"Democracia em Vertigem" não é ficção. É muita realidade e é a realidade do golpe que a elite brasileira faz questão de obscurecer, que a classe média vaidosa (sabe-se lá porquê) quer constantemente minimizar com argumentos ocos como "pelo menos tiramos o PT", e que parte da população mais pobre, manipulada pela mídia, pelos patrões e pela própria incapacidade de julgamento, engoliu acreditando que era tudo em nome do fim da corrupção. Esse é o grande mérito do documentário de Petra Costa, que concorre ao Oscar nesta categoria, o de contar a verdade, detalhe por detalhe, minuciosamente, desde o início da onda de manifestações que, apoiada fragilmente num aumento de vinte centavos na passagem de ônibus, foi alvo fácil manipulação para os fins dos que realmente tinham interesse naquela revolta que atirava para qualquer lado.
O filme relembra quase didaticamente todos os acontecimentos ocorridos e que levaram ao afastamento de Dilma Roussef, por uma questão fiscal à qual muitos presidentes antes dela recorreram. Dizer que é fantasioso, mentiroso, que manipula os fatos como afirmou o patético Presidente da República e, recentemente o jornalista Pedro Bial, só para ficar em dois personagens é uma imbecilidade, uma vez que o filme apresenta imagens dos canais oficiais de governo, como TV Câmara e Senado, imagens de telejornais (inclusive da emissora à qual Pedro Bial serve), entrevistas com membros do congresso e integrantes da cena política nacional daquele momento, praticamente em sequência cronológica sem deixar dúvida, não somente da ordem dos acontecimentos, como da veracidade deles. Exercício de ficção é ignorar o que é apresentado ali.
Se esta é uma virtude, também é um defeito. "Democracia em Vertigem" é muito certinho, é muito linear e aí, enquanto obra cinematográfica, fica muito simplificado, quase que como uma mera compilação de documentos visuais variados. Sei que o principal compromisso do filme é o de relatar os acontecimentos daquele período mas a falta de criatividade e de dinâmica no modo de fazê-lo depõe contra a obra numa análise qualitativa pensando em uma premiação, como a que concorre.
Não será dessa vez que o Brasil ganhará o Oscar e certamente a não-premiação desta obra será motivo de regozijo por parte da ignóbil direita brasileira. "Democracia em Vertigem" é extremamente válido, extremamente importante como documento histórico mas é fraco enquanto obra cinematográfica. Já vi muitos documentários vencedores de Oscar mais interessantes e envolventes, mais criativos na sua forma de narrar, com edições mais dinâmicas ou mesmo mais surpreendentes. Me surpreenderia muito se ganhasse. Mas, se acontecer, será pelo outro grande mérito do filme, que foi o de levar a conhecimento do resto do mundo, esmiuçadamente, o que está acontecendo por aqui e que, uma vez sabedores dos fatos, os membros da Academia tenham ficado tão impressionados com a maneira como um país, deliberadamente, sepulta a própria democracia.
Trailer "Democracia em Vertigem"
Cly Reis