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segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Caetano Veloso - "Caetano Veloso" (1986)



"No disco americano, o poeta/cantor domina o tempo e portanto pode cantar: '´já tem coragem de saber que é imortal'". 
Matinas Suzuki, em resenha da Folha Ilustrada de 1986

"Como existe João, e para que não se esqueça isso, este é um disco de rock and roll. Sem aspas."
Caetano Veloso, ao Correio da Bahia, 1990

Os anos 80 foram de diversificação para Caetano Veloso. Maduro artisticamente, mais curado das feridas do exílio nos anos 70 e consolidado como um dos artistas mais importantes e populares do Brasil, o baiano lançou-se em vários tipos de projetos naquela década. Estreia, em 1986, um programa de auditório na Globo ao lado de Chico Buarque, “Chico & Caetano”, marco da tevê brasileira. Cria trilhas para tevê, teatro e cinema, além de rodar o seu próprio filme, o autoral “O Cinema Falado”, daquele mesmo ano. Arrisca-se até como ator nos filmes “Tabu”, de Julio Bressane, de 1982, e um ano depois, “Onda Nova”, de José Antônio Garcia e Ícaro Martins. Também, escrevera artigos tão polêmicos quanto carregados de qualidade literária e filosófica. Na carreira musical, concluía a jornada junto à Outra Banda da Terra – que o acompanhara por praticamente toda a década anterior –, integra o naipe de “Brasil” (1981), de João Gilberto, juntamente com Gilberto Gil e Maria Bethânia, produz o amigo Jorge Mautner e obtém sucesso naquilo que era o ápice da popularidade de um músico no Brasil à época: as trilhas de telenovelas – casos de “O Homem Proibido”, de 1982 (com “Queixa”), “Eu Prometo”, 1983 (“Você é Linda”) e “Tieta”, 1989 (“Meia Lua Inteira”).

Dentre esses variados projetos, faltava investir mais fortemente em um: a projeção internacional. Se no seu quintal estava tudo dominado, agora eram os gringos que precisava atingir para expandir seu trabalho naturalmente universal. Conhecido na Europa desde que vivera na Inglaterra, no período da Ditadura Militar, Caetano mantinha frequência de shows internacionais em diversos países, como Suíça, Portugal, França, Itália, Israel, entre outros. Mas faltava o coração da indústria fonográfica: os Estados Unidos. Surge, então, a oportunidade de gravar em Nova York um disco especialmente para o mercado norte-americano, algo que Gil já o fizera, em 1979, no ótimo “Nightingale”. Porém, ao contrário do parceiro de Tropicalismo, que optara por versar para inglês clássicos de seu repertório, os quais ganharam novos arranjos para banda, Caetano escolhe a simplicidade do acústico. É o que se revela no cristalino “Caetano Veloso”, de 1986.

Formato que já vinha sendo lapidado pelo artista há alguns anos em shows – incluindo “Totalmente Demais”, disco coirmão gravado no Brasil naquele mesmo ano –, o som voz/violão/percussão ganha no “Disco Americano”, como é apelidado, a sua mais alta qualidade. Com um repertório escolhido a dedo, Caetano traça um histórico de seu gênio compositivo ao longo das então mais de três décadas de carreira. Composições antigas, como “Coração Vagabundo”, de seu primeiro disco (“Domingo”, de 1967), e “Saudosismo”, de 1968, se aliam a temas mais recentes, como “Luz do Sol”, escrita para a trilha do filme “Índia, a Filha do Sol”, de 1982, e duas de “Velô”, de 1983. Além disso, puxam-se clássicos do cancioneiro caetaneano como “O Leãozinho”, “Terra” e “Trilhos Urbanos”, esta última, a que tem a primazia de abrir os caminhos, ditando o clima que se seguirá nas 13 faixas do álbum. Tudo sob um arranjo simples e sofisticado ao mesmo tempo, com o violão do próprio Caetano fazendo toda a base bossa-novística, as percussões de Mestre Marçal e Marcelo Costa contribuindo com texturas e leves ritmações e o violão solo de Toni Costa completando a arquitetura sonora.

