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terça-feira, 15 de novembro de 2016

Mimo Festival 2016 - Jards Macalé/Otto e João Bosco/Hamilton de Holanda - Praça Paris- Rio de Janeiro (12/11/2016)





Jards Macalé no palco Seligaê 
Belíssimo local mas não é pra isso.
A Praça Paris, no Centro do Rio, é uma charmoso parque ao estilo francês com belos jardins bem cuidados, canteiros bem delineados e arbustos bem aparados. Um espaço belo e extremamente aprazível. Por todas estas características fiquei um pouco intrigado quando vi que a praça abrigaria eventos do Festival Mimo na cidade, curioso para saber como é que funcionaria na prática colocar um evento assim num espaço que me parecia tão pouco apropriado para a proposta. Assim que cheguei lá, no final da tarde do sábado, só tive a comprovação da minha desconfiança. O lugar passava longe de ser apropriado para um evento de música ao vivo, ainda mais de nomes tão significativos da música brasileira e encontros musicais interessantíssimos que inevitavelmente teriam bom apelo. Pra começar, o palco Seligaê que era o que me interessava por conta dos encontros de Jards Macalé com Otto e de João Bosco com Hamilton de Holanda, ficava disposto atravessado sobre um dos espelhos d'água como se fosse uma ponte, impossibilitando o posicionamento frontal do público, assim, as pessoas colocadas lateralmente tinham que driblar visualmente os belos arbustos quase esculturalmente podados, dispostos regularmente a aproximadamente 5 a 8 metros um dos outro, para conseguirem ver o palco. Pequenas arquibancadas baixas que pouco adiantavam atrás das pessoas em pé serviam como apoio e um barranquinho, um pouco mais alto ajudava um pouco quem estivesse mais atrás mas mesmo assim sem maior vantagem. Mas tudo bem, não concordei com o que encontrei mas pensei que de certo fazia parte da proposta do festival, uma revalorização, repensamento e reuso de determinados espaços públicos e blablablá, coisa e tal, então vamos lá.
João e Hamilton duelando nas cordas.
Já que a situação era aquela mesmo era encarar e assistir ao show de Jards Macalé em diagonal atrás de uma arvorezinha. No palco, o irreverente músico carioca de 73 anos mostrou que está em plena forma num show de talento, ritmo e vibração. Transitando confortavelmente por diversos ritmos e sonoridades, o cantor, num primeiro momento apenas com uma jovem e competente banda e  ainda sem o convidado, abriu o show com uma elétrica "Let's Play That", trouxe à baila a irreverente "Farinha do Desprezo", empolgou com a clássica "Pano Pra Manga" e arrebatou com a fantástica "Vapor Barato". Da metade para o final, aí sim, o músico pernambucano Otto entrou para participar da festa  fazer algumas canções em dueto com Jards mas sem dar nenhuma grande contribuição, é bom que se diga. Assim que entrou, agradecido pela oportunidade de tocar com um dos grandes nomes da MPB, Otto declarou, "Olha só o que a MPB me proporciona: tocar com esse cara! Jards, você é uma peça. Você é uma peça dessa engrenagem da música brasileira.", ao que Jards respondeu, "E você é a gasolina". A resposta de Jards não poderia ter sido mais verdadeira, pois como "gasolina", Otto, como uma espécie de MC, incendiou a galera chamando-a para cantar em "Corcovado" e de uma maneira mais efetiva e entusiástica no clássico "Juízo Final" de Nelson Cavaquinho. Mas dele foi só isso! Após estes dois números em parceria, o cantor carioca saiu do palco e Otto mostrou que é muito mais suor do que inspiração, até trazendo à tona um "Da Lama ao Caos" de Chico Science e encerrando com uma versão verdadeiramente furiosa de "Canalha" de Walter Franco, mas não conseguindo empolgar em momento algum.
Parte do público tomando o espelho d'água.
Já no show de fundo do palco Seligaê, de João Bosco e Hamilton de Holanda, apesar do enorme atraso de mais de uma hora do início previsto, as duas atrações brilharam em igual intensidade. Conhecia pouco de Hamilton de Holanda, havia visto uma vez que outra na TV mas não havia ficado tão impressionado quanto fiquei lá. Meu Deus, o cara é um monstro!!! Se já era impressionado com a qualidade do violão de João Bosco, a técnica e a capacidade de improvisação do jovem instrumentista é assustadora e para quem esteve lá pode presenciar alguns empolgantes"duelos", olho no olho de Hamilton com João. Sob um leve chuvisqueiro, daquela chuvinha tipo vai-não-vai, a dupla apresentou sucessos de João Bosco como "Odilê, Odilá", "O Ronco da Cuíca", "Incompatibilidade de Gênios" e "Linha de Passe", e clássicos da música brasileira como "Fotografia" de Tom Jobim, "Milagre" de Dorival Caymmi, "Lília" de Milton Nascimento com uma interpretação marcante de João Bosco bem no seu estilo vocal característico, e o provável segundo hino nacional brasileiro, a grande "Aquarela do Brasil" de Ary Barroso.
A música hipnotizava tanto o público que ele, em determinado momento, viu-se, talvez, naturalmente atraído e conduzido para dentro das águas do pequena piscina que defrontava o palco e dividia a a platéia. Devo admitir que foi uma manifestação bonita num primeiro momento. A naturalidade e a espontaneidade do ato conduzido pela música pareceu algo como se o público tivesse sido atraídos por uma espécie de irresistível canto de sereia. Mas assim que o espelho d'água começo a encher e tirar a visão das pessoas que haviam chegado cedo e se posicionado privilegiadamente há muito tempo e assim que a organização começou a solicitar que as pessoas saíssem pois haviam se comprometido com a prefeitura que não haveria pessoas na água a brincadeira perdeu a graça. Os espontâneos dançarinos das águas recusavam-se a sair mesmo diante dos apelos da organização e das ameaças de paralisação do espetáculo até que a situação fosse normalizada. Alguns saíram, outros não, outros saíram e voltaram, os músicos entraram levar numa boa mas fiquei com a impressão que teríamos um bis ou um show um pouco mais longo não fosse a criancice e o "beicinho" dos teimosos mimadinhos que insistiam em, com sua atitude de "resistência", comprometer a diversão dos outros. Mas felizmente não conseguiram estragar o evento e entre uma leve garoa e "crianças" no laguinho quem deu um banho foi a dupla João Bosco e Hamilton de Holanda. Pra lavar a alma!

Jards Macalé - "Vapor Barato"


Cly Reis