Você, que é do time que não bloqueia a vida de ninguém, vai se identificar com o MDC de hoje. Retendo só o que há de bom, o programa vai ter gente como Elvis Presley, Gal Costa, U2, Suicide, Maria Rita e Ahmad Jamal, entre outros. Tem também um "Cabeção" pelos 140 anos de nascimento do compositor húngaro Bela Bártok e mais "Música de Fato" e "Palavra, Lê", claro. Encalhamos nosso cargueiro hoje, às 21h, no canal liberado Rádio Elétrica. Produção, apresentação e manobras (sonoras): Daniel Rodrigues.
Tá sempre morrendo gente pública por aí, sei. Mas nem sempre
tenho o que lamentar. Morre gente conhecida toda semana, o que não quer dizer,
necessariamente, que embora conhecidas de um relativo número de pessoas (às
vezes, milhares delas), sejam de fato importantes. Essa dialética é típica
desses tempos descriterizados e esquizofrênicos que vivemos. Lágrimas demais ou
de menos sem se saber o porquê. Mas não deixa de ser, no mínimo, questionável,
ainda mais quando, em menos de uma semana, morrem duas pessoas de extrema
importância e ocupantes cada um de uma dessas esferas: o quase ignoto e o
altamente popular. O quase ignoto por conta do mesmo descritério e
esquizofrenia que empurra as massas a rechaçarem qualquer profundidade; o outro,
altamente popular e cuja comoção pela morte foi gigantesca, é às vezes reduzido
a um percentual mínimo daquilo que ele mesmo representa.
De minha parte como jornalista, crítico e diletante, lamento
de verdade ambas as perdas. Falo de Pierre Boulez e David Bowie.
O rocker de batuta
Boulez, o compositor, maestro, professor e ensaísta francês,
desconhecido totalmente de um relativo número de pessoas, era o último
representante dos compositores da vanguarda erudita da primeira metade do
século XX. Junto com os contemporâneos John Cage, Kerlheinz Stockhausen, Luciano Berio, Edgard Varèse, Benjamim Britten e Luigi Nono, ele, seguindo a sina
aberta pela tríade de Viena nos anos 10 (Schöenberg, Berg e Webern), pôs de
ponta-cabeça toda a tradição musical, subvertendo todos os conceitos: tom,
harmonia, métrica, instrumentalização, timbrística. Raivoso e aferrado, Boulez
foi um roqueiro punk com 40 anos de antecedência ao movimento. De modos
elegantes e clássicos, por dentro era um punk total, combativo até no seu meio.
A mesma agressividade expressiva, a violência como método e estilo. À
imbecilidade ele respondia com doses desmedidas de cerebralismo. Era sua adaga
perfurante. “Acredito que a música deve
ser uma histeria coletiva de palavras violentas sobre o tempo presente”,
disse em 1948.
Anos atrás, quando de seu aniversário de 80 anos (morreu dia
5 de janeiro, aos 90), li um artigo que, pertinente e conscientemente, colocava
“Pli selon Pli”, uma de suas mais concisas e importantes obras, ao lado de
outras duas significativas revoluções na música do século XX: o nascimento da
bossa-nova com “Chega de Saudade”, com João Gilberto (1958), e a não menos
vanguardista “Gesang der Junglinge” (1956), obra referencial do alemão Stockhausen.
Dessa vez, Boulez foi notícia novamente, mas muita gente que
passou por esta não deu bola, o que é normal. Um compositor e maestro ligado a
antipopulares termos como dodecafonia, atonalismo, eletroacústica, serialismo
ou música aleatória só pode mesmo não ser popular. Ser desconhecido de um
grande número de pessoas era, certamente, um elogio para Boulez. O
desconhecido, afinal, nunca o assustou. Pelo contrário: era-lhe combustível. De
língua afiada e criatividade idem, o jovem que estudara com Messiaen, logo o mandou
às favas e o confrontou ideologicamente. Fez o mesmo com outro professor, Leibowitz,
sem resquício de culpa. Jamais lhe existiam mestres. Não são poucos seus
manifestos ferinos e altamente intelectualizados escritos ao longo da vida onde
expunha suas ideias, o que o colocaram como um importante ensaísta da arte do
seu tempo.
