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segunda-feira, 7 de novembro de 2016

“Zoravia Bettiol – o lírico e o onírico”, de Zoravia Bettiol - Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (Margs) – Porto Alegre/RS











O belo e moderno autorretrato de 2002
“Zoravia faz arte como vive.”
Moacyr Scliar




Mais de um motivo levou Leocádia e eu a irmos a vernissage da exposição de Zoravia Bettiol no Margs. O primeiro e mais óbvio é a importância de sua obra para as artes visuais no Rio Grande do Sul e no Brasil nos últimos 60 anos, tempo o qual está sendo comemorado juntamente aos 80 de vida da artista admirada por gente como Jorge Amado, Moacyr Scliar, Erico Verissimo, Mário Quintana, Mário Schemberg e o próprio Vasco Prado, marido por quase três décadas e com quem compartilhara, inclusive, admiração. Só isso, já justificaria a ida. Mas tem mais. Filha de Iemanjá assim como Leocádia, a quem conhece e nutre amizade há pelo menos uma década, Zoravia dedica, entre as 150 obras selecionadas de diversas fases, técnicas e produções, algumas aos orixás e, obviamente, à Rainha dos Mares. Mas não para por aí. Justamente uma das obras mais representativas e impactantes da mostra, uma escultura em ferro fundido de cerca de 1 metro e meio chamada exatamente de “Iemanjá”, de 1973, é do acervo pessoal de Leocádia, que a cedeu para a rica exposição “Zoravia Bettiol – o lírico e o onírico”. Claro que estaríamos lá.

Tal foi nossa surpresa que a referida escultura encontra-se logo na entrada das quatro salas que compõem a diversa e numerosa seleção feita pelos curadores Paula Ramos e Paulo Gomes, a qual vasculha as variadas fases criativas de Zoravia. Há desenhos, pinturas, gravuras, arte têxtil, objetos, ornatos e joias, além de registros de performances. Disso, resulta uma impressionante diversidade de técnicas e estilos, as quais Zoravia domina com naturalidade, sem excetuar seu rigor de perscrutadora voraz e quase obsessiva. Além da visível liberdade criativa e da utilização das cores, nota-se um exercício permanente para encontrar a trama certa dos fios, a pincelada mais expressiva, a textura ideal da impressão. Tudo intenso, em permanente ebulição.

Esse cuidado e labor extremos se notam muito nas xilogravuras, das especialidades de Zoravia. O detalhismo do desenho se expressa lúdico na Série “Circo”, de 1967, cujos traços refazem de os cordéis nordestinos, principalmente na forma das figuras humanas. Na série que versa sobre os pecados capitais, é possível identificar a textura do tramado da corda, vista em trabalhos têxteis feitos à base desse material. O lúdico, igualmente, está presente de maneira incisiva, caso das séries Namorados (1965) e as dedicadas aos deuses gregos (1965-66/76), onde se nota, aliás, parecença com as imagens do candomblé – o maravilhoso “Netuno”, tal um preto velho, não deixa dúvida dessa universalidade. Desta cultura tão brasileira quanto universal, Zoravia extrai outros trabalhos e séries, como a própria série “Iemanjá” (1973). Sobre isso, Jorge Amado tem um depoimento sobre Zoravia destacado na mostra: “Como ninguém, Zoravia canta e transmite a atmosfera desse universo infantil onde o maravilhoso é o cotidiano e onde o insólito é a terra”.

Há também lindas obras como “Criança Adormecida” (xilo, 1961), em que o traço do desenho mostra-se rigorosamente estudado na criação final, e “Meias Amarelas”, da série Romeu e Julieta (1970) A temática sociopolítica, igualmente forte em toda sua carreira, tem uma das longas paredes da mostra praticamente dedicadas com exclusividade. “Só o povo pode fazer o novo” (acrílica sobre madeira, 1984), carrega o espírito do período do clamor pelas Diretas a qual o Brasil passava naquele então. Visto com o olhar de hoje, em que aquele grito democrático parece ter perdido significado, lembrei-me dos realistas versos de Nei Lisboa: “cada povo tem o novo que merece”.

Adentrando a sala mais ao fundo, depara-se com o que talvez tenha mais impressionado a mim e até a Leocádia, acredito: o conjunto completo de xilogravuras para a lenda “A Salamanca do Jarau”, publicada por Simões Lopes Neto em seu célebre “Lendas do Sul” (1913). Zoravia ilustrou o texto em 1959, produzindo 27 imagens que estão sendo expostas pela primeira vez em sua totalidade, acompanhadas por vários – e belos – estudos preparatórios. Cada imagem é de uma riqueza impressionante. Para mim, que já vi algumas séries baseadas em obras literárias, como as que Dalí fez para a "Divina Comédia" ou “Alice no País das Maravilhas”, esta não fica a dever em nada.

Uma exposição de absoluta diversidade, que instiga justamente por isso. Como bem descreve o texto curatorial: “O fato é que Zoravia Bettiol, ao contrário de muitos artistas de sua geração, preocupados com a unidade estilística e fiéis a determinado meio expressivo, buscou na diversidade parcelas dela mesma. Porém, em cada manifestação, em cada trabalho, é sempre ela, Zoravia.”

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“Zoravia Bettiol – o lírico e o onírico”
onde: Margs -  Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli
(Praça da Alfândega, s/n° Centro – Porto Alegre/RS)
quando: até 11 de dezembro, de terça a domingo, das 10h às 19h
entrada: gratuita
curadoria: Paula Ramos e Paulo Gomes

 
Da série Circo, dos anos 60.

Obra da série Namorados.

Os Deuses Gregos em traços que remetem ao candomblé.


Netuno imponente sobre as águas

Estandarte de Oxóssi, da série Iemanjá.

A belíssima criança adormecida, dos anos 60.

Sensualidade na obra da série dedicada a Romeu e Julieta.

Política e causa social em acrílica sobre madeira.

Uma das mais belas séries, inspirada nos 7 Pecados Capitais, de 1987.

Zoravia desenhada pelo marido Vasco Prado
a traços próximos aos de Picasso.

Uma das obras de 2005 em que a artista
interage com diversas técnicas.

Capa da impressionante série dedicada à obra
de Simões Lopes Neto.

Mais uma das xilos de A Salamanca do Jarau.

Outra das gravuras da série inspirada em Simões Lopes Neto.


As duas filhas de Iemanjá com a escultura em homenagem à orixá.



por Daniel Rodrigues