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quinta-feira, 4 de março de 2021

"Uma Noite em Miami", de Regina King (2020)

INDICADO A MELHOR ATOR COADJUVANTE
E MELHOR CANÇÃO ORIGINAL


Um filme extremamente necessário para nosso atual momento como sociedade. Que coisa fabulosa! Um longa que vai ficar na minha memória por muito tempo.

Situado na noite de 25 de fevereiro de 1964, a história segue o jovem Cassius Clay ao sair do Miami Beach Convention Center como campeão mundial de boxe. Contra todas as probabilidades, ele derrotou Sonny Liston e chocou o mundo do boxe. Enquanto multidões de pessoas lotam os hotspots de Miami Beach para comemorar a partida, Clay, incapaz de permanecer na ilha por causa das leis de segregação de Jim Crow, passa a noite no Hampton House Motel, no bairro de Overtown, em Miami, comemorando com três de seus amigos: ativista Malcolm X, o cantor Sam Cooke e o astro do futebol Jim Brown.

"Uma Noite em Miami" é uma obra com roteiro adaptado de uma peça teatral, e é necessário que se saliente isso por conta de seu ritmo mais cadenciado e pouca variedade de cenários, o que pode torná-lo monótono e repetitivo para alguns. Particularmente, discordo, pois o fato de ser teatral, dão muito mais ênfase às falas, que por sinal, são gêniais, bem como conferem mais força  aos discursos do filme, questionamentos e ensinamentos do filme. Mas entendo, sim, que possa se tornar algo cansativo para alguns.

Quatro grande atuações: Aldis Hodge (Jim Brown), que tem menos tempo de tela mas quando aparece tem uma presença muito forte; Eli Goree como Cassius Clay, que sofre para se posicionar, seja qual for sua posição, que talvez nem ele mesmo saiba ao certo, é mais uma das atuações que merece destaque mesmo sendo o mais novo no grupo, mas que consegue transmitir com sua atuação, toda pressão que o personagem sofre. Leslie Odom Jr. (Sam Cooke), é outro que acaba não tendo tanto destaque no início, mas cujos questionamentos pessoais são cruciais e verdadeiramente levam o filme à frente. Uma das frases de maior impacto no longa, por sinal, é dele. O que chama muita atenção é sua disputa de posicionamento, com Kingsley Ben-Adir (Malcolm X), que, por sua vez, é o personagem que mais tem tela, que mais instiga, e tem uma das melhores atuações do longa. Kingsley tem uma difícil tarefa de fazer um personagem icônico como Malcolm X, e o faz de forma magnifica, dando um toque pessoal, mas não deixando de caracterizar o personagem tão bem que, praticamente, vemos Malcolm em cena. É certo que vem indicações na temporada de premiações. Todos conseguem transformar as cenas em uma verdade, uns com mais tempo de tela, outros com  menos, mas todos tem momentos de brilhar.

 Coisas importantes são ditas, outras poderiam ser ditas e não são, o longa poderia ser mais forte em suas palavras, poderia atacar mais, mas vai para um lado de reflexão, o que, de certa forma, também é muito bom. Regina King faz sua estreia na direção mas nem parece um debut considerando a sua enorme competência e segurança. Ela tem controle total da câmera e consegue tornar até as mais longas cenas de diálogos interessantes pela maneira com que filma. Todos os quatro apresentados são figuras importantes quando pensamos em representatividade negra, até hoje. Parar e ouvi-los, por mais que seja uma obra de ficção é magnifico. Diálogos bem escritos, direção muito competente, atuações de primeira e um discurso de luta e igualdade, que mesmo sendo nos anos 60, faz sentido até hoje (infelizmente, até hoje). Fica aberto o debate de como a representatividade negra, a voz negra pode se fazer ser ouvida e de como a mídia pode ser usada para isso. Uma discussão muito importante e que vale a reflexão, ainda mais, se você ver esse filme em 2021, no Brasil, enquanto rola um reality-show que traz esse mesmo tema, porém, infelizmente, com as pessoas erradas.

Eu passaria uma noite em Miami com essa galera, bem de boas.


por Vagner Rodrigues

sábado, 3 de outubro de 2020

"Destacamento Blood", de Spike Lee (2020)




Ótimo e necessário, principalmente para o atual momento do mundo. Essas são as principais qualidades que posso apontar dessa obra espetacular, mais um excelente filme de Spike Lee.