Boulez é responsável, na longa carreira que teve, por
promover pelo menos três revoluções na música mundial. Afora as marcantes obras da juventude, as
cantatas "Le visage nuptial" (revista por ele quase quatro décadas
depois), "Le soleil des eaux", onde explorava os ensinamentos do
dodecafonismo aprendidos com Messiaen, e da primeira obra totalmente
serializada, “Polyphonie X”, para 18 instrumentos, é entre 1953 e 1957 que
lança a que é considerada sua primeira obra-prima: “Le marteau sans maître”
para conjunto e voz, de relativo sucesso e uma síntese surpreendente das várias
correntes na música moderna, englobando os mundos sonoros do jazz be-bop, o gamelão
balinês, músicas tradicionais africanas e melodias tradicionais japonesas. Até
o por ele satanizado Igor Stravinsky deixou de fora as críticas que recebia e
aplaudiu de pé.
Outra radical criação: a já mencionada “Pli selon Pli”, cuja
“original” data do final dos anos 50. Trata-se de um concerto inspirado em
poemas do poeta francês Mallarmé onde passa a explorar com veemência a ideia de
“obra em movimento”. Revisto em sua estrutura e métodos nas décadas seguintes,
foi ganhando novas versões à medida que o irrequieto compositor reavaliava sua
linguagem, fazendo com que, por conceito, sua concepção final estivesse sempre
por vir. Tal como o já mencionado João Gilberto, que reelabora incessantemente
os clássicos sambas da música brasileira em seu filarmônico violão, cunhando ao
longo do tempo sempre versões únicas da mesma melodia, “Pli selon Pli” “nunca”
acaba. Entendimento que só poderia brotar de alguém que representou tão
firmemente a geração pós-Guerra, cujas marcas ainda são sentidas mais de 100
anos de eclodida a primeira delas.
Na maturidade, quando poucos compositores eruditos de sua
geração não mais se arriscavam depois de tanto inovarem nas décadas anteriores,
Boulez manteve-se na ponta da vanguarda, propondo novas experimentações. Se a
música eletrônica o havia decepcionado nos anos 50 por sentir-se insatisfeito
com o resultado das fitas magnéticas e seu processo “inorgânico” de realização,
nos 70 volta à carga para dar-lhe nova identidade. Os meticulosos resultados
dessa “velha descoberta” seriam sentidos em 1980, quando compõe “Répons” (para
dois pianos, harpa, vibrafone, sinos, címbalo, orquestra e eletrônica). Ali, dá
luz a uma obra em que a ressonância e a espacialização dos sons criados pelo
conjunto se processam todos em tempo real, inclusive os elementos eletrônicos,
normalmente criada penosamente em situações controladas. Nova síntese, nova
profusão de ideias.
O fato é que, como um punk, amoral e dono da sua razão,
Boulez jogou-se no labirinto do desconhecido e dali tirou o magma que brotaria
dos vulcões de sua criatividade pronto para queimar todas as concepções
preestabelecidas. Da tensão secular, criou uma linguagem densa e lírica. Sua
partida deixa uma lacuna insubstituível. Um pilar que cede. O planeta Terra não
tem mais nenhum representante da original vanguarda do século XX, a geração
pós-Wagner, que passa por Strauss, Mahler e Debussy. A geração que aprendeu com
– ou aprendeu a contrariar – Stravinsky, Eric Satie, Bela Bártok e Maurice Ravel.
O longevo Boulez ainda resistia, e agora leva consigo uma herança que, a ver
por esses tempos de descritério e esquizofrenia (e desmemoriados,
consequentemente), um dia possa se apagar da memória do homem. Quiçá, cheguemos
ao triste dia em que serão desmentidas oficialmente as barbaridades do Holocausto
que Boulez presenciou e da sua forma combateu. Quem sabe, foi bom mesmo ele não
viver tanto mais para ter de presenciar isso.
vídeo"Pli Selon Pli",Pierre Boulez
A batuta do rocker
Assim como para Pierre Boulez, o desconhecido também sempre
foi combustível a David Bowie. Se o maestro buscava esse estado
incessantemente, de modo a não repetir-se e recriar sua obra ao longo dos
tempos, Bowie, no meio domainstream, não só fazia isso como
transformava essa busca em produto “vendável”. Ninguém como ele se valeu do
universo de referências estilísticas da sociedade moderna e os reelaborou como
Bowie, forjando um trabalho próximo do público mas sem deixar de infundir-lhe
“dificultações”. Boulez, inventor de muitas dessas complexidades formais quase
sempre desconhecidas do grande público, até por isso era quase um completo
desconhecido do próprio. Bowie, na outra ponta, era popular mas impunha-se uma
tarefa provocativa e rara: a de propor essas “dificultações desconhecidas” e
torná-las, se não conhecidas, pop e assimiláveis.
