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quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Música da Cabeça - Programa #251

 

Ela cumpriu a promessa de cantar até o fim. Prosseguindo com seu canto, o MDC de hoje faz homenagem à deusamulher rodando não somente ela, como também The Beatles, Simple Minds, Criolo, Luiz Melodia e +. Ainda temos Legião Urbana no "Cabeça dos Outros" e aniversariante no "Palavra, Lê". Duro na queda, o programa das 21h desta quarta vai estar igual Elza Soares: pra fuder! Isso na Rádio Elétrica, nosso lugar de fala. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Black Pantera - Bar Ocidente - Porto Alegre/RS (14/11/2022)

 

Por Lucio Agacê

Afro-punk - História

O termo se originou no documentário “Afro-Punk”, de 2003, dirigido por James Spooner. No início do século XXI, os afro-punks compunham uma minoria na cena punk norte-americana. Notáveis bandas que podem ser ligadas à comunidade afropunk, como Death, Pure Hell, Bad Brains, Suicidal Tendencies, Dead Kennedys, Wesley Willis Fiasco, Suffrajett, The Templars, Unlocking the Truth, Fishbone e Rough Francis. No Reino Unido, foram músicos negros influentes associados à cena punk do final da década de 1970 tal Poly Styrene da X-Ray Spex, Don Letts e Basement 5. O afro-punk se tornou um movimento comparável ao início do movimento hip hop dos anos 80. O Afropunk Music Festival foi fundado em 2005 por James Spooner e Matthew Morgan e recentemente teve sua segunda edição no Brasil realizada em Salvador, na Bahia.


Então: abri com esse texto para poder introduzir o tema a uma banda que pra mim é o grande destaque do momento e que eu tive o prazer de conhecer pessoalmente e fiz questão de dizer a eles que essa era a oportunidade, porque depois disso eles alçariam voos ainda maiores.

No Brasil, assim como no mundo, houve nos últimos anos uma certa ascensão da extrema direita racista e supremacista causando uma divisão popular jamais vista na história da humanidade. Diante de toda essa situação atípica, faz-se natural alguns seguimentos da sociedade se juntarem para combater um inimigo em comum. Após o fatídico caso George Floyd nos Estados Unidos essa luta antirracista se tornou mais do que nunca necessária. Um combate à extrema direita ultraconservadora e os seus claros flertes com o fascismo fez com que cada vez mais jovens negros encontrassem na arte e na cultura, mais uma vez, seu refúgio.

Mês passado, no bar Ocidente, em Porto Alegre, rolou o espetáculo. Sim, senhores: um espetáculo!!! Era a Black Pantera, banda mineira composta por negros de atitude e com uma sonoridade monstruosa! 

Fiquei sabendo do show através de um amigo e começamos uma verdadeira saga para conseguir ingressos ou por sorteio ou pelos solidários. Até que, pasmem: a banda, com seu engajamento social, libera 50 ingressos para cidadãos negros de baixa renda. Bastava enviar um e-mail e confirmar presença.

trecho do show da Black Pantera 
no Ocidente, em Porto Alegre

Pronto: ingressos na mão. Fomos ao show, que começou às 21 horas em ponto, mas não antes daquela boa tietagem, troca de ideias, fotos e tudo mais, com direito a autógrafos no cartaz. Isso tudo numa segunda-feira, dia 14 de novembro...

O show da Black Pantera (formada por Charles Gama, guitarra e vocal; Chaene da Gama, baixo; e Rodrigo "Pancho" Augusto, bateria) começou com uma patada chamada “Abre a Roda e Senta o Pé”, seguida de mais alguns petardos, que até então eram novidades pra mim. Teve direito a cover do ídolo pop Michael Jackson, “A Carne”, de Elza Soares, e um belo momento onde a banda chama as garotas pra um samba-de-roda punk. Inacreditável!!

Eu quero exaltar aqui não apenas um, mas três discos da Black Pantera: “Project Black Pantera”, de 2015, “Agressão”, de 2018, e “Ascensão”, de 2022. Ouçam!

Senhores: o movimento Afropunk existe e está vivo. Vários artistas brasileiros estão nessa barca e merecem atenção!

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Confira mais fotos do show e dos bastidores:

BP no palco do Ocidente detonando


Lucio com a galera da BP após o show


Batendo aquele papo...


... sobre afropunk 


Mais câmbios entre Porto Alegre e BH


Foto afudê com a galera no camarim


No camarim trocando altas idieas com o pessoal da BP


quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Música da Cabeça - Programa #282

 

Vai começar o debate! Mas, calma: sem acusação, mentira ou desaforo, pois o MDC é a melhor escolha desta quarta. Eleitos por maioria estão Beastie Boys, Elza Soares, Milton Nascimento, Kraftwerk, Maria Rita e mais. Na suplência, um Cabeção sobre Nonato Buzar, que faria 90 anos. Sem precisar de réplica ou tréplica, o programa vai ao ar hoje na elegível Rádio Elétrica. Produção, apresentação e direito de resposta: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Lobão - "O Rock Errou" (1986)





"Dizem que
o Rock andou errando."
primeiro verso da letra de 
O Rock Errou"



