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quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Música da Cabeça - programa #356

 


Carnaval chegando e a mensagem é clara: "não é não"! "Sim" só pro MDC desta semana, que vem pronto pra entrar na avenida. 

Echo & The Bunnymen , RPM , Caetano Veloso , Red Hot Chilli Peppers , Don Von Vliet e outros. Ainda, um Cabeção com o compositor polonês Witold Lutoslawski. 

Na folia, mas de boa, o programa põe o bloco na rua às 21h. Produção, apresentação e "respeita as mina": Daniel Rodrigues






segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Captain Beefheart and His Magic Band - "Trout Mask Replica" (1969)



“Um dos mais criativos e corajosos álbuns de todos os tempos, décadas à frente do resto da música rock.
É, acima de tudo, uma colagem de pinturas abstratas, cada uma diferente da outra em intensidade, cor e contraste, mas todas homogêneas em sua ‘abstração’ ”
Piero Scaruffi


Um músico se trancafia em um casarão antigo, só ele e um piano. Ali, compõe 28 peças. Não, não estamos falando de algum pianista de jazz em abstinência de heroína nem de um concertista clássico precisando de isolamento e concentração para criar sua obra-prima. Estamos falando de um disco de rock, tocado com baixo, guitarra, bateria e, solando, clarinetes e saxofones. Tudo sem um acorde sequer de piano. Sim, estamos nos referindo a Don Van Vliet e seu “Trout Mask Replica”, o primoroso terceiro LP da Captain Beefheart and His Magic Band, de 1969. Talvez o trabalho que melhor tenha fundido rock, jazz, blues, folk e erudito, sustenta o status de uma verdadeira “obra de arte”, considerado pelo crítico musical italiano Piero Scaruffi como o melhor álbum de rock de todos os tempos e um dos 10 registros mais importantes da música contemporânea ao lado obras de Shostakovitch, Charles Mingus, Velvet Underground e Ligeti.

Com produção do maestro-maluco Frank Zappa, do qual Van Vliet (vulgo Captain Beefheart) é discípulo, “Trout Mask Replica” é de difícil assimilação, quase indecifrável: atonal, dissonante, polirrítmico, abstrato, desconexo. Lembra ora a música aleatória de John Cage, ora o “passaredo” farfalhante de Messiaen, ora os borrões de um quadro de Jackson Pollock, ora um filme experimental de Derek Jarman. Altamente influenciado pela vanguarda erudita, pelo free-jazz de Ornette Coleman e pelo blues do Mississipi, Van Vliet criou um disco que aponta para infinitas direções que não só musicais, mas também plásticas, cênicas e literárias, haja vista a loucura e a irracionalidade poética que suscita. Ele desmembra o estilo blues, base do rock ‘n roll, desestruturando ritmo, harmonia, tom e melodia, remontando depois as peças, ”algo entre o caos orquestral de Charles Ives e audácia de John Cage”, definiu Scaruffi.

Oblíquas e sem uma linha melódica estável, as músicas de “Trout...” são rocks sem riff. Tudo numa roupagem seca dada pela produção. É assim que começa o álbum, com “Frownlands”: toda descompassada, parecendo estar se desmontando. A voz rouca e rasgada de Van Vliet cospe versos enquanto os sons se debatem, tentando se encontrar em uma harmonia, o que nunca acontece – ou melhor, acontece de forma diferente do que se está acostumado a ouvir no rock. O arranjo, elaborado por Beefheart a quatro mãos com o baterista da banda (!), John French, é tão primoroso que a sonoridade do instrumento que originou as melodias se adéqua perfeitamente à nova instrumentação, dando a impressão de que tudo foi improvisado – e a ponto de tornar o piano dispensável no resultado final. Mas tudo, do início ao fim, está dentro de uma geometria composicional criada pela louca e excêntrica cabeça de Van Vliet, movida à base de muito LSD. O repretório foi composto por ele em apenas oito horas, porém, os ensaios levaram exaustivos meses de isolamento de todos os músicos até a gravação que, de tanta repetição, foi captada praticamente todo de uma vez só.

