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sábado, 9 de junho de 2018

O Rappa - "Rappa Mundi" (1996)





"O futebol faz parte da cultura nacional não é à toa. 
É um esporte que representa pra caramba
a maneira que a gente vive.
O que é?
Você driblando as atrocidades,
as condições impróprias que a gente tem."
Falcão, vocalista



O rock nacional dos anos 80 já começava a dar sinais de desgaste. Cazuza já tinha morrido, Renato Russo agonizava em público e sua doença refletia nos discos da Legião, Lobão começava a perder o rumo, os Titãs perdiam integrantes e a identidade, os Engenheiros se afastavam do grande público e, só os Paralamas, mesmo com discos um tanto irregulares, tenham conseguido sustentar o sucesso comercial e o interesse do público. Nesse ínterim, naquele início de anos 90, um bom time de novas bandas nacionais começava a dar as caras vindas de diferentes lugares do Brasil e trazendo sonoridades e propostas interessantes: os calangos do Raimundos e seu hardcore irreverente e desbocado; os mineiros do Pato Fu com seu bom humor e criatividade; o pessoal do Skank, também de Minas, apresentando com um pop gostoso e contagiante; também das Gerais o Jota Quest com seu pop-soul, estes já um pouco mais apelativos comercialmente; os recifenses do Mangue-Beat misturando sons regionais com peso e tecnologia; e no Rio, O Rappa, um pessoal que fundia reggae, com hip-hop, com soul, com MPB, utilizando-se de peso de guitarras distorcidas e elementos eletrônicos como samples e batidas programadas. A banda já havia aparecido bem com seu álbum de estreia, de mesmo nome, de 1994, chamando atenção, além da sonoridade, pelas ótimas letras com abordagens de questões sociais de forma lúcida e consciente, veio a conquistar definitivamente público e crítica com seu segundo álbum, "Rappa Mundi" de 1996.
Produzido pelo mestre dos estúdios no Brasil, Liminha, "Rappa Mundi" teve uma série de grandes sucessos com suas faixas sendo executadas incansavelmente nas rádios e na MTV. Contando com as letras sempre críticas e engajadas do então baterista Marcelo Yuka e com o vocal poderoso e versátil do carismático vocalista Falcão, a banda discorria sobre temas como drogas, violência urbana, trabalho infantil, religião, racismo e pobreza, das formas mais criativas, desde a maneira mais incisiva à mais bem-humorada.
Em "A Feira", por exemplo, faixa que abre o disco, num raggae-pop descontraído e embalado, falam sobre a venda de "substâncias ilícitas" e a facilidade de se encontrar os produtos em qualquer esquina; em "Miséria S.A." Falcão interpreta como se recitasse um texto decorado a criativa letra do cantor e compositor Pedro Luís, que imita aqueles bilhetinhos que pedintes entregam aos passageiros nos ônibus, escancarando a realidade da pobreza no Brasil e as situações a que se sujeitam homens, mulheres e muitas vezes crianças; "Vapor Barato", clássico multi-regravado da música brasileira, ganha uma versão competentíssima, mais embalada e de interpretação marcante de Marcelo Falcão, incluindo-se entre as grandes versões que a canção de Waly Salomão e Jards Macalé já recebeu. "Ilê Ayê", conhecida na voz de Gilberto Gil no álbum "Refavela", vai perfeitamente ao encontro do discurso e da proposta dO Rappa e com uma pegada mais elétrica e vibrante, é outra cover que não decepciona. Assim como "Hey Joe", outra versão, esta da canção imortalizada por Jimi Hendrix, que, embora não tenha o brilho daquela do gênio da guitarra, garante uma boa releitura em português e completamente carregada no reggae.
Grande sucesso, a inspiradora "Pescador de Ilusões" é aquele trunfo radiofônico perfeito; "Uma Ajuda" juntamente com "Lei da Sobrevivência" talvez sejam as menos empolgantes do disco; já "O Homem Bomba" e "Tumulto", por sua vez são incendiárias, ambas abordando a indignação do home  comum, do cidadão tão desrespeitado no dia a dia. "Tumulto", em especial, muito a calhar, fala sobre manifestações populares, povo, não o povo da Paulista, mas o povo de comunidades, indo à rua por justiça, por igualdade, por necessidades básicas ou por conta da violência cotidiana. Mais uma porrada dO Raapa!
Altamente ligados a futebol, torcedores e frequentadores de estádios, tendo inclusive participado da coletânea de hinos de clubes brasileiros, da revista Placar, gravando o hino do Flamengo, o esporte, que segundo eles mesmos tem tudo a ver com a música e com a vida do brasileiro, aparece em vários momentos no disco. A ótima "Eu Não Sei Mentir Direito", por exemplo, começa com os versos "No país do futebol/ Eu nunca joguei bem..." revelando alguém que, numa terra de onda a malandragem é a lei, não consegue se adaptar à conduta dominante enraizada na cultura do brasileiro; "O Homem Bomba", fala em "tocar bumbo na garganta do Maracanã"; "Óia o Rappa", música que fecha o disco e que também fala sobre o jeito do cidadão se virar, refere-se a "pênalti" quando a situação fica crítica numa batida da polícia num negócio informal um tanto suspeito. Mas é em "Eu Quero Ver Gol" que a verve futebolística fica totalmente exposta retratando a realidade de um torcedor que enfrenta os perrengues do dia a dia, dá duro durante a manhã na praia, mas que não quer perder de jeito nenhum o jogo do fim da tarde e, mais do que qualquer coisa, ver seu time ganhar ("Tô no rango desdas duas e a lombra bateu/ O jogo é as cinco e eu sou mais o meu/ Tô com a geral no bolso, garanti meu lugar/ Vou torcer, vou xingar pro meu time ganhar"). A versão do especial acústico gravado para a MTV, que posteriormente viraria CD e DVD, gravada em 2005 é ainda mais "boleira" e tem mencionados, em seu final, os nomes de vários jogadores da Seleção Brasileira que estavam prestes a disputar a Copa de 2006, num final apoteótico para aquela apresentação.
Depois de "Rappa Mundi" a banda ainda apresentaria o bom "Lado B, Lado A" mas após um incidente urbano em 2001, infelizmente cada vez mais familiar a todos nós, uma tentativa de assalto que vira a deixar Marcelo Yuka, baterista e principal compositor da banda paraplégico, O Rappa, com sua saída, perdia bastante em qualidade de letras e criatividade mostrando-se irregular e inconsistente, embora ainda conseguisse sustentar um relativo sucesso comercial. Mas "Rappa Mundi" com toda sua atitude, gingado, irreverência e sonoridade já havia garantido o nome dO Rappa em destaque entre os grandes discos da música brasileira e por extensão, para nós, na galeria dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS do ClyBlog.
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FAIXAS:
1. "A Feira" - Marcelo Yuka (3:59)
2. "Miséria S.A." - Pedro Luís (4:01)
3. "Vapor Barato" - Waly Salomão, Jards Macalé 4:23)
4. "Ilê Ayê" - Paulinho Camafeu (3:50)
5. "Hey Joe" (participação de Marcelo D2)  - Bill Roberts, versão: Ivo Meirelles, Marcelo Yuka (4:25)
6. "Pescador de Ilusões" -  Marcelo Yuka (4:29)
7. "Uma Ajuda" - Marcelo Yuka (4:29)
8. "Eu Quero Ver Gol" - Falcão, Xandão (3:41)
9. "Eu Não Sei Mentir Direito" -  Marcelo Yuka 4:03
10. "O Homem Bomba" - Marcelo Yuka (3:14)
11. "Tumulto" - Marcelo Yuka (3:14)
12. "Lei Da Sobrevivência (Palha de Cana)" - Falcão (3:05)
13. "Óia O Rapa" - Lenine, Sérgio Natureza (6:00)

