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terça-feira, 28 de junho de 2022

"A Gaiola das Loucas", de Édouard Molinaro (1978) vs. "A Gaiola das Loucas", de Mike Nichols (1996)




Dois bons times! Jogo muito equilibrado. Se de um lado temos a ousadia e o pioneirismo dos franceses em bancarem, ainda nos anos 70, um filme sobre um casal de homossexuais que vivem juntos com naturalidade, do outro temos a qualidade da produção norte-americana, com o acréscimo de um elenco de primeira.
Os esquemas de jogo são praticamente idênticos: o dono de uma boate drag é surpreendido pelo filho, que tivera num passado remoto, com a notícia de que este pretende casar. Além do desgosto do matrimônio ser com uma mulher, a futura esposa é ainda, filha de um influente político. Só que para causar boa impressão ao futuro sogro conservador e de modo que a união seja permitida, o pai do futuro noivo, que é casado com outro homem, deverá fingir ser hétero e encenar uma vida "normal", "respeitável" e "tradicional" em um jantar de apresentação das famílias. A única diferença nisso tudo é que um se passa em Saint-Tropez e o outro em Miami.
Embora o time francês tenha uma ótima atuação, a equipe norte-americana ganha nos detalhes: tem uma fotografia mais impressionante, a cargo do oscarizado Emmanuel Lubezki, uma direção de arte que foi indicada ao Oscar, uma trilha mais empolgante repleta de clássicos da disco-music, e as "americanices", que normalmente incomodam e desvalorizam as refilmagens, aqui funcionam super bem com clichês, exageros e palhaçadas que dão um tom mais leve e gostoso à adaptação. Isso sem falar nas atuações individuais! Por mais que Hugo Tonazzi esteja muito bem no papel de Renato, o dono da boate, Robin Williams, Armand, no remake, está espetacular. Gene Hackman, como o senador conservador também é show, Diante Wiest como sua esposa, suaviza graciosamente as situações embaraçosas, Calista Flockhart, que viria a ser Ally McBeal, na famosa série de TV, faz uma filha muito mais interessante que a italiana Luisa Maneri, e o empregado Agador "Spartacus" é mais cômico que seu igual francês, Jacob. Mas quem rouba cena mesmo é Nathan Lane como Albert, o parceiro de Armand. Com uma atuação inspirada, o ator nos arranca as melhores risadas com seu jeito excessivamente afetado. A cena do jantar, então, quando finge ser uma mulher mesmo, a mãe do garoto, é absolutamente hilária! A encenação de casal hétero, as gafes da "esposa", as trapalhadas do mordomo, os contratempos..., tudo é de não parar de rir e não tirar os olhos da tela até o desfecho da situação, por sinal, não menos engraçado, no qual o pai da noiva tem que driblar a imprensa para não ser visto em um ambiente que acabaria com sua carreira política.


"A Gaiola das Loucas" (1978) - trailer


"A Gaiola das Loucas" (1996) - trailer


Colocando assim, parece que o original tem muito poucas virtudes, o que não é verdade. Além de ser muito bom filme, muito bem feito e contar com boas atuações, "A Gaiola das Loucas", de 1978, tem o grande mérito do rompimento, de tratar do assunto do homossexualismo, de casais do mesmo sexo vivendo juntos, de maneira tão natural e direta, numa época em que, por mais que a cultura disco estivesse bombando pelo mundo, o tema ainda representava uma barreira e um sério tabu.
Mas, por incrível que pareça, 18 anos depois, o discurso não perdia o valor e em 1996, na refilmagem, ainda era (e ainda é) relevante, reafirmar que o indivíduo tem o direito de amar quem quiser e viver com quem bem entende. Ambos os filmes podem parecer meio caricatos, estereotipados mas na verdade, o exagero dos personagens, dos figurinos, dos trejeitos, mais do que qualquer coisa, pretendem salientar que cada um tem o direito de viver sua vida do jeito que achar melhor, seja no jeito de vestir, de andar, onde e com quem morar, e de ser quem é sem ter que disfarçar ou fingir para agradar alguém ou atender convenções sociais.
Ambos os times saem vitoriosos na luta contra o preconceito, homofobia, desigualdade, intolerância e conservadorismo, mas no confronto direto entre eles, "A Gaiola das Loucas" de 1996 leva pequena vantagem. 3x2, no placar final.

