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segunda-feira, 17 de junho de 2019

cotidianas #636 - Pílula Surrealista #36


Marca de nascença é o tipo de coisa comum de uma pessoa ter. Em diferentes lugares do corpo, em diferentes tamanhos, texturas, pigmentação e constituições morfológicas. Panturrilha, cóccix, cotovelo, globo ocular, bacia, grande lábio. Mais visíveis ou menos: na bochecha ou na virilha, entre os dedos ou entre as nádegas, próxima da pálpebra ou do assoalho pélvico. Theo, entretanto, tinha uma marca de nascença digamos “proeminente”. Proeminente, aliás, talvez nem seja o termo mais
apropriado, visto que a marca de nascença de Theo cobria-lhe por completo. Era mais do que uma marca de nascença, melhor colocando. Theo ERA uma marca de nascença. Está certo que não sustentava uma estatura avantajada em seus 1 metro e 57 centímetros de altura. Porém, impossível negar que se trata, além de uma estatura aceitável, de um tamanho suficiente para excluí-lo do nanismo e que apenas uma única marca de nascença dominante em toda a extensão do corpo tivesse mais destaque do que uma simples marca de nascença comum de apenas alguns centímetros. Isso fazia com que a marca de nascença do rapaz pudesse ser considerada grande demais para ser somente uma marca de nascença. Desproporcional como uma tatuagem de um tatuador desenfreado que desenhasse com a mesma tinta marrom-escuro horas a fio o corpo de um cliente em coma. Como um chamuscado que lhe pintasse regularmente de queima toda a epiderme. Theo era para ser um branco de nascença, mas a marca, tão mais preponderante neste acontecimento originário, tornava-o um mulato. Minto: um negro. Por força daquilo que o compõe e lhe cobre desde que veio ao mundo, é possível, sem erro, dizer que Theo é um negro. Forçada e ironicamente, mas um negro, sem dúvida.


Daniel Rodrigues

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