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sábado, 29 de novembro de 2025

cotidianas #880 - Pílula Surrealista #61


"Eu não tô nem aí", dizia, irresponsavelmente. Aliás, frase que não pode ser menos irresponsável, pois dita justamente por aqueles que, como João, não faziam questão nenhuma de se comprometer com nada. 

E não que estivesse errado, afinal, não é com tudo ou com todos que se mereça o laço da aceitação. 

Acontece que João cresceu, e com os anos de vida veio também um maior auto-entendimento daquilo que ele mesmo dizia. Bem verdade que nunca deixou de dizer que não estava nem aí. Era quase como um vício, como um TOC, como um subterfúgio para momentos de escapismo necessários. Era-lhe prazeroso, na real.

A prática de repetir a frase se estendeu por toda a vida, e João, agora um senhor idoso respeitado, avô, aposentado, admirado por seus pares, dizia, mesmo que com a voz já sôfrega pela idade, a desdenhosa e leviana frase: "Eu não tô nem aí".

E sumiu. Nunca mais esteve nem ali e nem lá. Aprendeu, por fim e enfim, da forma mais definitiva, o poder das palavras que saíam da própria boca. As últimas.


Daniel Rodrigues


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