Acordou sonolento e, cambaleante, pegou uma reta do quarto em direção ao guarda-roupa. Não havia nem lavado o rosto ainda. Sabia trilhar aquele trecho de poucos metros de olhos fechados, mesmo quando à noite. Com os olhos quase fechados, apanhou de dentro uma camiseta branca empilhada sobre outras 39 igualmente brancas, iguais. Levou-a à cabeça para vestir, quando, pelo torpor, desequilibrou-se levemente para trás. Não caiu. Firmou, sim, o pé esquerdo na areia de um aparente deserto, que seria deserto por suas características não fosse a enormidade de flores rosa-claro que tomavam a paisagem sem fim. A luz era difusa, filtrada, intensa a ponto de quase cegar. Mas agradável ao mesmo tempo, estranho. Mirou em volta e sentiu na epiderme o silêncio daquele ambiente, cujo horizonte se perdia em dunas de areia, flores róseas e sol filtrado. O sol, ao norte, aliás, não era exatamente um sol. Havia lá em cima sobre sua cabeça uma outra formação celeste, uma espécie de imensa esponja amarelada na qual dava para ver com clareza cerdas que dela se destacavam para fora, num formato quadrilátero. Parecia estar tão perto, inclusive... E pulsava, chamava-lhe atenção, expelindo líquido para fora. Como um edema recém pisado latejando e expurgando sangue através dos poros ressentidos. E a sensação do tempo também era diferente. Piscava os olhos e as coisas congelavam por segundos para depois retornarem à vida. Esquisito, mas familiar. Numa das piscadelas, tornou a abrir os olhos e já estava no topo de um iceberg. Ele e um pinheiro, a seu lado, fincado, equilibrado na água congelada. A raiz parecia muito profunda, tanto quanto a altura que ganhava para cima. Recostou-se no tronco da companheira e de lá, do cume gelado, não quis mais sair. O tempo parecia não passar, e isso era tão reconfortante! A camisa branca, a qual não havia vestido completamente ainda, jogou fora iceberg abaixo. Era frio, mas era quente ao mesmo tempo. Não morreu, mas aproveitou para fechar os olhos e nunca mais abrir.
Daniel Rodrigues
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