E ao contrário do que ia se desenhando, de que teríamos uma conciliatória partilha de prêmios entre os principais concorrentes, para que todo mundo saísse bem, sem nenhum destaque acima dos outros, eis que no último prêmio tudo mudou... Esse era bom naquilo, outro era bom em outra coisa, aquele outro era melhor em outra, e as estatuetas foram se pulverizando entre os indicados premiando os principais méritos de cada um, sem maiores contestações: "1917" levando fotografia; "Coringa", levando ator; "Ford vs. Ferrari" faturando os prêmios técnicos de impacto visual e sonoro, tudo no seu devido lugar a não ser, talvez, pela frustração do tricampeonato de roteiro original para Tarantino que era bem cotado na categoria, mas mesmo assim, nenhum absurdo. Mesmo se "1917" ganhasse, ao final a estatueta de melhor filme e se isolasse numericamente à frente, se "Coringa" ou "Era Uma Vez Em... Hollywood" tivessem levado seu terceiro prêmio e causado um tríplice empate, as hierarquias dos prêmios até então distribuídos, não teriam feito de nenhum deles o vencedor absoluto, mesmo com o carimbo de MELHOR FILME. Mas a decisão da categoria principal em favor de "Parasita" deu um significado diferente a tudo isso. Não é a questão de ter ganho quatro e o outro ganho três... Vencendo o Oscar de melhor filme, "Parasita" não deixou margem de dúvidas de que era, dentre aqueles, o melhor em tudo. Se a sua direção é a melhor, se o seu roteiro é o melhor, se já é reconhecido como melhor filme internacional, a aclamação na categoria principal faz do filme um dos vencedores mais incontestáveis dos últimos tempos no Oscar. Ganhar Palma de Ouro e Oscar de filme estrangeiro alguns já conseguiram, ganhar Palma de Ouro e Oscar de melhor filme, só um havia conseguido até hoje, "Marty", de 1955, mas ganhar o prêmio principal de Cannes, o Oscar de filme estrangeiro e a categoria principal da Academia, sem falar em direção e roteiro, é absolutamente inédito e só demonstra o quanto "Parasita" tem méritos que nem a habitual politicagem de Hollywood foi capaz de ignorar. No mais, a cerimônia teve dois belíssimos números musicais, um com Janelle Monàe, na abertura e outro com Sir. Elton John executando a canção pela qual ganhou o Oscar pelo sua própria cinebiografia, "Rocketman", um discurso forte e inspirado de Joaquin Phoenix ao receber seu prêmio pela atuação em "Coringa", e o belíssimo e humilde reconhecimento do vencedor da categoria de direção, o sul-coreano Bong Joon-Ho, a Martin Scorsese, que pelo menos serviu como consolo pelo fato de seu filme candidato em dez categorias "O Irlandês" ter saído de mãos vazias. Se houve um certa chiadeira pelo fato de mulheres e negros não terem merecido a devida atenção nas indicações, a Academia, ao que parece tentou compensar em premiações como as de "Hair Love", sobre cabelos afro, como curta de animação, e "Learning to sobreviver in a warzone (If you're a girl)", sobre garotas superando barreiras e preconceitos para praticar seu esporte, na categoria documentário em curta-metragem, e, a propósito de documentário, como era esperado, não foi dessa vez que o Brasil, levou um Oscar com o importante porém fraco "Democracia em Vertigem". "Parasita" fez história! Se em vários anos anteriores a Academia via filmes estrangeiros superiores aos hollywoodianos e não tinha a coragem de dar os dois prêmios para o convidado de fora da festa, fazendo aquela mediazinha, dividindo irmanamente os louros da glória entre "nós" e "vocês", desta vez parece que foi impossível não se render ao que veio de fora. Parece que finalmente um corpo estranho que vinha se desenvolvendo invadiu definitivamente o sistema imunológico de Hollywood. Os estrangeiros chagaram e se alojaram por lá. Mas ao contrário de um parasita, não estão ali para tirar. Pelo contrário, tem muito a dar ao cinema americano. Confira abaixo a lista dos vencedores em todas as categorias:
Melhor roteiro original: Parasita
Melhor roteiro adaptado: Jojo Rabbit
Melhor longa de animação: Toy Story 4
Melhor curta-metragem de animação: Hair Love
Melhor curta-metragem: The Neighbor's Window
Melhor direção de arte: Era Uma Vez em... Hollywood
Melhor figurino: Adoráveis Mulheres
Melhor documentário: American Factory
Melhor documentário em curta-metragem: Learning to sobreviver in a warzone (If you're a girl)
Melhor edição de som: Ford vs. Ferrari
Melhor mixagem de som: 1917
Melhor fotografia: 1917
Melhor montagem: Ford vs. Ferrari
Melhores efeitos visuais: 1917
Melhor maquiagem e penteado: O Escândalo
Melhor filme estrangeiro: Parasita
Melhor trilha sonora original: Coringa
Melhor canção original: (I'm gonne) Leave me again - Rocketman
Melhor direção: Bong Joon Ho - Parasita
Melhor ator caodjuvante: Brad Pitt (Era Uma Vez em... Hollywood)
Melhor ator: Joaquin Phoenix (Coringa)
Melhor atriz coadjuvante: Laura Dern (História de um Casamento)
Uma espécie de origem do Papai Noel e do hábito de dar presentes, "Klaus", longa de animação da Netflix, é mais do que um filme sobre Natal. Ele é sobre fazer do mundo um lugar melhor. A conduta, inicialmente interesseira, de um carteiro que, enviado por seu pai para uma ilha remota com a missão de registrar pelo menos 6.000 cartas num lugar tão beligerante que a comunicação praticamente não existe, acaba sobrepujada pelo efeito de suas ações que fazem, sem querer, com que as crianças comecem a escrever cartas para um lenhador recluso e ranzinza que fabrica brinquedos de madeira, gerando no local uma onda de generosidade e amabilidade. O filme do diretor Sergio Pablos quer demonstrar exatamente isso: a importância de atos de gentileza, amor, de bondade e como estes podem transformar as pessoas e até mesmo o ambiente mais hostil. A parte técnica de "Klaus" é de muita qualidade e a animação não fica devendo nada às consagradas Pixar e DreamWorks. A construção dos personagens é que fica devendo um pouquinho mas nada que impeça de fazer o espectador dar boas risadas e também se emocionar em vários momentos. Um recado importante, em forma de fábula natalina, para os dias de hoje tão cheios de tanto ódio e intolerância. Pena que muitos dos que deviam ver com os olhos da autocrítica, certamente, o verão como somente mais uma animação bonitinha. Olhe com mais atenção... Tem gente que está precisando. Todos nós estamos precisando, na verdade.
