O cinema é uma arte com enorme potencial transformador no ambiente escolar. Essa qualidade, se bem empregada, pode ser direcionada para o combate a um dos grandes problemas sociais da humanidade: o racismo.
Nos anos 1970, nos Estados Unidos, a Escola de Cinema da Universidade da Califórnia (UCLA) criou, em resposta à necessidade de reparação e inclusão da população negra no Ensino Superior e no setor audiovisual, um programa voltado a estudantes pretos e de onde saíram alguns dos mais celebrados cineastas da atualidade, como Spike Lee e Charles Burnett. Além de formar realizadores engajados na causa preta, o meio acadêmico-escolar oportunizou a eles o contato com diversas cinematografias capazes de lhes expandir conhecimentos e entender a si próprios como cidadãos e sociedade.
O exemplo da UCLA é emblemático quando se faz referência à formação humanista aliada à educação. Salvo tratar-se de uma instituição de Ensino Superior, o que a universidade norte-americana fez há aproximadamente 50 anos serve como amostra de que é possível, por meio de sessões direcionadas, mostras internas, formação de cineclubes, exibições especiais, entre outras alternativas, levar o cinema para dentro da sala de aula e fomentar o debate sobre temas urgentes como o preconceito racial.
Percebe-se, no entanto, um caminho pedagógico ainda pouco explorado por parte de instituições de ensino particulares no Rio Grande do Sul. A força de penetração e de estímulo à reflexão que a arte cinematográfica possui é sui generis, talvez a maior em termos de potencialidades diante de outras, como as artes visuais, a música, a dança e a literatura, visto que, em sua complexidade formal, encerra elementos de todas essas manifestações.
Há, no cinema nacional atual, importantes filmes que propõem um discurso antirracista, como “Marte Um”, “O Dia que te Conheci” e “Kasa Branca”, todos de realizadores negros. Mas não apenas: existem clássicos, acessíveis pelas plataformas de streaming, como “Também Somos Irmãos”, de 1948, e “Quilombo”, de 1984, que deveriam chegar ao público infantil e juvenil dadas as temáticas e abordagens das questões sociais e históricas do racismo no Brasil. Filmes que muito bem podem ser trabalhados junto aos alunos em atividades extra ou intracurriculares.
O clássico "Também Somos Irmãos", pioneiro em tratar o racismo no cinema brasileiro
Há exemplos positivos no ensino particular gaúcho. Criado durante a pandemia, o Clube de Cinema do Colégio João XXIII, de Porto Alegre, começou totalmente virtual e depois avançou para encontros presenciais. Embora inativo no momento, o clube chegou a ter, em 2023, mais de 20 alunos do 5º ao 9° ano do Ensino Fundamental, numa dinâmica totalmente factível: os estudantes assistem ao filme em casa e, durante a aula, promovem um debate em meio a exibição de trechos.
Contudo, ainda é pouco. Criar acervos virtuais com títulos direcionados – com a devida consultoria de profissional da área – é, por exemplo, um caminho bastante viável a instituições particulares, que têm recursos para isso. No mais, a própria ida a uma sala de cinema com os alunos pode gerar saudáveis discussões e trabalhos de sala de aula a depender do tema tratado. E se esse tema for o racismo, o mais nocivo mal que a sociedade brasileira precisa extinguir, tão melhor.
*artigo originalmente publicado na revista eletrônica Educação em Pauta, do Sinepe-RS
Numa das cenas do filme “Harriet”, de Kasi Lemmons (2019), que conta a história da ativista e heroína negra do século 19 nos Estados Unidos, o pai da personagem, num das expedições clandestinas empreendidos por ela com a intenção de libertar negros escravizados do jugo dos senhores de terra, a recebe de olhos vendados. Ele sabia que a filha ali estava, mas, numa atitude aparentemente inútil, bloqueava a visão para que, se cobrado pelos patrões, tivesse consigo a sinceridade de poder dizer que não a tinha visto com os olhos. Essa atitude aparentemente pueril ou até irracional traz, no fundo, uma preocupação para além do racional, visto que ética, além de, noutra esfera, ligada ao conceito de cinema. É este aspecto ético que, noutras formas e complexidades, norteia a obra do cineasta norte-americano Jordan Peele e, mais propriamente, seu longa “Não! Não Olhe!” (“Nope”), de 2022.
Peele, assim como os conterrâneos, contemporâneos e irmãos de cor Kasi, Anthony Fuqua, Ryan Coogler, Barry Jenkins, Ava DuVernay, Steve McQueen e outros, tem plena noção do seu “lugar de fala” enquanto triunfante realizador negro dentro do sistema da indústria cinematográfica. Peele, no entanto, guarda características bem peculiares. Primeiro que, diferentemente de seus pares, mais multitemáticos em abordagem, ele identifica-se fortemente com o cinema fantástico, reclamando para si um filão jamais explorado tão audazmente, nem na reivindicadora blackexplotation dos anos 70: o Black Horror. Segundo que, pelas condições produtivas, seu fazer cinematográfico identifica-se com o “cinema de autor”. Ele dirige e produz aquilo que escreve e ainda dá assinatura a suas obras, estágio que poucos cineastas alcançam – ainda mais negro e em tão pouco tempo de trajetória.
São assim “Corra!” (“Get Out”, 2017), consagrado terror psicológico que o alçou mundialmente, e “Nós” (“Us”, 2019), outro filme de horror de rara habilidade narrativa tanto em roteiro quanto em direção. Filmes comerciais, mas capazes de aprofundamento crítico e filosófico. Imbricado à forma, pop e instigante, o conteúdo de ambos os filmes redimensiona problemáticas da questão negra como preconceito, animalização e extermínio sócio-étnico-cultural. O “terror” na já marcante obra de Peele é mais do que o sobressalto da poltrona ou o arregalar de pupilas: são séculos de um terror verdadeiro de desumanização e apagamento o qual foi (e é) submetido o povo negro. E que ganham ainda maior potência na tela diante do choque provocado ao evidenciar que este mesmo terror está presente em uma sociedade moderna incapaz de superar comportamentos e mentalidades inaceitáveis. Peele não brinca e nem pasteuriza o racismo: ele, ao revesti-lo de estereótipos fílmicos e elementos narrativos consagrados, escancara o quanto esta doença humana é assustadoramente vulgar.
