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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

10ª Bienal do Mercosul – Usina do Gasômetro (2ª parte)








Gershman, um dos meus preferidos.
Como mencionei no último post sobre a Bienal, as três exposições que dividiam espaço na Usina do Gasômetro com a fraca "Marginália da forma", eram ”Olfatória: O Cheiro na Arte”, “A Poeira e o Mundo dos Objetos” e “Aparatos do Corpo”. Além de trazerem mais diversidade e obras realmente impactantes. Tiveram maior intercomunicabilidade, inclusive com aspectos observados no Memorial do Rio Grande do Sul e Santander Cultural. A conexão se dá em grande parte ao substrato da obra enquanto técnica, fazendo da poeira o barro que acessa o olfato e com o qual o corpo interage para construir esse mundo artificial. Nesse aspecto, “Marginália da forma” pelo menos se liga a estas por conta da (pouco expressiva) variabilidade de técnica, como visto na originalidade de Karin Lambrecht, Brigida Baltar e outros.

Padecendo igualmente das mesmas inconsistências as quais mencionei anteriormente (muita repetição de um mesmo artista e/ou de séries), somando-se ainda a de haver muitos artistas gaúchos, as três mostras, entretanto, reuniram mais diversidade e aquilo que todo visitante de coletivas espera: boas surpresas. Foi o que tivemos Leocádia e eu ao nos depararmos, na ”Olfatória: O Cheiro na Arte”, com as bolas iluminadas pendulares, que até cheiro exalavam. Muito plástico e leve.

Instalação da 10ª Bienal do Mercosul

Ao lado, um Rubens Gerchman, dos artistas visuais que mais admiro: “Ar”, em metal fundido. Sempre criativo Gerchman. Crítica, a instalação do colombiano Oswaldo Maciá “Quien limpa a quien” traz, dentro de um suporte de acrílico transparente um sabonete feito de óleo concentrado de alho disposto em uma saboneteira Votoriana de cerâmica original. Dá pra imaginar o cheiro que exala pelo tubo com folículos, né?

Outra de chamar atenção é a tela (1,22 por 1,83 metros) é “Tierra y Libertad”, de 2013, do mexicano Rúben Ortiz-Torres, o qual fez um link bastante interessante com o crítico tema do Memorial da América Latina, “Biografia da Vida Urbana”.. O carioca Waltércio Caldas apresenta a interessante e sintética “Circunferência com Espelho a 30°” (ferro pintado e espelho), dos anos 70, década que, pela observação geral, demarcou fundamentalmente toda a Bienal, uma vez que o mote central (“Mensagens de Uma Nova América”) passa diretamente por esse período no que se refere à construção de uma consciência artística e política das artes na América Latina. Ainda, uma bela tela do gaúcho de Britto Velho (“Sem título”, 1946).

Mas Oticica é Oiticica, não adianta. Com a simplicidade até grosseira – e, por isso, altamente cáustica – da arte moderna, ele referencia numa só vez a arte transgressora do alemão Joseph Beuys e a poesia concreto-barroca de Haroldo de Campos com seu “Bólide Saco 2 Olf ático”, de 1967, feito em plástico, tubo de borracha e café. Por que digo que Oticica é Oiticica? Com uma peça, aparentemente banal e quase “não-artística” é capaz de sintetizar ideologicamente toda a comunicabilidade potencial do recorte em que está inserido. E olha que estamos falando apenas DESTA mostra.  No momento em que se interpõe, com propriedade e significância semiótica, no limite entre o sublime e o vulgar, eis a verdadeira arte contemporânea.

Terra e Liberdade, conexão como tema do Memorial.

Circunferência com Espelho, de 1976

A interessante instalação de Maciá.

