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terça-feira, 24 de setembro de 2013

Chick Corea - "Mad Hatter" (1978)




“CHAPELEIRO: Se você conhecesse o Tempo tão bem quanto eu conheço você não falaria em gastá-lo, como uma coisa.
Ele é alguém.
ALICE: Não sei o que você quer dizer.
CHAPELEIRO: É claro que você não sabe!
Eu diria até mesmo que você nunca falou com o Tempo!
ALICE: Talvez não, mas sei que devo marcar o tempo
quando aprendo música.”

trecho de “Alice no País das Maravilhas”,
de Lewis Carroll


Depois de “Blow By Blow” do Jeff Beck, meu preferido, apresento pra vocês mais um favoritíssimo da casa: “The Mad Hatter”, do pianista e tecladista norte-americano Chick Corea. Como sempre, um pouquinho de história: em 1978, aos 37 anos, Armando Anthony Corea já tinha uma longa estrada na música. Tocou com os percussionistas Mongo Santamaria e Willie Bobo, com o flautista Herbie Mann e com o sax tenor Stan Getz.  Gravou seus primeiros discos solo na metade dos anos 60 e mergulhou de cabeça na sonoridade free daqueles tempos.

Em 1968, foi convidado por Miles Davis a substituir Herbie Hancock em sua banda. Participou dos seminais discos "In a Silent Way" e “Bitches Brew”. Paralelamente, tinha os grupos Circle – com e sem o multiinstrumentista Anrhony Braxton – e a primeira encarnação do Return to Forever, da qual participavam os brasileiros Airto Moreira e Flora Purim, além de Joe Farrell e Stanley Clarke. Após dois discos com esta formação, Corea foi com tudo pro fusion, trazendo para a banda, primeiro o guitarrista Bill Connors, e depois descobrindo um jovem de 19 anos, Al Di Meola.

Neste tempo todo, Corea fazia projetos especiais para a gravadora ECM, como discos de piano solo, duetos com o vibrafonista Gary Burton e trios com Dave Holland e Barry Altschul. Em 1976, sentindo a necessidade de misturar a linguagem acústica de seus discos da ECM com o fusion, muito em moda na época, Corea fez uma trilogia de discos temáticos onde estas preocupações tomam a forma de música: “The Leprechaun”, baseado nas histórias de duendes, e “My Spanish Heart”, onde ele se debruça sobre a Espanha e seus sons, ambos de 76, e “The Mad Hatter”, de 78. Na minha opinião, este terceiro é provavelmente o trabalho em que Corea consegue mesclar as duas linguagens – e o acento erudito com quinteto de cordas – com sucesso total, musicalmente falando.

Baseado no clássico livro de Lewis Carroll, "Alice no País das Maravilhas"a chave para entender o disco está na capa com Corea vestido de Chapeleiro Maluco. A viagem inicia aí. Em termos musicais, "The Mad Hatter" começa com Corea pilotando seus teclados em “The Woods”. Com moogs, mini-moogs, sintetizadores, pianos elétricos e outros bichos, ele consegue reproduzir os sons de uma floresta, com sapos, grilos e insetos, dando uma prévia do que virá pela frente, a mistura de clássico com moderno. “Tweedle Dee” segue na mesma trilha, fazendo uso das cordas e dos sopros (três trompetes e um trombone), pode-se verificar com clareza a influência de Bela Bártok em sua música. Na música seguinte, “The Trial”, temos a primeira aparição da exímia cantora e tecladista, além de mulher de Corea, Gayle Moran (que havia participado da segunda formação da Mahavishnu Orchestra, ao lado de John McLaughlin e Jean-Luc Ponty). No julgamento do Rei de Copas, retirado diretamente do livro de Carroll, Gayle canta com acento lírico: “Who’ll stole the tarts / Was it the king of Hearts?”.

O principal momento jazzístico do disco acontece com “Humpty Dumpty”, uma preferida dos músicos de Porto Alegre. Com um quarteto básico de jazz, Corea consegue performances extraordinárias de seus colegas Joe Farrell no sax tenor, Eddie Gomez no baixo acústico e Steve Gadd na bateria. Em meio a todos aqueles teclados, cordas e sopros, é interessante ouvir o contraste de um grupo acústico tocando um hard-bop clássico. Cada músico dá seu showzinho particular, mas preste atenção no som de baixo de Gomez. Madeira pura!

