele, a beleza feroz dos relâmpagos, o verde da relva, o colorido das flores... Tudo isso não cabe na compreensão, não acha?

- É, acho que sim.

- Pois é, tudo isso não cabe, não tem como pegar, como conter, como comprimir. Escapa. Chega a me dar vontade de comer!

- Comer o quê?

- O mundo.

- Humm...

- Sim, comer o mundo! Uma garfada, uma mordida na polpa. Como um pão, uma comida. Uma carne.

- Olha, gostei dessa: carne do mundo.

- É, isso mesmo: sentir o gosto da vida como quem saboreia a carne do mundo... Impossível, né?

- É... quem sabe um dia.

- Pois é: quem sabe.


Daniel Rodrigues

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