Oiticica genial.




sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

10ª Bienal do Mercosul – Usina do Gasômetro (1ª parte)









A, inacessível ao público, "Tropicália", de Oiticica
Consegui visitar um dos espaços que mais tinha curiosidade da Bienal: a Usina do Gasômetro. Os compromissos me empurraram para o último final de semana desta curta Bienal do Mercosul. Motivado pelos recortes temáticos que se encontravam lá, principalmente “Marginália da Forma” – conceito de entendimento do Brasil com o qual me identifico ideologicamente –, e talvez até motivado pela memória emocional que tenho para com o lugar no que se refere ao evento (é-me marcante a exposição que lá vi do uruguaio Julio Le Parc, na 2ª Bienal), fui com boa expectativa. No entanto, frustrei-me, principal e justamente com esta mostra, a qual dividia o espaço com outros três subtemas: ”Olfatória: O Cheiro na Arte”, “A Poeira e o Mundo dos Objetos” e “Aparatos do Corpo”. Quiçá pela maior intercomunicabilidade entre três últimos, “Marginália”, que a mim deveria trazer com fervor o tropicalismo e a diversidade de questões culturais, sociais e antropológicas que dele suscitam-se, ficou não apenas deslocado quanto não se justificou na sua capacidade.

A frustração, igualmente, se deve a outro fator, somente mais perceptível ao se visitar mais espaços da Bienal, que não apenas dois como tinha ido até então, que são algumas inconsistências. Sabe-se que a realização do evento teve problemas financeiros e estruturais, o que dificilmente seria diferente em tempos de crise em que empresariado e governos tendem a achar arte ainda mais boba e supérflua. Isso certamente ocasionou à curadoria uma dificuldade de agregar mais nomes representativos, bem como trazer mais obras significativas de artistas referenciais. Até aí, entende-se. O que se critica é, por exemplo, as repetições não apenas de artistas (MUITAS obras de Dudi Maia Rosa, por exemplo, tanto no Memorial, ali e no Santander Cultural, que comentarei noutro post) como, principalmente, de conceitos. Uma coisa é haver uma sincronia entre os espaços expositivos em que haja obras que dialoguem aqui e lá. Outra é, como no claro caso de Shirley Paes Leme (não vai aqui nenhuma crítica ao trabalho dela), em que se veem obras da mesma série e em grande número em mais de um lugar. Aí, é assumir uma pobreza que se podia resolver selecionando-se ou variando-se mais.

Porém, ressaltando o que teve de legal no Gasômetro, começo, agora terminada a Bienal, uma retrospectiva. Em “Marginália da Forma”, obviamente, interessava-me a instalação “Tropicália”, de Hélio Oiticica (1969), ícone da arte pop brasileira. Fora o fato de conhecê-la, agrega-se a ela outra frustração: por causa dessa mentalidade expositiva de total não-interação do público com as obras (o que não é exclusividade de Porto Alegre nem da Bienal), não é possível se embrenhar na instalação como originalmente pensou o artista. Como numa cena de crime, fica-se atrás de um cordão de isolamento admirando e comentando-se de longe aquilo que não se sabe por inteiro. Lembrei-me de uma grande mostra em que estive no Rio de Janeiro em 2014, a ArteVida (que, a rigor, valia por esta Bienal, em diversidade e tamanho), em que vi um dos famosos trapos dos “Parangolés” de Oiticica. Uma criança, corretíssima em sua mentalidade lúdica, vestiu-a e saiu “usando” a arte. Claro que foi repreendida. Pena.

Dali também ressalto poucas outras coisas realmente boas. Uma delas, “O Impossível”, a expressiva escultura em bronze de Maria Martins (1940); “O Dragão”, da porto-alegrense Karin Lambrecht, cuja técnica vale-se sempre de materiais orgânicos (neste caso, têmpera e ovo); “Plegabes”, do uruguaio Osvaldo Salerno (impressão sobre papel dobrado, 1982), inteligente em sua simplicidade; e a mesmo que evidente série “Fotomódulos” do paranaense Tony Camargo referenciando à (óbvia) interação corpo-arte dos “Parangolés” de Oiticica.
Nada espetacular, nada de cair o queixo. Do Gasômetro, as outras três mostras, que comentarei adiante, apresentaram, ao menos, mais ousadia. Quem sabe, até mais marginalia.

Detalhe de "Topicália".
Recado dado.

O bronze de "O Impossível".

"O Dragão" de Karen Lambrecht.

"Plegables", impreessão sobre papel dobrado.

Série de Tony Camargo inspirada nos icônicos Parangolés.