“Não! Não Olhe!”, bem menos arrepiante que seus anteriores, é um suspense sci-fi cujos apontamentos críticos à questão social e racial se dispõem de uma forma renovada. A história se passa numa cidade do interior da Califórnia, que começa a ter eventos bizarros e extraterrestres. Os irmãos Emerald e OJ (interpretados por Keke Palmer e Daniel Kaluuya), donos de um rancho de cavalos vizinho a um parque de diversões, não apenas presenciam estes fatos estranhos como passam a se envolver diretamente com eles depois que perdem seu pai em virtude de tais fenômenos. Outra figura central na trama é nipo-americano Jupe (Steven Yeun), astro-mirim de uma série de televisão no passado e apresentador de um show de velho oeste naquele parque.
Keke Palmer e Daniel Kaluuya protagonizam a ficção de Peele, cuja mensagem vai além do gênero
A coesão da narrativa que se percebe em “Nós” e, principalmente, em “Corra!” talvez falte um pouco ao roteiro um tanto desigual de “Não! Não Olhe!”, tecnicamente impecável como seus antecessores, mas bem mais dado à espetacularização imagética das ficções-científicas do que à suscetibilidade neural provocada pelo terror psicológico. Porém, o longa, mesmo sem total assertividade – como recai a obras que se propõem a transpor barreiras – avança em aspectos antes obscurecidos na sociedade norte-americana e no cinema enquanto reflexo do contexto histórico e sociopolítico. Questões fadadas a não serem enxergadas, como identidade, crença, cultura e ancestralidade. Como se tivessem que obedecer a uma regra social intolerante, que impõe não serem olhadas de modo que permaneçam invisíveis simbolicamente. Sem estes preceitos, a natureza humana perde sentido, e sem identidade e moral, resta a animalização. Refazendo o ditado popular: quem não é visto, é apagado.
Peele, por este motivo, traçou paralelos entre homem e natureza em diferentes níveis em “Não! Não Olhe!”. Primeiro, entre o selvagem e o civilizado. O filósofo inglês Thomas Hobbes diz que “a natureza fez os homens tão iguais quanto às faculdades de corpo e do espírito”. Nada mais é do que a utilização do impulso irracional do cavalo domesticado por OJ durante os bastidores para a gravação de uma cena audiovisual. A insegurança do rapaz, um homem negro de origem simples diante da elite majoritária branca, simbolizada pela equipe presente no set, o reduz como indivíduo. Acuado, ele se desumaniza e se animaliza. Nem a aparição da irmã, bastante mais desenvolta do que ele, consegue salvar o cavalo de reagir espontânea e naturalmente com agressividade ao estímulo visual quando se vê num espelho. Pelo contrário: OJ ao mesmo tempo identifica-se e sente vergonha de Emerald com sua verborragia e gestos amplos, pois, inconscientemente, também a vê animalizada tal uma macaca. Semelhante ao humano, mas necessariamente inferior. Como o cavalo, ver-se no espelho é uma tarefa repelente quando não se tem consciência da própria natureza.
O chimpanzé Gordy: metáfora central da história
A alegoria do primata na relação entre instinto e razão, homem versus animal, é ainda mais profundamente explorada no filme por Peele quando da aparição do chimpanzé Gordy, espécie de metáfora central da história. É ele que, no passado, em virtude do mesmo desrespeito e exploração ditados pela engrenagem capitalista, faz valer seus instintos mais sinceros – e violentos – durante as tensas gravações de uma fictícia sitcom. Inspirando num caso real ocorrido nos Estados Unidos, Gordy ataca a equipe e, assim, equipara de fato tanto homens quanto bichos com aquilo que lhes é comum: a morte e a finitude. Uma (forçada) volta às origens. Traumatizado com este episódio da infância, Jupe, é o único a quem o macaco poupou por lhe tratar com dignidade e carinho – ou seja, que o olhava sem a lente do preconceito. O coração vê sim e mais do que se possa supor.
Reina nesta apropriação do estado natural do homem a dicotomia ética a qual o filme se concentra. Hobbes sustenta que, diante da necessidade de preservação da individualidade e do direito natural à sobrevivência, o ser humano busca lançar mão dos meios necessários para preservá-la e evitar todas as ações que sejam contrárias a ela. A criação do estado político, diante da quase irrefreável ação de eliminação do outro, nada mais é do que o obstáculo necessário para a contenção destes instintos. Acreditam ter encontrado a justiça, mas alcançaram algumas migalhas de harmonia. O “lobo do lobo do homem” está lá, preservado; apenas há convenções que lhe limitam a barbárie.
Limitam até certo ponto. Na prática, a falácia liberalista atribui o direito à riqueza a todos, mas a destina àqueles que formal e historicamente sempre tiveram mais condições de deter o poder: os brancos. Se o valor que as pessoas ou coisas possuem é resultado de convenção social, o que acontece com aqueles que foram convencionados por séculos como uma raça inferior? Difícil desfazer mentalidades vigentes, principalmente quando estas asseguram influência e domínio. A relação de fornecedor e comprador exposta na cena em que OJ tenta domesticar o cavalo para a gravação audiovisual expõe bem esta contradição: não há lei de mercado mediando, pois a liberdade não é dada a quem, de antemão, é subjugado por sua atribuída condição inumana. Basta ver que ninguém no set enxerga OJ de fato, a ponto de não considerarem seu importante alerta para a preservação do bem estar do cavalo e a própria finalidade para a qual estavam todos ali.
O cinema norte-americano de muito mira suas câmeras, consciente ou inconscientemente, à questão da animalização dos pretos. Esta subclassificação, que situa o afrodescendente numa posição de espécie exótica e quase humana numa sociedade em que, na escravidão, furavam-se os olhos de escravos como castigo, denota a mentalidade racista imperante e transposta para Hollywood por décadas. Quebrariam este ciclo mais consistentemente duas produções apenas nos anos 60, quase meio século após a instauração da indústria cinematográfica: “A Noite dos Mortos-Vivos” (George Romero, 1968), terror que atribui naturalmente um raríssimo heroísmo a um protagonista negro, e “Ao Mestre com Carinho” (James Clavell, 1966), drama no qual se via numa das primeiras vezes um negro na tela em um papel preponderante. Não por coincidência, ambos as produções surgem à época das lutas pelos Direitos Civis nos Estados Unidos.
Porém, os séculos de massacre social e cultural pesam. A mítica figura de “King Kong”, por exemplo, originalmente lançado em 1933 mas persistentemente retornada nas décadas subsequentes, carrega consigo a simbologia desta relação incongruente entre selvageria e civilização. Imagem preconceituosa, aliás, que nenhuma das refilmagens teve capacidade (ou intenção) de desfazer. A atração sexual implícita entre o gorila gigante, bastante empretecido em feições, e a mocinha, tão branca e loira quanto os códigos arianos permitem, joga luz sobre a dualidade instinto/razão. Afinal, a sexualização do negro é, definitivamente, uma das patologias as quais o brancocentrismo não consegue resolver. Hobbes diz que a riqueza sem a liberalidade deixa de ser poder e expõe o homem à inveja.4 Mesmo tendo despertando o amor no coração da mulher, aquela existência aberrante é incompatível com a ordem social. A solução? O apagamento. Ninguém mais o vê, simples.
