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sábado, 24 de outubro de 2020

"Os Frutos da Terra", de André Gide - Grandes Sucessos da Literatura Internacional - ed. Rio Gráfica (1986) - originais de 1897/1935

 



"Quando não puderes dizer 
'tanto melhor',
dize 'não faz mal';
há nisso grandes promessas de felicidade."
"Os Frutos da Terra", 
André Gide


"Os Frutos da Terra"
é, para mim, uma espécie de amigo. É um livro ao qual eu recorro com frequência em momentos que preciso de algum rumo, orientação, tranquilidade ou mesmo beleza. Ainda que, para mim funcione como uma espécie de auto-ajuda, o autor, André Gide, Prêmio Nobel de Literatura, faz questão  de esclarecer isso logo no início, num pequeno prefácio de uma segunda edição, extremamente sincero, que me conquistou imediatamente. "Frutos da Terra é o livro, se não de um doente, de um convalescente, pelo menos de um curado - de alguém que esteve doente. Há em seu lirismo, o excesso de quem abraça a vida como algo que por pouco perdeu." .

Procurando por algo para ler, naquele momento em que se finaliza um livro e fica-se naquela dúvida sobre qual será o proximo, recorri à coleção do meu pai que, embora assíduo nas leituras, não tirava grande proveito do que lhe passava pela frente. Assim, tinha, muitas vezes, bons títulos, grandes autores, mas sequer tinha lido ou não tinha a noção exata do que determinada obra representava ou o quanto aquilo guardava de qualidade literária. Em busca de algo novo, diferente, que fugisse de padrões convencionais, fui vasculhar no meio de sua pequena biblioteca. Me deparei então o tal "Os Frutos da Terra". Francês, premiado, uma coleção boa da editora Rio Gráfica, que eu já conhecia e sabia que costumava ter bons títulos... Hum... Vou dar uma olhada no prefácio... "Escrevia este livro num momento em que a literatura cheirava furiosamente a convenção e a mofo; em que me parecia urgente fazê-la tocar de novo a terra e pousar simplesmente um pé no chão". Era exatamente o que eu procurava.

E esse formato inquieto, inconformado, ágil, é exatamente o que se encontra nas páginas de "Os Frutos da Terra". Gide transita entre a prosa, o verso, a crônica, a ficção, a autobiografia, o onírico, o fantástico, de maneira apaixonada e apaixonante, com o prazer de quem saboreia a vida a cada gota. 

André Gide relata experiências, reais e imaginárias, em lugares que visitou ou em que nunca esteve, com pessoas que conhecera de verdade ou que nunca existiram ("... se nele falo pr vezes de lugares que não vi, de perfumes que não cheirei, de ações que não cometi (...), não é por hipocrisia..."), que o teriam feito adquirir um gosto ainda maior pela vida, numa verdadeira revelação dos prazeres nas pequenas coisas, pelo valor de cada momento, de cada vivência. 

Conforme disse anteriormente, "Os Frutos da Terra" atua na minha vida quase como um conselheiro e essa sensação de proximidade, de cumplicidade fica amplificada pelo fato do autor se dirigir, praticamente durante todo o livro, a um interlocutor fictício a quem ele chama de Nathanael, mas que por conta de sua pessoalidade e sinceridade, faz com que pareça estar se dirigindo de uma forma muito direta a nós leitores, como seu estivesse sentado com a gente, debaixo de uma árvore, conversando sobre as coisas da vida ("Nathanael, gostaria de te dar uma alegria que nenhum outro te houvesse dado ainda. Não sei como dá-la e no entanto possuo essa alegria. Desejaria voltar-me para ti mais intimamente do que ninguém o fez ainda (...) Desejaria aproximar-me de ti, e que me ames.").

