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segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Joe Henderson - “Inner Urge” (1964)

 

“Uma das marcas da estatura constantemente crescente de Joe Henderson é que ele não pode ser categorizado de maneira ordenada. Por um lado, está entre os jovens exploradores de novas formas de expandir as linguagens do jazz. Por outro lado, ele pode ser igualmente convincente como um blues groover e como um mestre personalizador de baladas na tradição vintage dos tenores do jazz ultratonal. Este álbum ilustra ainda mais o alcance e a profundidade de Henderson.”
Nat Hantoff, do texto da contracapa original de “Inner Urge”

“Na hora marcada, as necessidades tornam-se maduras. É a hora em que o Espírito Criativo (que também se pode designar como Espírito Abstrato) encontra um caminho para a alma, depois para outras almas, e provoca um anseio, um desejo interior.”
Wassily Kandinsky, de “Sobre o problema da forma", 1912

Todo amante de jazz tem motivos para reverenciar o ano de 1964. Assim como o igualmente rico 1959, em que pelo menos dois discos revolucionários para o gênero foram concebidos – “Kind of Blue”, de Miles Davis, e “The Shape of Jazz to Come”, de Ornette Coleman - o quarto ano da década de 1960, em que a abismal leva de grandes músicos surgidos no pós-Guerra encontrava-se em plena forma, impressiona pela quantidade de obras da mais fina estampa. De Wayne Shorter a Albert Ayler, de Lee Morgan a Sun Ra, vários dos “feras” do jazz deixaram sua marca em 1964. Quem também o fez com igual competência e qualidade foi Joe Henderson. A obra em questão é “Inner Urge”, em que o saxofonista tenor norte-americano está acompanhado de um estelar time: Bob Cranshaw, baixo, Elvin Jones, bateria, e McCoy Tyner, piano. Praticamente, o trio que acompanhava John Coltrane havia anos (afora Cranshaw, que tinha no lugar Jimmy Garrison) e que, poucos meses dali, gravaria com este o talvez maior feito não somente daquele fatídico ano, mas de toda a história do jazz: “A Love Supreme”.

Quarto disco de Henderson tanto como band leader quanto pela Blue Note, sua primeira gravadora e que o havia contratado um ano antes, carrega, como o título diz, o sincero “desejo interior” de um jovem artista em plena atividade. Em menos de dois anos, o produtivo Henderson estava com sangue nos olhos, visto que já tinha emendado outros três álbuns, sendo um deles o memorável “In ‘Out”, daquele mesmo milagroso 1964. Motivos havia, contudo, para que estivesse com todo esse gás. Embora fosse recente a carreira solo, sua trilha na música já vinha de pelo menos 15 anos antes. Dono de um estilo que oscila entre o austero e o onírico com a mesma naturalidade que seu sax salta de escala, Henderson sempre foi um “cabeção”. Estudou flauta, baixo e saxofone na Wayne State University e, mais tarde, composição no Kentucky State College, não raro destacando-se pela criatividade e aplicação, Dotado da rara habilidade de “ouvido absoluto”, era capaz de emular com perfeição seus mestres Charlie Parker, Dexter Gordon e Yusef Lateef só ao escutá-los. Nem a passagem pelo exército norte-americano, entre 1960 e 1962, foi capaz de freá-lo, visto que não parou com a música neste tempo e até ganhou prêmios tocando para os colegas soldados. Ao sair das forças armadas, sua arma passou a ser seu instrumento e o território a conquistar seria o centro nervoso do jazz, Nova York, para onde se mudou imediatamente após a baixa. 

As experiências vividas e a sensibilidade musical de Henderson lhe legaram uma visão artística  naturalmente abrangente, que o condicionaram a transitar do classicismo do be-bop à ousadia da avant-garde ou à complexidade harmônica da bossa nova num passo. Em “Inner”, esta ânsia de um “espírito abstrato”, como classificou o artista visual russo Wassily Kandinsky, referência da arte abstrata, está cristalina na multiplicidade e no ecletismo dos números musicais que o compõem. A perfeita engenharia sonora de Rudy Van Gelder e a produção invariavelmente caprichada de Alfred Lion estendem o tapete para a entrada da impecável faixa-título, melodiosa e instigante. São 12 minutos de passeio modal de uma turma acostumada com esse expediente desde que Miles e Dave Bruback o cunharam poucos anos antes. A alta química entre os integrantes da banda propiciam a Henderson o exercício de seus aforismos sonoros com liberdade. Enquanto Tyner dedilha notas líricas e dissonantes, Cranshaw espalha os tons graves com sabedoria e Jones... bem, Jones arrasa do início ao fim na combinação caixa/pratos e, em especial, no magnífico solo que executa quase ao final, quando não deixa o ouvinte respirar. 

