Vamos à parte boa primeiro: Nanini. Domínio de palco total, ele faz a peça inteira da cadeira de rodas, que atualmente usa por problemas na coluna. Mas isso não desmerece o espetáculo. Pelo contrário, coloca a peça em um extremo cênico, delegando ao texto aquilo que deve ser: o principal. Na boca de Nanini, conseguimos achar graça, sofrer, consternar, refletir. Tudo junto e misturado dada a habilidade do ator que já encarnou de João de Deus a Toni/Cleide Albuquerque (Irma Vap) em transitar da tragédia à comédia.
Contudo, não sei se notaram, mas listei alguns sentimentos que a plateia sente junto com o ator, mas não mencionei o verbo "emocionar", né? Proposital, pois, acima de tudo, a peça de Thomas não arrebata. Em nenhum momento. Aliás, o público se mostrou bastante frio (e eu que pensava que nisso fosse coisa de plateia gaúcha). Algumas risadas tímidas aqui e acolá, principalmente na parte em que o personagem começa a enumerar as coisas as quais é viciado, como em jogo, bebida e, inclusive (claro), sexo, mesmo confessando estar "brocha". Mas para por aí, pois o texto é, se não confuso, excessivamente fragmentado, inconcluso e... cerebral. Parece - e isso acabou se configurando numa confirmação das críticas a Thomas - que a ideia "completa" do que diz está na cabeça dele, e que ele delega ao espectador que este decifre os códigos. Que nunca serão decifrados, óbvio, visto que, quiçá, nem mesmo no intelectualizado encéfalo de Gerald Thomas, que busca referências em Kafka e Shakespeare em "Traidor", essas ideias se coadunem integralmente.
O mote da peça dá um certo desconto para tamanha falta de linearidade. Trata-se do delírio psicológico de um ator acreditando e vivendo a soma de todos os personagens da história do teatro. Ele está isolado em uma ilha, é acusado de algo que não cometeu e dialoga com a própria consciência, com seus fantasmas e suas reflexões sobre o passado, o presente e o futuro.
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| Nanini: domínio do palco, mesmo na cadeira de rodas |
Nessa linha, a ideia de que o ator velho é afetado pela confusão mental e existencial é "traído" por suas memórias me agrada mais do que a própria farsa de que o este age para trair o público, pegá-lo no contrapé a cada virada do texto. Se era essa a intenção, não funcionou. Ou pior: não deu pra entender se é isso mesmo que se quis transmitir.
Quando falei parágrafos antes de que se tratava de um "quase monólogo" é porque Nanini, sim, diz praticamente 100% de texto, não fosse a participação de alguns figurantes, que dançam, sambam, contorcem-se, esfalfam-se, matam-se no palco de forma a dar algum movimento às sinapses mentais do personagem e ao espetáculo em si. Jogos de luzes, músicas e sonoplastias completam a cenicidade junto com um boneco gigante de Nanini caído inerte sobre metade do palco e enrolado em uma espécie de rede de pescador.
Mas nada disso ajuda a amplificar o texto. A sensação que se tem é a de que em nenhum momento se aprofunda de verdade nesse inconsciente do artista, pois o próprio não está conceitualmente bem situado entre o onírico e o real. Há umas conversas do personagem com uma voz feminina de seu inconsciente, que lá pelas tantas, esquece-se de usar esse recurso e que chega ao estranhamento de chamá-lo uma hora de 'Nanini". Ora: não é o "Nanini" que estamos vendo! É o Nanini não sendo Nanini para ser Nanini, entenderam? Pois é, foi isso que Gerald Thomas nos fez querer acreditar e que talvez nem ele mesmo tenha entendido.
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