O emblemático King Kong em versões ao longo da história
A força descomunal de “King Kong” serve também como uma bela metáfora. Tudo que a autoproclamada justa sociedade norte-americana desconhece ou não controla, classifica como fantástico e inimiga de seus valores morais. O cinema sci-fi, como o que Peele recursou em “Não! Não Olhe!”, é causa e consequência deste pensar ufanista e egoico, visto que se vale largamente do artifício do estranhamento a depender das ameaças vigentes à ideologia de sua época. E se esta ameaça vier do céu ou de outro planeta, fica ainda mais fácil justificar a segregação. Já serviram de símbolo para estes fenômenos alienígenas o comunismo (“Vampiros de Almas”, Don Siegel, 1956), a crise nuclear (“O Enigma de Andrômeda”, Robert Wise, 1871), as doenças venéreas (“Enraivecida”, David Cronenberg, 1977), a tecnologia (“O Exterminador do Futuro”, James Cameron, 1984), os vírus letais (“Eu Sou a Lenda”, Francis Lawrence, 2007) e até a emancipação feminina (“Invasores”, Oliver Hirschbiegel, 2015). Tudo o que não se detêm controle. Em “Não! Não Olhe!”, cujo discurso é fruto das motivações pós-George Floyd, o monstro, reelaborado e em certa medida mais palpável, é o próprio sistema: incontrolável, insaciável, intolerante e, por natureza, forjado sobre bases segregadoras.
Organismo que rejeita o feto, este estranhamento é gerado pelo próprio sistema. E vai além: esconde e determina que este não deva existir, que não deve ser visto. A dicotomia, portanto, instaura-se. Como um filho bastardo e imperfeito, o monstrengo descomunal e incontrolável existe, e por isso deve ser desconsiderado, pois só assim pode ser domado. Caso contrário, ele solapa, consome, elimina. Mastiga tudo que vê pela frente e ainda, faminto, exige mais. Por isso, o alerta: “não, não o olhe”. Se o fizer, as energias serão magicamente todas roubadas, pois o que não falta a este estranho sem forma é força e até razão. Irônica e metalinguística a cena em que o “cinema de arte” é sugado pelo alien na figura estereotipada do cineasta-autor: branco, excêntrico e idealista, mas frouxo.
Afora isso, o filme suscita a linguagem cinematográfica ao aludir à função psicológica do olhar. Novamente, todavia, de maneira original. No cinema de Peele, este paralelo também está diretamente ligado à abordagem do gênero de terror/fantasia, pois dela se depreendem proposições críticas potentes e coerentes com o discurso do cineasta. Ele usa a gramática do cinema para ressignificar a permanente indagação ética: “de onde vem o racismo?” Em “Corra!”, o mistério do aliciamento de jovens negros pela abastada família branca se desvenda quando vídeos gravados são vistos através do olhar das lentes. Em “Nós”, o enigma se esconde naquele apavorante reconhecimento visual à duplicidade dos corpos sem identidade ou moral. Já em “Não! Não Olhe!”, cujo mesmo recurso linguístico não apenas se repete como se torna o cerne, há uma sobreposição de olhares: o dos personagens, o do espectador, o da natureza, o social, o histórico e o identitário.
É claro que o título provocativo do filme de Peele tem como finalidade não a repelir mas, justamente, atrair o olhar a uma necessária tomada de consciência humanitária. Juntamente com os cineastas negros de sua geração, também autores de obras de vital relevância para a recente cinematografia dos Estados Unidos e para a discussão do problema urgente do racismo, o jovem realizador forja o que pode ser chamado de “cinema de conscientização”. Mais do que reagir como a blackexplotation, denunciar como a L.A. Rebellion ou levantar contradições como Spike Lee, esta geração avisa que veio para mudar. O que pode ser entendido como sinal dos tempos, também é prova de que há muito espaço jamais ocupado historicamente por estes em virtude da hegemonia branca. Porém, na era do Vidas Negras Importam, outro lema advindo da luta racial dos Estados Unidos pode ser parafraseado de forma a amalgamar estas dignas intenções: “sim, nós olhamos”.
Ótimo e necessário, principalmente para o atual momento do mundo. Essas são as principais qualidades que posso apontar dessa obra espetacular, mais um excelente filme de Spike Lee.
"Destacamento Blood", a história de quatro veteranos da Guerra do Vietnã: Paul (Delroy Lindo), Otis (Clarke Peters), Eddie (Norm Lewis) e Melvin (Isiah Whitlock, Jr.) que, acompanhados do filho de Paul (Jonathan Majors), retornam ao Vietnã em busca dos restos mortais do líder de seu esquadrão (Chadwick Boseman).
Embora magnifico, o filme de Lee não é perfeito. Seu segundo ato é bem arrastado, apresentando alguns dos personagens, se aprofundando no interior dos mesmos, e também na relação de amizade do grupo “Blood”, o que acontece também no primeiro e terceiro ato, mas de maneira dinâmica. A repetição de atritos do grupo acaba tornando o longa ele um pouco arrastado em sua metade e um tanto meio repetitivo. Um ponto interessante, que vi algumas pessoas reclamando, é que o longa era “muito político”. Bom, meu filho, ou você não conhece Spike Lee ou você está olhando filmes de guerra da maneira errada! Para não dizer que todos filmes de guerra são políticos, vou dizer que 99,9% deles são, até mesmo “O Rambo”, OK? Entendo que por carregar essa carga política e de crítica social, quem for assistir deve estar por dentro, minimamente, de como se dá a luta por igualdade racial nos EUA e sua política, caso contrário, o longa não vai dialogar com você.
Aproveitando que estamos aqui falando sobre esse tema, e nesse ponto, na questão da crítica à política e às questões sociais é que o filme ganha muita força e mostra sua verdadeira face, se posicionando pela luta das vidas pretas. Superando até mesmo as camadas de filme de guerra, de ser uma homenagem a grandes clássicos do cinema que falam sobre o tema, como "Apocalypse Now" (o longa tem uma cena belíssima referente a este filme) e também aqueles mais violentos de guerra como o já mencionado “Rambo”, pois quando “Destacamento Blood” vai para violência, é tão violento e impactante quanto os dessa característica; superando ate mesmo sua estética diferenciada, com mudanças de enquadramento, do estilo de fotografia, mudança de tela que mudando de 4:3, de 16:9 o widescreen, tudo servindo a favor da narrativa, tudo isso, mesmo incrvelmente genial, é superado pela forte crítica que o filme aborda.
