A, inacessível ao público, "Tropicália", de Oiticica |
Consegui visitar um dos espaços que mais tinha curiosidade da Bienal: a
Usina do Gasômetro. Os compromissos me empurraram para o último final de semana
desta curta Bienal do Mercosul. Motivado pelos recortes temáticos que se
encontravam lá, principalmente “Marginália da Forma” – conceito de entendimento
do Brasil com o qual me identifico ideologicamente –, e talvez até motivado
pela memória emocional que tenho para com o lugar no que se refere ao evento
(é-me marcante a exposição que lá vi do uruguaio Julio Le Parc, na 2ª Bienal),
fui com boa expectativa. No entanto, frustrei-me, principal e justamente com
esta mostra, a qual dividia o espaço com outros três subtemas: ”Olfatória: O
Cheiro na Arte”, “A Poeira e o Mundo dos Objetos” e “Aparatos do Corpo”. Quiçá
pela maior intercomunicabilidade entre três últimos, “Marginália”, que a mim
deveria trazer com fervor o tropicalismo e a diversidade de questões culturais,
sociais e antropológicas que dele suscitam-se, ficou não apenas deslocado
quanto não se justificou na sua capacidade.
A frustração, igualmente, se deve a outro fator, somente mais
perceptível ao se visitar mais espaços da Bienal, que não apenas dois como
tinha ido até então, que são algumas inconsistências. Sabe-se que a realização
do evento teve problemas financeiros e estruturais, o que dificilmente seria diferente
em tempos de crise em que empresariado e governos tendem a achar arte ainda
mais boba e supérflua. Isso certamente ocasionou à curadoria uma dificuldade de
agregar mais nomes representativos, bem como trazer mais obras significativas
de artistas referenciais. Até aí, entende-se. O que se critica é, por exemplo,
as repetições não apenas de artistas (MUITAS obras de Dudi Maia Rosa, por exemplo,
tanto no Memorial, ali e no Santander Cultural, que comentarei noutro post) como, principalmente, de
conceitos. Uma coisa é haver uma sincronia entre os espaços expositivos em que haja
obras que dialoguem aqui e lá. Outra é, como no claro caso de Shirley Paes Leme (não vai aqui nenhuma crítica ao trabalho dela), em que se veem obras da mesma
série e em grande número em mais de um lugar. Aí, é assumir uma pobreza que se
podia resolver selecionando-se ou variando-se mais.
Porém, ressaltando o que teve de legal no Gasômetro, começo, agora
terminada a Bienal, uma retrospectiva. Em “Marginália da Forma”, obviamente,
interessava-me a instalação “Tropicália”, de Hélio Oiticica (1969), ícone da
arte pop brasileira. Fora o fato de conhecê-la, agrega-se a ela outra
frustração: por causa dessa mentalidade expositiva de total não-interação do
público com as obras (o que não é exclusividade de Porto Alegre nem da Bienal),
não é possível se embrenhar na instalação como originalmente pensou o artista.
Como numa cena de crime, fica-se atrás de um cordão de isolamento admirando e
comentando-se de longe aquilo que não se sabe por inteiro. Lembrei-me de uma
grande mostra em que estive no Rio de Janeiro em 2014, a ArteVida (que, a
rigor, valia por esta Bienal, em diversidade e tamanho), em que vi um dos
famosos trapos dos “Parangolés” de Oiticica. Uma criança, corretíssima em sua
mentalidade lúdica, vestiu-a e saiu “usando” a arte. Claro que foi repreendida.
Pena.
Dali também ressalto poucas outras coisas realmente boas. Uma delas, “O
Impossível”, a expressiva escultura em bronze de Maria Martins (1940); “O
Dragão”, da porto-alegrense Karin Lambrecht, cuja técnica vale-se sempre de
materiais orgânicos (neste caso, têmpera e ovo); “Plegabes”, do uruguaio
Osvaldo Salerno (impressão sobre papel dobrado, 1982), inteligente em sua
simplicidade; e a mesmo que evidente série “Fotomódulos” do paranaense Tony
Camargo referenciando à (óbvia) interação corpo-arte dos “Parangolés” de
Oiticica.
Nada espetacular, nada de cair o queixo. Do Gasômetro, as outras três
mostras, que comentarei adiante, apresentaram, ao menos, mais ousadia. Quem
sabe, até mais marginalia.
Detalhe de "Topicália". Recado dado. |
O bronze de "O Impossível". |
"O Dragão" de Karen Lambrecht. |
"Plegables", impreessão sobre papel dobrado. |
Série de Tony Camargo inspirada nos icônicos Parangolés. |
por Daniel Rodrigues