O livro se divide em duas partes, "Os Frutos da Terra" e "Os Novos Frutos", escritas, curiosamente, em épocas diferentes, com um grande espaço de tempo entre a conclusão de um (1897) e o início do outro (1935). Embora contenha uma boa unidade e uma coerência, a primeira metade é, por assim dizer, mais encantadora que a complementar, que por sua vez é um pouco mais reflexiva e espiritualizada. No entanto não seria justo afirmar que a sequência seja "pior" que o escrito original pois há nela há passagens belíssimas, o teor das reflexões é tão valioso quanto o do inicial e a qualidade literária permanece intocada. "Os Novos Frutos", dentre tantas frases, trechos, pensamentos que poderia destacar, traz os maravilhosos "Encontros", capítulos em que o autor conhece ou interage com outros personagens (reais ou não), que de alguma forma, lhe proporcionam alguma nova perspectiva para sua existência, como o que conhece o inventor da casa de botão, e a impagável conversa com Deus, num "papo-reto", sincerão no qual, se tivesse acontecido mesmo, não duvido, que o Criador dissesse exatamente o que Gide imaginou. Reproduzo aqui parte da passagem: 

"- Pois bem. Então escuta-me - disse Deus - Alguns desejariam sempre que eu interviesse e perturbasse para eles a ordem estabelecida. Seria complicar demasiado as coisas, e trapacear, se eu não permanecesse fiel a minhas leis. Que aprendam um pouco melhor a submeter-se a elas; que compreendam que é dessa maneira que melhor proveito tirarão delas. O homem pode muito mais do que imagina.

- O homem está na merda - disse eu.

- Pois que saia dela - continuou Deus; - é para patentear-lhe a minha estima que o deixo safar-se sozinho."

Depois de todas as lições, experiências, conselhos, absorvidos, devo admitir que, invariavelmente, ainda hoje, mesmo depois de já tê-lo lido inúmeras vezes, chego às últimas páginas às lágrimas. Mesmo quando é pretensioso em aconselhar, Gide é fascinante, e sua convicção no que aprendeu na vida e os caminhos que o fizeram chegar às conclusões que ali descreve, são cativantes o bastante para que o leitor feche a última página determinado a viver mais e mais e mais e tente, cada dia, ser uma pessoa um pouquinho melhor, e para afiançar o que digo, assim termina "Os Frutos da Terra":

"Nathanael, agora joga fora meu livro. Emancipa-te dele. Abandona-me (...) Estou farto de fingir educar alguém. Quando te disse que te queria igual a mim? É porque diferes de mim que te amo; só amo em ti o que difere de mim (...).

O que um outro poderia fazer tão bem quanto tu mesmo, não o faças. o que um outro poderia dizer tão bem quanto tu mesmo, não o digas - e o que poderia escrever como tu, não o escrevas. Só te apegues em ti ao que sintas que não se encontre alhures senão em ti, e cria em ti, impaciente e pacientemente, ah! o mais insubstituível dos seres.".


Cly Reis

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Feliz Natal

"Ela voltou os olhos para as estrelas nascentes
Conheço-as todas pelos nomes, disse;
e todas elas têm virtudes diferentes.
Seu deslocamento que nos parece calmo
é rápido e as torna incandescentes.
Seu inquieto ardor é a causa da violência
de seu movimento no espaço, e seu esplendor, o efeito.
Uma vontade íntima as impulsiona e dirige;
um zelo requintado as abrasa e as consome
é por isso que são radiosas e belas.

Elas mantêm-se amarradas às outras
por laços que são virtudes e forças, de uma maneira que
uma depende da outra e que a outra de todas.”

André Gide
“Os Frutos da Terra” (1879)



A você que é uma estrela dessa grande constelação
da qual todos fazemos parte,
o ClyBlog deseja


Um Feliz Natal 
e um Ano Novo
repleto de realizações

e que continuemos amarrados
por nossas forças e virtudes.