Assim como “Trilhos...”, ainda melhor do que sua original nessa versão, ocorre o mesmo com “O Homem Velho”, que, somente voz/violão, faz revelar a real essência da canção. Escrita para o pai de Caetano quando de seu falecimento, tem uma de suas mais tocantes letras, com versos como: “A solidão agora é sólida, uma pedra ao sol/ As linhas do destino nas mãos a mão apagou/ Ele já tem a alma saturada de poesia, soul e rock'n'roll/ As coisas migram e ele serve de farol”. Caetano está cantando lindamente, dando às interpretações a medida certa de emotividade. É o que se nota em “Eu Sei que Vou te Amar”, numa das mais belas versões do clássico de Tom e Vinícius – à altura das interpretações de Elizeth Cardoso, João Gilberto e do próprio Tom Jobim.

Outras imortais de Caê, como “O Leãozinho”, bastante afeita ao acústico, também são levadas apenas por seu intérprete ao violão, límpidas. Mesmo caso de “Odara”, originalmente uma disco music que, desta maneira, soa como se sempre tivesse sido tocada na sutiliza do acústico. Aliás, a musicalidade de Caetano é tamanha que ele consegue dar tal roupagem a duas melodias totalmente distintas dos ritmos brasileiros: “Get Out of Town”, standart do cancioneiro norte-americano, de Cole Porter, e “Billie Dean”, o pop dançante de Michael Jackson. Tal como ousara nos anos 70 em “Qualquer Coisa”, de 1975, quando pôs Beatles dentro do som mais brasileiro de todos: o samba. E são duas das mais belas canções do disco: “Get Out...”, superelegante, que conta com um solo de violão arrasador de Toni Costa, e “Billie...”, em que aproveita a radiosa melodia original para transformá-la, inclusive mesclando-a em pout-pourri com o samba de gafieira “Nega Maluca” e a sinfônica “Eleanor Rigby”, que o faz voltar a Lennon e McCartney, inclusive pela marcante participação de Toni Costa relembrando a guitarra de Perinho Albuquerque em "Eleanor...";

“Cá-Já”, do álbum “Muito”, de 1978, ganha arranjo mais encorpado com as percussões e o violão de Toni Costa. Daquele mesmo disco, “Terra”, talvez a mais brilhante composição de Caetano, encerra repetindo a sonoridade de pequena banda e, mais uma vez, superando a primeira gravação. Versos inesquecíveis como: “De onde nem tempo, nem espaço/ Que a força mande coragem/ Prá gente te dar carinho/ Durante toda a viagem/ Que realizas no nada/ Através do qual carregas/ O nome da tua carne...”, se redimensionam em beleza na discrição exata em que cabe a canção. Caetano faz menos ser muito mais.

Naquela mesma década de 80, logo em seguida viria uma nova fase na carreira musical de Caetano quando, junto aos “Ambitious LoversPeter Scherer e Arto Lindsay, incorpora elementos do pós-jazz e da ethnic fusion à sua abundante musicalidade e poética tropicalista. Mais uma faceta que Caetano apresentava. Porém, a versatilidade de usar de formas variadas seu talento naqueles anos ganha no “Disco Americano” certa redenção. Todos sabem (mesmo que alguns façam de conta do contrário) de suas qualidades artísticas, mas o seu âmago está, de fato, no ensinamento permanente e na profunda reverência à batida e ao canto de João. O resto é quase perfumaria – e se não é, o disco feito para os Estados Unidos faz passar essa sensação ao ouvi-lo. Tudo cabe ali: o samba, o jazz, o rock, o pop. O moderno e o passado. Só voz, violão e canção: basta isso para Caetano ser totalmente demais.

