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quinta-feira, 12 de outubro de 2017

"Escola de Rock", de Richard Linklater (2003)





"Deus do Rock,
obrigado por esta oportunidade de arrebentar.
Nós somos vossos servos humildes.
Por favor, nos dê o poder de explodir a mente das pessoas
com o nosso rock de alta tensão.
Em seu nome oramos, Amém."
Dewey Finn (Jack Black)






E pensar que eu hesitei tanto em assistir a esse filme!
Completamente desinformado e imaginando que pudesse apresentar uma visão caricatural ou excessivamente estereotipada de roqueiros, que tivesse um monte de rockzinhos juvenis irritantes e que fosse uma típica comédia teen repleta de baboseiras, namoricos e valentões de escola, além de algumas restrições que tenho ao ator Jack Black, um tanto expressivamente exagerado em muitos momentos, sempre adiei a possibilidade de sentar pra ver "Escola de Rock". Mas como minha filha de seis anos começa a se interessar por rock e, na pior das hipóteses, mesmo que o filme fosse uma completa porcaria, pelo menos teria algum estreitamento de contato com o gênero por aquela coisa toda de guitarras, palco, postura, visual e tudo mais, achei que valia a pena dar uma olhada com ela. E não é que o filme é um grande barato? É um filme de roqueiros! Um filme de paixão pelo rock. De respeito por ele e por tudo  que representa.
Jack Black que, se em outros papéis é exagerado, caricato, neste é perfeito, caindo como uma luva na pele do músico fracassado e desempregado Dewey Finn que dispensado por sua própria banda e pressionado pelo casal com quem divide o apartamento a pagar sua parte nas despesas, vê numa vaga que seria para o amigo Ned Shneebly de professor-substituto numa escola de ensino fundamental, a chance de, se fazendo passar pelo colega, faturar uma grana e pagar as despesas que estão sendo cobradas. O caso é que chegando lá, depois de deixar claro para a turminha que assumira que não queria nada com nada, ele descobre que a galerinha tem aula de música e que as crianças são bastante talentosas. Dewey, enxerga então ali a possibilidade de usar aquele talento a seu favor convencendo, sob falsos pretextos, a garotada a entrar num concurso de bandas de olho no polpudo prêmio que lhe garantiria o fim dos pesadelos financeiros. Só que os alunos têm aula de música clássica e o desafio de Finn passa a ser o de colocar o rock no sangue, na cabeça e na atitude daquela crianças e aí é que o filme fica um barato. A seleção da banda, as noções sobre rock'n roll, a apresentação dos ídolos marcam um momento muito legal no filme. A cena em que o falso professor escolhe os mais aptos para cada instrumento e improvisa um "Smoke On The Water" com eles é bárbara; o passar dos dias com o  desenvolvimento das atividades de sua equipe mirim e das aulas de rock ao som de "My Brain is Hanging Upside Down" dos Ramones chega a ser emocionante para fãs do bom e velho rock'n roll; e a do retorno para a escola, na van, depois da inscrição na Batalha das Bandas ao som de "Immigrant Song" do Led é empolgante.
O "professor" Finn dando uma aula de rock.
O roteiro é aquele bem padrãozinho americano, nada demais: apresentação da situação-problema-solução aparente-nova complicação da situação-ato heroico-encaminhamento do grande momento-apoteose (com ou sem final feliz). Seu grande mérito, no entanto, está na escolha do tema e a forma de sua apresentação, na qual o protagonista tem a oportunidade de expôr para os alunos, e por extensão, é claro, a nós espectadores, tudo o que o rock representa, e como quem não quer nada, entre uma aulinha e outra, um diálogo aqui outro ali, coloca alguns pontos interessantíssimos que estão no sangue do rock como a vocação provocadora e desafiadora, o veículo para manifestar suas insatisfações e indignações e o tesão de tocar pelo prazer, pra fazer algo legal ou simplesmente pela possibilidade de deixar as pessoas malucas. 
Dirigido pelo bom Richard Linklater de "Boyhood" e da trilogia romântica "Antes do Amanhecer", "Antes do Pôr-do-Sol" e "Depois da Meia-Noite" com Julie Delpy e Ethan Hawke, "Escola de Rock" tem do roteiro assinado por Mike White (que interpreta o verdadeiro Ned Shneebly no filme) mas deve muito ao próprio ator principal, Jack Black, fanático por rock, na época vizinho de White e que segundo o roteirista vivia tocando em volume altíssimo e cantando pelado pela casa afora muitas das músicas que fazem parte da trilha do filme, o que o inspirou a escrever a história da forma como o fez. Aliás, a trilha sonora é, sem dúvida, um dos pontos altos do filme com sonzeiras de AC/DC, Black Sabbath, The Doors, Cream, Metallica e mais um montão de clássicos muito bem colocados  dentro do filme.
Enfim, um ótimo filme para que se apresente o rock'n roll aos filhos e entretenimento garantido aos papais e mamães roqueiros. Para a minha filhe que já estava interessada, já curtindo alguma coisa, já identificando alguns nomes e riffs, talvez tenha sido o empurrão definitivo. Pra ter uma ideia do quanto a aula foi válida, a minha pequeninha já tá até pedindo, "Põe "Iron Man". Valeu, né? Nota dez pra ela. Com louvores.