Delroy Lindo, que presença!
Voltanda à camada do filme que fala de questões sócias, é lindo ver como ele apresenta as lutas dos movimentos negros e como elas se apresentam representadas em suas diversas formas de em cada personagem. Temos desde o mais revoltado, que sempre quer partir para o ataque; passando pelo sensato que tenta dialogar com todos para chegar em um acordo; ao mais jovem, que usa a educação como arma. O longa é sobre luta de pretos americanos, que estão sempre em luta, mas não é somente sobre essa luta. Como dito no filme “Quem vai para guerra, nunca volta dela”, e assim como soldados no Vietnã, estamos sempre em guerra, estamos lutando uma guerra cuja escolha de lutar não foi nossa mas que agora tornou-se o único meio de conseguirmos algo. Para conseguirmos, simplesmente um mínimo de respeito terá que ser através da luta e, não importa como fazer mas faz-se urgentemente necessário lutar. Como todos os membros do grupo dos “Bloods”, que mesmo com suas diferenças, conflitos, no final tem os mesmos objetivos, os movimentos negros também, tem vozes, discursos diferentes, mas no final todos marcham na mesma direção.
R.I.P. Chedwick Boseman, foi cedo demais.
No final das contas, esse longa é um grito por justiça, atenção, respeito, igualdade e é um grito com força e raiva. Tem um pouco de Malcolm X, Martin Luther King Jr., Muhammad Ali, George Floyd, Spike Lee e Chadwick Boseman, cujo personagem já tinha uma áura, um brilho, uma espiritualidade, uma presença de divindade, e que seu triste falecimento precoce só vai aumentar cada vez que você ver o filme outras vezes. Tem um meus candidatos ao Oscar de ator coadjuvante, Delroy Lindo, que além de uma atuação fortíssima e instensa, tem um monólogo maravilhoso, de arrepiar.
Como critica funciona, como obra cinematográfica funciona, como grito para luta e motivação, então... BORA LUTAR!!!
O ator Chiwetel Ejiofor em "12 Anos de Escravidão": essencial
A morte precoce do ator Chadwick Boseman deixou de luto seus fãs e cinéfilos do mundo inteiro. Sua partida marcou principalmente a comunidade negra, que tinha no artista afro-americano um símbolo de representatividade e de empoderamento em um mundo ainda pautado pelo racismo e pela discriminação. Ao encarnar o super-herói “Pantera Negra”, Boseman se transformou em uma referência. Mas, antes dele, muitos outros personagens negros do cinema também deram sua contribuição para essa história de reconhecimento e pertencimento. Por conta disso, fui convidado pela Cinemateca Paulo Amorim, da Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre, em nome de sua programadora, a jornalista Mônica Kanitz a destacar alguns destes filmes, que figuram neste vídeo especial produzido pela instituição. Confira o vídeo e a lista dos respectivos filmes aos quais selecionei.
Vídeo"Chadwick Boseman e Outros Protagonistas Negros no Cinema" Cinemateca Paulo Amorim
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1 -"Adivinhe Quem Vem para Jantar", de Stanley Kramer (1967)
Em São Francisco, Matt Drayton (Spencer Tracy) e Christina Drayton (Katharine Hepburn), um conceituado casal, se choca ao saber que Joey Drayton (Katharine Houghton), sua filha, está noiva de John Prentice (Sidney Poitier), um negro. A partir de então dão início à uma tentativa de encontrar algo desabonador no pretendente, mas só descobrem qualidades morais e profissionais acima da média. Primeiro filme a abordar o tema do racismo e dos conflitos nas relações socioraciais. Vencedor do Oscar de Melhor Atriz (Hepburn), Melhor Roteiro Original (William Rose) e Melhor Ator (Tracy).
2 -"Faça a Coisa Certa", de Spike Lee (1989)
Numa pizzaria no bairro do Brooklyn, NY, onde a maioria da população é negra, há uma parede com fotos de ídolos ítalo-americanos. Quando o ativista Buggin' Out (Giancarlo Esposito) pede ao dono do lugar que a parede tenha ídolos negros e ele nega, inicia-se um boicote ao lugar, o que desencadeia uma série de incidentes. Spike Lee surgia para o mundo com essa obra-prima marcante na história do cinema e da causa negra diretamente contundente contra o racismo. Indicado a dois Oscars, incluindo o de Melhor Roteiro Original.
3 - "12 Anos de Escravidão", de Steve McQueen (2013)
Adaptação da autobiografia homônima de 1853 de Solomon Northup, conta a história real de um negro livre nascido em Nova Iorque, que é sequestrado em Washington e vendido como escravo. Ele trabalhou em plantações no estado de Louisiana por 12 anos antes de sua libertação, passando por todo tipo de sofrimento, violência e desumanidade. Primeiro filme de um cineasta negro a ganhar o Oscar de Melhor Filme, além de ter conquistado também os de Melhor Atriz Coadjuvante (Lupita Nyong'o) e Melhor Roteiro Adaptado (John Ridley).
4 - "Madame Satã", de Karim Ainouz (2002)
O filme retrata a vida de uma referência na cultura marginal urbana do Rio de Janeiro, o célebre transformista João Francisco dos Santos. Malandro, artista, presidiário, pai adotivo de sete filhos, negro, pobre, homossexual, o artista, conhecido como "Madame Satã", se transformou num mito da vida boêmia carioca. Entre os vários prêmios, que recebeu, destacam-se o de Melhor Filme no Chicago International Film Festival, o Prêmio Especial do Júri para melhor primeiro trabalho (Ainouz) no Festival de Havana e os quatro que abocanhou no Grande Prêmio BR do Cinema Brasileiro, incluindo o de Melhor Ator para Lázaro Ramos.
5 -"Pantera Negra", de Ryan Coogler (2018)
Após a morte de seu pai, o Rei de Wakanda, T’Challa (Chadwick Boseman) volta para casa para a isolada e tecnologicamente avançada nação africana para a sucessão ao trono e para ocupar o seu lugar de direito como rei. Mas, com o reaparecimento de um velho e poderoso inimigo, o valor de T’Challa como rei – e como Pantera Negra – é testado quando ele é levado a um conflito formidável que coloca o destino de Wakanda, e do mundo todo em risco. Marco na história do cinema, "Pantera..." é o primeiro filme com um super-herói negro, o personagem criado nos anos 60 por Stan Lee, e também um símbolo necessário para uma época de empoderamento de homens e mulheres negras. Levou o Oscar de Melhor Trilha Sonora Original (Ludwig Göransson), Figurino (Ruth E. Carter) e Direção de Arte para Hannah Beachler, também a primeira negra a ganhar a estatueta nesta categoria.