O lado 1 do LP termina com “Prelude to Falling Alice”, onde o tema é tocado ao piano e “Falling Alice”, quando o pianista e compositor usa de todo o arsenal sonoro para contar a queda de Alice. Gayle Moran canta o tema principal, acompanhada pelas cordas e pelos sopros. Nesta música, temos a primeira aparição de Herbie Hancock no piano elétrico, fazendo a harmonia para o solo de mini-moog de Corea. Neste período, ele e Corea começam a gravar duos de pianos. Destaque também para o sax tenor de Farrell, um talento subestimado do jazz. Como estamos no tempo do LP, há um fechamento musical da história pra que as coisas comecem de novo no lado 2.

Ao virar o disco, “Tweedle Dum” reprisa o tema de “Tweedle Dee” numa espécie de introdução da melhor faixa do disco, “Dear Alice”. Com 13 min e 7 seg, a música é uma espécie de tour de force de todos os envolvidos. Pra começar com Eddie Gomez fazendo a melodia no baixo acústico e Corea fazendo pequenos comentários ao piano acústico. Durante 2min e 46seg, o baixista conduz a música com seu solo, à medida que Gadd vai entrando aos poucos com acentos rítmicos na bateria. Moran entra para cantar o tema principal e aí temos Farrell brilhando no solo de flauta, secondado pelo quinteto de cordas e pelos sopros. Depois, Chick mostra toda sua destreza e musicalidade ao piano. Tudo isso com Gadd dando seu show à parte e mostrando porque é um dos bateristas mais cultuados do mundo. Na época, ele deu uma entrevista dizendo que pedia as partituras de piano de Corea e estudava em casa antes de gravar. Esta preocupação deu resultado: em algumas passagens de "Dear Alice", os dois instrumentos parecem uma coisa só. Esta música sozinha valeria o disco inteiro, tamanha a musicalidade que Corea e seus músicos atingem, sem falar no arranjo perfeito que contrapõe as cordas e os sopros.

Para encerrar o disco, "The Mad Hatter Rhapsody" com Corea no mini-moog e Hancock em sua segunda aparição no piano elétrico. O encontro destas duas feras é sensacional. Enquanto Corea sola, Hancock faz harmonias diferenciadas no Fender Rhodes. Nesta faixa, Hancock consegue tirar Gadd da bateria e coloca seu fiel escudeiro Harvey Mason, que dá um suingue todo especial à faixa. Depois que os dois tecladistas demonstram toda a sua qualidade, vem um interlúdio com o tema principal tocado pela flauta e pelos sopros. Claro que a latinidade não poderia ficar de fora e uma passagem de uma salsa estilizada com teclados e Gadd no cowbell fazem a cama para o tema final onde volta Gayle Moran para apoteose final. Um disco maravilhoso. Quem não tem, procure nas lojas ou na internet.
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FAIXAS:
01. "The Woods" – 4:22
02. "Tweedle Dee" – 1:10
03. "The Trial" – 1:43
04. "Humpty Dumpty" – 6:27
05. "Prelude to Falling Alice" – 1:19
06. "Falling Alice" (Chick Corea/Gayle Moran) – 8:18
07. "Tweedle Dum" – 2:54
08. "Dear Alice" (Corea/Moran) – 13:06
09. "The Mad Hatter Rhapsody" – 10:50
todas de Chick Corea, exceto indicadas

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Baixe para ouvir:


terça-feira, 6 de agosto de 2013

Stevie Wonder - “Songs In The Key Of Life” (1976)





“Songs In The Key Of Life’é apenas
um aglomerado de pensamentos
no meu subconsciente que meu Criador
decidiu me dar como força,
amor + amor – ódio = energia do amor capaz de fazer 
o possível para
trazer 
à minha consciência 
uma ideia.
Uma ideia para mim
é um pensamento formado
 no subconsciente,
o desconhecido e, 
por vezes,
aquilo que se procura no impossível.” 
Stevie Wonder
texto do encarte original



Chegou a hora de falar de um monumento da música do Século XX e que vai ficar pra sempre na vida de todo mundo: “Songs In The Key Of Life”, de Stevie Wonder. Conheci este disco nas ondas da Continental Superquente 1120, em 1976. A rádio começou a tocar o primeiro de muitos hits do disco, "Isn't She Lovely". E aí me apaixonei. Comprei o disco em 1979 e começou uma longa história de amor e devoção com este disco com D maiúsculo.