Cly Reis

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

“Boyhood”, de Richard Linklater (2014)



O diretor Richard Linklater sempre se preocupou com os efeitos do tempo e da sociedade na vida dos indivíduos. Desde “Dazed and Confused” (“Jovens, Loucos e Rebeldes” no Brasil), o diretor demonstra ser um crítico mordaz das exigências da sociedade consumista americana sobre os jovens. Nele, o último dia de aula na high school permite uma série de situações engraçadas, trágicas e cômicas de seus protagonistas, todos na eminência de entrar na universidade e terminar com aquele mundo de irresponsabilidade da adolescência. Na sequência de sua carreira, depois de trafegar pela “Escola do Rock”, por “Waking Life” - onde estas preocupações atingem um paroxismo filosófico – e pela trilogia “Before Sunrise, Sunset e Midnight”, entre outros, Linklater consegue a síntese de seus pensamentos e suas preocupações em “Boyhood”.

No novo longa, resolve aprimorar sua tese, acompanhando por 12 anos a trajetória de Mason (o excelente Ellar Coltrane) realmente durante este período. A partir de uma família desfeita, Linklater acompanha a evolução física do personagem e, especialmente, sua trajetória de vida. Junto com Mason, vêm as vidas de sua mãe (Patrícia Arquette, ótima como sempre), do pai (Ethan Hawke, o ator-fetiche do diretor) e da irmã, interpretada com veracidade pela filha do diretor, Lorelai Linklater.

Arquette, linda e talentosa, com o excelente Coltrane
Durante as quase três horas de filme, vemos Mason enfrentar novas escolas, dois padrastos com problemas de alcoolismo, cortes de cabelo, namoradas confusas, um pai adolescente, uma mãe carente e uma irmã quase sempre indiferente. Tudo aquilo que enfrentamos em cada fase de nossas vidas. A diferença em relação aos jovens brasileiros se dá no rito de passagem que é o final da high school e a busca de um lugar na universidade e na vida. Como a sociedade americana é estruturada em cima deste momento definidor, esta competitividade é estimulada desde a infância. Aqui no Brasil, por exemplo, como temos “jovens” de 40 anos ainda morando com os pais e não se importando em continuar na “casa da mamãe”, tudo parece muito distante.

Linklater consegue um prodígio ao filmar toda esta trajetória na cidade de Austin, Texas, sem cortes explicativos de tempo, nem ficar escravo da cronologia. Nestes 12 anos, o diretor reunia seu elenco durante três ou quatro dias e registrava parte da história. Esta técnica permitiu o frescor das situações e a sua veracidade. Se não fossem as mudanças físicas dos personagens, poderia se dizer que tudo foi filmado de uma só vez, sem prejuízo para a questão técnica e de roteiro.

Richard Linklater garantiu, durante o lançamento de “Boyhood”, que este será o último filme de sua carreira. Caso isso seja verdade, podemos dizer que foi um fechamento de luxo para uma filmografia muito interessante. Vale a pena conferir “Boyhood”.