O carteiro Jesper consegue convencer o recluso Klaus
a atender os pedidos das cartinhas das crianças do vilarejo.
Se você não entende sarcasmos, ironia, deboche, e sátiras, esse filme não é para você, mas, se tudo isso chama sua atenção, esse longa e perfeito. “Jojo Rabbit” é um deboche do início ao fim ao nazismo e, principalmente à juventude hitlerista da Segunda Guerra, cega e tola, beirando à imbecilidade (alguma semelhança com cenário atual das Américas?).
Uma sátira sobre a Segunda Guerra Mundial que segue um solitário garoto alemão chamado Jojo (Roman Griffin Davis), cujo mundo é revirado quando descobre que sua mãe (Scarlett Johansson) esconde uma jovem judia (Thomasin McKenzie) no sótão. Com a ajuda de seu único - idiota e imaginário - amigo Adolf Hitler (Taika Waititi), Jojo precisa enfrentar seu nacionalismo cego.
O período histórico no qual o filme se passa, que por si só já marca um período triste e dramático, é carregado ainda mais dramaticamente nesse sentido pelo diretor, o que até funciona, em alguns momentos embora o drama não seja o forte do filme, em grande parte devido a seu roteiro que, mesmo sendo bastante bom, acaba sendo muito previsível, não sendo muito difícil prever o que vai acontecer do segundo ato em diante até o final.
Taika tem um ótimo senso para o humor e sabe explorar isso muito bem. Seu deboche, disfarçado de inocência e bobices, rendem ótimas cenas, como as que o Hitler imaginário aparece aconselhando Jojo, e quando a Gestapo resolve investigar a casa de do menino. “Heil Hitler”! Essa saudação rende uma cena hilária. Mesmo que o carisma de Roman Griffin Davis e Archie Yates, como Yorki, sejam o principal destaque nas atuações, Scarlett Johansson também merece atenção. Ela é imponente, forte e domina suas cenas na pele de uma mãe solteira que faz papel de pai e mãe e, a respeito disso, especificamente, há uma cena simplesmente FABULOSA.
Há um certo desequilibro no tom do filme, em suas passagens de comédia para drama. Existe um conflito de emoções muito rápido, sem tempo de preparo, e isso pode sim ser visto como um problema do longa. Porém seu humor, muito bem utilizado nos momentos certos, conferem uma atmosfera única para um filme que retrata, nada menos que a Segunda Guerra Mundial. Você se sente “desconfortável” ao rir de Hitler e de ver um menino de 10 anos com uma arma indo proteger a cidade da invasão russa, porem, não há como negar que são momentos hilários. Coisas de Taika... Como comédia, “Jojo Rabbit” se sai muito bem. Ainda que destaque-se o ótimo figurino e algumas ótimas atuações, o humor é o que carrega o longa e, não há como evitar que em algum momento, a gente acabe rindo, mesmo que seja com peso na consciência.
O filósofo polonês Zygmunt Bauman, grande leitor dos nossos tempos, bem descreve que a modernidade “líquida” em que vivemos gera, por conta e culpa da globalização descontrolada, o que ele chama de “mixofobia urbana”, a tensão permanentemente desagradável e perturbadora da estranheza ao outro. Essa presença irritante entre estranhos da mesma cidade, vizinhos separados pelas diferenças sociais por meio de espaços “interditados”, é, segundo ele, “uma fonte inesgotável de ansiedade e de uma agressão geralmente adormecida, mas que explode continuamente”. O longa sul-coreano “Parasita”, escrito e dirigido por Bong Joon-Ho, é um dos filmes mais perspicazes na leitura destes tempos líquidos. Mordaz e crítico à sociedade capitalista, a obra expõe uma alegoria da vida real, em que, recorrendo aos mais animalescos recursos de sobrevivência nesta selva chamada cidade, todos os caminhos dessa violência sistêmica levam a uma coisa: a morte.
Palma de Ouro no Festival de Cannes e vencedor de três Globo de Ouro – Filme, Diretor e Roteiro –, “Parasita” retrata as ações de uma família pobre, os Kim, que manipula outra família, os abastados Park, para arrumar trabalho. Através de uma série de mentiras e planos mirabolantes, os vigaristas conseguem se "infiltrar" na mansão luxuosa, como um parasita que habita um corpo sem que ele perceba. A casa, no entanto, também está cheia de mistérios, que os Kim vão desvendando ao longo do desenrolar dos fatos, o que vai tornando a narrativa de um humor ácido para um terror psicológico. Muito bem fotografado e montado, alia ainda com precisão trilha sonora e edição de som para adensar essa atmosfera sinistra.
Os Kim: pobreza e miséria social que os assemelha a defuntos
A densidade psicológica do filme, entretanto, é evidenciada logo de princípio com a fotografia suja da casa onde os Kim moram. Ou melhor: se entocam, haja vista as condições subumanas daquele porão escondido e da indignidade social a que são sujeitados. Para piorar, na era digital não são apenas as condições de moradia, trabalho e ensino que compõem a situação de miserabilidade: a tecnologia se torna mais um elemento de segregação. Se tem internet, está-se vivo; ao contrário, não. As pessoas da família Kim, esteticamente parte essencial deste cenário, são tão emporcalhadas daquela subvida que parecem defuntos. Eis um dos elementos narrativos principais do longa: a morbidez, expressa tanto nas peles e corpos quanto, mais simbolicamente, nas relações sociais e interpessoais. Cenas como o casal Kim deitado sobre o chão e enfileirados, o momento em que se arrastam para fugir da mansão sem serem percebidos ou o sono profundo do qual a senhora Park é acordada pela governanta denotam esse aspecto mórbido.