Ele começa com um gospel wonderiano de arrepiar chamado "Love's in Need of Love Today". Nela, todos os instrumentos são tocados por ele - especialmente os sintetizadores -, a não ser uma percussão incidental. Os vocais também são todos de Stevie, que se esmera em criar um efeito de coral de igreja batista norte-americana. Um começo de impacto. O Stevie religioso se manifesta com "Have a Talk With God", na qual novamente está no comando de todos os instrumentos. Nela, SW diz: "Quando você achar que a vida está muito difícil/ apenas tenha uma conversa com Deus". Religiosidade sem pregação. "Village Ghetto Land" mostra o lado de preocupação social. Os sintetizadores - uma obsessão wonderiana na época - tão o tom sombrio de um gueto cheio de violência, lixo e descaso das autoridades.

Na sequência, uma das surpresas do disco: uma faixa instrumental chamada "Contusion". Uma espécie de homenagem de Stevie ao guitarrista Jeff Beck, que participou de vários discos dele durante a década de70 e recém havia lançado o também monumental "Blow by Blow". "Contusion" não ficaria mal como bonus track do disco de Beck. Comandada pela guitarra de Michael Sembello (que faria sucesso no começo dos anos 80 com "Maniac", lembram?) a música ganha os vocais de SW e outros vocalistas e se transforma em um fusion soul. Só ele mesmo poderia fazer algo do gênero. Pra fechar o Lado 1, um tributo ao mestre Duke Ellington e ao jazz: "Sir Duke" tem um naipe de sopros que faz lembrar a big bands de Duke e Count Basie, entre outros. O arranjo esperto de SW faz a gente bater o pé numa batida irresistível. Uma delícia!

No formato vinil, o lado 2 começa com Stevie recordando seus tempos de criança em Detroit, já cego em "I Wish". Nela, SW manda ver na bateria, base de todo o arranjo. Tirando o baixo de Ben Watts e os sopros, Stevie comanda o show dizendo "Eu gostaria que aqueles dias pudessem voltar uma dia / Eu gostaria que aqueles dias nunca tivessem desaparecido". Uma evocação da infância difícil, mas de muita luta. Foi lá que ele começou a tocar os primeiros instrumentos. Depois deste momento balançado de memória, vem a minha música preferida por motivos sentimentais: "Knocks Me Off My Feet". Uma balada tendo o piano como base, mas a letra é que dá o tema: "Não quero te incomodar/mas tem alguma sobre o teu amor/ que me faz fraco e me deixa fora de mim", numa tradução nada literal. Linda canção e que me emociona sempre que a ouço. E vendo ouvindo há mais de 30 anos. Isso é o que se pode chamar de uma música que fica contigo. Lembranças sentimentais à parte, vem "Pastime Paradise", cujo riff de sintetizadores imitando cordas virou a base de "Gangsta Paradise" de Coolio na década de 90. Novamente, as preocupações sociais de Stevie Wonder afloram: segregação, exploração, mutilação são os problemas que ele aponta. A solução deve ser integração, consolação, salvação para a paz no mundo. Tudo temperado com coro de Hara Krishnas e de uma igreja de Los Angeles.

