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domingo, 26 de outubro de 2025

"Se Eu Fosse Minha Mãe", de Gary Nelson (1976) vs. "Sexta-Feira Muito Louca", de Mark Waters (2003)

 


Sabe quando um time não tá funcionando bem, pinta aquela crise no vestiário e um setor começa a reclamar do outro? O pessoal do ataque cobra da defesa por tomar tantos gols, mas aí o pessoal da zaga argumenta que os atacantes não tem a menos noção da dificuldade que é marcar porque nunca se preocupam com isso e não ajudam nem na saída de bola. Os dianteiros, por sua vez, se defendem alegando que o meio deveria colaborar mais, que jogam muito espaçados e que o volante deveria proteger a área. Aí é a meiúca que acusa os laterais de avançarem muito e deixarem a parte defensiva muito exposta. Os homens dos flancos, por seu turno, ofendidos, alegam que tem que ir e voltar o tempo todo e que ninguém trabalha como eles no time... "Queria ver se fossem vocês!", dizem. Enfim, ninguém se entende!

No nosso duelo cinefutebolístico da vez, pegamos dois filmes em que, exatamente, uma personagem não tem a exata noção das dificuldades da outra e acaba precisando viver na pele os problemas do outro lado para perceber que perrengues não são exclusividade sua.

"Se eu Fosse Minha Mãe" e "Sexta-Feira Muito Louca" têm basicamente a mesma história. Mãe e filha, intolerantes às questões da outra, depois de uma discussão (mais uma!!!) acabam por um incidente metafísico trocando de lugar, mudando de corpo. A mãe no corpo da filha e a filha no corpo da mãe, mas com a mesma cabeça, os mesmos conceitos, os mesmos pensamentos e preocupações. Em nome de manter as aparências e tentar deixar as coisas sob controle até que, de alguma forma, tudo volte ao normal, elas concordam em assumir seus papéis durante aquele dia e cumprir as tarefas uma da outra. Aí é passar um dia encarando os desafios cotidianos do outro lado tão subestimados por cada uma delas.

No original de 1976, a mãe, Ellen, vivida por Barbara Harris, é meramente uma dona de casa e suas particularidades basicamente se limitam à rotina do lar, como preparar a comida, lavar a roupa, cuidar do marido, solicitar manutenções, etc., retrato da época e do padrão desejado para uma mulher na sociedade dos anos 70. O universo da filha Annabelle, vivida por uma jovem Jodie Foster ainda em seus tenros 14 anos, além da escola, do convívio das amigas, inclui atividades esportivas nas quais, por sinal, ela se destaca, como hóquei e esqui aquático, o que representará dificuldades adicionais a quem assuma sua identidade.

Não precisaria nem dizer que a filha, no corpo da mãe, em casa tendo que atender o fogão, máquina de lavar, serviços de entrega, relações sociais e tudo mais, fica perdidinha e só toma decisões erradas. E a mãe, na escola, no corpo da filha, além de perceber que o universo escolar é mais complexo do que imaginava, nas atividades extraescolares não terá a menor destreza com tacos de hóquei, esquis e coisas do tipo.

Na refilmagem de 2003, a atualização é preciosa e rende muitos ganhos à nova versão. Tess, a mãe, interpretada por Jamie Lee Curtis, é uma mulher independente, de sucesso, trabalha fora, é viúva mas tenta dar uma nova chance à sua vida com um novo parceiro que, por sinal, é muito mal recebido pela filha adolescente Anna, ainda muito sentida pela perda recente do pai. Anna tem preguiça pra acordar pra ir pra escola, briga com o endiabrado irmãozinho menor, não é má aluna mas tem suas dificuldades na escola, seja com outras meninas, seja com professores implicantes. Tem uma quedinha por um gatinho da escola, tem personalidade forte, discute com a mãe por quase tudo e tem uma banda de rock que além de seu lazer, seu prazer, é quase seu escape para todo os estresses do dia a dia. O problema é que a mami não vê  bem assim. Acha que é só uma barulheira, é só mania, brincadeira de adolescente, que não tem importância alguma e no dia que pode ser o mais importante para o futuro musical da filha, ela quer pôr seu interesse à frente obrigando a garota a ir em sua festa do noivado com o futuro padrasto. Aí não, né! É claro que vai dar treta! Tá certo que Anna tem que entender que a mãe precisa de uma nova chance na vida, passado o luto, e que aquele é um momento especial, mas Tess também podia ter um pouquinho de noção que uma batalha de bandas, uma chance de mostrar seu talento, exibir aquilo que você curte e faz bem, de se autoafirmar como pessoa, é algo que não se pode deixar passar.