O designo irrefreável da morte que “Parasita” suscita, assim como em Kafka, é uma metáfora a vários níveis da sociedade, seja a da oriental sul-coreana, seja a nossa, do Ocidente. A exclusão das classes desfavorecidas, a displicência cruel do estado liberal, a americanização desmedida – que leva à descaracterização/morte cultural – e as feridas não curadas da guerra se embolam, formando um suco de insegurança e medo de todos os lados: os miseráveis, já muito próximos da morte caso não melhorem sua condição; e os ricos, permanentemente inseguros quanto à invasão do “estranho” às suas vidas estabelecidas. Assim, num sistema desequilibrado em que se privilegia o que está na superfície, aquilo que é feio e não quisto vai para baixo, é disfarçado, tapado, soterrado. Como defuntos sepultados – ou, pior, pessoas enterradas vivas. A casa dos Kim e o bunker da mansão dos Park – cujos portais simbólicos, a porta rodeada de objetos e a que dá acesso ao porão, fazem a ligação entre os espaços “interditados” – são cânceres que inevitavelmente coexistem com o mundo ideal do capitalismo. Mas mesmo que se finja não existirem, o lado escuro é retroalimentado pelo próprio sistema e suas desigualdades. Seus habitantes, proibidos à convivência “civilizada”, são como ratos e insetos que vivem de parasitar. Mas essa interdição, claro, tem seus limites, e é aí que se abre espaço para a explosão de toda a agressividade silenciada.
O portal simbólico que separa sonho de realidade
Tal tensão mixofóbica, vista também em filmes como “O Som ao Redor” (Kleber Mendonça, 2013) ou “Amores Brutos” (Iñárritu, 2000), inibe tanto a empatia quanto a razão. A tal ponto que resta apenas recorrer aos instintos. Não há planos para o futuro: apenas deixa-se os acontecimentos virem, como diz o personagem a certa altura. A esperteza murídea dos Kim de ascenderem do seu subterrâneo a qualquer custo, bem como a superficialidade nada inocente dos Park para com estes e entre eles próprios, são dois lados da mesma miséria. O sexo, a comida e o consumo para a satisfação física são, digamos, o lado “legal” desta instintividade. Mas as coisas complicam, obviamente, haja vista que ninguém recorre à consciência humana e, assim, a luta pela sobrevivência se impõe. É quanto o individualismo, a perversidade e a violência se juntam a este rol de comportamentos, que remetem ao mais animalesco dos seres. Brilhante a analogia com a figura mítica do índio – originária da criticada sociedade norte-americana –, elemento semiótico fundamental para a cena da festa. O roteiro merece aplausos também pela sequência da chuvarada, em que a natureza se mostra alertadora, visto que mais implacável do que qualquer disfarce social. Igualmente, a pedra, presenteada aos Kim como um amuleto, e que serviu, como nas cavernas, para abater o inimigo.
Song: atuação que merecia indicação ao Oscar
Fazia certo tempo que não via um recente Palma de Ouro e, como sempre, ao contrário do que proporciona às vezes o Oscar – ao qual “Parasita” concorre como Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro, simultaneamente, além de Diretor, Roteiro Original, Montagem e Direção de Arte –, não decepciona. A aceitação à crítica e a diversidade ideológica sempre tiveram bastante espaço na premiação francesa, enquanto que, na norte-americana, não raro falte. Até por isso, é evidente que o filme, já ostentador do feito inédito de levar um título sul-coreano ao Oscar, não leve a principal estatueta da noite, mas provavelmente seja devidamente compensado – como ocorrera com o mexicano “Roma”, no ano passado –, com o de Melhor Estrangeiro. Talvez até pinte o de Roteiro, por exemplo, pois merece. Mas senti falta de ver o ator Kang-Ho Song, que faz o pai da família Kim, concorrendo, talvez até no lugar do meu admirado Leonardo DiCaprio, bem em “Era Uma Vez em... Hollywood”, mas abaixo do que já foi desafiado em ocasiões anteriores – inclusive, as várias em que não ganhou.
“Parasita” pode ser considerado daqueles divisores-de-águas no cinema. Em certo sentido, países capitalistas em emergência como a Coreia do Sul, o México e o Brasil estão enfrentando momentos de tensão sociopolítica semelhantes em alguns aspectos e diferente noutro, mas certamente transformadores de suas sociedades e, haja vista a polarização reinante a que somos acometidos atualmente, de alta carga de mixofobia. Talvez por isso não seja coincidência que o Brasil também viva um momento especial em seu cinema com filmes como “A Vida Invisível” e “Bacurau”, principalmente, que, igualmente a “Parasita”, demarcam um “pré” e um “pós” em termos de produção dos países em que se originam. “Bacurau”, aliás, assim como o filme de Joon Hoo, também toca na questão da invasão norte-americana e a tentativa de apagamento do outro, do “estranho”. Metáforas denunciadoras da “mixofobia líquida” que Bauman nos alertou. Espero, no entanto, que obras como “Parasita” não signifiquem apenas denúncia e resistência, mas um princípio de consciência e de mudança a quem as assista com olhos de alerta. Sinceramente, espero.
"Democracia em Vertigem" não é ficção. É muita realidade e é a realidade do golpe que a elite brasileira faz questão de obscurecer, que a classe média vaidosa (sabe-se lá porquê) quer constantemente minimizar com argumentos ocos como "pelo menos tiramos o PT", e que parte da população mais pobre, manipulada pela mídia, pelos patrões e pela própria incapacidade de julgamento, engoliu acreditando que era tudo em nome do fim da corrupção. Esse é o grande mérito do documentário de Petra Costa, que concorre ao Oscar nesta categoria, o de contar a verdade, detalhe por detalhe, minuciosamente, desde o início da onda de manifestações que, apoiada fragilmente num aumento de vinte centavos na passagem de ônibus, foi alvo fácil manipulação para os fins dos que realmente tinham interesse naquela revolta que atirava para qualquer lado.