a equipe do ClyBlog

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Entrevista com Cly Reis sobre a antologia "Os Matadores Mais Cruéis que Conheci" volume II



por Alexandre Durigon
revisor e organizador do livro
"(OMMCQC")vol.II



Clayton Reis é gaúcho, mas vive no Rio de Janeiro,
é arquiteto, cartunista, amante de música, literatura, cinema,
criador e editor do blog ClyBlog
 e um dos autores participante
s da coletânea
“Colorados – Nada Vai nos Separar”,
publicado pela editora Multifoco em 2012. 
Alexandre Durigon: Clayton, como você e a literatura se conheceram?
Cly Reis: O curioso é que relutei um pouco para aceitar a literatura na minha vida. Meu pai sempre teve muitos livros em casa, embora hoje eu consiga avaliar que não tivesse grande exigência de qualidade. Mas sempre me estimulou a ler. Tinha muitos best-sellers em casa, daqueles ordinários, tipo Sydney Sheldon, Marguerite Yourcenar e coisas do tipo, só que sempre no meio disso tudo um Cervantes, um Stoker, um Machado. Comecei a ler por essa espécie de 'pressão' dele, mas ainda sem prazer. Depois veio a época das fichas de leitura pra colégio, o que me incomodava por estar lendo coisas impostas contra a minha vontade. Aí desperdicei algumas boas leituras em nome dessa rebeldia lendo com desinteresse, fazendo de conta que lia, copiando fichas dos outros ou pegando livros fininhos pra acabar logo. O gosto mesmo acho que veio com o interesse por música, por rock. As inúmeras ligações que ambos têm. O fato de uma música do Cure ser baseada em Camus; de um Renato Russo querer ser Rosseau; de um álbum da Siouxsie remeter ao reino do espelho da Alice; de Morrissey ser apaixonado por Wilde; e mais tantas outras ligações e referências. Foi uma espécie de descoberta da palavra. As letras de música me mostraram um pouco disso. O quanto às palavras são belas e como podem adquirir tantas formas.



AD: Por que a profissão de escritor lhe interessou?

Cly: Na verdade, acho que não posso tratar as coisas nesses termos ainda. Não se trata, no meu caso, de uma profissão, embora a possibilidade me encante muito. Gosto muito de escrever. Gosto da liberdade da palavra e, como disse, de todas as possibilidades que ela oferece. Tive uma banda, de duração muito efêmera, na qual explorávamos exatamente isso: a liberdade. O que conseguíssemos tirar de um conjunto de palavras era aproveitado, frases desconexas podiam ser interessantes, contar uma estória no formato musical era válido, fazer uma paródia inteligente era algo estimulante. Acho que aí que comecei a escrever mesmo. Sem vergonha, sem filtros, valorizando o que saía de mim.
Fui muito estimulado também por três escritores, fundamentalmente: André Gide, que embora tenha um texto mais formal em determinada fase, defendia essa liberdade de escrita. Nunca vou me esquecer de quando li a introdução de "Os Frutos da Terra" e ele dizia ali "escrevi este livro numa época em que a literatura cheirava a mofo". Aquilo me fascinou e, efetivamente, o livro não obedece a nenhuma regra de ordem, formato ou conceito.
Também por Clarice Lispector e suas descrições apaixonadas pelo ato de escrever, como "escrever é uma pedra lançada num poço fundo", ou, "escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando esta palavra morde a isca, alguma coisa se escreveu...". Notável!!!
E, por último, mas fundamentalmente, Charles Bukowski que, digamos assim, me tirou o medo de parecer fraco, ridículo, pretensioso ou incapaz. Sua garra, sua vontade de escrever, sua qualidade, sua crueza, sua simplicidade me seduziram. Quando escreveu "Não há nada que impeça um homem de escrever a não ser que ele impeça a si mesmo (...) A rejeição e o ridículo apenas lhe darão mais força.", aquilo parece que tinha sido escrito para mim. Acho lindo quando ele diz, "Não há perdas em escrever, faz seus dedos dos pés rirem enquanto você dorme; faz você andar como um tigre."



AD: Por que participar de uma antologia?
Cly: Exatamente por não ser um escritor profissional, me parece uma boa oportunidade de, por enquanto, mostrar meu trabalho de uma maneira mais ampla. Internet é ampla, mas determinados tipos de conteúdo tem que atingir um público específico e como sabemos, nem todo mundo lê o que está na internet. Muita gente vê um texto grande e já se assusta, só passa os olhos. Acho que a impressão papel direciona para quem realmente está interessado em determinado assunto. A pessoa não comprará, não pegará emprestado um livro, não manterá na bolsa, se não tiver um mínimo de interesse por aquilo. E me interessa que cause interesse. Eu quero ser lido.