É neste disco que Stevie dá vazão à suas indagações sobre o mundo. Contextualizando: os Estados Unidos tinham passado por uma tempestade social com o caso Watergate, a crise do petróleo e o crescimento da violência urbana, especialmente nos guetos. Estes fatos iriam desembocar nos anos 80 com o surgimento do rap e do hip hop, levando adiante a mensagem de Wonder. "Summer Soft" inicia como mais uma balada de SW, mas se transforma na segunda parte, quando o destaque fica com o órgão pilotado pelo grande Ronnie Foster (cuja importância para a música brasileira acontece em 1982, quando produz "Luz", o grande disco de Djavan). "Ordinary Pain" também tem uma ligação com a MPB. Em 84, no seu disco "Fullgás", Marina Lima fez uma versão da primeira parte desta música ("Pé na Tábua") . Mas SW foi engenhoso. Faz uma música de amores perdidos e a divide em duas, apresentando a versão masculina, suave, e a feminina, uma funkeira cantada por Shirley Brewer.

O Lado 3 começa com Aisha, a filha recém nascida de Wonder chorando. Esse choro se transforma na batida irresistível de "Isn't She Lovely", uma das canções mais conhecidas dele. O solo de harmônica desta canção é das melhores performances instrumentais que eu já ouvi. Um mega hit merecido e cantado até hoje nos shows, onde Stevie apresenta Aisha já adulta - e maravilhosa! "Joy Inside My Tears" traz SW outra vez no comando de todos os instrumentos, excetuando os teclados de Greg Phillinganes. Esta é daquelas canções que vão te pegando aos poucos. São necessárias várias audições pra entrar no clima. Mas depois te garanto, tu vais sair na rua cantando o refrão "You, you, you / have made life history / You brought some joy inside my tears".

"Black Man" é a epítome da preocupação de Wonder em integrar todas as raças. Ele traz para o final da música um professor que pergunta aos alunos questões sobre aventureiros, descobridores, políticos que tiveram grande feitos e as crianças respondem a raça de cada um deles. Brancos, negros, índios, todos mencionados e mostrando que somos iguais. Uma bela mensagem de integração numa base funk. Fechando o disco, o lado 4 abre com uma preciosidade: "Ngiculela", onde Wonder canta uma história de amor em uma língua africana, em espanhol e em inglês, sobre uma base instrumental feita somente por ele. Mágico, assim como a próxima faixa. "If It's Magic" é outra surpresa. O arranjo traz Dorothy Ashby na harpa e Wonder no vocal e na harmônica somente no final. Suavidade e beleza num momento de reflexão.

Na sequência, Stevie traz ninguém menos que Herbie Hancock pra pilotar o piano elétrico Fender Rhodes em "As", outra música de amor onde ele declara sua paixão dizendo que "Eu sempre te amarei/ Até que os arco-íris queimem o céu/ Até que os oceanos cubram todas as montanhas/ Até que a Mãe Natureza diga que seu trabalho está pronto". Nada vai impedir Stevie de sentir este amor por uma mulher, pelas crianças e pela humanidade. E se você conseguir ficar parado nesta canção, é porque está morto!!! Fechando o disco original, vem um petardo dançante chamado "Another Star" com as participações de George Benson na guitarra e Bobbi Humphrey na flauta. Stevie compreende o ideário pop e faz a gente cantar o tempo inteiro com um coro de backing vocais entoando apenas "lálálá". Impressionante o comando que ele tem das formas musicais que formam o que se convencionou chamar de "música pop". E o tempo todo em "Songs in The Key of Life” somos surpreendidos pelas sacadas geniais que ele arma, transformando e transmutando as formas do soul, do jazz, do funk, do gospel. Uma hora com um grupo convencional de guitarra, teclados, baixo,bateria e percussão. E em outra fazendo dos sintetizadores uma orquestra de cordas ou um órgão de igreja para passar sua inquietação sobre os destinos do mundo. Tudo isso em 1976!

No disco original ainda vinha um compacto duplo (vocês sabem o que é isso? Um disquinho de vinil com duas músicas de cada lado). A primeira é "Saturn", na qual tirando duas guitarras e um teclado, ele toca todos os instrumentos e faz todas as vozes. "Ebony Eyes" tem sabor de bubblegum pop com a novidade daquele momento, o talk box, que Peter Frampton tinha popularizado em seu disco "Frampton Comes Alive". Destaque também pro solo de sax de Jim Horn. "All Day Sucker" é um funkão que traz três guitarras (!!) fazendo a base para Stevie e os backing vocais de Carolyn Denis. E o compacto termina com ma faixa que se poderia chamar de balada jazzy chamada "Easy Goin' Evening (My Mama 's Call)”. O Fender Rhodes e a harmônica tocam a melodia, enquanto Nathan Watts faz a base para este final sereno de um totem da música de todos os tempos. Se você não conhece, aqui vai um presentinho do tio Paulo Moreira: logo abaixo um link para o disco completo. Desculpem o tamanho do texto, mas um disco desses merece!