O filme relembra quase didaticamente todos os acontecimentos ocorridos e que levaram ao afastamento de Dilma Roussef, por uma questão fiscal à qual muitos presidentes antes dela recorreram. Dizer que é fantasioso, mentiroso, que manipula os fatos como afirmou o patético Presidente da República e, recentemente o jornalista Pedro Bial, só para ficar em dois personagens é uma imbecilidade, uma vez que o filme apresenta imagens dos canais oficiais de governo, como TV Câmara e Senado, imagens de telejornais (inclusive da emissora à qual Pedro Bial serve), entrevistas com membros do congresso e integrantes da cena política nacional daquele momento, praticamente em sequência cronológica sem deixar dúvida, não somente da ordem dos acontecimentos, como da veracidade deles. Exercício de ficção é ignorar o que é apresentado ali.
Se esta é uma virtude, também é um defeito. "Democracia em Vertigem" é muito certinho, é muito linear e aí, enquanto obra cinematográfica, fica muito simplificado, quase que como uma mera compilação de documentos visuais variados. Sei que o principal compromisso do filme é o de relatar os acontecimentos daquele período mas a falta de criatividade e de dinâmica no modo de fazê-lo depõe contra a obra numa análise qualitativa pensando em uma premiação, como a que concorre.
Não será dessa vez que o Brasil ganhará o Oscar e certamente a não-premiação desta obra será motivo de regozijo por parte da ignóbil direita brasileira. "Democracia em Vertigem" é extremamente válido, extremamente importante como documento histórico mas é fraco enquanto obra cinematográfica. Já vi muitos documentários vencedores de Oscar mais interessantes e envolventes, mais criativos na sua forma de narrar, com edições mais dinâmicas ou mesmo mais surpreendentes. Me surpreenderia muito se ganhasse. Mas, se acontecer, será pelo outro grande mérito do filme, que foi o de levar a conhecimento do resto do mundo, esmiuçadamente, o que está acontecendo por aqui e que, uma vez sabedores dos fatos, os membros da Academia tenham ficado tão impressionados com a maneira como um país, deliberadamente, sepulta a própria democracia.
"Perdi Meu Corpo", animação concorrente ao Oscar nessa categoria, é um adorável drama no qual, paralelamente, seguimos os percalços de uma mão sem corpo à procura de algo que, em princípio, não sabemos exatamente o que é (mas dá pra imaginar); e de um rapaz tímido, inseguro, desastrado, Naoufel, que se apaixona por uma garota para quem fora entregar uma pizza.
Não é muito difícil gostar de Naoufel, se identificar com ele, sentir-se próximo dele. Naoufel é gente como a gente. Tem dúvidas, medos, inseguranças, questionamentos, frustrações... Órfão precoce, infeliz e incompetente no emprego, vivendo com um amigo egoísta e de valores bem diferentes dos dele, o jovem tem aquela impressão que muitos de nós já tivemos em algum momento da vida, que esse mundo não foi feito para ele. No entanto, em outro dia aziago, como tantos outros, numa tentativa frustrada de entrega de pizza, uma voz feminina num interfone, parece compreendê-lo e ver o mundo da forma como ele vê, dando-lhe novas esperanças de enfim ter encontrado algo ou alguém que valha a pena.
"Pedi Meu Corpo" é sobre se perder e se encontrar, procurar seu rumo. Tanto a mão, tentando encontrar o que lhe falta, quanto Naoufel buscando um sentido para sua vida, sintetizam essa eterna busca pela felicidade que tanto perseguimos. Em contraste com os traços simples e até toscos do desenho, a animação é rica em detalhes e elementos, num filme muito bem dirigido e de um roteiro muitíssimo bem construído que faz com que os rumos da mão e do nosso protagonista se cruzem de maneira decisiva, ao final.
Se você já pensou alguma vez que só queria ser uma mosquinha para ver determinada situação, "Perdi Meu Corpo" lhe dá a oportunidade de percorrer diversas situações do cotidiano de gente comum, gente com anseios e pensamentos como os que temos ou já tivemos, de perto. Tão perto quanto uma mosca que estivesse ali, sobrevoando, quase a ponto de ser apanhada. Quem já viu, entenderá... Não viu? Veja.
O tímido Naoufel, falando, às cegas, com uma voz no interfone.
O que foi isso?... Intenso, belo, alegre, sutil, real, triste, melancólico e cheio de amor, resumidamente (bem resumidamente), isso "História de um Casamento".
Nicole (Scarlett Johansson) e seu marido Charlie (Adam Driver) estão passando por muitos problemas e decidem se divorciar. Temendo que o pequeno filho sofra as consequências da separação, o casal decide continuar vivendo sob o mesmo teto, tentando fazer com que este seja um divórcio amigável. Porém, a convivência forçada entre os dois acaba criando feridas que talvez nem o tempo seja capaz de curar.
Embora seja uma obra espetacular, ela não é perfeita, no inicio da briga judicial do casal, o filme, tira um pouco o pé do acelerador (esse deve ser o momento de pausar, e ir fazer suas atividades e não ficar só na frete da TV ou celular olhando Netflix). Ele fica mais lento do que já vinha e o que ainda nos mantém interessados nele é seu ótimo texto. O olhar um pouco tendencioso do filme, para um lado do casal, também me incomodou um pouco.
Um longa repleto de cenas simbólicas.
O texto do filme é fabuloso! Dá vontade de morar em cada dialogo do longa. Mas há outros aspectos que filme brilha ainda mais (se isso for possível). A dupla principal domina todas as cenas. A câmera é deles em um show de interpretação. É algo visceral, com alma e sentimento. Genial! Repito, GENIAL. Dois atores que, sem dúvida estão entre os melhores de sua geração. E o que falar da direção? Que controle, que domínio, que perfeição! Nada em cena e por acaso.
A graça da vida está em detalhes, em momentos simples, mas a desgraça da vida também surge em momentos assim, numa discussão por coisas bobas, numa palavra dita numa hora errada... Mas isso é a vida e sentimento. “História de um casamento” aborda muito bem isso mostrando que o amor é fundamental numa relação, mas muitas vezes, só amor não basta.