Os dois casais: Albin e Renato, à esquerda; e Albert e Armand, à direita.
Nathan Lane desequilibra a favor do filme mais recente
e praticamente decide o jogo.


O original tem o mérito da coragem, do rompimento, da originalidade, 
mas o remake ganha na produção, na escalação e
 nos desempenhos individuais
e ainda mantém a relevância, muitos anos depois. 





por Cly Reis


quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

"O Destino do Poseidon", de Ronald Neame (1972) vs. "Poseidon", de Wolfgang Petersen (2006)




Em clima de Réveillon, um confronto que tem tudo a ver com a entrada de um novo ano. Um transatlântico de luxo é atingido por uma onda gigante, causada por um tremor de terra submarino, exatamente na hora da virada. Tirando algumas poucas modificações, essa é a história básica tanto de "O Destino do Poseidon", de 1972, de Ronald Neame, quanto de seu remake, "Poseidon", de 2006, de Wolfgang Petersen. Mas é exatamente nas mudanças de escalação que o esquema tático do técnico, digo, diretor, Wolfgang Petersen começa a naufragar. O grupo de sobreviventes do original, liderado por um padre cético porém destemido e, mal ou bem, por um ex-policial turrão que só faz embaçar as situações, é muito mais interessante que o do novo, com um playboyzinho falido e um figurão ex-prefeito de Nova Iorque encabeçando a turma de fuga. Enquanto o antigo tem dois atores consagrados à frente do elenco, os oscarizados Gene Hackman e Ernest Bornigne, e ainda a indicada a coadjuvante por este filme, Shelley Winters, a nova versão aposta no clichê de um bonitão atlético, Josh Lucas, e um canastrão figurinha carimbada de filmes de ação, Kurt Russel, para garantir bilheteria. Isso sem falar nas pequenas mudanças em momentos-chave como na cena da fuga do salão principal e na da saída pelo casco do navio que, na minha opinião perdem em relação às soluções do original. 


"O Destino do Poseidon" (1972) - trailer



"Poseidon" (2006) - trailer


No remake, as cenas de ação são forçadas e de um heroísmo exagerado, ao passo que no antigo as situações de perigo eram naturalmente tensas e suficientemente verossímeis dentro do aceitável. Nem a parte técnica  que poderia ser um trunfo para a versão mais atual pelos recursos tecnológicos recentes faz alguma diferença. A cena da onda, por exemplo, que poderia ser um momento marcante, com todos os efeitos visuais disponíveis hoje em dia, é mais impressionante no antigo, por incrível que pareça, do que na nova versão em que ela é chocha e artificial. Soluções simples mas extremamente eficientes do original mostram-se mais eficientes que toda uma parafernália técnica e deixam o espectador tenso e envolvido como câmera inclinada e sempre instável, que passa a sensação incômoda de estarmos dentro do navio, e o mobiliário, de ponta cabeça, no navio emborcado, uma opção cênica sutil mas de efeito perturbador e angustiante.
Sabe aquele tipo de jogo que a torcida já chega no estádio sentindo que tá com cara de tragédia? Pois é, essa é a sensação que "Poseidon" tem ao perceber que está prestes a encarar um dos clássicos do cinema-catástrofe e não está nem um pouco preparado para isso. E não dá outra! "O Destino do Poseidon", de 1972, arrasa  "Poseidon", 2006 como um tsunami.
O elenco, a composição dos personagens, o roteiro, as cenas de tensão, tudo isso dá um banho nas situações equivalentes da refilmagem. A cena da escalada pela árvore de Natal invertida é clássica, a do fosso é eletrizante, a da velhota ex-nadadora, Shelley Winters, mergulhando, ciente que sua missão é sem volta é de roer as unhas, e o epílogo, na sala de máquinas é de não desgrudar da tela.
Em suma, a defesa de "Poseidon" faz água por todos os lados e o filme de 2006 leva uma verdadeira lavada. Até consegue marcar um graças à boa atuação de Richard Dreyfuss como um arquiteto desiludido com o namorado, mas não escapa de buscar a bola quatro vezes lá no fundo.


A cena da onda gigante no filme de 1972, à esquerda,
e no de 2006, à direita.


As pretensões do remake de igualar o clássico dos anos 70 vão,
literalmente, por água abaixo e, depois desse resultado,
o time de Wolfgang Peterson afunda numa enorme crise.






Cly Reis