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sábado, 31 de agosto de 2024

cotidianas #840 - Pílula Surrealista #58

Um esperou pelo outro, e o outro esperou pelo um. O um esperou pelo um, e o outro pelo outro, e os dois pelos dois, e os três pelos três, quatros, cincos, seis, setes outros, infinitamente. Quem se beneficiou foi o pedestre, que atravessou o cruzamento com seus fones isolantes e os olhos enfiados na tela do celular sem atenção alguma ao que se sucedia.

Não houve buzinas, nem xingamentos, nem irritação, nem discussão ou vias de fato. Sequer sentimentos de aflição, derrota ou sujeição: todos os motoristas, presos em seus carros apontados de frente uns para os outros, como vacas aplastadas num curral, aguardavam-se mutuamente com resignação e tranquilidade. Em silêncio.

Um silêncio incomum ao perturbador trânsito daquela hora, final de tarde. Tão incomum quanto a invisível nuvem de solidariedade que ali desceu inexplicavelmente, naquele que foi considerado o primeiro engarrafamento gentil da história daquela cidade.


Daniel Rodrigues

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