a vida passou como um morcego como um morto o cego que ralenta remora este acordar cotidiano sem memória desmemoria cotidiana que naufraga entre o exit e o êxito zerada pelo saber-se nada: nem jacto nem projeto
a poesia pensada como um ponto (puctum) cego na retina sob um sol selvagem
a poesia a ponta que rebenta desta corda
fragilizada pelo assédio do diário afazer do real: executivos gineteando o cavaleiro das noites de overnight
onde o pulsar dos lêmures insones
rateia como um zero zero e ratos-fatos
neste domingo de primeiro de ano quarenta anos de poesia são um bloco
inútil de rasuras garbage lixo basura
ouvi a fonte uma vez e o murmurar da fonte:
queimou-se a mão desfigurou-se a escrita na queimadura deformou-se o rosto fechou-se-me o horizonte
Como mencionei no último post
sobre a Bienal, as três exposições que dividiam espaço na Usina do Gasômetro
com a fraca "Marginália da forma", eram ”Olfatória: O Cheiro na Arte”, “A
Poeira e o Mundo dos Objetos” e “Aparatos do Corpo”. Além de trazerem mais
diversidade e obras realmente impactantes. Tiveram maior intercomunicabilidade,
inclusive com aspectos observados no Memorial do Rio Grande do Sul e Santander Cultural. A conexão se dá em grande parte ao substrato da obra enquanto
técnica, fazendo da poeira o barro que acessa o olfato e com o qual o corpo
interage para construir esse mundo artificial. Nesse aspecto, “Marginália da
forma” pelo menos se liga a estas por conta da (pouco expressiva) variabilidade
de técnica, como visto na originalidade de Karin Lambrecht, Brigida Baltar e outros.
Padecendo igualmente das mesmas inconsistências as quais mencionei
anteriormente (muita repetição de um mesmo artista e/ou de séries), somando-se
ainda a de haver muitos artistas gaúchos, as três mostras, entretanto, reuniram
mais diversidade e aquilo que todo visitante de coletivas espera: boas
surpresas. Foi o que tivemos Leocádia e eu ao nos depararmos, na ”Olfatória: O
Cheiro na Arte”, com as bolas iluminadas pendulares, que até cheiro exalavam.
Muito plástico e leve.
Instalação da 10ª Bienal do Mercosul
Ao lado, um Rubens Gerchman, dos artistas visuais que mais admiro:
“Ar”, em metal fundido. Sempre criativo Gerchman. Crítica, a instalação do
colombiano Oswaldo Maciá “Quien limpa a quien” traz, dentro de um suporte de
acrílico transparente um sabonete feito de óleo concentrado de alho disposto em
uma saboneteira Votoriana de cerâmica original. Dá pra imaginar o cheiro que
exala pelo tubo com folículos, né?
Outra de chamar atenção é a tela (1,22 por 1,83 metros) é “Tierra y
Libertad”, de 2013, do mexicano Rúben Ortiz-Torres, o qual fez um link bastante
interessante com o crítico tema do Memorial da América Latina, “Biografia da
Vida Urbana”.. O carioca Waltércio Caldas apresenta a interessante e sintética
“Circunferência com Espelho a 30°” (ferro pintado e espelho), dos anos 70,
década que, pela observação geral, demarcou fundamentalmente toda a Bienal, uma
vez que o mote central (“Mensagens de Uma Nova América”) passa diretamente por
esse período no que se refere à construção de uma consciência artística e
política das artes na América Latina. Ainda, uma bela tela do gaúcho de Britto
Velho (“Sem título”, 1946).
Mas Oticica é Oiticica, não adianta. Com a simplicidade até grosseira –
e, por isso, altamente cáustica – da arte moderna, ele referencia numa só vez a
arte transgressora do alemão Joseph Beuys e a poesia concreto-barroca de
Haroldo de Campos com seu “Bólide Saco 2 Olf ático”, de 1967, feito em plástico,
tubo de borracha e café. Por que digo que Oticica é Oiticica? Com uma peça,
aparentemente banal e quase “não-artística” é capaz de sintetizar
ideologicamente toda a comunicabilidade potencial do recorte em que está
inserido. E olha que estamos falando apenas DESTA mostra. No momento em que se interpõe, com
propriedade e significância semiótica, no limite entre o sublime e o vulgar,
eis a verdadeira arte contemporânea.