 Mutáveis e caóticas, as músicas vão se recriando dentro de si próprias através de novas células sonoras. "Moonlight on Vermont", “The Blimp” e “Dachau Blues”, das minhas preferidas, são exemplos claros dessa metalinguagem. A poética dadaísta das letras é outro ponto peculiar, pois não são mais do que meros esboços non-sense, neologismos imbecis (“fast ‘n bulbs”, “semen ‘n syrup ‘n serum”, "hobo chang ba") que servem apenas para apontar para o ouvinte o caminho – errado. Vê-se já no título sem sentido da tribal “Ella Guru”, outra genial, que traz vozes em falsete, síncopes incoerentes, hinos guturais e um riff de baixo hesitante.

 “Hair Pie”, “bakes” 1 e 2, são suítes instrumentais fabulosas, a ver a primeira, um jazz com uma longa introdução de dois sax alto que se retorcem e se entrecruzam um sobre o outro através de dissonâncias, muito ao estilo de Albert Ayler e Anthony Braxton. O blues, elemento base do disco, é tão desestruturado que chega ao ponto de... inexistir! É o caso de “The Dust Blows Forward 'n the Dust Blows Back" e "Orange Claw Hammer", à capela e montadas em estúdio por picotes colados em sequência, em que apenas se supõe o ritmo. Apreciáveis também: a excelente “China Pig”, um blues bruto; “Dali’s Car”, espécie de suíte para duas guitarras; e "When Big Joan Sets Up", constantemente variante dentro de si mesma, como uma pequena sinfonia em 4 atos rápidos.

O disco termina com "Veteran's Day Poppy", que dá a impressão de desfechar, enfim, do modo consonante e agradável da tradição clássica até que, depois de um breve fade out/fade in, a música retorna consonante, mas... peraí! Está numa notação totalmente enviesada, dando a impressão de que está sendo executada ao contrário! Um final magistral para um disco que, bastante influenciador do rock alternativo (Tom Waits, Meat Loaf, Residents, Jah Wobble) e do pós-punk (P.I.L.Gang of Four , Polyrock e Sonic Youth que não me deixam mentir), continua, quase 45 anos de seu lançamento, uma audição desafiadora e instigante. Propositadamente desconfortável, desacomoda positivamente nossos ouvidos já tão saturados da métrica em três tempos da música pop, criticando, em decorrência, toda a sociedade moderna e seus padrões massificadores há muito esgotados.

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 FAIXAS:
1. "Frownland" - 1:41
2. "The Dust Blows Forward 'n the Dust Blows Back" - 1:53
3. "Dachau Blues" - 2:21
4. "Ella Guru" - 2:26
5. "Hair Pie: Bake 1" - 4:58
6. "Moonlight on Vermont" - 3:59
7. "Pachuco Cadaver" - 4:40
8. "Bills Corpse" - 1:48
9. "Sweet Sweet Bulbs" - 2:21
10. "Neon Meate Dream of a Octafish" - 2:25
11. "China Pig" - 4:02
12. "My Human Gets Me Blues" - 2:46
13. "Dali's Car" - 1:26
14. "Hair Pie: Bake 2" - 2:23
15. "Pena" - 2:33
16. "Well" - 2:07
17. "When Big Joan Sets Up" - 5:18
18. "Fallin' Ditch" - 2:08
19. "Sugar 'n Spikes" - 2:30
20. "Ant Man Bee" - 3:57
21. "Orange Claw Hammer" - 3:34
22. "Wild Life" - 3:09
23. "She's Too Much for My Mirror" - 1:40
24. "Hobo Chang Ba" - 2:02
25. "The Blimp (mousetrapreplica)" - 2:04
26. "Steal Softly thru Snow" - 2:18
27. "Old Fart at Play" - 1:51
28. "Veteran's Day Poppy" - 4:31

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Ouça:
Captain Beefheart and His Magic Band Trout Mask Replica