Poderia falar longamente sobre vários dos períodos que Bowie
orquestrou. De Ziggy Stardust ao vilão mutante Nathan Adler de “Outside”,
passando pelo “Pin Up” à fase “limpa” de artifícios de Berlim. Mas em meio à
enxurrada de coisas a seu respeito escritas e ditas nos últimos dias creio que
o melhor recorte para esse momento é essa contribuição da desacomodação que o
artista britânico sempre trouxera. “Sou
uma prateleira de frascos vazios”, disse o poeta Fernando Pessoa em seu
“Livro do Desassossego”. Bowie foi esse frasco vazio, onde fazia caberem todas
as possíveis referências e mitos.
Escrevi sobre Bowie em meu livro, "Anarquia na Passarela",
algo que se baseia bastante na questão da moda e comportamento dos punks, mas
que vale tranquilamente para tal argumentação. Reproduzo dois:
“Vindo da cultura mod
londrina dos anos 60, logo foi formando um estilo próprio de dândi
ultrasofisticado e exagerado que desembocaria no seu ‘cameleônico’ individualismo
cênico. Bowie era uma estrela do rock que nunca é ele próprio como pessoa: ele
‘interpreta’ papéis num enorme ‘palco’ chamado show-business. Por causa deste distanciamento bretchniano que tem da cultura de massa logrou
influências vitais à cena [punk].”
“Tudo em Bowie era
estilo, o que se percebia na sua indumentária ultradandi, barroca e ‘camp’. Seu passado mod, os anos 50, o cinema expressionista, a Berlim ‘decadente’ e
suburbana, os anos pré-nazismo, o dandismo de Brummell, a androginia, a estética
dos cabarés. Tudo lhe era alimento para a formação de um estilo pessimistamente
decadente, cerebral e imaginário. Criava uma mitologia na qual nada era em vão;
em cada ‘máscara’ sua vinha um efeito estético e fantasioso.“
Por tudo isso, Bowie mostrou facilmente que fazer música pop
simplesmente é simplório e vago. Há de se adicionar personalidade e conceito
para que se produza algo significativo. Bowie entendeu isso cedo, catalisando
música, estilo, comportamento e equilibrando “alta” e “baixa” cultura – ou
melhor, quebrando as barreiras entre uma e outra. Entendeu que a vanguarda das
artes não existe apenas para impor a “alta cultura” de modo estanque e
autobajulador. É, sim, célula orgânica, viva, que, compreendida em seus
símbolos e elementos, podem e devem ser assimiladas, reelaboradas e deglutidas em
outros e diferentes níveis de cultura e conhecimento.
A carreira de Bowie, muito mais profunda do que apenas os
(ótimos) sucessos, é sabiamente contaminada pela vanguarda. "V-2
Schneider" contém claros traços de Boulez, Stockhausen e Varèse; o solo
atonal de piano de "Aladdin Sane" contém Cage e Ligeti; a trilogia berlinense (inclua-se "The Idiot", de Iggy Pop, da mesma leva), contém em sua sonoridade
pós-industrial os experimentos eletroacústicos fruto de ceticismo racional do
pós-Guerra; o recente “Blackstar” contém a sonoridade pós-jazz assimilada tanto
por maestros quanto músicos sem formação teórica como DJ’s, roqueiros e rappers. "Low" e “Heroes”, com Brian Eno, são tão estruturalmente minimalistas que o próprio “pai” do estilo, Philip Glass, homenageou a Bowie e Eno com o duo “Symphony” sobre ambos os álbuns. O
jornalista e crítico musical norte-americano Alex Ross, para quem Bowie foi um
roqueiro refinado, observa que, “em
meados dos anos 70, Bowie abandonou a forma ternária da estrutura pop em favor
de formas semiminimalistas, caracterizadas por ataques secos e pulsações
rápidas”.
