É bastante revelador que os dois melhores e mais bem premiados longas gaúchos do Festival de Cinema de Gramado deste ano, "Uma em Mil", de Jonatas e Thiago Rupert, e "Quando a Gente Menina Cresce", de Neli Mombelli, sejam documentários. No total, três dos cinco filmes da Mostra Gaúcha eram deste gênero, incluindo-se aos já citados "Rua do Pescador, n° 6", de Bárbara Paz. Isso quer dizer alguma coisa, sim, e tem a ver tanto com a produção ficcional do Estado quanto com o que pode ser impulsionado para este tipo de realização.
A qualidade da produção documental local, a qual acompanha
cena nacional, há cerca de duas décadas bastante elevada, não deixou dúvidas de
que a ficcional, em contrapartida, vem deixando um pouco a dever. Há filmes de
ficção bastante significativos no cinema gaúcho dos últimos cinco anos. Casa
Vazia, Até que a Música Pare e Continente exemplificam bem isso. Porém, se se
olhar para o retrospecto recente dos documentários no Festival de Gramado, o
principal do Rio Grande do Sul, quiçá do Brasil, há uma vantagem visível. Basta
ver as edições dos dois últimos do evento, as quais premiaram, na categoria de
Melhor Filme, documentários: “A Transformação de Canuto” e “5 Casas”. Neste
ano, “Quando...”, além de Melhor Filme, levou ainda Melhor Filme do Júri
Popular e uma Menção Honrosa para o elenco feminino. Uma em Mil, por sua vez,
abocanhou os de Direção, Roteiro (ambas para os irmãos Rupert) e Montagem (Joana
Bernardes e Thais Fernandes).
Se no circuito regional de Gramado, o reconhecimento vem
crescendo, a pergunta que fica, então, é: por que os docs gaúchos não têm
ganhado também a atenção na mostra nacional? Dos quatro documentários
concorrentes, nenhum era do Rio Grande do Sul: “Para Vigo me Voy” (de Lírio
Ferreira e Karen Harley, RJ), “Os Avós” (Ana Ligia Pimentel, AM), “Lendo o
Mundo” (Catherine Murphy e Iris de Oliveira, RN) e “Até Onde a Vista Alcança” (Alice
Villela e Hidalgo Romero, SP). Há de se contemplar diversidade e
regionalidades? Sim, mas a qualidade nunca é um mal critério.
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| Cena de "Uma em Mil": mil motivos para estar na Mostra Nacional |
“Uma em Mil” é daqueles filmes talhados para a apreciação de críticos e júris. Uma declaração de amor de um cineasta pelo seu irmão Down, em que eles, juntos, tentam entender e discutem os conceitos de normalidade, família e sanidade, bem como os limites entre arte, memória e consciência. Já “Quando...”, numa abordagem sensível e corajosa, trata de um grupo de meninas que vive a transição da infância para adolescência em uma escola pública na periferia de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Com idade entre 9 e 12 anos, elas, ao longo do ano letivo, sentem mudanças no corpo, medos, desejos e vivem a expectativa da chegada da primeira menstruação.
O ator Marcos Breda, um dos jurados da Mostra Documentário
Brasileiro, comentou, em entrevista durante o festival, que sentia
falta de filmes gaúchos na competição nacional. A opinião de Breda reflete uma percepção dos críticos de
que, pelo menos “Quando...” e “Uma...” tinham potencial para visibilidade
nacional. E não só: são produções que evidenciam a necessidade da curadoria do
Festival de Gramado de se olhar para o cinema documental gaúcho com mais
consideração. Afinal, tanto um quanto outro são, não consideravelmente à altura
como possivelmente melhores do que todos os concorrentes da categoria nacional
- inclusive os vencedores, o apenas bom “Lendo...” Melhor Filme de
Documentário, e “Para Vigo...”, que saiu com Menção Honrosa.
Se não o destacado “Quando...”, de narrativa sensível e
tocante sobre um tema tabu na sociedade, ao menos “Uma...”, capaz de engendrar
uma narrativa que dialoga metalinguisticamente com a linguagem do cinema, merecia
ser vistos na vitrine nacional. A Mostra de Longas-metragens Brasileiros vem se
mostrando quase irrepreensível em Gramado, porém, a seleção de documentários, ao
menos a deste ano, não se pode dizer necessariamente o mesmo. Quem sabe essa
maior qualificação não passe, então, por atentar também ã produção gaúcha? Fato
é que, parafraseando um dos destaques deste ano, a boa produção documental
gaúcha não é mais uma em mil.







