"Destacamento Blood", a história de quatro veteranos da Guerra do Vietnã: Paul (Delroy Lindo), Otis (Clarke Peters), Eddie (Norm Lewis) e Melvin (Isiah Whitlock, Jr.) que, acompanhados do filho de Paul (Jonathan Majors), retornam ao Vietnã em busca dos restos mortais do líder de seu esquadrão (Chadwick Boseman).

Embora magnifico, o filme de Lee não é perfeito. Seu segundo ato é bem arrastado, apresentando alguns dos personagens, se aprofundando no interior dos mesmos, e também na relação de amizade do grupo “Blood”, o que acontece também no primeiro e terceiro ato, mas de maneira dinâmica. A repetição de atritos do grupo acaba tornando o longa ele um pouco arrastado em sua metade e um tanto meio repetitivo. Um ponto interessante, que vi algumas pessoas reclamando, é que o longa era “muito político”. Bom, meu filho, ou você não conhece Spike Lee ou você está olhando filmes de guerra da maneira errada! Para não dizer que todos filmes de guerra são políticos, vou dizer que 99,9% deles são, até mesmo “O Rambo”, OK? Entendo que por carregar essa carga política e de crítica social, quem for assistir deve estar por dentro, minimamente, de como se dá a luta por igualdade racial nos EUA e sua política, caso contrário, o longa não vai dialogar com você.

Aproveitando que estamos aqui falando sobre esse tema, e nesse ponto, na questão da crítica à política e às questões sociais é que o filme ganha muita força e mostra sua verdadeira face, se posicionando pela luta das vidas pretas. Superando até mesmo as camadas de filme de guerra, de ser uma homenagem a grandes clássicos do cinema que falam sobre o tema, como "Apocalypse Now" (o longa tem uma cena belíssima referente a este filme) e também aqueles mais violentos de guerra como o já mencionado “Rambo”, pois quando “Destacamento Blood” vai para violência, é tão violento e impactante quanto os dessa característica; superando ate mesmo sua estética diferenciada, com mudanças de enquadramento, do estilo de fotografia, mudança de tela que mudando de 4:3, de 16:9 o widescreen, tudo servindo a favor da narrativa, tudo isso, mesmo incrvelmente genial, é superado pela forte crítica que o filme aborda. 

Delroy Lindo, que presença!


Voltanda à camada do filme que fala de questões sócias, é lindo ver como ele apresenta as lutas dos movimentos negros e como elas se apresentam representadas em suas diversas formas de em cada personagem. Temos desde o mais revoltado, que sempre quer partir para o ataque; passando pelo sensato que tenta dialogar com todos para chegar em um acordo; ao mais jovem, que usa a educação como arma. O longa é sobre luta de pretos americanos, que estão sempre em luta, mas não é somente sobre essa luta. Como dito no filme “Quem vai para guerra, nunca volta dela”, e assim como soldados no Vietnã, estamos sempre em guerra, estamos lutando uma guerra cuja escolha de lutar não foi nossa mas que agora tornou-se o único meio de conseguirmos algo. Para conseguirmos, simplesmente um mínimo de respeito terá que ser através da luta e, não importa como fazer mas faz-se urgentemente necessário lutar. Como todos os membros do grupo dos “Bloods”, que mesmo com suas diferenças, conflitos, no final tem os mesmos objetivos, os movimentos negros também, tem vozes, discursos diferentes, mas no final todos marcham na mesma direção.

R.I.P. Chedwick Boseman, foi cedo demais.

No final das contas, esse longa é um grito por justiça, atenção, respeito, igualdade e é um grito com força e raiva. Tem um pouco de Malcolm X, Martin Luther King Jr., Muhammad Ali, George FloydSpike Lee e Chadwick Boseman, cujo personagem já tinha uma áura, um brilho, uma espiritualidade, uma presença de divindade, e que seu triste falecimento precoce só vai aumentar cada vez que você ver o filme outras vezes. Tem um meus candidatos ao Oscar de ator coadjuvante, Delroy Lindo, que além de uma atuação fortíssima e instensa, tem um monólogo maravilhoso, de arrepiar.

Como critica funciona, como obra cinematográfica funciona, como grito para luta e motivação, então... BORA LUTAR!!!

Black lives matter!


por Vagner Rodrigues