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quinta-feira, 26 de abril de 2012

cotidianas #156 - Concepção



Dei para isso agora:
Ando parindo palavras
Sinto-as no bucho, pesando
Afoitas por receberem luz, por respirarem ar
Gestação sem idade
Sem calendário
Sem útero

"Maternidade" - Segall, Lasar
aquarela e grafite sobre papel (1922)
Caminho pelas ruas
E, quando vejo, saiu
Escorrem perna abaixo
A qualquer hora
Várias delas, filhas de todos os formatos, de diferentes caras
Tomam vida logo
Erguem-se e já saem voando
Ganham as ruas
Vão com o vento

Mesmo assim, me pergunto: serão palavras isso que paro, gesto?
Essas que ouço, que ora choco
Que ora me sobem pelo esôfago
E me engasgam sem, contudo, se pronunciarem?
Paro e observo o gesto
Desconfio...

Isso, que se me põe ora sílaba, ora fonema
Ora uivo
Ora pois!

Não, não podem ser palavras
Nem tudo que há dentro cabe nestas borboletas aflitas
Limitadas
Que precisam da atmosfera para bater asas

Agora entendo
Toco meu ventre e sinto
Meu verdadeiro útero está tomado disso: dos sons que vêm dela

Claro!
É isso
Matei a charada:
Estou prenhe de música. 

3 comentários:

  1. Adorei.
    Mais um excelente.
    Lembra muito o "Grávida" do Arnaldo Antunes, cantado pela Marina. Mas o teu tem essa coisa mais específica da palavra, da criação do que aquele. Aquele tem mais ênfase no botar qqr coisa pra fora na forma que seja (mesmo conceito do "Saia de Mim" - Arnaldo é foda!) e o teu vai mais na linha da arte, da escrita, do que está pedindo pra sair e ser colocado no papel.
    Lindo mesmo.
    De novo me lembra Clarice Lispector. Esse sentimento é muito parecido e ela se referia assim com frequencia ao processo de criação.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Poxa, é um baita privilégio algo do que escrevo (não chego a dizer "comparado") a Clarice e Arnaldo. Admiro muito os dois. Esse poema já vinha rondando minha mente a meses e se finalizou, justamente, num momento em que estava na rua. Escrevi-o no verso de uma nota fiscal do supermercado. hehe Ah: obrigadíssimo.

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