Saiu mais uma lista dos candidatos do ano ao Oscar! Para quem curte cinema, bate aquela fissura de assistir a tudo que for possível antes da cerimônia de premiação. A equipe cinematográfica do Clyblog, no entanto, já vem se empenhando nisso conferindo alguns dos títulos até então pré-indicados, caso, por exemplo, do ótimo “Coringa”, que lidera a lista, com 11 indicações, o “O Irlandês”, de Martin Scorsese, que não ficou muito atrás, com 10, e “Star Wars – A Ascensão Skywalter”, com três técnicas. Mas embora “Coringa” saia na frente e provavelmente leve algumas estatuetas, entre elas, a de Melhor Ator para Joaquim Phoenix, os adversários para Melhor Filme e Diretor, os mais cobiçados da noite, são bem valiosos. A começar pelo primeiro filme sul-coreano a disputar a categoria, o Palma de Ouro “Parasita”, que concorre também a Filme Estrangeiro. O vencedor do recente Globo de Ouro, “1917”, de Sam Mendes, vem com a pompa dos filmes de guerra, temática bem vista pela Academia, assim como “Jojo Rabbit”. E tem também os elogiados “Histórias de um Casamento”, “Adoráveis Mulheres”, “Era uma Vez em... Hollywood”... Há categorias, aliás, que chega a assombrar tamanho o peso, como Ator Coadjuvante, só com já vencedores ou já nomeados várias vezes: Tom Hanks, Anthony Hopkins, Al Pacino, Joe Pesci e Brad Pitt. Destaque também para o documentário “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, que, após muitos anos, põe um filme brasileiro novamente na disputa de um Oscar. Enfim, uma boa disputa, mas que tem os seus favoritos, claro. E nós do blog vamos continuar trazendo nossas impressões de filmes que figuram no Oscar 2020. Então, confira a listagem completa:
▪ MELHOR FILME Ford vs Ferrari O Irlandês Jojo Rabbit Coringa Adoráveis Mulheres História de um Casamento 1917 Era Uma Vez Em... Hollywood Parasita ▪ MELHOR DIREÇÃO Martin Scorsese - O Irlandês Todd Phillips - Coringa Sam Mendes - 1917 Quentin Tarantino - Era Uma Vez Em... Hollywood Bong Joon Hoo - Parasita ▪ MELHOR ATRIZ Cynthia Erivo - Harriet Scarlett Johansson - História de um Casamento Saoirse Ronan - Adoráveis Mulheres Renée Zellweger - Judy - Muito Além do Arco-Íris Charlize Theron - O Escândalo ▪ MELHOR ATOR Antonio Banderas - Dor e Glória Leonardo DiCaprio - Era Uma Vez Em... Hollywood Adam Driver - História de um Casamento Joaquin Phoenix - Coringa Jonathan Pryce - Dois Papas ▪ MELHOR ATRIZ COADJUVANTE Kathy Bates - O Caso Richard Jewell Laura Dern - História de um Casamento Scarlett Johansson - Jojo Rabbit Florence Pugh - Adoráveis Mulheres Margot Robbie - O Escândalo ▪ MELHOR ATOR COADJUVANTE Tom Hanks - Um Lindo Dia na Vizinhança Anthony Hopkins - Dois Papas Al Pacino - O Irlandês Joe Pesci - O Irlandês Brad Pitt - Era Uma Vez Em... Hollywood ▪ MELHOR ROTEIRO ORIGINAL Entre Facas e Segredos História de um Casamento 1917 Era Uma Vez Em... Hollywood Parasita ▪ MELHOR ROTEIRO ADAPTADO O Irlandês Jojo Rabbit Coringa Adoráveis Mulheres Dois Papas ▪ MELHOR FILME INTERNACIONAL Corpus Christi (Polônia) Honeyland (Macedônia do Norte) Os Miseráveis (França) Dor e Glória (Espanha) Parasita (Coreia do Sul) ▪ MELHOR ANIMAÇÃO Como Treinar o Seu Dragão 3 I Lost My Body Klaus Link Perdido Toy Story 4 ▪ MELHOR FOTOGRAFIA O Irlandês Coringa O Farol 1917 Era Uma Vez Em... Hollywood ▪ MELHOR MONTAGEM Ford vs Ferrari O Irlandês Jojo Rabbit Coringa Parasita ▪ MELHOR DIREÇÃO DE ARTE O Irlandês Jojo Rabbit 1917 Parasita Era Uma Vez Em... Hollywood ▪ MELHOR FIGURINO O Irlandês Jojo Rabbit Coringa Adoráveis Mulheres Era Uma Vez Em... Hollywood ▪ MELHOR MAQUIAGEM O Escândalo Coringa Judy - Muito Além do Arco-Íris Malévola - Dona do Mal 1917 ▪ MELHORES EFEITOS VISUAIS Vingadores: Ultimato O Irlandês O Rei Leão 1917 Star Wars: A Ascensão Skywalker ▪ MELHOR EDIÇÃO DE SOM Ford vs Ferrari Coringa 1917 Era Uma Vez Em... Hollywood Star Wars: A Ascensão Skywalker ▪ MELHOR MIXAGEM DE SOM Ad Astra Ford vs Ferrari Coringa 1917 Era Uma Vez Em... Hollywood ▪ MELHOR CANÇÃO ORIGINAL "I Can’t Let You Throw Yourself Away" - Toy Story 4 "I’m Gonna Love Me Again" - Rocketman "I’m Standing With You" - Superação - O Milagre da Fé "Into the Unknown" - Frozen 2 "Stand Up" - Harriet ▪ MELHOR TRILHA SONORA Coringa Adoráveis Mulheres História de Um Casamento 1917 Star Wars: A Ascensão Skywalker ▪ MELHOR DOCUMENTÁRIO Indústria Americana Democracia em Vertigem The Cave Honeyland For Sama ▪ MELHOR DOCUMENTÁRIO EM CURTA METRAGEM In the Absence Learning to Skateborad in a War Zone (If You're a Girl) A Vida em Mim St. Louis Superman Walk Run Cha-Cha ▪ MELHOR CURTA METRAGEM Brotherhood Nefta Footbal Club A Sister The Neighbor's Window Saria ▪ MELHOR ANIMAÇÃO EM CURTA METRAGEM Dcera (Daughter) Hair Love Kitbull Memorable Sister
Passou de ano na media! Se esse filme fosse um aluno, aproveitando essa época do ano de final de aulas e início de férias, para fazer essa comparação, diria que passou na média. Poderia ter reprovado? Sim..., mas tinha potencial para ser o melhor o aluno da classe e isso decepciona um pouco. Porem só o fato de ter mais um longa de Star Wars já é algo positivo.