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FAIXAS:
1. Trilhos urbanos
2. O homem velho
3. Luz do sol
4. Cá-já
5. Dindi (Tom Jobim/Aloysio de Oliveira)/ Eu sei que vou te amar (Tom/Vinicius de Moraes)/ 
6. Nega maluca(Fernando Lobo, Evaldo Ruy)/ Billie Jean (Michael Jackson)/ Eleanor Rigby (Lennon-McCartney)
7. O leãozinho
8. Coração vagabundo
9. Pulsar (Augusto de Campos/Caetano Veloso)
10. Get out of town (Cole Porter)
11. Saudosismo
12. Odara
13. Terra
Todas as composições de autoria de Caetano Veloso, exceto indicadas


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OUÇA O DISCO:
"Caetano Veloso" - Caetano Veloso (1986)


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 24 de abril de 2023

CLAQUETE ESPECIAL 15 ANOS DO CLYBLOG - Cinema Brasileiro: 110 anos, 110 filmes (parte 1)

 

Cena do inaugural "Os Óculos do Vovô", de 1913,
há 110 anos
Quando, em março de 1913, o cineasta e ator luso-brasileiro Francisco Santos levou pela primeira vez ao público de Pelotas, no extremo Sul do Brasil, “Os Óculos do Vovô”, é de se supor que soubesse estar marcando uma era. Aquilo que então chamavam de “atualidades” já trazia a semente de mais do que isso: era o nascer de uma indústria, a indústria do entretenimento. Mas mais do que este aspecto produtivo e mercadológico, aquilo era “arte”. Isso, talvez Santos supusesse com maior assertividade. Uma espécie nova, ainda em construção, experimental, mas instigante e visivelmente muito promissora de arte: o cinema. 

O que o pioneiro do cinema brasileiro talvez não suspeitasse era que aquilo que ele empreendera com muito custo através da Guarany Films, sua produtora, fosse se tornar tão longevo e, por que não dizer, exitoso. Pois uma coisa pode-se afirmar do cinema brasileiro: mesmo várias vezes acometido por crises econômicas, políticas, culturais e ideológicas em um país jovem historicamente falando, jamais lhe faltou criatividade e perseverança. As condições nem sempre favoráveis, quando não dribladas, foram inclusive combustível para a geração neo-realista ou a cinema-novistas e udigrudi, para citar três exemplos.

Glauber: genialidade marcante
para o cinema brasileiro
E se são raros os casos de abastamento, por outro lado nunca se deveu nada a outros polos, inclusive bem mais endinheirados como a Europa, o Japão e os Estados Unidos. De gênios, podemos entabular Glauber, Peixoto e Mauro. De documentaristas, o talvez maior de todos: Coutinho. De obras revolucionárias, “Limite”. De divisores-de-águas modernos: “Cidade de Deus”. De obras-primas, “O Pagador de Promessas” e “Eles não Usam Black Tie”. Isso sem falar na brasilidade exposta em diversos filmes, às vezes de forma absolutamente orgânica, algo impossível de ser copiado, reproduzido e, em certa medida, até explicado noutras paragens. Como legendar diálogos como os de “A Hora e a Vez de Augusto Matraga” ou “Amarelo Manga” sem perder consistência e poética?

Tem isso e mais um monte de coisas. Afinal, em 110 títulos cabe bastante diversidade. Longas de ficção, documentários de maior ou menor duração, filmes mudos, curtas-metragens ficcionais, fitas P&B e coloridas, audiovisuais feitos para TV, gêneros diversos, produções do início do século 20 e outras recentes. Tem, sim, um pouco de tudo. Como diz Caetano Veloso sobre o cinema brasileiro: “Visões das coisas grandes e pequenas que nos formaram e estão a nos formar”.

Dizem que montar listas é uma forma de, além de divertir-se dando classificações aos próprios gostos, apreender tudo aquilo que se vê. E é tanta coisa que já se viu!... Aqui, a tentativa lúdica é de resgatar preferências de forma a dar uma noção subjetiva do que é cinema brasileiro em minha visão. Porém, também contemplar o crítico, que pode ponderar a consideração a medalhões, mas entende suas relevâncias. Recai aqui aquela “justificativa” dos preteridos. Muita coisa fica de fora, infelizmente, a contragosto do próprio autor da classificação. Impossível não citar pelo menos 10 deles: “Di”, “Pacarrete”, “O Palhaço”, “Linha de Passe”, “Os Primeiros Soldados”, “Porto das Caixas”, “O Homem do Ano”, “Chuvas de Verão”, “Alma Corsária” e “Inocência”. E teriam mais.

