“Sean Lennon inteligentemente se posicionou entre o pop e o experimental, propondo uma ideia caleidoscópica como fizeram os multiculturais dos anos ‘90 Beastie Boys, Beck e Cibo Matto.”
Stephen Thomas
A estas alturas, segunda década dos anos 2000, já é possível identificar com clareza quais foram os grandes discos da última década do século passado, os anos 90. Depois dos anos 50, marco do nascimento do rock, dos explosivos e extrapolados ’60, dos psicodélicos e revoltados ’70 e dos criativos e inteligentes ’80, o que restaria à música pop nos ’90? Repetir-se? Não! Alguns artistas souberam recriar e até trazer coisas bem novas. "Broken" , do 9 Inch Nails, "Nevermind" , do Nirvana, ou "Loveless", do My Bloody Valentine, já elencados como Álbuns Fundamentais neste blog, são bons exemplos. “Moon Safari”, do Air, “Odelay”, do Beck, e “Big Calm”, do Morcheeba, provavelmente darão as caras por aqui ainda. Mas mesmo gostando mais de alguns destes, um que a mim marcou muito os anos 90 e com o qual me delicio a cada audição é “Into the Sun”, do cantor, compositor e multi-instrumentista Sean Lennon, o “filho do homem”.“Into the Sun” é, simplesmente, apaixonante. De sonoridade sofisticada, experimental e com um toque artesanal, o CD de estreia deste abençoado ser – resultado da cruza de John Lennon com Yoko Ono – emenda uma pérola atrás da outra, numa explosão de criatividade e técnica. O referido ar “caseiro” não é à toa: exceto algumas participações, Sean compõe, produz, canta e toca todos os instrumentos. A delicada faixa-título – uma bossa-nova de rara beleza com direito à batida de violão a la João Gilberto – é a única em que divide o microfone, acompanhado de Miho Hatori, vocalista da banda Cibo Matto. A outra integrante deste grupo, a então namorada Yuka Honda, co-produtora e “musa inspiradora” da obra, dá sua contribuição com samples, programações e no vocal de “Two Fine Lovers”, um jazz-lounge funkeado ao mesmo tempo romântico e dançante, e de “Spaceship”, outra das melhores.
Uma peculiaridade que impressiona na música de Sean é a sua capacidade de inventar melodias de voz absolutamente belas. É o caso de “Home”, single do CD que rodava direto na MTV com o ótimo clipe de Spike Jonze. Por trás das guitarradas estilo Sonic Youth e da bateria possante do refrão, a melodia de voz é doce, linda, daquelas de cantar de olhos fechados pra saborear cada frase. Outra assim é “Bathtub”, um mescla de MPB com Beatles em que, novamente, Sean destila sua destreza com a palavra cantada, principalmente na parte final, onde se cruzam três melodias de voz apresentadas durante a faixa.
Eu sei, eu sei! É óbvio que a dúvida surgiria: afinal, a música Sean se parece com a de John? Como TUDO em música pop depois dos The Beatles, sim; mas, surpreendentemente, menos do que seria normal pela consanguinidade. A voz, claro, lembra o timbre levemente infantil do beatle. Das músicas, “Wasted”, só ao piano e voz, e, principalmente, “Part One of the Cowboy Trilogy”, um country como os que John tinha incrível habilidade ao compor, remetem bastante. Mas fica por aí. No máximo, a parecença conceitual com álbuns do pai como “Plastic Ono Band” ou “Imagine” por conta da diversidade estilística – o que, convenhamos, não era uma característica só de sir. Lennon.
Outra marca de Sean é a composição no violão. Da ótima faixa de abertura, “Mystery Juice”, à balada “One Night”, passando pelas bossas – a já citada “Into the Sun” e “Breeze”, outra belíssima –, ele brande as cordas de nylon para extrair melodias muito pessoais e profundas. A mais intensa destas é, certamente, “Spaceship”, que começa só ao violão sobre ruídos eletrônicos e na qual vão se adicionando outros instrumentos e sons, até estourar em emoção no refrão, com guitarras distorcidas, bateria alta e a voz de Honda no backing. Ótima.
Mas a variedade musical de Sean não pára por aí. Depois de MPB, indie, country e balada, ele apresentaria ainda, se não melhor, a mais bem trabalhada música do álbum: “Photosynthesis”, um jazz-rock instrumental no melhor estilo Art Ensemble of Chicago. Puxado pelo baixo acústico, que mantém a base o tempo inteiro, tem samples, solos de flauta e de piano, até que, depois de um breve breque, a música volta com um impressionante solo de percussão latina e, emendando, um outro de trompete. Incrível! “Sean’s Theme”, mais um jazz, este mais piano-bar, fecha bem “Into the Sun”, que traz ainda “Queue”, um gostoso rock embaladinho que termina sob uma camada densa de guitarras, revelando, mais uma vez, a engenhosidade no trato com a melodia de voz.
Um “disco de cabeceira” para mim, que não canso de reouvir. Um baita disco de rock com a distinção de quem herdou o que de melhor seu pai tinha como gênio da música que foi: a sensibilidade artística.
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vídeo de "Home", Sean Lennon
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FAIXAS:
1. "Mystery Juice"
2. "Into the Sun"
3. "Home"
4. "Bathtub" (S. Lennon/Yuka Honda)
5. "One Night"
6. "Spaceship" (S. Lennon/Timo Ellis)
7. "Photosynthesis"
8. "Queue" (S. Lennon/Y. Honda)
9. "Two Fine Lovers"
10. "Part One of the Cowboy Trilogy"
11. "Wasted"
12. "Breeze"
13. "Sean's Theme"
Todas as músicas de autoria de Sean Lennon, exceto indicadas.
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Ouça:
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