É por isso que se torna tão penosa e simbólica a perda de
Bowie: quem mais fará isso? É alarmante, se não desolador, que este papel nunca
mais seja cumprido. Quem assumirá (compreenderá ou dará a devida importância) ao
papel de unir e mimetizar essa ponte vanguarda-pop? Numa época em que streamings e mp3 circulam
descontextualizados de suas obras de origem (quando esta, de fato, existe, se é
que já não fora criada sem contexto algum), é salutar que um artista de quase
70 anos e 50 de carreira assombre o universo do entretenimento com o lançamento
de um disco, uma obra que se constitui em si própria. Uma obra.
Walter Benjamin provavelmente ficaria instigado com esse episódio
emblemático da morte de Bowie, e mais possivelmente ainda o ligaria com a já historicamente
simultânea perda do pilar oposto a ele, a de Pierre Boulez. A vanguarda e o pop
perderam seus calços, deixando um questionamento de dupla interpretação: a obra-de-arte
na música morreu também junto com os dois? Findaram-se duas eras basais para a
história da música através dos tempos? Todas as releituras de “Pli selon Pli” e
o obscuro “Blackstar” darão ainda muito a se desvelar se se quiser, a depender
do grau de (des)critério dos tempos (esquizo)frênicos que vierem adiante neste
século XXI recém iniciado. O que se sucedeu, com a morte dos dois, talvez tenha
sido um lampejo de que a arte musical esteja mais viva do que nunca. Ou, se
não, é porque se enterrou de vez junto com Bowie e Boulez. Aí, será quando o
desconhecido se tornará definitivamente desimportante.
“CHAPELEIRO: Se você conhecesse o Tempo tão
bem quanto eu conheço você não falaria em gastá-lo, como uma coisa.
Ele é
alguém.
ALICE: Não sei o que você quer dizer.
CHAPELEIRO: É claro que você não sabe!
Eu
diria até mesmo que você nunca falou com o Tempo!
ALICE: Talvez não, mas sei que devo marcar
o tempo
quando aprendo música.”
trecho de “Alice no País das
Maravilhas”,
de Lewis Carroll
Depois de “Blow By Blow” do Jeff Beck, meu preferido, apresento pra
vocês mais um favoritíssimo da casa: “The Mad Hatter”, do pianista e tecladista
norte-americano Chick Corea. Como sempre, um pouquinho de história: em 1978,
aos 37 anos, Armando Anthony Corea já tinha uma longa estrada na música. Tocou
com os percussionistas Mongo Santamaria e Willie Bobo, com o flautista Herbie
Mann e com o sax tenor Stan Getz. Gravou seus primeiros discos solo na metade
dos anos 60 e mergulhou de cabeça na sonoridade free daqueles tempos.
Em 1968, foi convidado por Miles Davis a substituir Herbie Hancock em
sua banda. Participou dos seminais discos "In a Silent Way"e “Bitches Brew”.
Paralelamente, tinha os grupos Circle – com e sem o multiinstrumentista Anrhony
Braxton – e a primeira encarnação do Return to Forever, da qual participavam os
brasileiros Airto Moreira e Flora Purim, além de Joe Farrell e Stanley Clarke.
Após dois discos com esta formação, Corea foi com tudo pro fusion, trazendo para a banda, primeiro o guitarrista Bill Connors,
e depois descobrindo um jovem de 19 anos, Al Di Meola.
Neste tempo todo, Corea fazia projetos especiais para a gravadora ECM,
como discos de piano solo, duetos com o vibrafonista Gary Burton e trios com
Dave Holland e Barry Altschul. Em 1976, sentindo a necessidade de misturar a
linguagem acústica de seus discos da ECM com o fusion, muito em moda na época,
Corea fez uma trilogia de discos temáticos onde estas preocupações tomam a
forma de música: “The Leprechaun”, baseado nas histórias de duendes, e “My
Spanish Heart”, onde ele se debruça sobre a Espanha e seus sons, ambos de 76, e
“The Mad Hatter”, de 78. Na minha opinião, este terceiro é provavelmente o
trabalho em que Corea consegue mesclar as duas linguagens – e o acento erudito
com quinteto de cordas – com sucesso total, musicalmente falando.