AD: Fale um pouco sobre a (OMMCQC) II?
Cly: Gostei da proposta. Essa coisa de assassinos, matadores, maneiras de matar. Meu irmão que também escreve, foi quem me avisou que havia uma seleção de textos aberta e, como no meu blog, não raro tenho algum conto nesta linha, foi só selecionar um que considerasse que teria boas chances de entrar.



AD: Como você define o processo que envolve a compilação de uma antologia?
Cly: Na verdade, nós, autores selecionados, não participamos disso de forma muito direta, embora, em particular neste caso, da antologia (OMMCQC) II, o editor mantenha-nos sempre bastante atualizados sobre as etapas que estão acontecendo. Pelo que percebo, ainda que o trabalho seja árduo e intenso, desde as escolhas até a publicação, parece-me extremamente prazeroso e compensador. Logicamente que envolve muita dedicação e vontade, mas parece trazer suas compensações. 



AD: Como você vê o mercado editorial brasileiro para os novos autores?
Cly: Eu ainda preciso 'experimentá-lo' de maneira mais efetiva mas ele me parece menos assustador do que se me afigurava antes. Me parece que quem quer, QUER MESMO, e tem qualidade, de uma maneira ou de outra acaba publicando. As oportunidades estão por aí, é só procurá-las e ter perseverança.



AD: Em sua opinião, é possível viver de literatura no Brasil?
Cly: Acho que sempre representa um temor a possibilidade de viver de arte no Brasil. Parece impossível a não ser que já se traga algum sobrenome, uma fama momentânea, um 'paitrocínio' ou algo do tipo. Posso estar enganado. Espero estar enganado. Sinceramente, acho que não correria um risco dessa natureza. Mesmo que venha a engrenar uma carreira de escritor em algum momento, sinto que deva manter uma outra atividade mais estável.



AD: De que maneira a internet atua em sua vida de escritor?
Cly: Ah, para mim, atualmente é meu meio. É meu canal. Coloco praticamente toda a minha produção criativa na internet, no meu blog. Na internet, na verdade, a gente nunca tem certeza de estar sendo lido, muitas vezes o visitante só vai lá e passa os olhos, se acovarda com um texto muito longo, mas só o fato de escrever e colocar ali para quem quer que possa se interessar já é válido. E se uma dessas pessoas realmente ler, apreciar, se fizer um comentário então, já terá sido extremamente compensador.



AD: Fale um pouco sobre o seu conto, "Hoje eu vou comer sua bunda"?
Cly: É um conto do qual gosto muito. Gosto da estrutura dele. Imodestamente, o considero muito bom nesse sentido. As passagens de tempo, os pontos de convergência, o desenvolvimento, a aceleração e desaceleração, são méritos de construção que só o bom leitor consegue perceber.
A minha matadora, anônima na verdade é uma assassina quase casual mas que gostou da coisa, ainda mais pelo fato do novo hobby estar ligado a um fetiche.
O curioso é que muito frequentemente, talvez por uma preocupação subconsciente de não ser interpretado como machista, coloco as mulheres em condição de destaque nos contos e, tendo escrito muitas histórias de assassinatos, frequentemente me aprecem boas matadoras. 



AD: Para encerrar: quais seus planos daqui pra frente? Já tem um livro na manga, projetos, publicações?
Cly: O editor, Afobório, me elogiou de forma muito bonita, o que me estimulou bastante. Tenho uma boa produção de textos nos mais variados estilos, tenho uma crônica já publicada e até agora, 100% de aproveitamento nas tentativas de inclusão em publicações, o que também é muito estimulante. Por enquanto penso em incluir mais alguns contos em outras seleções que abrirem por aí, mas não é de se descartar tentar alguma coisa individual em breve. Também estou com um projeto em andamento de publicação de cartoons e tirinhas, que também são um ponto forte do meu blog, isso ainda é algo em curso, mas que aguardo com muita expectativa.


