Resnais, cineasta com
mais de um título na lista.
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Uma das missões de minha profissão, a de jornalista, é a de, a partir de
meu filtro capacitado e abalizado, informar as pessoas daquilo que não lhes está
evidente, ajudando-as a se elucidar e formar opinião. Quando se trata de
assuntos envolvendo cultura e arte, não é diferente. Levar-lhes o “não óbvio”,
aquilo que não conhecem, pois o que já conhecem não precisa, certo? Não exatamente.
Há tanta confusão de informação no ar (e nas redes) que o “óbvio”, por
desconhecimento ou falta de critério, mistura-se com o irrelevante ou passa até
a ser relegado. Os melhores filmes franceses de todos os tempos, por exemplo: numa
recente lista, vi apontados títulos queridinhos como “O Fabuloso Destino de
Amélie Poulin” e “Intocáveis” como sendo indispensáveis, enquanto que não
figuraram nada de Jean Vigo ou Michel Carné. Ora, convenhamos! E olha que
não estou nem falando de obras de cineastas menos conhecidos, mas igualmente merecedores,
como Sacha Guitry ou Julien Duvivier – mas aí, seria exigir demais.
O cinema francês é um dos mais ricos e referenciais da cinematografia
mundial, desde os irmãos Lumière até as escolas e movimentos que este promoveu
ao longo do tempo, como o Realismo Poético, o Cinema Vérité e a revolucionária Nouvelle
Vague. Nada contra os bons “Intocáveis” ou “Amélie Poulin” – este último, aliás,
se tivesse que escolher um de Jeunet, preferiria “Delicatessen” ou “Ladrão de
Sonhos”. Porém, basta conhecer um pouco da história do cinema do país de Victor
Hugo para enxergar o rico e numeroso universo de produções relevantes para além
desses sucessos recentes. O pioneirismo, as inovações estilísticas, as contribuições
técnicas e teóricas se deram em vários momentos da história da sétima arte.
Definitivamente, o cinema francês não deve ser reduzido a uma amostra que nem
de longe reproduza seu tamanho e importância.
Por conta disso, elaborei uma lista de 20 títulos realmente essenciais
para se compreender e admirar o cinema francês. Óbvios para mim, mas a quem não
conhece ou se enreda em avaliações mal ajuizadas, talvez não. Afora a
criteriosa tarefa de selecionar os mais relevantes entre tantos títulos ótimos,
elencá-los foi delicioso. Estão aqui mencionados, sem ordem de preferência,
clássicos que determinaram épocas, obras-primas consagradas do cinema mundial e
filmes que cumpriram papéis além do próprio cinema: tornaram-se ícones da arte
e da cultura do século XX, como “Acossado”, “A Regra do Jogo” ou “A Nós a
Liberdade. A ideia foi a de constar um de cada grande realizador, embora alguns
(Truffaut e Resnais, por exemplo) inevitavelmente haja mais tendo em vista a indispensabilidade
das realizações citadas. Também, dentro da lógica de informar a partir de meu
filtro pessoal, se perceberão toques de meu entendimento próprio. De Carné,
optei por incluir “Os Visitantes da Noite” e não o consagrado “O Boulevard do
Crime”; De Buñuel, “O Discreto Charme da Burguesia” a “Bela da Tarde”; De Godard,
“Je Vous Salue, Marie” a algum dos cult-movies
dos anos 60, como “Pierre Le Fou” ou “Alphaville”. Crítica pessoal pura, mas
que em nada prejudica a representatividade da seleção como um todo.
Claro, ficou de fora uma enormidade de coisas, como “Lacombe Lucien”,
de Malle, “Orfeu Negro”, de Camus, “Eu, um Negro”, de Rouch, “A Bele e a Fera”,
de Cocteau, ou “Napoleon”, de Gance. Privilegiou-se os essencialmente
franceses, por isso não aparecem co-produções como “O Último Tango em Paris” ou
“A Comilança”. Também não entraram nada de Maurice Pialat, Eric Rohmer,
Costa-Gavras, Jacques Demy, Jacques Rivette... Paciência. Além da impossível
unanimidade de listas, uma como esta, que represente algo tão relevante e robusto,
incorreria em incompletude. Uma coisa é certa: não perdemos tempo com
irrelevâncias. Ah, isso não. Voilà!
- “Viagem à Lua”, de Georges Méliès (“Le Voyage dans la lune”, 1902)
- “A Nós a Liberdade”, de René Clair (“À Nous la Liberté”, 1931)
- “Zero de Conduta”, de Jean Vigo (“Zéro de conduite”, 1933)
Poster original de "Zero de Conduta" |
- “A Regra do Jogo”, de Jean Renoir (“La Regle Du Jeu”, 1939)
- “Os Visitantes da Noite”, de Michael Carné (“Les Visiteurs du Soir“,
1942)
- “Orfeu”, de Jean Cocteau (“Orphée”, 1950)
A visão de Cocteau para a saga de Orfeu |
- “As Diabólicas” (“Les Diaboliques”), de Henri-Georges Cluzot (1955)
- “Meu Tio”, Jacques Tati (“Mon Oncle”, 1958)
- “Os Incompreendidos”, de François Truffaut (“Les 400 Coups”, 1959)
Cena do revolucionário "Os Incompreendidos" |
- “Os Primos”, de Claude Chabrol (“Les Cousins”, 1959)
- “Hiroshima, Moun Amour”, de Alain Resnais (1959)
- “Acossado”, de Jean-Luc Godard (“À bout de souffle”, 1960)
- “O Ano Passado em Marienbad”, de Alain Resnais (“L'Année dernière à
Marienbad”, 1961)
- ‘Jules et Jim”, de François Truffaut (1962)
- “Cleo das 5 às 7”, de Agnès Varda (“Cléo de 5 à 7”, 1962)
- “La Jetée”, de Chris
Marker (1962)
As impressionantes foos de Marker que compõe a narrativa de "La Jetée" |
- “Trinta Anos Esta Noite”, de Louis Malle (“Le feu follet”, 1963)
- “O Discreto Charme da Burguesia”, de Luis Buñuel (“Le charme discret
de la bourgeoisie”, 1972)
- “Je Vous Salue, Marie”, de Jean Luc Godard (1985)
"Je Vous Salue, Marie", a produção mais recente da lista junto com Betty Blue |
- “Betty Blue”, de
Jean-Jacques Beineix (“37° le Matin”, 1986)
por Daniel Rodrigues
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