Por mais reprimida que seja, toda desigualdade entre os homens será sempre um campo de conflito. O racismo é uma dessas instituições sociais cujo avanço da sociedade o faz ser cada vez mais discutido no caminho daquilo que se pretende: sua dissolução. Longe disso se está, infelizmente. A emergência atual do tema se dá não pela conscientização coletiva, mas pela via mais dolorida e revoltante. A morte do ex-segurança George Floyd, em Minneapolis, nos Estados Unidos, abriu novamente a cortina sobre a questão: a da confirmação de uma repetição de atrocidades enquanto não se enfrentar o monstro.
Aliados para isso há, e o cinema norte-americano – também resultante das mudanças sociais daquele país desde o movimento pelos Direitos Civis nos anos 60 e 70 – vem refletindo cada vez mais esse necessário espaço de conflito. Se hoje é possível ver a questão racial recorrentemente trazida para as telas, bem como profissionais negros mais atuantes atrás e à frente das câmeras, também é verdade que esse fenômeno acompanha a evolução da situação política nas duas últimas décadas. Desde que Doze anos de escravidão, de 2013, venceu o maior prêmio do Oscar, tal viragem em nome de um digno resgate e retratação histórica tem se mostrado recursiva e pulsante, com obras como "Moonlight" (2017), "Corra!" (2017), "Se a Rua Bale Falasse" (2018) e os recentes "Luta por Justiça" (2020) e "Destacamento Blood" (2020).
"O Nascimento..." de Griffith: serviço ao cinema e desserviço à sociedade
Não foi sempre assim, obviamente. Os caminhos para se chegar ao âmago das coisas são tão tortuosos quanto a construção social de toda a população segregada e desvalorizada pelo preconceito. Como revoltar-se contra o que é tácito e de consenso? A representação do negro na história da indústria norte-americana vai desde a culpabilização à inexpressão. Mesmo com todos os méritos cinematográficos inquestionáveis, o desserviço civil que "O Nascimento de uma Nação", de D. W. Griffith, prestou, no início do século XX, estendeu-se por décadas. Noutro extremo, se não culpado, o negro era representado pelo “excêntrico”, tanto o raro quanto o animalesco. Isso, quando não relegado à completa inexistência uma vez que esmagado pela branquização. Precisou quase meio século para que, nos anos 60, com Adivinhe quem vem para jantar (1967) e No calor da noite” (1968), a questão racial fosse tratada, finalmente, como um problema. Mas não bastou. Se a Blackexplotation dos anos 70 trouxe o orgulho do Black Power e o protagonismo negro para as telas, também o fez reativa e brutalmente. Ser um negro de sucesso significava (re)afirmar o estigma reducionista (e altamente racista) da capacidade instintiva e “desbranquiçada” da imposição física.
Eddie Murphy: um ídolo que não se leva a sério
Vieram os anos 80 que, embora começassem a venerar figuras como Eddie Murphy, essencial na iconografia negra, também, por contexto histórico-social, este simbolizava a imagem do negro “esperto” e “cômico”, seja o policial atilado Axl Foley de "Um Tira da Pesada" ou o vagabundo sortudo de "Trocando as Bolas". Traduzindo, o negro não precisa ser temido pela violência: ele pode encarnar o malandro para fazer rir. Os tempos andaram ainda mais um pouco e a questão continuava a ser desviada. Enquanto os avanços sociais e políticos pressionavam, o sistema respondia: “se acharam ofensivo serem agressivos ou piadistas, que tal, então, inteligentes?” O assaltante e gênio em computação de Clarence Gilyard Jr.em "Duro de Matar" (1988) não deixa mentir. Enfim, concedia-se aos negros mais esta branquificação: a da inteligência. Claro, novamente como “escada” e jamais protagonista em sua própria natureza.
Como se vê, a sina do estereótipo não é brincadeira e nem descuido. E a sociedade entendeu isso. Tamanha força opressiva, que carrega consigo séculos de escravidão e descaso de uma supremacia, precisava ser enfrentada com munição tão poderosa quanto. É quando, nos anos 80, surge Spike Lee. Se em um de seus primeiros trabalhos o jovem cineasta ia em cheio à raiz da questão ao criticar "O Nascimento de uma Nação" ("The Answer", de 1980), é em 1989 que seu "Faça a Coisa Certa", um marco da discussão aberta do racismo no cinema, traz de vez o olhar balizado tanto do opressor quanto, principalmente, do oprimido. Algo que se é capaz de fazer, quase que inequivocamente, somente quando se está na segunda posição. Seu cinema abertamente engajado à causa negra pode ser criticado pela apropriação artística para fins ideológicos. No entanto, é evidente que lhe é mais do que justificável a escolha e que esta faz muito sentido quando se olha para trás e se vê o rastro de desigualdade, desrespeito e desumanização deixado pelo preconceito racial.
O genial Spike Lee em seu "Faça a Coisa Certa", que ia à coisa certa há 31 anos atrás
O atual momento da representatividade do negro na indústria do cinema também tem outro elemento propulsor, que se chama Donald Trump. A esperança igualitária de Barack Obama, em certa medida, esgotou-se no Nobel da Paz ganho pela simbologia de um homem negro no mais alto cargo mundial. Deveria, mas não foi suficiente. As questões raciais estruturais, nos oito anos de seu mandato, permaneceram pouco tocadas, e tiveram que aumentar o volume quando da reassunção do conservadorismo abertamente racista de Trump. A intensa reação à morte de George Floyd, histórica e antropologicamente, passa por estes processos.
Por sorte, o caminho foi aberto por Spike Lee há pouco mais de 30 anos. Ava DuVernay, Barry Jenkins, Jordan Peele, Ryan Coogler, Steve McQueen, Kasi Lemmons e tantos outros cineastas negros que hoje, nutridos de consciência histórica e atribuição simbólica, fazem com que seja possível enxergar o negro não apenas pela lente distorcida do estereótipo, mas, principalmente, como agentes ativos deste espaço de conflito ideológico e sujeitos críticos da maior degradação moral que o ser humano pode conceber: o racismo. Não somente porque o cinema norte-americano é indústria cultural, mas porque, sendo isso, tem o poder de chegar a todos tanto com a negação quanto com o sim. E agora, não tem volta: é hora de toda essa nação acordar para renascer.