Só esse recorte já demonstra o quanto "Sexta-Feira Muito Louca" é mais bem estruturado, mais bem costurado, bem construído, ao passo que o outro tem questões pontuais, dilemas mais isolados e o problema final que é o de Ellen no corpo da filha tendo que participar de uma demonstração de esqui, enquanto Annabelle no corpo da mãe, com uma licença de adulto mas sem nenhuma prática na direção, tem que dirigir até o local do evento aquático para impedir que algo de pior aconteça à filha..., digo à mãe..., a mãe que na verdade é filha... Ah, sei lá! Até já me confundi.

Fato é que o remake é muito superior. A própria troca de papéis tem uma "lógica" mais justificável na segunda versão, com os biscoitos da sorte no restaurante chinês, do que no primeiro filme quando se dá simplesmente durante mais uma discussão na qual ambas acabam falando ao mesmo tempo. Sem falar na rotina escolar de Anna, no cotidiano mais complexo da mãe, na relação mais engraçada da garota com o irmão, a situação do namoradinho que se encanta com a mulher mais velha, que no primeiro é meramente um bocó da vizinhança enquanto na refilmagem é um gatão de moto e que tem participação relevante em um elemento importante da trama.  Ou seja, "Sexta-Feira Muito Louca" tem tudo para passar por cima de "Se Eu Fosse Minha Mãe".

Mas futebol e cinema se decide dentro das quatro linhas e, apesar das aparências, o filme de 1976 não é nenhuma galinha-morta. Dois times com boas duplas de ataque! De um lado, "Se eu fosse minha mãe" tem a belíssima Barbara Harris num papel até bem competente dadas as limitações do personagem, e a jovem Jodie Foster que viria a ter dois prêmios The Best FIFA na estante (ou seja, dois Oscar da Academia) mas que até aquele instante era apenas mais uma boa promessa do sub-15. Mas se não era possível prever que no futuro aquela adolescente sardentinha seria uma oscarizada, quem apostaria que um dia a final-girl de Halloween, Jamie Lee Curtis também teria um Oscar pra chamar de seu? Pois é, alguns anos depois, uma das primeiras rainhas do grito, também viria a levar seu 'premio FIFA' por "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo". Ou seja, se o negócio é prêmio grande, TEMOS.  E pros dois lados.

Já a mãe da versão original e a filha da versão nova, nunca chegaram a ter essa projeção toda, embora Harris tenha recebido uma indicação ao Oscar e Lindsay Lohan tenha sido um ícone de sua geração especialmente nas comédias juvenis. O problema com LL é que foi tipo aquele jogador porra-louca que teve bom desempenho em duas ou três temporadas depois de subir pro profissional mas estragou tudo e jogou a carreira fora.

Mas, pasmem, aqui, no estágio da carreira de cada uma, a Lindsay 'Lôca', supera a bi-oscarizada Jodie Foster. O retrato de adolescente, as particularidades da sua época, as atualizações do roteiro, a parte musical, favorecem enormemente a maluquete dos anos 2000 e ela desequilibra a favor do seu time.