Cena de "Os Primeiros...", um dos célebres não-incluídos na lista

Diferirá de outras listas semelhantes? Claro, e isso que é o bom. O exercício aqui é justamente este: louvar a produção nacional em sua diversidade e preservar a memória de um dos cinemas mais inspirados do mundo, mesmo sem nunca ter ganho um Oscar de Filme Internacional. Importante? Sim, mas não é tudo, pois há muito mais abundância do que reconhecimento. E se são 110 anos, então, que sejam 110 títulos, lançados em partes e em ordem inversa. De início, os últimos 20 colocados já mostram essa riqueza. Têm desde clássicos do Neo Realismo e do Cinema Novo, passando por filme da retomada e produções da Embrafilme a dignos representantes do cinema atual feito no País. Então, partiu ordenar filmes representativos desta história mais que centenária como parte das celebrações pelos 15 anos do Clyblog!.

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110. “O Grande Mentecapto”, Oswaldo Caldeira (1986)

Das melhores comédias do cinema nacional, filme mineiro que, na linha de “Verdes Anos”, direcionou a produção a outros Estados que não Rio e SP, e que sedimentou a geração TV Pirata (Diogo Vilella, LF Guimarães, Regina Casé) numa história de Fernando Sabino ao mesmo tempo deliciosa, cômica, poética e aventuresca. Um dos finais de filme mais bonitos do cinema brasileiro. Trilha do Wagner Tiso marcante. Melhor Filme pelo júri em Gramado e concorreu em Cuba, Canadá e EUA.






109. “Meu Nome não é Johnny”, Mauro Lima (2008)
108. “O Grande Momento”, Roberto Santos (1959)
107. “Canastra Suja”, Caio Sóh (2018)
106. “Marighella”, Wagner Moura (2021)
105. “Verdes Anos”, Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil (1984) 



101. “Dois Córregos - Verdades Submersas no Tempo”, de Carlos Reichembach (1999)
102. “Os Cafajestes”, Ruy Guerra (1962) 
103. “O Homem que Copiava”, Jorge Furtado (2003)
104. “A Hora da Estrela”, Suzana Amaral (1985) 


100. “O Auto da Compadecida”, de Guel Arraes (2000)

No início doa anos 2000, o cinema brasileiro fechava seu ciclo de maiores dificuldades estruturais com um sucesso de crítica e público (2 mi de expectadores). Guel, que havia construído uma carreira alternativa na dramaturgia através da televisão desde a TV Pirata e aperfeiçoando-a ao longo dos anos, chegou pronto ao seu primeiro longa, baseado na peça de Ariano Suassuna. Difícil ver uma trupe tão grande de ótimos atores/atuações juntos: Selton, Nachtergaele, Nanini, Denise, Diogo, Lima, Virgínia, Goulart... todos, todos impagáveis. João Grilo e Xicó formam uma das melhores duplas de personagens do cinema nacional. Comédia divertida – mas também dramática – com o pique de edição e cenografia de Guel. Um clássico imediato.




99. “Tudo Bem”, Arnaldo Jabor (1978)
98. “O Lobo Atrás da Porta”, Fernando Coimbra (2013)
97. “Iracema, Uma Transa Amazônica”, Jorge Bodanzky e Orlando Senna (1976) 
96. “A Rainha Diaba”, Antonio Carlos da Fontoura (1974)
95. “Os Saltimbancos Trapalhões”, J. B. Tanko (1981)



94. “A Casa de Alice”, Chico Teixeira (2007)
93. “Macunaíma”, Joaquim Pedro de Andrade (1969)
92. “A Idade da Terra”, Glauber Rocha (1980) 
91. “O Anjo Nasceu”, Julio Bressane (1969) 


Daniel Rodrigues