Peter Farrely, diretor de "Green Book", comemorando a vitória
na categoria de melhor filme.
A cerimônia do Oscar, esse ano, veio sem um mestre de cerimônias fixo, o que deu uma certa agilidade à festa. Atores, atrizes, diretores e personalidades se revezavam na condição de apresentadores dosando bem descontração, humor, reverência e emoção. E a coisa toda já começou em grande estilo com o Queen abrindo os trabalhos, acompanhado pelo vocalista Adam Lambert, mandando ver com dois clássicos da banda inglesa. A partir daí foi dada a largada para a entrega das estatuetas e embora "Green Book" tenha abocanhado o prêmio principal, as premiações ficaram bem distribuídas. "Bohemian Rhapsody" teve o maior número e ficou com quatro estatuetas, incluindo melhor ator, consagrando a atuação marcante de Rami Malek"; Pantera Negra" fazendo história entre filmes de super-heróis, ficou com três; "A favorita" levou o seu; "Infiltrado na Klan" também; "Roma", um dos favoritos, mesmo não tenha garantido o de melhor filme no geral, teve reconhecida toda sua inegável qualidade com os prêmios de melhor filme estrangeiro, direção e fotografia; além do próprio "Green Book", que somados ao grande prêmio da noite, levou mais dois, os de roteiro original e de ator coadjuvante.
O esfuziante Spike Lee
comemorando com o amigo
Samule L. Jackson.
Alguns dos pontos altos foram, além da já mencionada performance do Queen, foram a entrega do prêmio de canção original para Lady Gaga, por "Nasce uma estrela"; a surpresa e o bom humor de Olivia Colman ao receber o prêmio de melhor atriz; e a entrega do prêmio de roteiro adaptado para um emocionado e elétrico Spike Lee que aproveitou para lembrar a todos da dura trajetória de um negro até alcançar o lugar onde ele conseguia chegar naquele momento.
Uma cerimônia mais direta, mais enxuta e divertida, sim, mesmo sem tantas gracinhas dos cicerones habitualmente convidados. No que diz respeito aos prêmios, a Academia tratou de fazer todo mundo voltar feliz pra casa: cada um dos favoritos levou o seu e, nas categorias principais tratou de ser bem política, dando o melhor filme para "Green Book" e o de direção para Alfonso Cuarón uma vez que seu "Roma" já tinha o reconhecimento de melhor filme pelo prêmio entre os estrangeiros. A propósito, volta chamar atenção esta, praticamente, hegemonia mexicana no Oscar que faz com que nos últimos anos, sempre que indicados na categoria de direção, os profissionais daquele país tenham vencido.
Além de mais uma festa mexicana, a cerimônia da noite passada foi uma celebração do cinema e do talento negro com diversos prêmios e reconhecimento, mas também uma oportunidade para reflexões e discussão sobre o racismo e a condição dos afro-descendentes, não somente na sociedade americana, como em todo o mundo. A vitória de "Green Book" e sua temática, os três de "Pantera Negra", com seu empoderamento e com sua equipe técnica predominantemente negra recebendo orgulhosa cada troféu; a segunda estatueta de Mahershala Ali, o tardio prêmio de Spike Lee, o Oscar de coadjuvante para a emocionada Regina King que, como ela mesma disse, se estende a mulheres guerreiras e inspiradoras como sua mãe, não foram triunfos apenas da comunidade negra e, sim, mais uma vitória da sociedade. É um pequeno passo, sei, mas de pouquinho em pouquinho talvez um dia cheguemos lá. Lá? A um mundo melhor, quem sabe.
Fique, abaixo, com todos os vencedores da noite do cinema de Hollywood:
Melhor atriz coadjuvante: Regina King ("Se a Rua Beale falasse")
Melhor documentário: "Free Solo"
Melhor maquiagem e pentados: "Vice"
Melhor figurino:"Pantera Negra"
Melhor direção de arte: "Pantera Negra"
Melhor fotografia: "Roma"
Melhor edição de som: "Bohemian Rhapsody"
Melhor mixagem de som: "Bohemian Rhapsody"
Melhor filme estrangeiro: "Roma"
Melhor edição: "Bohemian Rhapsody"
Melhor ator coadjuvante: Mahershala Ali
Melhor animação: "Homem-Aranha no Aranhaverso"
Melhor curta-metragem de animação: "Bao"
Melhor documentário curta-metragem: "Absorvendo o tabu"
Melhores efeitos visuais: "O primeiro homem"
Melhor curta-metragem: "Skin"
Melhor roteiro original: "Green Book - O guia"
Melhor roteiro adaptado: "Infiltrado na Klan"
Melhor trilha sonora original: "Pantera Negra"
Melhor canção original: "Shallow", "Nasce uma estrela"
Até os momentos finais do filme, meu texto teria um tom mais alegre. Reflexivo, sim, mas ainda assim positivo. Mas meus amigos, acho que minhas esperanças estão indo embora. Mas, a propósito,... que baita filme!
Em 1978, Ron Stallworth, um policial negro do Colorado, conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan local. Ele se comunicava com os outros membros do grupo através de telefonemas e cartas e, quando precisava estar fisicamente presente, enviava um outro policial branco no seu lugar. Depois de meses de investigação, Ron se tornou o líder da seita, sendo responsável por sabotar uma série de linchamentos e outros crimes de ódio orquestrados pelos racistas. “Infiltrado na Klan” algumas vezes acaba pendendo para um lado cômico demais ao retratar alguns personagens, até aliviando um pouco o peso de suas atitudes erradas, fazendo até parecer que não seriam pessoas tão más (E SIM, SÃO, SIM) e, sim, apenas idiotas (SIM. SÃO ISSO TAMBÉM). Mas com uma direção segura, mesmo nesses momentos onde o humor parece exagerado percebemos que Spike Lee o está fazendo propositadamente para que o impacto no final seja ainda maior. Lee não perde a oportunidade de fazer um discurso forte, político e de posicionamento bem claro. Se é isso que espectador espera dele num filme como esse, é exatamente isso que ganha.
As impactantes e divertidas ligações de Ron para a KKK.
Adam Driver, que faz Flip Zimmerman, é o personagem que mais evolui ao longo da trama, o que mais sofre mudanças, mudando sua percepção de si mesmo e do mundo à sua volta, destacando-se bastante exatamente por conseguir transmitir isso de manira bastante convincente. John David Washington, como Ron Stallworth, é outro que está superbem. Sua veia cômica e incrível mas se sai muito bem, igualmente, nas cenas mais sérias e tensas mantendo um bom equilíbrio.