"Se Eu Fosse Minha Mãe" - Abertura


Apesar de tudo indicar uma vitória fácil do remake, para surpresa geral, o original é quem abre o placar nos primeiros segundos de jogo. A abertura em animação, graciosa e cativante é um diferencial do time de 1976. Muito bonitinha! Gol relâmpago! SEFMM 1x0.

Mas parece que era tudo que o time setentista tinha para dar. A dinâmica do remake, os contextos familiar e escolar, a atualização do olhar sobre a mulher, a introdução do elemento do padrasto, a existência da banda, tudo isso representa um ganho considerável para o novo filme. Jogada coletiva, toca daqui toca de lá e SFML empata rapidamente. 1x1.

Numa tabelinha espetacular de Jamie Lee Curtis com Lindsey Lohan, SFML faz o segundo. As situações em que elas contracenam logo após a troca, quando compreendem que mudaram de corpo e teriam que encarar pelo menos um dia daquele jeito, são de se mijar de rir. Cada uma pegando as falas, as manias, os trejeitos da outra é algo absolutamente hilário! Experiência aliada à juventude e SFML vira o jogo: 1x2.

Por falar em experiência e juventude, a cena em que o crush de Anna, Jake, um rapaz da escola que ajuda na detenção, dá carona de moto para a mãe, achando que está caidinho por ela (mas é pela filha), além de saborosa e engraçada, é embalada por uma versão matadora de Joey Ramone para o clássico "What a Wonderfull World". Aí não tem como, né? É gol do time de 2003. 1x3 no placar.


"Sexta-Feira Muito Louca" - cena da moto
"What a Wonderfull World", Joey Ramone


A relação com o irmão menor é mais engraçada na segunda versão mas não faz tanta diferença para representar um gol; a origem da "maldição", com o restaurante chinês, o biscoito da sorte e tudo mais é apenas mais bem resolvida na refilmagem que o do original, mas não chega a ser nada genial e não  representa, um diferencial considerável. O que faz a diferença, sim, é a sequência final que, enquanto no primeiro filme se resume a uma desastrada demonstração de esqui aquático e uma perseguição automobilística totalmente pastelão, na nova versão tem o clímax dividido entre a festa de noivado da mãe e a batalha de bandas da filha, colocando frente a frente os interesses de cada uma e a capacidade de compreender a necessidade da outra. A sequência toda culmina em nada menos do que um show de rock com um solo de guitarra de Anna, no corpo da mãe Tess, salvando a própria pele, uma vez que a quem está ali no palco, pelo menos em corpo, é ela mesmo. Literalmente..., show!1x4.

Num jogo realizado numa sexta-feira e em que tudo parecia fora do lugar - o volante jogando de ponta esquerda, o zagueiro de centroavante, o lateral na meia - "Sexta-Feira Muito Louca" mostra mais qualidades, mais variações de jogo, troca de posições, e atropela seu original dos anos '70. Se eu fosse a Jodie Foster, eu chamava minha mãe porque a surra foi feia.

Pois é, futebol moderno exige que os jogadores atuem em mais de uma função.
Tem que aprender a jogar na posição da outra.
(À esquerda, Annabelle e Ellen, na primeira versão,
e à direita, Anna e Tess, na refilmagem)



A defesa do time de 1976 foi uma mãe e

 facilitou a vitória do time de 2003.


por Cly Reis

domingo, 18 de março de 2018

"Pantera Negra", de Ryan Coogler (2018)