Um ano após a batalha entre a Resistência e A Primeira Ordem em Crait, Rey (Daisy Ridley) segue treinando com a General Leia (Carrie Fisher) para se tornar uma Jedi. Ela ainda se encontra em conflito com seu passado e futuro e teme, mais do que nunca, pelas respostas que pode conseguir a partir de sua complexa ligação com Kylo Ren (Adam Driver). Este, por sua vez, também se encontra em conflito pela Força, ainda que esteja recebendo ordens diretas do temível e lendário Darth Sidious (Ian McDiarmid), outrora conhecido como Imperador Palpatine.
Nosso querido J.J. Abrams tentou (e conseguiu) de todas formas estragar todas as teorias e propostas criadas no filme anterior o que deixou a sensação de que os filmes não dialogam entre si como se não pertencessem à mesma trilogia. O roteiro é um fiapo de ideias com um amontando de referências aos filmes antigos, sem falar nas decisões erradas para o destino de alguns personagens, que a cada filme mudam suas posturas, além do subaproveitamento de outros. Esse amontado de escolhas erradas fazem “Star Wars: A Ascensão Skywalker” ser, sem sombra de dúvidas, o filme mais fraco desta nova Trilogia.
Pelo menos o trio principal se manteve junto. Gostei!
Mas claro, se formos tomá-lo como obra única, esquecer o relacionamento (complicado) dele com os outros, o longa cumpre o papel de divertir. O trio principal passa mais tempo em tela, o humor está mais latente, a fotografia tem mais cor, o design de produção perfeito, temos ótimas sequencias de ação das batalhas das naves, e efeitos especiais dignos de premiações. Quanto ao desenvolvimento de personagens, ele até acontece mas é tudo muito corrido e insatisfatório. Os atores não estão mal, apenas os personagens estão perdidos. Rey funciona ainda, consegue ser uma heroína de ação apesar de alguns diálogos da personagem serem péssimos. O grande personagem para mim continua sendo Kylo Ren. Ele é o que tem o melhor arco dramático e toda sua confusão faz sentido. É o único que em alguns momentos consegue ser imprevisível.
J.J Abrams fez o seu filme, tem seu toque num que é visualmente belo, porém pobre em roteiro, o que seria fundamental para o fechamento de uma saga tão importante para o cinema, não apenas como indústria, mas para história da S~etima Arte. Fica a sensação que poderia ter sido melhor, BEEEEEEEEEEEEEEEEEEM melhor, mas é o que temos para hoje.
Eterna Princesa Leia. Foi tão difícil segurar as lágrimas
que acabei não segurando.
Assim que acabei de percorrer as mais de três horas de "O Irlandês", tão logo a porta do quarto fica entreaberta e iniciam-se os créditos, veio a minha cabeça, quase que imediatamente, a dúvida se aquele não seria o melhor filme de Martin Scorsese. Como sabia que iria escrever sobre o filme aqui para o blog, Não que eu precisasse de confirmação mas, por curiosidade, fui dar uma conferida em outras impressões na Internet, em outros blogs, sites e páginas especializadas, para ver se meu entusiasmo fazia sentido ou se eu estava sozinho nessa. Ainda que tenha encontrado os que achassem cansativo, longo, lento, os que não tenham sido fisgados pelo filme, os que comparassem depreciativamente com outros filmes do diretor, uma boa parte das críticas que li, exaltava o novo filme de Martin Scorsese, e não foram poucas as vezes que encontrei a expressão obra-prima.
O verdadeiro Frank Sheeran, o Irlandês,
interpretado no filme,
com a habitual competência por De Niro.
De fato, diante da ambição e do porte do atual projeto, e com uma filmografia riquíssima como a de Scorsese, não há como deixar de traçar comparativos com trabalhos anteriores como "Os Bons Companheiros" e "Cassino", especialmente, pelos contextos e temáticas mas também pelo nível de qualidade que estas outras obras atingiram. Mas "O Irlandês" não decepciona diante dos trabalhos consagrados do diretor. Pelo contrário, parece tirar o melhor de cada um deles para criar uma nova peça cinematográfica clássica. Tem os traços característicos do cinema do diretor como a narrativa em primeira pessoa, os flashbacks, os travelings, a crueza das cenas de violência, mas guarda um caráter único e novo em relação a seus demais filmes de máfia. Embora tenha uma trilha, como de costume, muito bem escolhida, ela não é tão incisiva quanto em outros momentos pontuando de maneira mais sutil as cenas. "O Irlandês" é muito "Os Bons Companheiros", é muito "Cassino", mas não tem aquela condução, muitas vezes, meio videoclípica do diretor, com o rock'n roll comendo solto emoldurando uma cena movimentada de edição rápida e frenética. Nesse sentido, o novo filme assemelha-se um pouco com "Touro Indomável", um filme mais denso, mais arrastado em seu enredo que, por sinal, também tinha no personagem principal um homem com dificuldades nas relações familiares. "O Irlandês" é sobre família, ou melhor sobre famílias. Um homem, Frank Sheeran, um veterano de guerra conhecido como Irlandês, que conquista a confiança de um gangster, Russel Bufalino, e passa a servir a núcleos da máfia e é indicado por estes mesmos para "trabalhar" com o líder trabalhista, Jimmy Hoffa, tem, por outro lado, enorme dificuldade em conduzir sua vida como marido e pai, especialmente com a filha Peggy (Anna Paquin), que desde cedo entende as atividades do pai e, naturalmente, as desaprova. E é isso, e todos os desdobramentos dessa atuação nesses dois pólos que ele mesmo, Frank Sheeeran, nos conta, já velho, remoendo resignado arrependimentos e remorsos, num lar de repouso. A propósito de idade, o tão falado rejuvenescimento digital, especialmente de Robert De Niro, para as cenas de passado de Sheeran, na minha opinião ficou meio artificial demais parecendo, muitas vezes, uma colagem sobre o filme, mas diante de tudo o que a obra como um todo nos oferece, este é um detalhe quase desprezível. A trinca estrelar, Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci, corresponde à expectativa que se alimenta quando se vê nos créditos três nomes de peso como estes. De Niro fazendo um protagonista sorumbático, muitas vezes dividido, às vezes inseguro, mas sobretudo, extremamente convincente; Pesci sóbrio, comedido, mas irrepreensivelmente preciso; e Pacino, um pouco mais vigoroso na atuação que os outros dois, pela característica do personagem, não é menos impressionante e espetacular. Se é uma obra-prima ou o melhor filme de Martin Scorsese eu não sei, o que me parece certo é que temos mais um grande trabalho na filmografia deste grande diretor que pode ser colocado, sem constrangimento algum, ao lado dos outros dele que já figuram eternos na galeria das glórias do cinema. Bom, talvez um pouco acima deles...