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FAIXAS:
1. "Love's in Need of Love Today” - 7:06
2. "Have a Talk with God" (Wonder, Calvin Hardaway) - 2:42
3. "Village Ghetto Land" (Wonder, Gary Byrd) - 3:25
4. "Contusion" - 3:46
5. "Sir Duke" - 3:54
6. "I Wish" - 4:12
7. "Knocks Me Off My Feet" - 3:36
8. "Pastime Paradise" - 3:28
9. "Summer Soft" - 4:14
10. "Ordinary Pain" - 6:23
11. "Saturn" (Michael Sembello, Wonder) – 4:54
12. "Ebony Eyes” – 4:11
13. "Isn't She Lovely?" - 6:34
14. "Joy Inside My Tears" - 6:30
15. "Black Man" (Wonder, Byrd ) - 8:30
16. "Ngiculela” “(Es Una Historia)” “(I Am Singing)" - 3:49
17. "If It's Magic" - 3:12
18. "As" - 7:08
19. "Another Star" - 8:28
20. "All Day Sucker" – 5:06
21. "Easy Goin' Evening (My Mama's Call)" – 3:55

todas de Stevie Wonder, exceto indicadas

(ordem da versão em CD)

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OUÇA:




segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Stevie Wonder - "Talking Book" (1972)



"Aqui está a minha música.
É tudo o que eu tenho a dizer sobre como me sinto."
Stevie Wonder