Não faz muito tempo, a atriz e diretora Jodie Foster declarou que os filmes de super-heróis estariam acabando com o cinema, declaração com a qual, mesmo sendo um colecionador de quadrinhos e apreciador de filmes do tipo, não posso deixar de concordar em parte uma vez que os filmes do gênero, feitos nos últimos tempos em espantosa agilidade e quantidade na maioria das vezes, com exceção da parte técnica, são obras bastante pobres, rasas, de personagens superficiais e andamentos previsíveis, completamente dispensáveis do ponto de vista artístico ou reflexivo. O público, cada vez menos exigente no que diz respeito a conteúdo, roteiro, diálogos, atuações, se satisfaz com meia dúzia de efeitos especiais em 3D e fisgado pela sanha consumista induzida pela indústria do cinema, mal sai de uma sala de projeção onde curtiu a aventura de um herói e já espera pela sequência que, por sinal já tem até data marcada para estrear.
No entanto, mais ou menos na mesma época da entrevista de Jodie Foster, um filme desta linha veio a contrariar a declaração da atriz. "Pantera Negra", filme sensação mundial que tem batido sucessivos recordes de bilheteria é um filme de super-herói necessário e o fato de ser de super-herói, neste caso, é um aspecto importante. Um herói negro destemido, carismático, líder em uma nação negra orgulhosa, autossuficiente, desenvolvida tecnologicamente mas que não deixa de lado suas mais remotas tradições, e onde as mulheres atuam em todas as áreas com a naturalidade que qualquer sociedade deveria zelar, faz com que, como poucas vezes na história da sétima arte, segmentos menos favorecidos na sociedade, em especial é claro, negros e mulheres, vejam-se representados no cinema de uma forma digna e honrosa e identifiquem-se com o que estão vendo na tela.
Mulheres guerreiras, políticas, espiãs, cientistas,
além da questão racial, o filme toca também
na questão do feminismo.
Vi, li, ouvi algumas críticas e contestações, até de negros mesmo, sobre o fato de que teria sido necessário um filme deste porte para despertar o orgulho que o negro sempre deveria carregar consigo. Na verdade, realmente, não deveria precisar de "tão pouco", mas visto que o negro é constantemente relegado, caricaturado, estereotipado todos os dias em todos os segmentos, o fato de nos se ver numa situação de protagonismo e com a respeitabilidade que sempre ambicionou faz, sim, com que a identificação seja inevitável e que seja acesa aquela chama de orgulho que sempre esteve ali presente mas que parecia adormecida.
"Pantera Negra" é muito mais um filme válido e importante do que propriamente um grande filme. Embora tenha uma trama meio shakesperiana no que diz respeito à sucessão real e seus envolvimentos tais como traições, fratricídio, exílio, vingança, o filme do diretor Ryan Coogler traz muitos daqueles defeitos que enumerei anteriormente, como tratamento superficial de personagens (como no caso do bom vilão Killmonger), roteiro deficiente, soluções apressadas e dramatizações excessivas, todos problemas comuns a filmes de heróis que exigem uma certa agilidade e absorção rápida do público, mas no seu caso todos estes defeitos, além de não o tornarem menor do que qualquer outro do gênero, são secundários em relação a todo o simbolismo que ele carrega em si. "Pantera Negra" é um clássico imediato e tem desde já seu lugar garantido na história do cinema como o filme que fez o negro ver a si mesmo como alguém capaz e poderoso; lembrar que seus antepassados tinham tradições belas e ricas; enxergar seu continente de origem, historicamente saqueado e frequentemente desvalorizado, como uma terra de belezas, riquezas e histórias; e sobretudo, a partir destes elementos, propôr uma reflexão e um revalorização do próprio negro em relação a suas origens, seu passado e seu futuro. A fictícia Wakanda, do Rei T'Challa, de contrastes entre disputas tribais e roupas típicas com sua riqueza mineral e tecnologia, de certa forma nos fez imaginar como, talvez, teria sido a África se não tivesse sido saqueada, se seu povo não tivesse sido escravizado e enfraquecido, e se tivéssemos tido a oportunidade de construir uma sociedade dentro do nosso continente de origem. "Pantera Negra" é um grande convite à reflexão histórica e social e, se na sua maioria os filmes de personagens de HQ são descartáveis, neste caso específico, nunca um filme de super-herói foi tão relevante.


trailer "Pantera Negra"



Cly Reis