Gotham City, 1981. Em meio a uma
onda de violência e a uma greve dos lixeiros, que deixou a cidade imunda, o
candidato Thomas Wayne (Brett Cullen) promete limpar a cidade na campanha para
ser o novo prefeito. É neste cenário que Arthur Fleck (Joaquin Phoenix)
trabalha como palhaço para uma agência de talentos, com um agente social o
acompanhando de perto, devido aos seus conhecidos problemas mentais.
Uma direção perfeita,
tecnicamente impecável, uma atuação espetacular, uma das melhores construções
de arco de personagem que já vi, fazem de “Coringa” uma obra de arte, que, no entanto, pode vir a se tornar extremamente perigosa se for interpretado de certas maneiras.
É, mas o fato de classificá-lo como perigoso, não deixa de ser também um mérito, uma vez que mostra o personagem principal como um homem que apenas está respondendo, tomando ações para
confrontar a forma com que pessoas e o sistema, o tratam, levando um cidadão a atitudes e ações extremamente violentas, que na
obra, dentro deste contexto, acabam mostrando-se justificadas. E digo que pode ser perigoso, no caso de qualquer um assistir ao filme e acabar se identificando com Arthur (o que é bem possível devido ao realismo da
trama) e tudo aquilo servir como inspiração e um gatilho para atitudes
parecidas. Então, cuidado! Procure conversar com alguém sobre o filme, ok?
Como obra cinematográfica, o
longa chega perto da perfeição. Desde de um roteiro bem escrito, uma fotografia
sublime, e uma direção que sabe o quequer, onde pretende chegar e nos levar. Mas o que torna o filme realmente
memorável é atuação de Joaquin Phoenix. O homem está possuído em cena! Tudo,
definitivamente TUDO, que ele faz no filme é ESPETACULAR! Uma atuação com o
corpo todo, uma fisicalidade assustadora e visceral. Seus olhares, suas falas, até
os momentos que está em silencio conseguem ser espetaculares. Me chamou muito
atenção a mudança de postura de Arthur quando se transforma em Coringa: deixa de
ser aquela pessoa com aparência fraca, corcunda para se tornar um homem poderoso,
intimidador.
Um dos melhores estudos e
construção de personagem dos últimos tempos no cinema. Um protagonista que sai do ponto
A e vai até o ponto B muito bem conduzido pelo roteiro e direção, o que é ótimo de observar. Ver que ao final da história,
não só o personagem mudou você também mudou. Isso é cinema e o seu melhor como
arte. Aquilo que instiga, faz refletir e ainda é delicioso de se assistir. E como se não bastasse tudo isso, "Coringa" é uma bela homenagem a Scorsese e seu cinema da nova Hollywood.
Vá
com calma, acompanhe toda jornada desse palhaço louco, tenha medo, mas não
deixe de acompanhá-lo pelas perigosas ruas deNova..ops.. , quero dizer... Gotham.
Pura genialidade! Uma aula de atuação.
Algo que não se esquece tão cedo.
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A descida ao inferno
por Daniel Rodrigues
Poucos filmes me geraram tamanha expectativa antes de assisti-lo como “Coringa”, de Todd Phillips. Mas neste caso, foi mais do que expectativa: foi medo mesmo. Medo de ficar decepcionado com a comum ideologização permeada de parcialidade do cinema comercial norte-americano, com a superficialidade com que tratam muitas vezes assuntos profundos ou, pior, com a recorrente banalização de temas ricos como se fossem apenas produtos de entretenimento. Geralmente tento estar com a mente aberta ao que o filme me trará, não raro sem ler nada a seu respeito antes. Mas com Coringa era impossível, pois tinha receio que o deturpassem, e isso me irritaria muito, uma vez que me é um personagem caro. Já não basta o que fizeram com o seu arquirrival, Batman, cuja DC Comics, sem controle de seu personagem mais icônico na transposição para o cinema – diferentemente da Marvel para com as suas marcas – deixou que o Homem-Morcego fosse mais inexpressivo que os vilões nas versões de Tim Burton, virasse um existencialista falastrão na trilogia de Christopher Nolan e alterasse totalmente o porquê de seu embate com Superman por pura falta de colhões em reproduzir a obra original dos quadrinhos.
Com o Coringa não podiam cometer o mesmo erro. Não podiam desperdiçar uma mitologia tão rica, a oportunidade e contar uma história inigualavelmente promissora como ainda não se tinha feito. Quem como eu acompanhou os HQ’s de Batman nos anos 80 e 90 sabe o quanto este personagem é especial e – mesmo com o fio condutor que monta a sua biografia desde que foi criado – complexo. E foi exatamente isso que o filme de Phillips conseguiu: construir um personagem denso e crível, não apenas respeitando a sua saga como amarrando aspectos sociológicos e psicológicos com surpreendente minúcia.