“Isotope”, na sequência, mantém o clima suspenso, porém agora num hard-bop colorido, suingado, que contrasta com o abstratismo da faixa inicial. Decréscimo nenhum, contudo. Espelhando-se na elegância de Dex Gordon, Henderson volta às raízes bop. Em seguida, um novo tema e uma nova guinada. As influências hispânicas, que tanto agradavam os jazzistas desde os anos 50 (a se ver pelo “Jazz Flamenco”, de Lionel Hampton, ou “Sketches of Spain”, de Miles) dominam a excelente “El Barrio”. Traços, no entanto, desenhados com os pincéis abstratos do autor, que a impregna de estilo e personalidade. A começar pelos acordes iniciais, quando as notas graves do sax de Henderson emanam caracteres típicos das terras madrilenhas. Jones, atinado, articula um compasso sincopado, enquanto o piano de Tyner e o baixo de Cranshaw insinuam movimentos airosos. Lá pelas tantas, de tão absorvido, Henderson, ao lançar um forte solfejo, chega a afastar-se do microfone, diminuindo a captação do som, o que sabiamente não foi “corrigido” por Van Gelder. Afinal, como no flamenco, é assim que “El Barrio” tinha que soar: orgânica. Tema absolutamente sensual e acachapante. 

Não é exagero dizer que “You Know I Care”, versão para a canção de Duke Pearson, é das mais belas baladas do cancioneiro jazz – ao menos, do abastado ano de 1964 com certeza. Mudando totalmente de estilo – ou melhor, recorrendo a mais uma de suas facetas –, Henderson encarna o mais romântico dos jazzistas e faz ouvirem-se Coleman Hawkins, Lester Young, Gordon e... Joe Handerson também, é claro. Para um disco que, mesmo em apenas cinco faixas, não cansa de surpreender, não é de se estranhar que até o standart “Night and Day” venha igualmente cheio de originalidade. A leitura post-bop de Henderson e sua banda para o clássico de Cole Porter lhe dá um caráter sinuoso, que ora percorre os acordes-base com elegância, ora lhe acentua dissonâncias e modernidade modal. Uma reestruturação melódica que contribuiu para um olhar totalmente diferente deste popular song dos anos 30.

Por cinco anos, desde que entrara para a Blue Note, um ano antes de realizar “Inner”, até 1968, Joe Henderson apareceu em quase 30 álbuns do selo, sendo apenas cinco lançados sob o seu nome. Independentemente da assinatura, o que importava mesmo era espraiar a sua arte por tanto tempo restrita apenas aos conservatórios, aos palcos e até às trincheiras. Porém, de toda esta larga produção, “Inner” é o trabalho que melhor define sua alma exploratória e inquieta. Se "na hora marcada, as necessidades tornam-se maduras" aos "espíritos criativos", Henderson deu um jeito de não perdê-la. Por isso, por algum motivo mágico, 1964 parecia mobilizá-lo especialmente, assim como a outros de seus pares. Tanto é que, além deste e de “In ‘Out” – um lançado em abril e outro em novembro –, Henderson também integra os grupos de outros 10 projetos dentro daqueles 12 inesquecíveis meses, a maioria clássicos como ”Song for My Father", de Horace Silver, ou “The Sidewinder”, de Morgan. Pena que, tanto para Henderson quanto para todos os músicos e amantes do jazz, inexoravelmente 1º de janeiro de 1965 um dia chegou.


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FAIXAS:
1. “Inner Urge” - 12:00
2. “Isotope” - 9:10
3. “El Barrio” - 7:10
4. “You Know I Care” (Duke Pierson) - 7:15
5. “Night And Day” (Cole Porter) - 7:00
Todas as composições de autoria de Joe Henderson, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Exposição "Abraham Palatnik - A Reinvenção da Pintura" - Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) - Rio de Janeiro/RJ








"A ideia de cada Objeto Cinético é uma constelação
que é mais ou menos prevista,
e a partir disto vou construindo,
apesar de que ocorrem durante a construção
modificações  no plano original."
Abraham Palatnik


A obra do artista plástico Abraham Palatnik reúne, direta ou diretamente, características de artistas que admiro enormemente como Mondrian, Klee, Kandinsky, Miró e por isso despertava-me grande interesse em visitar a exposição "Abraham Palatnik - Reinvenção da Pintura" que esteve em cartaz até o último dia 24 de abril, segunda-feira passada, no CCBB do Rio.
O primarismo de cores do plasticismo da De Stijl, a espacialidade dos bauhanianos Kandinski e Klee, a espontaneidade, o ludicismo do catalão Miró, até um pouco do dadaísmo de Duchamp, tudo está presente na obra desse admirável artista potiguar. O diferencial, no entanto, do trabalho de Palatnik para os outros mencionados e o que o torna singular entre eles é o fato de dar volume ao elemento pictórico e, sobretudo, sua capacidade de conferir movimento a ele. Seus quadros, em grande parte das vezes compostos de finas estruturas ou lâminas de madeira encaixadas têm um efeito encantador e hipnótico no apreciador e suas instalações e quadros volumétricos são absolutamente fascinantes pela sensação tridimensional e pelo rigor técnico e precisão, aproximando a arte da matemática de uma maneira poucas vezes vista com tamanho êxito plastico.
Ilusão, velocidade, luz, cor, força, técnica, tempo... São algumas das sensações que o trabalho admirável deste artista brasileiro nos proporcionam. Uma obra magnífica numa exposição para a qual nenhuma outra palavra define melhor do que IMPRESSIONANTE.