Ainda que a evolução do personagem Flip chamem atenção e suas cenas infiltrado serem bem tensas, como a da reunião da KKK, por exemplo, gosto bastante também das cenas em que fica evidente o desconforto interno que o personagem passa por estar naquele ambiente e ainda assim ter que manter a tranquilidade. Porém é obvio que as cenas fortes são as mais impactantes. Temos o segundo discurso para universitários negros relatando um caso de violência, com fotos e fazendo referência ao filme “Nascimento de uma Nação”(1915), e, especialmente, os 5 minutos finais do longa que, meu amigo e minha amiga, são de chorar. Prepare seu psicológico senão você vai desabar.
Um filme que cumpre todos os objetivos: é muito bem, diverte, e nos faz refletir. Não tenho intenção de influenciar as pessoas positivas mas, após assistir ao filme e chegar ao seu final, eu fiquei pessimista quanto ao nosso futuro próximo. Espero estar errado. Spike Lee mostra mais uma vez que é genial. Atira para todos os lados e acerta em todos.
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Merece mas não leva porDaniel Rodrigues
Patrice Dumas (Laura) e Ron Stallworth (Washington):
par no romance e no ativismo
Não é tarefa fácil contar uma história passada há mais de 40
anos e atá-la com a realidade atual com incisão. Ainda mais quando o enredo
toca em questões delicadas e polêmicas, como racismo e os direitos civis. Pois
o experiente Spike Lee conseguiu esse feito com “Infiltrados na Klan” (2018),
seu novo filme, pelo qual recebeu, com décadas de atraso, a primeira indicação
ao Oscar de Melhor Diretor. No centro da trama: a ação nazifascista da Ku Klux
Klan em meados dos anos 70. Com isso em mãos, o cineasta (que assina ainda o
Roteiro Adaptado, pelo qual também é indicado, igualmente em Filme) expõe o quanto não se evoluiu o
suficiente neste aspecto na sociedade norte-americana – ou o quanto se
retrocedeu. O resultado é um dos melhores filmes da extensa e referencial
filmografia do autor de “Faça a Coisa Certa” e “Febre da Selva”, aliando entretenimento, cinema de arte e registro documental.
Em 1978, Ron Stallworth (John David Washington), um policial
negro do Colorado, consegue, incrivelmente, se infiltrar na Ku Klux Klan local.
Ele se comunica com os outros membros do grupo através de telefonemas e cartas,
mas quando precisa estar fisicamente presente, envia outro policial branco no
seu lugar, o colega Flip Zimmerman (Adam Driver, concorrente ao Oscar de Ator Coadjuvante).
Depois de meses de investigação, Ron se torna, ainda mais absurdamente, o líder
da seita, sendo responsável por, às escondidas, sabotar uma série de
linchamentos e outros crimes de ódio orquestrados pelos racistas. As coisas se
complicam, contudo, quando ele se envolve com a ativista Patrice Dumas (Laura
Harrier), alvo do grupo extremista por sua atividade militante.
Spike Lee, como ocorre com todo negro que consegue se
destacar nos Estados Unidos, é produto da dor. Angela Davis, Martin Luther King, Louis Armstrong, Muhammad Ali e Jean-Michel Basquiat são exemplos de
afrodescendentes que, com talento e, principalmente, perseverança, não apenas
passaram por cima das dificuldades impostas em uma nação institucionalmente
racista para trazerem a público suas contribuições como têm, justamente, o
objeto de suas ações focado nesta causa. Lee, desde o curta “The Answer”, de
1980, é afetado pelo totalmente justificável sentimentos de reação. Crítico da
sociedade em que vive, ele trilhou muitas vezes pelo caminho do combate ao
racismo e ao direito à cidadania das “minorias” em suas obras, tornando-se um
ícone ativista. Em “Infiltrados...”, não é diferente, mas o recado político é
dado de forma mais inteira.
O tempo parece ter ajudado a melhorar o discurso de Lee e
lhe trazido, aos 61 anos de vida e mais de 40 atrás das câmeras, maior
maturidade. “Infiltrados...” é uma prova disso. Unindo os elementos
característicos de seu estilo – cenas de ação, humor ácido, romance, resgate
histórico e, claro, crítica social – o filme tem provavelmente sua mais bem
conduzida direção, acertando em ritmo, contrastes narrativos, estética e no
próprio discurso. Divertido e empolgante, concilia a representação ficcional e
os elementos documentais por meio da edição de Barry Alexander Brown, outro
concorrente ao Oscar nessa categoria. O filme dá, assim, um claro recado ao
expectador de que o cinema pode ser tanto entretenimento quanto campo de
discussão, pois a realidade é, acima de tudo, muito mais brutal e impiedosa.
Isso tudo, aliado a diálogos impagáveis (como as ligações de Ron para o líder
da KKK, Michael Buscemi), direção de arte competente (Marci Mudd), que faz boas
referências à Blackexplotation, e, igualmente, a trilha sonora (também indicada
a Oscar). “Infiltrados...”, assim, guarda a contundência peculiar de Lee, porém
com um controle absoluto do tom narrativo que os anos lhe trouxeram.
Lee no set com o ator Adam Driver,
que como ele, também concorre ao Oscar
Com um delay de 30 anos, entretanto, veio a Lee a indicação
ao Oscar de Melhor Direção. E o pior: ele não deve ganhar. Mesmo com as recentes
presenças de outros cineastas negros nesta categoria, como Jordan Peele, Steve
McQueen e Barry Jenkins (estes dois últimos, vencedores pelos filmes que
realizaram, “12 Anos de Escravidão” e “Moonlight”, respectivamente, mas não pela
direção), a falta do nome de Lee em outras edições vem se somar às igualmente
injustificáveis ausências de Don Cheadle por seu “Miles Ahead” ou de Antoine
Fuqua por “Sete Homens e um Destino”, ambos em 2016. A explicação para isso é
bem menos devido à proporcionalidade de profissionais negros aptos, em menor
quantidade em comparação a cineastas de origem “não-africana” por motivos
histórico-sociais evidentes, e mais pela relutância de se enfrentar questões
espinhosas e maculáveis à imagem da democrática “América”. Afinal, quando se
fala de Spike Lee, essa premissa é totalmente refutável, uma vez que ele, um
dos mais talentosos cineastas de sua geração, é merecedor já de muito tempo.
“Faça...”, de 1989, um dos melhores filmes da história da cinematografia
norte-americana, e “Malcom X”, de 1992, outra realização impecável, são pelo
menos dois exemplos.