O ponto que mais me preocupava antes de assistir era o de se querer dar a um maníaco assassino como Coringa um caráter meramente vitimista para sustentar o clichê de que a sociedade moderna é a principal responsável por criar monstros como ele. Subterfúgio, claro, usado unicamente para imobilizar as consciências e manter tudo como está em favor daqueles que comandam o sistema. É quase isso, uma vez que a opressão social, política, ideológica e a consequente invisibilidade que esta condição subalterna dá aos desfavorecidos ou diferentes como ele é, sim, combustível para a formatação da persona Coringa a que o personagem Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) acaba por assumir em sua caminhada de loucura e dor. O problema é que Coringa é um velho conhecido, uma vez que não se trata de um personagem como os de vários filmes em que os elementos narrativos vão dando subsídios para que se construa do zero na cabeça do espectador o psicológico e a identidade dele. Trata-se, no caso do principal vilão dos quadrinhos do Batman – quiçá de toda a história dos HQ’s – de uma “pessoa” a quem já se sabe onde vai chegar e quais os traços essenciais o compõem enquanto sujeito. Ou seja: precisavam ser bastante críveis para me convencer.
Por isso, a questão é mais profunda quando se fala em Coringa. Entretanto, o roteiro do filme é muito feliz ao abarcar todos esses aspectos e ir ao cerne das coisas. Além da visível esquizofrenia e a propensão à psicopatia, controladas até certo ponto pelo sistema através não só de medicações como da opressão social, há nele uma motivação estritamente subjetiva e humana, que é a família. O histórico de maus tratos, o desajuste familiar e a condição de pobre, inadequado e fracassado poderiam até ser equalizadas se continuasse levando uma vida medíocre e sem visibilidade como de fato tinha.
Mas é a perda da figura central da mãe (a quem ele duplamente perde, simbólica e materialmente, uma vez que ele mesmo a mata) a chave para o desencadeamento do que lhe havia de pior, para que se concretizasse o Coringa que conhecemos. Representa a ruptura, a definitiva descida ao que estava represado, a qual o cenário da escadaria simboliza na trama o caminho: para cima, a redenção, para baixo, o inferno. A mãe, única pessoa a quem ele podia dedicar carinho, era a como o pino de uma granada: se fosse removida, a bomba explodiria. E foi. Uma justificativa altamente plausível que, aí sim, juntada aos fatores externos da igualmente violenta sociedade é um prato cheio para o surgimento de indivíduos perigosos como Coringa. Ele é vítima, sim, mas é também produto do descuido da sociedade para com o dessemelhante, o cidadão não-comum, que não se encaixa nos padrões estabelecidos. Fosse pelo talento de artista, a encarnação do dualístico e bufão clown, fosse pela loucura latente que lhe prejudicava a socialização, nunca lhe deram atenção. Ninguém. Sua resposta veio em forma de um empedramento doentio e de vingança. Agora teriam que lhe dar atenção, da pior maneira possível.
O ótimo resultado de “Coringa” é em grande parte fruto da atuação exuberante de Phoenix – o que, aliás, mesmo com a desconfiança do que o filme apresentaria, tinha certeza de que seria brilhante. A construção que Phoenix dá a Coringa considera a trajetória dos HQ’s, a literatura, o imaginário social e todos os outros que vestiram o personagem antes dele no audiovisual. É possível enxergar Jack Nicholson, Heath Ledger, Cesar Romero e Jared Leto, assim como estão ali o Coringa dos HQ’s “A Piada Mortal”, “Asilo Arkham” ou “O Cavaleiro das Trevas”. Porém, Phoenix, até por esta capacidade cênica muito sensível de síntese, consegue o feito de superar todos.
Mas fora o encanto que protagonista causa, tudo funciona em “Coringa”. A obra, mesmo que tenha na atuação justificadamente a sua maior força, é incrivelmente coesa, harmônica, forte e crítica. Um tapa na cara sem concessões ao modo de vida norte-americano e ao que a nação mais rica do mundo vende ao mundo como modelo de felicidade. Além disso, a fotografia suja e fantasmagórica, a trilha sonora econômica e muito bem escolhida, a direção de arte impecável e a edição, que faz questão de deixar subentendimentos em nome do foco da narrativa, são igualmente destaques.
Dentro da crítica aos modelos norte-americanos que o longa traz, a referência a dois filmes de Martin Scorsese – não à toa ambos estrelados por Robert De Niro, brilhante no papel do apresentador de tevê Murray Franklin – são sintomáticas. Primeiro, “Taxi Driver” (1976), quando Arthur, em seu mundo interno, aponta um revólver para a televisão e para os “inimigos imaginários” de sua sala. A condição de degradação mental a que o ex-combatente do Vietã vivido por De Niro e a de um rejeitado como Arthur são sujeitados expõe o quanto a política dos Estados Unidos é capaz de gerar indivíduos tão desassistidos e doentes. Igualmente, “Coringa” retraz, ao abordar o stend-up comedy e os programas de auditório em que as massas riem do que lhe é imposto como piada, o controvertido “O Rei da Comédia” (1983). Naquele, a piada sem/com graça é o sequestro do astro da televisão Jerry Langford (Jerry Lewis) pelo obsessivo e igualmente invisível Rupert Pupkin (De Niro) para que este apresentasse seu número no lugar do apresentador oficial. A reflexão que “Coringa” levanta, assim como o filme de Scorsese, é um questionamento do que é “felicidade” numa sociedade acrítica e controlada pela indústria do entretenimento como a atual.
“Coringa” não tem nada a ver com os filmes de super-heróis explosivos, frenéticos e plastificados como os que Hollywood vem fazendo às pencas. É um drama sobre uma pessoa inventada mas talvez tão mais real quanto um ser humano de carne e osso. Um drama sobre um triste arquétipo da doença e da violência as quais somos submetidos hoje. Um drama sobre alguém que bem que poderia existir. E será que não existe mesmo?
Coringa na escadaria: a definitiva descida para o seu inferno interior