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Ouça:
O Rappa - Rappa Mundi


Cly Reis

sexta-feira, 23 de março de 2018

cotidianas #558 - Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro




Tudo começou quando a gente conversava
naquela esquina ali
de frente àquela praça
veio os homens
e nos pararam
documento por favor
então a gente apresentou
mas eles não paravam
qual é negão? Qual é negão?
o que que tá pegando?
qual é negão? Qual é negão?

É mole de ver
que em qualquer dura
o tempo passa mais lento pro negão
quem segurava com força a chibata
agora usa farda
engatilha a macaca
escolhe sempre o primeiro
negro pra passar na revista
pra passar na revista


Todo camburão tem um pouco de navio negreiro
Todo camburão tem um pouco de navio negreiro


É mole de ver
que para o negro
mesmo a AIDS possui hierarquia
na África a doença corre solta
e a imprensa mundial
dispensa poucas linhas
comparado, comparado
ao que faz com qualquer
comparado, comparado
figurinha do cinema
comparado, comparado
ao que faz com qualquer
figurinha do cinema
ou das colunas socias

Todo camburão tem um pouco de navio negreiro
Todo camburão tem um pouco de navio negreiro


**********
"Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro"
O Rappa
(letra: Marcelo Youka)


***


O Rappa - "Todo Camburão Tem Um Poucode Navio Negreiro" *

* Vídeo produzido por um grupo de alunos do 3ºD - Noite,
turma de 2014 do Colégio Estadual Princesa Isabel - Cerro Azul/PR,
ao longo do 3º Bimestre, quando foram trabalhados conteúdos
relacionados à História da África e História e Cultura Afro-brasileira.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

cotidianas #54 - O Candidato Caô *



* adaptação da letra de "Candidato Caô Caô"
interpretada por O Rappa com Bezerra da Silva (1994)


Candidato Caô Caô
(Walter Meninão e Pedro Butina)
Caô, caô a justiça chegou ...
Ele subiu o morro sem gravata
dizendo que gostava da raça, foi lá
na tendinha, bebeu cachaça e até
bagulho fumou


Foi no meu barracão, e lá
usou lata de goiabada como prato
eu logo percebi é mais um candidato
As próximas eleições
As próximas eleições
As próximas eleições


Fez questão de beber água da chuva
foi lá na macumba e pediu ajuda
bateu a cabeça no gongá
"deu azar"...
A entidade que estava incorporada disse:
- Esse político é safado cuidado na hora de votar !
também disse ...


- Meu irmão se liga no que eu vou lhe dizer
hoje ele pede seu voto, amanhã manda a polícia lhe bater ...
- Meu irmão se liga no que eu vou lhe dizer
hoje ele pede seu voto, amanhã manda a polícia lhe prender ...
hoje ele pede seu voto, amanhã manda a policia lhe bater ...
eu falei prá você, "viu"?


(falado por Bezerra da Silva)
Esse político é safadão hein !!!
Nesse país que se divide
em quem tem e quem não tem,
sempre o sacrifício cai no braço operário
Eu olho para um lado, eu olho para o outro
vejo desemprego e vejo quem manda no jogo
E você vem, vem, pede mais de mim
diz que tudo mudou e agora vai ter fim,
mas eu sei quem você é e ainda confio em mim
Esse jogo é muito sujo mas eu não desisto assim ...


Você me deve ... Ah ah ah ah !!!
Malandro é malandro e mané é mané !!!
Você me deve ....
Você me deve seu banana prata !!!

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Ouça a Música:
Candidato Caô Caô - O Rappa (partic. esp. Bezerra da Silva)