Baseado no clássico livro de Lewis Carroll, "Alice no País das Maravilhas", a chave para entender o disco está na capa com Corea vestido de
Chapeleiro Maluco. A viagem inicia aí. Em termos musicais, "The Mad
Hatter" começa com Corea pilotando seus teclados em “The Woods”. Com moogs, mini-moogs, sintetizadores,
pianos elétricos e outros bichos, ele consegue reproduzir os sons de uma
floresta, com sapos, grilos e insetos, dando uma prévia do que virá pela
frente, a mistura de clássico com moderno. “Tweedle Dee” segue na mesma trilha,
fazendo uso das cordas e dos sopros (três trompetes e um trombone), pode-se
verificar com clareza a influência de Bela Bártok em sua música. Na música
seguinte, “The Trial”, temos a primeira aparição da exímia cantora e
tecladista, além de mulher de Corea, Gayle Moran (que havia participado da
segunda formação da Mahavishnu Orchestra, ao lado de John McLaughlin e Jean-Luc
Ponty). No julgamento do Rei de Copas, retirado diretamente do livro de
Carroll, Gayle canta com acento lírico: “Who’ll
stole the tarts / Was it the king of Hearts?”.
O principal momento jazzístico do disco acontece com “Humpty Dumpty”,
uma preferida dos músicos de Porto Alegre. Com um quarteto básico de jazz,
Corea consegue performances extraordinárias de seus colegas Joe Farrell no sax
tenor, Eddie Gomez no baixo acústico e Steve Gadd na bateria. Em meio a todos
aqueles teclados, cordas e sopros, é interessante ouvir o contraste de um grupo
acústico tocando um hard-bop
clássico. Cada músico dá seu showzinho particular, mas preste atenção no som de
baixo de Gomez. Madeira pura!
O lado 1 do LP termina com “Prelude to Falling Alice”, onde o tema é
tocado ao piano e “Falling Alice”, quando o pianista e compositor usa de todo o
arsenal sonoro para contar a queda de Alice. Gayle Moran canta o tema
principal, acompanhada pelas cordas e pelos sopros. Nesta música, temos a
primeira aparição de Herbie Hancock no piano elétrico, fazendo a harmonia para
o solo de mini-moog de Corea. Neste
período, ele e Corea começam a gravar duos de pianos. Destaque também para o
sax tenor de Farrell, um talento subestimado do jazz. Como estamos no tempo do
LP, há um fechamento musical da história pra que as coisas comecem de novo no
lado 2.
Ao virar o disco, “Tweedle Dum” reprisa o tema de “Tweedle Dee” numa
espécie de introdução da melhor faixa do disco, “Dear Alice”. Com 13 min e 7
seg, a música é uma espécie de tour de
force de todos os envolvidos. Pra começar com Eddie Gomez fazendo a melodia
no baixo acústico e Corea fazendo pequenos comentários ao piano acústico.
Durante 2min e 46seg, o baixista conduz a música com seu solo, à medida que
Gadd vai entrando aos poucos com acentos rítmicos na bateria. Moran entra para
cantar o tema principal e aí temos Farrell brilhando no solo de flauta,
secondado pelo quinteto de cordas e pelos sopros. Depois, Chick mostra toda sua
destreza e musicalidade ao piano. Tudo isso com Gadd dando seu show à parte e
mostrando porque é um dos bateristas mais cultuados do mundo. Na época, ele deu
uma entrevista dizendo que pedia as partituras de piano de Corea e estudava em
casa antes de gravar. Esta preocupação deu resultado: em algumas passagens de
"Dear Alice", os dois instrumentos parecem uma coisa só. Esta música
sozinha valeria o disco inteiro, tamanha a musicalidade que Corea e seus
músicos atingem, sem falar no arranjo perfeito que contrapõe as cordas e os
sopros.
Para encerrar o disco, "The Mad Hatter Rhapsody" com Corea no
mini-moog e Hancock em sua segunda
aparição no piano elétrico. O encontro destas duas feras é sensacional.
Enquanto Corea sola, Hancock faz harmonias diferenciadas no Fender Rhodes.
Nesta faixa, Hancock consegue tirar Gadd da bateria e coloca seu fiel escudeiro
Harvey Mason, que dá um suingue todo especial à faixa. Depois que os dois
tecladistas demonstram toda a sua qualidade, vem um interlúdio com o tema
principal tocado pela flauta e pelos sopros. Claro que a latinidade não poderia
ficar de fora e uma passagem de uma salsa estilizada com teclados e Gadd no cowbell fazem a cama para o tema final
onde volta Gayle Moran para apoteose final. Um disco maravilhoso. Quem não tem,
procure nas lojas ou na internet.