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domingo, 5 de janeiro de 2025

“Juvenal en Viaje_Colômbia”, de Renato Mangolin - Pandorga Cia. de Teatro (2024)

 

Filmes de teatro, na grande maioria das vezes, não funcionam. No campo da ficção, há, sim, inúmeras boas adaptações. Porém, comumente essas artes não dialogam tão facilmente, o que leva a que, não raro, os problemas da transposição já apareçam no roteiro, prejudicando, em geral, todo o restante do filme. É como se ambas as linguagens, teatro e cinema, fossem formadas de barros muitas vezes incompatíveis. Com documentários de teatro, embora por motivos distintos, não é muito diferente. O conceito de “teatro filmado” é uma das coisas mais enfadonhas que existe, visto que deixa de cumprir as duas funções: nunca consegue captar a atmosfera da encenação ao vivo e, por consequência, resulta em um audiovisual superficial e desprovido de alma.

Há, porém, quem entenda que essa estratégia fílmica precise de maior criatividade. "Moscou", de Eduardo Coutinho, (2009), e "Filme Ensaio", de Maria Flor (2018), são bons exemplos. É o caso também do saboroso documentário “Juvenal en Viaje_Colômbia”, da companhia de teatro carioca Pandorga e da qual tenho especial carinho, principalmente por conta dos amigos Cleiton Echeveste, dramaturgo e diretor, e Eduardo Almeida, ator e produtor, este último, o que encarna o personagem Juvenal e protagoniza filme e peça. Tive, aliás, o prazer de assistir a montagem que originou o documentário, "Juvenal, Pita e o Velocípede", há pouco menos de 10 anos, no Centro Cultural Justiça Federal, Centro do Rio de Janeiro, onde esta estreou, ao lado de minha esposa Leocádia e de minha sobrinha Luna, então com 5 anos, e fiquei encantado (aliás, como elas e a absoluta maioria da plateia). 

Terceiro espetáculo para público infanto-juvenil da Pandorga, “Juvenal, Pita e o Velocípede”, com direção de Cadu Cinelli e dramaturgia de Cleiton, é um monólogo que traz diversas reminiscências de Edu, contando o reencontro do protagonista com Pita, sua amiga imaginária da infância, após se afastarem por cerca de 30 anos. Fazendo um inventário de lembranças, Juvenal se depara com o velocípede que seu tio construiu especialmente para ele, o que serve de estopim para uma série de reencontros e descobertas emocionais. O espetáculo foi ganhador dos Prêmios CBTIJ na categoria Ator (Eduardo Almeida) e Zilka Sallaberry nas categorias Texto (Cleiton Echeveste) e Iluminação (Ricardo Lyra Jr.) e foi apontado como um dos destaques da temporada 2018 paulistana pelo Guia Folha. 

Cartaz da peça de 2015
Mas minha apreciação sobre o doc passa longe de ser em razão do apreço pessoal por Cleiton e Edu ou pela turma da companhia - os quais merecem, independentemente, admiração por esta e outras várias montagens ao longo de quase duas décadas. É que, com méritos, o filme sabe construir a narrativa de uma peça teatral sem incorrer nas inconsistências da transposição teatro-cinema. Com direção, roteiro e edição de Renato Mangolin, “Juvenal en Viaje_Colômbia” é um projeto selecionado na Chamada de Apoio à Internacionalização da Cultura "Ano Rio Colômbia" da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado do Rio de Janeiro e narra os 13 dias de viagem e apresentação da peça pelos festivais da Colômbia de San Ignacio, em Medellin, e Artes de la Calle, em Santa Fé de Antioquia.

Este breve argumento é suficiente para criar uma narrativa muito agradável deste quase roadie-movie, mostrando os trechos percorridos para as duas apresentações, desde a saída do Brasil até a viagem de uma cidade à outra em terras colombianas. Além disso, traz com riqueza os momentos na maioria das vezes distantes aos olhos comuns, que são os bastidores do mundo teatral. As decisões, as trocas de ideias, as adaptações, as inseguranças, as apreensões, os intercâmbios, as horas de preparação física e emocional de cada um dos membros da equipe, da iluminação à cênica, tudo é evidenciado de uma maneira bastante orgânica, que dá uma noção do quanto trabalho exige para que o público assista o produto final, aquilo que vai para o palco.

Ou seja, o documentário acerta em não reproduzir a peça e, sim, em delineá-la. São poucos trechos de Eduardo em cena que se veem na tela, mas suficientes para transmitir a atmosfera da mesma e, principalmente, a interação desta com os públicos locais: um, num espaço fechado, o Teatro Matacandelas, e o outro em plena rua. A edição funciona muito bem, dando um ritmo ideal entre bastidores, diálogos filmados, depoimentos, cenas e, claro, atuação. Dá tempo até de o espectador "turistar" um pouco nas bonitas cenas de passeio da trupe pelas ruas da capital da Colômbia ou nas paisagens do interior do país andino, o que atribui outro aspecto interessante ao filme.

Mais do que isso, no entanto, é apreciável o sensível crescente emocional a que a história leva quem assiste. O universo onírico da peça é reproduzido e ressignificado no filme num outro estado de apreciação para além do original, fazendo dialogar, de forma criativa, teatro e cinema. “Juvenal en Viaje_Colômbia” faz com que se aproveite a experiência do que a viagem proporciona, fazendo valer aquela máxima de que nunca se retorna desta o mesmo que começou o trajeto. Por isso, culminar as filmagens com a apresentação em plena praça pública, no meio do povo, mais o desfecho em off e retornando à infância de Eduardo, dá um caráter ainda mais metalinguístico à obra. É a linguagem do teatro e do cinema se conciliando, provando que é possível casar estas duas artes e forjá-las com o mesmo barro quando este barro é de natureza nobre.

Eduardo Almeida, já encarnado do personagem Juvenal, anda no meio
do povo antes de entrar em cena na bucólica Santa Fé de Antioquia


"Juvenal en Viaje_Colômbia"
Direção: Renato Mangolin - Pandorga Companhia de Teatro 
Elenco: Eduardo Almeida, Cleiton Echeveste, Ricardo Lyra Jr., Thiago Monte, Daniele Geammal
Gênero: Documentário
Duração: 80 min.
Ano: 2024
País: Brasil


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Daniel Rodrigues


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