"Os Mutantes são demais!"
Caetano Veloso, em 1968
Surgidos em meio ao movimento Tropicalista do final dos anos 60, o trio paulistano Arnaldo Baptista, Sérgio Dias e Rita Lee, os Mutantes, inspirados pelos Beatles traziam à música brasileira uma proposta absolutamente original e inovadora, agregando à psicodelia desta raiz rock, ritmos regionais brasileiros e incorporando toda a linha de pensamento e ação daquele movimento artístico no que dizia respeito à quebra de regras, padrões, formatos e paradigmas.
Em seu disco de estreia de 1968, “Os Mutantes”, a banda levava ao extremo seus preceitos: em um trabalho brilhante desfaziam a estrutura das canções, teatralizavam a música, desvirtuavam gêneros e misturavam linguagens artísticas.
“Panis et Circenses” a faixa que abre o disco, com sua letra surreal e arranjos 'aloprados' do maestro Renato Duprat, é um exemplo claro deste rompimento de estrutura mudando de forma várias vezes ao longo de sua duração, incorporando ruídos, elementos publicitários, sinais sonoros, até acabar abruptamente interrompendo a encenação de um jantar em família.
“A Minha Menina” que vem na sequência, de autoria de Jorge Ben, traz uma introdução com o próprio mandando todo mundo tossir e ainda sua colaboração na própria música com aquele violão ímpar cheio de ritmo, numa batucada-rock com a guitarra de Sérgio Dias bem alta, aguda e destacada.
Quem ouve “Adeus Maria Fulô”, um retrato crítico e cru da vida no sertão nordestino e da fuga pra cidade grande, num primeiro momento pode-se deixar enganar pela instrumentação percussiva e pela condução de cuíca, mas logo vai perceber tratar-se na verdade de um falso-samba regionalista nesta canção que, talvez, na sua essência seja a mais rock de todo o disco.
Outro destaque é “Bat Macumba”, de Caetano e Gil. Bem ritmada e embalada com uma guitarra estridente solando o tempo todo, é daquelas canções cuja letra genial, cheia de simbologias, fonologias, ícones e chaves é tão significativamente formal que é possível lê-la e perceber sua estrutura concretista visual mesmo musicada e acompanhar sua composição e decomposição.
Batmacumba iêiê batmacumbaoba
Batmacumba iêiê batmacumbao
Batmacumba iêiê batmacum
Batmacumba iêiê batmacum
Batmacumba iêiê batman
Batmacumba iêiê bat
Batmacumba iêiê ba
Batmacumba iêiê
Batmacumba iê
Batmacumba
Batmacum
Batman
Bat
Ba
Bat
Batman
Batmacum
Batmacumba
Batmacumba iê
Batmacumba iêiê
Batmacumba iêiê ba
Batmacumba iêiê bat
Batmacumba iêiê batman
Batmacumba iêiê batmacum
Batmacumba iêiê batmacumba
Batmacumba iêiê batmacumbao
Batmacumba iêiê batmacumbaoba
A divertida (mas séria) “O Senhor F” é quase teatro mambembe; “Le Premier Bonheur du Jour” com sua letra em francês seria charmosa com o vocal sensual de Rita se não fossem as fungadas ao fim de cada verso; “O Relógio” é extremamente bem construída no seu experimentalismo bem ao estilo "Sgt. Peppers"; e a versão de “Baby” (outra de Caetano) com sua guitarra rasgada, é cantada de maneira irreverente, quase debochada, por Arnaldo Baptista. No mais, temos a excelente “Trem Fantasma”, a experimental e psicodélica “O Relógio”; o jazz "Tempo no Tempo"; e a finalização com a instrumental de linhas orientais “Ave, Gengis Kahn”.
Disco fundamental para o rock brasileiro, para a música popular brasileira como um todo e por que não para um cenário mais amplo, a observar-se a recente descoberta e surpresa de artistas internacionais com o som dos Mutantes. Sua presença já se fazia obrigatória nesta seção fazia algum tempo. Demorou, mas finalmente ei-lo aqui. Carimbo de qualidade ÁLBUM FUNDAMENTAL do ClyBlog.
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FAIXAS:
1. "Panis et Circenses" (Caetano Veloso, Gilberto Gil) 3:38
2. "A Minha Menina" (Jorge Ben) 4:42
3. "O Relógio" (Arnaldo Baptista, Rita Lee, Sérgio Dias) 3:30
4. "Adeus Maria Fulô" (Humberto Teixeira, Sivuca) 3:04
5. "Baby" (Caetano Veloso) 3:01
6. "Senhor F" (Arnaldo Baptista, Rita Lee, Sérgio Dias) 2:33
7. "Bat Macumba" (Caetano Veloso, Gilberto Gil) 3:10
8. "Le Premier Bonheur du Jour" (Frank Gerald, Jean Renard) 3:36
9. "Trem Fantasma" (Arnaldo Baptista, Caetano Veloso, Rita Lee, Sérgio Dias) 3:16
10. "Tempo no Tempo (Once Was a Time I Thought)" (John Philips - Versão: Arnaldo Baptista, Rita Lee, Sérgio Dias) 1:47
11. "Ave Gengis Khan" (Arnaldo Baptista, Rita Lee, Sérgio Dias) 3:48
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Ouça:
Os Mutantes 1968
Cly Reis