Em épocas de governo Trump e da ascensão da extrema-direita
em vários países – entre eles, o Brasil –, “Infiltrados...” é, assim, não
apenas essencial como necessário. As cenas finais mostrando as imagens reais
das passeatas neonazistas ocorridas recentemente em Charlottesville, na Virgínia, denotam a
urgência da obra. Porém, por melhor resultado que tenha obtido, Spike Lee
provavelmente não vencerá o Oscar ao qual concorre. A Academia, embora a visível
tentativa de maior arejamento nas duas últimas décadas, geralmente, quase que
por convenção, premia o diretor da produção que não leva o principal Oscar da
noite, o de Melhor Filme, numa estratégia de equilibro entre aqueles que,
geralmente, são os favoritos. Ou seja: pelas estimativas, este ano a coisa deve
ficar entre “A Favorita” (Yorgos Lanthimos) e “Roma” (Alfonso Cuarón), no
máximo “Vice” (Adam McKay).
A questão é que Spike Lee, o ativista e o artista,
representa justamente a injustificável venda nos olhos da Academia para com a
sua obra e, logicamente, para a questão do racismo e das injustiças sociais. Um
reflexo da sociedade norte-americana em formato de estatueta dourada. Em quase
40 anos de realizações, é sabido por que Lee nunca havia sido indicado: sua cor
e seu discurso, seu discurso e sua cor. Como ocorreu, por outros motivos, com
os Oscar para Scorsese, Chaplin e Hitchcock, a Academia relutou, relutou, mas
uma hora teve que dar o braço a torcer – ainda que quase tarde demais em alguns
casos. Por esta lógica, o desafio de Lee se faz imenso e ainda instransponível,
o que, em compensação, talvez só aumente a façanha de “Infiltrados...”.
E saiu a lista dos indicados ao Oscar 2019! "A Favorita", filme de época do diretor Yorgos Lanthimos, e "Roma", do já oscarizado de Alfonso Cuarón, que concorre não somente a melhor filme como a melhor película estrangeira, são os líderes em indicações, mas "Nasce Uma Estrela" com a estrelíssima Lady Gaga, vem logo em seguida com oito e com boas chances. "Pantera Negra", de certa forma, surpreende com sete nominações, tornando-se o filme de super-heróis com maior reconhecimento neste sentido pela Academia, e o badalado “Bohemian Rhapsody”, biografia de Freddie Mercury, garantiu cinco indicações, incluindo, é claro, a de melhor ator com a ótima atuação de Rami Malek que, por sinal não terá vida fácil, especialmente contra Christian Bale, por seu papel em "Vice", e Willem Defoe, por "No Portal da Eternidade". Me surpreende um pouco a escassês de indicações para "O Retorno de Mary Poppins", que achei que fosse passar o rodo nos itens técnicos e, não tão surpreendente assim, uma vez que as qualidades de "Infiltrado na Klan" vem sendo exaltadas constantemente, mas louvável é a ascensão de Spike Lee ao time dos grandes com sua primeira indicação a melhor diretor.
Depois dessa breve passada, vamos ao que interessa. Conheça os indicados ao Oscar em 2019:
Melhor Filme
Pantera Negra Infiltrado na Klan Bohemian Rhapsody A Favorita Green Book: O Guia Roma Nasce Uma Estrela Vice
Melhor Atriz
Yalitza Aparicio (Roma) Glenn Close (A Esposa) Olivia Colman (A Favorita) Lady Gaga (Nasce Uma Estrela) Melissa McCarthy (Poderia Me Perdoar?)
Melhor Ator
Christian Bale (Vice) Bradley Cooper (Nasce Uma Estrela) Willem Dafoe (No Portal da Eternidade) Rami Malek (Bohemian Rhapsody) Viggo Mortensen (Green Book: O Guia)
Melhor Atriz Coadjuvante
Amy Adams (Vice) Marina De Tavira (Roma) Regina King (Se a Rua Beale Falasse) Emma Stone (A Favorita) Rachel Weisz (A Favorita)
Melhor Ator Coadjuvante
Mahershala Ali (Green Book) Adam Driver (Infiltrado na Klan) Sam Elliott (Nasce uma Estrela) Richard E. Grant (Poderia Me Perdoar?) Sam Rockwell (Vice)
Melhor Direção
Spike Lee Pawel Pawlikowski Yorgos Lanthimos Alfonso Cuarón Adam McKay
Melhor Roteiro Original
The Favourite First Reformed Green Book: O Guia Roma Vice
Melhor Roteiro Adaptado
The Ballad of Buster Scruggs BlacKkKlansman Can You Ever Forgive Me? If Beale Street Could Talk A Star is Born
Melhor Figurino
The Ballad of Buster Scruggs Pantera Negra A Favorita O Retorno de Mary Poppins Duas Rainhas
Melhor Cabelo
Border Mary Queen of Scots Vice
Melhor Direção de Arte/Design de Produção
Black Panther The Favourite First Man Mary Poppins Returns Roma
Melhor Trilha Sonora
Pantera Negra Infiltrado na Klan Se a Rua Beale Falasse Ilha de Cachorros O Retorno de Mary Poppins
Melhor Canção Original
All the Stars – Black Panther I’ll Fight – RBG The Place Where Lost Things Go – Mary Poppins Returns Shallow – A Star is Born When A Cowboy Trades His Spurs For Wings – Ballad of Buster Scruggs
Melhor Fotografia
Cold War The Favourite Never Look Away Roma A Star is Born
Melhor Edição
Infiltrado na Klan Bohemian Rhapsody A Favorita Green Book: O Guia Vice
Melhor Edição de Som
Pantera Negra Bohemian Rhapsody O Primeiro Homem Um Lugar Silencioso Roma
Melhor Mixagem de Som
Pantera Negra Bohemian Rhapsody O Primeiro Homem Roma Nasce Uma Estrela
Melhores Efeitos Visuais
Avengers: Infinity War Christopher Robin First Man Ready Player One Solo: A Star Wars Story
Melhor Documentário
Free Solo Hale County This Morning, This Evening Minding the Gap Of Fathers and Sons RBG
Melhor Animação
Os Incríveis 2 Ilha de Cachorros Mirai Wifi Ralph Homem-Aranha no Aranhaverso
Melhor Filme Estrangeiro
Capernaum Cold War Never Look Away Roma Shoplifters
Melhor Curta Metragem – Animação
Animal Behavior Bao Late Afternoon One Small Step Weekends
Melhor Curta Metragem – Documentário
Black Sheep End Game Lifeboat A Night at the Garden Period. End of Sentence.