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*entrevista publicada originalmente na página da antologia no Facebook:
 https://www.facebook.com/pages/Os-Matadores-Mais-Cru%C3%A9is-Que-Conheci/527931777301099?fref=ts

sábado, 27 de julho de 2013

cotidianas #236 - Encontro


"Muito falaram de mim nestes últimos tempos, disse-me Deus. Numerosos ecos chegam a meus ouvidos. é até mesmo um pouco embaraçosos. Sim, eu sei, estou na moda. Mas tudo o que dizem de mim o mais das vezes não me agrada muito e acontece mesmo que não o compreenda absolutamente. Assim, por exemplo, vós que sois d ofício (não vos ocupais da literatura?), vós devereis dizer-me de quem é esta pequena frase que, em meio a tantos disparates, me agradou: "Não se deve falar de Deus senão naturalmente..."

- A pequena frase é minha- disse enrubescendo.

- Pois bem. Então escuta-me - disse Deus, que a partir deste momento me trata por tu. - Alguns desejariam sempre que eu interviesse e perturbasse para eles  a ordem estabelecida. Seria complicar demasiado as coisas, e trapacear, se eu não permanecesse fiel às minhas leis. Que aprendam um pouco melhor a submeter-e a elas, que compreendam que é dessa maneira que melhor proveito tirarão delas. O homem pode mais do que imagina.

- O homem está na merda - disse eu.

- Pois que saia dela - continuou Deus; é para patentear-lhe a minha estima que deixo safar-se sozinho.

E mais ainda:

-Seja dito que isso não me deu tanto trabalho assim. Aconteceu naturalmente. Tudo nasceu, como que independente da minha vontade (...) De modo que a menor vergôntea, em se desenvolvendo, me explica melhor a mim mesmo que todos os raciocínios dos teólogos (...)

- Devo confessar-te ainda que estou grandemente desiludido com os homens. Os que mais se dizem meus filhos a pretexto de me adorar voltam as costas a tudo o que par eles eu preparei na Terra. Sim, precisamente os que me chamam de pai. E como podem supor que eu possa me comprazer em vê-los emagrecer, sofrerem e privarem-se por amor a mim?

Realmente, isso me interessa muito! 

Escondi meus mais belos segredos nas moitas, como vós fazeis com vossos filhos na páscoa. Gosto principalmente dos que se esforçam por achá-los."



trecho de "Os Novos Frutos"
de André Gide


sexta-feira, 23 de julho de 2010

cotidianas #36



"Nathanael, eu te falarei das cidades:
Vi Esmirna dormir como uma menininha deitada; Nápoles como uma banhista lasciva, e Zaguan como um pastor cabila, cujas faces a aproximação da aurora avermelhou. Argel treme de amor ao sol, e extasia-se de amor à noite.
Vi no norte aldeias adormecidas ao luar; os muros das casas eram alternadamente azuis e amarelos; em derredor estendia-se a planície; enormes montes de feno arrastavam-se pelos campos. Sai-se pelos prados desertos; volta-se para a aldeia dormecida.
Há cidades e cidades; por vezes não se sabe o que as pôde construir onde se encontram. - Ó, cidades do Oriente, do sul; cidades de telhados planos, de terraços brancos, onde à noite vão sonhar as loucas mulheres. Prazeres, festas de amor; lampadários das praças, que, quando vistos das colinas vizinhas, são uma fosforescência dentro da noite.
Cidades do Oriente!, alegria e paixão, ruas que se chamam ruas santas, onde os cafés estão cheios de cortesãs, e músicas demasiado agudas as fazem dançar(...)
Cidades do norte! Desembarcadouros; usinas; cidades cuja fumaça esconde o céu. Monumentos; torres móveis;presunção dos arcos. Cortejos deambulando pelas avenidas; multidão apressada. Asfalto brilhando depois da chuva; bulevar onde as castanheiras desfalecem; mulheres sempre à espera(...)"




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trecho de
"Os Frutos da Terra"
de André Gide