Esse é um best seller se formos comparar a discos de rithym and blues, como também de outros ritmos. Stevie Wonder, autor desta obra chamada Talking Book, escreveu linhas musicais excelentes. Como narrador-personagem, apresenta neste álbum páginas contendo versos e poesias das mais ricas. São enredos que abordam amores, desilusões, protestos e superstição. O gênero é o romance, composto por um disco completo, com tempo, espaço e personagens bem definidos de caráter verossímil.
Sobre a performance de Wonder, se fosse um dicionário a palavra “talento” poderia ser um sinônimo associado a ele. Stevie toca “simplesmente” sete instrumentos, com três faixas do álbum as quais tem somente a presença dele. Fora a produção, que também tem a sua autoria. Basta lembrar que o nosso protagonista tinha 22 anos nesta época.
Em meio desta semântica de estudos de sons, interessante destacar T.O.N.T.O. synthesizer (um gigante sitentizador com a dimensão de uma sala) e o Moog bass (com tamanho mais modesto, porém de sons graves poderosos).  Detalhe: todo este registro não tem baixo.
A primeira página de Talking Book abre com You Are the Sunshine of My LifeÉ uma levada com muita influência da bossa nova. Na abertura do disco, tem dois vocalistas: um masculino (Jim Gilstrap) e outro feminino (Lani Groves). Eles iniciam esta obra para que Wonder solte o seu vozeirão e barbarize no restante do álbum. Esses “figurantes” vão aparecer no decorrer deste disco. Já em Maybe Your Baby consta a presença do personagem Ray Parker Jr., tocando guitarra. Só para frisar, esse músico ficou conhecido por fazer a trilha sonora do filme The Ghostbusters (Os Caças-Fantasmas). O guitarrista fez uma contribuição tímida, mas competente nesta faixa, com solos puxando para o blues.
Virando a folha vem You and I (We Can Conquer the World), uma música simples, porém uma formidável balada com uma impressionante sustentação de voz de Wonder. Um piano “limpo” fazendo a base da canção, acompanhado de sons de um sintetizador. Já, curiosamente, Tuesday Heartbreak possui um começo rítmico bem parecido de Maybe Your Baby. É no estilo funk americano dos mais tradicionais, com direito a muitos efeitos nos teclados. Comparando novamente com a segunda faixa do disco, que tem uma guitarra verdadeira, nesta quarta música possui uma distorção do sintetizador sumula um wah wah, compensando a presença real desse instrumento de cinco cordas.
Com ar mais misterioso, You've Got It Bad Girl tem um ritmo latino (com uma percussão para contribuir para isso), com toques de jazz. Wonder toca a bateria com batidas bem mais “quebradas”, isso comparando com as outras músicas do álbumNa sequência, é o momento ápice: Superstition - grande hit da sua carreira, que dispensa muitas apresentações. O que espanta são os coadjuvantes nessa canção, responsáveis pelos instrumentos de sopro. Com apenas Trevor Laurence, no saxofone, e Steve Madaio, no trompete, a sensação é que temos uma orquestra tocando. E lógico, pontos para o produtor Stevie Wonder para que isso ocorresse.
Esse manuscrito sonoro segue com Big Brother, a letra mais política e uma das melhores do disco. Um dos trechos vale a pena replicar: Your name is I'll see ya. I'll change if you vote me in as the pres. The President of your soul. I live in the ghetto. You just come to visit me 'round election time (Seu nome é “Nos vemos”. Eu irei mudar se você votar em mim para presidente. O presidente da sua alma. Eu moro no gueto. Você só vem me visitar nos tempos de eleição). Na canção, Wonder toca uma harmônica - com breves solos - em meio à música, enriquecendo-a. Além disso, chama a atenção a percussão com ritmo africano.
Liricamente, Blame It on the Sun é repleta de perguntas dentro da canção. Stevie acha muitas culpas, porém acredita numa resposta dizendo: "but, my heart blames it on me". Essa faixa ganhou uma cover de Phil Collins em seu disco Going Back, de 2010. Em Looking for Another Pure Love, Wonder chama outro guitarrista para contribuir de forma mais talentosa neste enredo. Jeff Beck (ex-Yardbirds) faz a sua especialidade: solos precisos de blues. Devido a isso, sua participação na música chega ao status de co-protagonista.
No capítulo final, I Believe (When I Fall in Love It Will Be Forever) entra no clima de grand finale com letra e cadência refletivas e depressivas, relatando sobre o amor. No entanto, como toda a boa história tem que acabar bem, finaliza num embalo de festa, com Wonder falando que, desta vez, o amor é verdadeiro.
Encerrando essa narrativa, deixe esse álbum bem posicionado na sua biblioteca musical. Um disco de cabeceira. Ao som de You Are The Sunshine Of My Life fica a pedida dessa “leitura musical” e faça-a em alto e bom tom!
Fim.
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FAIXAS:
  1. You Are The Sunshine Of My Life
  2. Maybe Your Baby
  3. You And I (We Can Conquer The World)
  4. Tuesday Heartbreak
  5. You've Got It Bad Girl
  6. Superstition
  7. Big Brother
  8. Blame It On The Sun
  9. Lookin For Another Pure Love
  10. I Believe (When I Fall In Love It Will Be Forever)
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Ouça:



quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Um sábado com Antonioni



Porto Alegre tem dessas coisas magníficas. Sábado passado, estive em uma sessão comentada de um clássico do cinema cult e da contracultura dos anos 60: “Blow-Up: Depois Daquele Beijo”, do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, de 1966.
A atração foi promovida no Museu Julio de Castilhos (Duque de Caxias - Centro), pela produtora Curta o Circuito, que já programou outro encontro sobre a montagem fílmica de Jean-Luc Godard, dia 6 de novembro. (Mais informação aos interessados em: http://www.curtaocircuito.art.br/)
Museu Júlio de Castilhos
em Porto Alegre
O debate foi ministrado pelo diretor, crítico e professor de cinema Fabiano de Souza, que já me deu aula na faculdade. Fiquei bem impressionado com a fluência, didática e coesão das ideias que Fabiano nos apresentou, principalmente em se tratando de um filme tão complexo, subjetivo e que suscita muitas, mas muitas interpretações
É sempre surpreendente rever “Blow-Up”, meu Antonioni preferido, coisa que não fazia há uns três anos. Um verdadeiro caldeirão de elementos pop, desde a moda (época do auge do nascimento do Prét-à-Porter), passando pela arquitetura, design e música, aqui, especialmente composta pelo mestre Herbie Hancock.
Em meio à efervescência da Swingin’ London, o filme narra o envolvimento de um fotógrafo em um possível crime, o qual suspeita ter acontecido ao ampliar fotos feitas por ele em um enigmático parque. Obcecado por aquele acontecimento, ele começa a investigar e tenta elucidar o caso cercado de mistérios, sem, no entanto, chegar a uma conclusão concreta. Nem ele e nem o espectador, graças à genial condução de Antonioni, que levanta propositalmente mais dúvidas do que certezas.
A exposição de Fabiano e as intervenções do público me fizeram reforçar alguns conceitos e elucidar outros sobre o filme, às vezes perceptíveis só inconscientemente, mas que, postos assim, ficam muito mais claros e reveladores.
Fora as sequências incríveis da montagem/desmontagem do possível crime através das fotos impressas, ou a famosa cena do “braço da guitarra” de Jeff Beck no show dos Yardbirds,



 dois aspectos me chamaram bastante atenção desta vez. Um deles é que “Blow-Up” parece, nas palavras de Fabiano, um “filme de portais”. A sensação labiríntica tanto das ruas de Londres quanto do próprio estúdio do fotógrafo-protagonista é constantemente reforçada por imagens em profundidade, pessoas cumprindo a função de objetos dentro do espaço, superenquadramentos (plano onde se enquadra, por exemplo, uma porta, que, por sua vez, “enquadra” outro elemento) e, principalmente, pela presença marcante – ao longo das aproximadamente 24 horas em que a história se desenrola – de portas, janelas, portões, basculantes – muitas vezes entreabertos, como se avisando que algo não está “fechado”; que ainda há algo a se descobrir.
Moda, estética, comportamento:
O fotógrafo (Cummings) em atividade
em seu estúdio.
Isso tudo tem ver com a própria narrativa que, através de uma aura misteriosa e subjetiva, traz à tona, no fundo, a busca do protagonista por algum sentido na vida. Típico filho da sociedade pós-moderna, amoral, perdido e cético, ele vive num mundo de abstração, onde a imagem e a estética são supervalorizadas. Obviamente, a vida deste cara é vazia, sem significado, o que se evidencia em sua dificuldade de se relacionar e na mentirosa máscara de pessoa bem resolvida consigo. Porém, ao defrontar-se com a morte (ou a possibilidade da), um paradigma se abre à sua frente. A obsessão pela resolução daquele caso no parque simboliza a busca interior dele e de toda uma geração pós-baby boom, pessoas voltadas para as coisas frívolas que a sociedade de consumo oferece à mancheia. É aí, então, que o talentoso e amoral fotógrafo, sempre tão poderoso ao manipular como um deus as imagens, é surpreendido por ela, que parece, agora, vingar-se dele.
O final, com o grupo de mímicos fingindo jogar tênis no mesmo parque onde ele “presenciou” o assassinato é tão emblemática quanto múltipla em sentidos, rendendo até hoje teses e mais teses do que de fato aconteceu e o que a cena significa. Antonioni é genial neste desfecho, pois coloca ao mesmo tempo diversos olhares em confronto: o dos mímicos, o do fotógrafo, o do espectador e o próprio olho da câmera, o olhar do filme, O que é real e o que é imaginação ali? Será que aquela bolinha de tênis existia e só nós espectadores que não vemos? O que a tal bolinha simboliza ideologicamente? Seria, talvez, a realidade mais abstrata do que a julgamos?
Afora o marco estético e comportamental que “Blow-Up” certamente é, a fragmentação dos personagens, dos objetos e da própria realidade fazem da obra-prima de Antonioni um divisor de águas também no campo dos questionamentos sociais e psicológicos do final do século 20, pondo em discussão o valor da sociedade de consumo em que vivemos desde aqueles idos de 66.


trailer "BLOW-UP" de Michelangelo Antonioni (1966)