A seguir, algumas fotos da exposição.


A sensação de movimento na obra do artista.

Uma quase perturbadora ilusão de ótica no quadro "W-432"

Detalhe da detalhada estrutura que causa o efeito visual

"Objeto Cinético em Construção"


"Aparelho cinecromático em construção"

Aqui, vários de seus objetos cinéticos.

No detalhe, o objeto CK-8, de 1966

"Objeto Cinético Gita"

Anotações, cálculos e esboço de uma das peças

Mais um exemplar dos aparelhos cinéticos de Palatnik

Aqui quadros com acabamento de madeira natural

Incrível efeito visual.

Composição e decomposição.

Detalhe do encaixa das peças da obra anterior

Obras exploram diversas possíveis sensações no visitante 

O minimalismo quase cibernético  do "T-21"

Outras peças na exposição

Notável "sugestão" de paisagem.

Ondas

Mais de perto.

Palatnik também explora o design e mobiliários

Tabuleiro de jogo.

O artista em seu ateliê


Um dos aparelhos cinéticos em funcionamento.



Cly Reis

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Exposição "Picasso: mão erudita, olho selvagem", Centro Caixa Cultural - Rio de Janeiro/RJ (22/10/2016)








"A pintura é mais forte que eu,
me faz dizer o que ela quer."
Pablo Picasso



É muito bom quando se tem a oportunidade de ver exposições de artistas que fizeram diferença na história da humanidade por meio de sua obra. Felizmente, ao longo de minha vida, tenho tido esta sorte. Já vi Van Gogh, Kandinsky, Rembrandt, Dalí, Frida, entre outros, e sempre que nova oportunidade surge, sempre que possível não desperdiço a chance. Já havia visto trabalhos de Pablo Picasso em duas outras exposições mas ambas, embora altamente válidas, de expressões menores de sua obra, uma apenas de cerâmicas e outra de desenhos constituídos de um único traço (vejam só!) mas havia perdido a última no CCBB, concorridíssima e de filas quilométricas.
Mas tive minha compensação. Esta "Picasso: mão erudita, olho selvagem" é bastante numerosa e traz obras extremamente relevantes no catálogo do pintor e escultor espanhol. As mais de 150 obras apresentadas focam em diversos momentos de sua produção artística criativa e para salientar estes períodos a exposição é dividida em 10 núcleos cronológico-temáticos que exemplificam de forma clara as diferentes situações, contextos, inspirações que motivaram naquele momento aquele determinado tipo de expressão.
Obras notáveis! É quase impossível descrever o quão emocionante é estar diante de uma obra de um dos maiores mestres das artes de todos os tempos, poder apreciar e examinar detidamente o traço, as cores, as camadas, os ângulos, os temas, as variações. Há muitas palavras que poderiam descrever Pablo Picasso mas provavelmente a melhor, embora clichê e batida, seja gênio. É espetacular.
Se você é do Rio de Janeiro e arredores ou se é, até mesmo, apenas um turista de passagem, e não foi ainda, vá! Não perca esta oportunidade. A exposição fica em cartaz até dia 20 de novembro.


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exposição “Picasso: mão erudita, olho selvagem”
local: Caixa Cultural Rio de Janeiro – Galerias 2 e 3
endereço: Av. Almirante Barroso, 25, Centro (Metrô: Estação Carioca)
período: até 20 de novembro de 2016
horários: de terça-feira a domingo, das 10h às 21h
ingresso: gratuito

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No primeiro módulo da exposição,
"Café Concerto do Paralelo" de 1900

Belíssimo desenho, "O Beijo"

"Busto de Mulher ou Marinheiro",
estudo para Mulheres de Avignon,
início do processo de geometrização das formas.

Picasso e sua relação com a música
na sério dos Violões.

Violão "Eu Amo Eva".

Movimento, geometria, cheios e vazios.
Incrível escultura de violão.

Estudo de figurinos para espetáculo musical.

Novamente a relação com a música em
"Dança de Vilarejo"

Um dos quadros mais conhecidos da exposição,
"Duas mulheres correndo na praia (a corrida)".

Agora a relação do artista com o esporte.
Jogadores de bola.

"Banhistas com bola"

O lindo "Grande Banhista com Livro" de 1937.

Estudo para Mulher Chorando
da fase engajada na época de "Guernica"

"A Fazendeira"

"A Cozinha". A vida doméstica no módulo 7.

Admirável escultura em papel
"Cabeça de Mulher".

"O Beijo", um dos grandes representantes da expressão da obra de Picasso.

As cerâmicas no módulo "Picasso Múltiplo"

"Vaso com duas asas decorado com cabeça de fauno e coruja"

O erotismo na obra do artista
no incrível "Mulher com Travesseiro"

Eu, Cly Reis, na exposição de Pablo Picasso.



Cly Reis