Dizem que Lobão andou errando. Não sei... Particularmente, independente de posições e preferências políticas, a postura reacionária, raivosa e irracional deste artista nos últimos tempos desagradou sobremaneira a mim e tenho certeza que a muitos outros fãs também.
Dizem também que muito dessas manifestações e novas polêmicas talvez tenham-se devido ao fato de que o cantor já andava meio esquecido, meio desimportante no cenário musical brasileiro e tinha que, bem à sua maneira, voltar à cena. Não sei... Dizem.
Mas o que sei é que, se hoje Lobão passa por uma espécie de ocaso artístico, houve um momento em que o cara foi brilhante e produziu, no apogeu da geração BRock alguns dos discos mais importantes daquele miolo da década de 80. Se seu rock andou errando um pouco ainda em seus trabalhos iniciais, mesmo já produzindo coisas boas como "Me Chama", "Corações Psicodélicos" e "Decadence Avec Elegance", com "O Rock Errou" de 1986, o Lobo acertava definitivamente o rumo com uma pegada mais rock, mais agressiva mas ao mesmo tempo conseguindo mesclar com brilhantismo outros elementos e tendências musicais.
"O Rock Errou" é provocativo desde a capa cujo tema religioso em si já seria suficiente para arrepiar os cabelos da sociedade brasileira pós-ditadura, mas que, como se não bastasse, traz uma mulher nua, apenas com um véu cobrindo a cabeça e com as mãos sobrepostas cobrindo "as partes baixas", ao lado cantor caracterizado como padre carregando no rosto uma leve e irônica expressão de reprovação. Pra piorar, a mulher na capa, na época, tinha na época apenas 18 anos, e pra aumentar o escândalo, a 'pecadora', Daniele Daumerie, era nada mais nada menos que companheira o cantor. Note que eu disse "companheira", não esposa. Um  monte de tapas na cara da sociedade em apenas uma capa. A provocação estava só começando.
Sim, pois "O Rock Errou", faixa que praticamente abre o disco, depois de uma breve introdução instrumental de estrondosas guitarras, é uma metralhadora giratória atirando e acertando pra tudo que é lado, passando por polícia, mídia, classe artística, ditadura, políticos e respingando até no Vaticano, na Dama de Ferro e na Casa Branca. Com seu inspirado e sarcástico trocadilho do título que alimenta um refrão intenso e entusiástico, "O Rock Errou" questionava quais eram realmente os problemas do Brasil, que em meio a uma bagunça generalizada insistia em ficar se apegando a coisas pequenas como um artista que fumava maconha, uma letra de música que falava palavrão, etc... Onde foi que o rock errou?
Mais uma vez com muita ironia e inteligência, se o problema era rock, Lobão tratava de colocar um samba-rock logo na sequência dando a primeira mostra de uma tendência que se apresentaria cada vez mais frequente em sua obra a partir dali em músicas como"Cuidado, "Vida Bandida" e "Essa Noite Não", por exemplo. "A Voz da Razão", cantada em dueto com Elza Soares era uma espécie de "bate-boca" musical com pequenas trocas de acusações, culpas e responsabilidades ("Você trocou o seu amor por uma vaidade") onde a cantora dá um show e abrilhanta a canção de maneira crucial com sua voz rasgada e interpretação singular.
"Baby Lonest" uma espécie de hard-rock, parece ter seu riff chupado de "Cocaine" de Eric Clapton; "Spray Jet", de refrão em inglês tem um ótimo trabalho vocal de Lobão e destaque para a metaleira que dá um toque todo especial numa canção embalada, cheia de influências de soul music; e "Moonlight Paranóia", para mim, supervalorizada, é apenas uma boa versão em português para uma música do Aerosmith.
O pop-rock meio blues de guitarra estridente e chorosa, e de interpretação marcante de Lobão, "Revanche", uma reflexão sombria sobre a vida, a solidão, as drogas, o cárcere do qual havia acabado de sair por porte de drogas, constituiu-se desde aquele momento, lá em 86, e segue ainda até hoje como uma das grandes obras do cantor e uma de suas mais emblemáticas canções. O grito de dor e rebeldia do lobo. O uivo definitivo.
Na ótima "Canos Silenciosos" um rockão estridente de guitarras gritantes, Lobão apresenta todas as criaturas da noite, seus demônios, venenos e vilões, ao mesmo tempo exaltando a liberdade da noite ("Se a noite tá no sangue de hoje/deixa a noite rolar") e o medo nela mesmo com repressões policiais autoritárias ("Homens, fardas, cassetetes, camburões/ abusando da lei com sua poderosas credenciais").
"Glória (Junkie- Bacana)", parceria com Cazuza talvez seja a música mais subestimada do álbum e, no entanto, uma das melhores, não apenas musicalmente, com uma estrutura interessantíssima, mas especialmente pela letra, onde se nota claramente a mão de Cazuza, que a constrói como uma carta de desculpas dirigida ao vizinho, transbordando de sinceridade, pelas barulho, bebedeiras, cenas e excessos que o autor vem cometendo, tudo por causa de um amor perdido.
O disco traz duas baladas, a felina "Noite e Dia", parceria com o ex-Gang 90, o falecido Julio Barroso, exalando pura sensualidade ("A pele branca, gata garota/ No peito a ronronar/ Seu fingir dormindo, lindo/ Você está me convidando/ Menina quer brincar de amar"); e a gostosa e sexy "Click", um instantâneo de um encontro na noite carioca sob a lente de uma câmera, que fecha o álbum na medida certa.
Se o rock errou e por isso as rádios, TV's e a mídia em geral estão entupidas de sertanejos universitários e artistas inqualificáveis, se Lobão errou com escolhas equivocadas na carreira, posições extremadas, destempero, falta de tato pessoal e artístico, fica para o julgamento de cada um, mas não ha como negar que com "O Rock Errou", ele mirou no alvo, atirou para todos os lados e acertou em cheio, concebendo um dos grandes álbuns da discografia nacional. Amém, São Lobão.
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FAIXAS:
1. "Abertura (Instrumental)" (João Baptista/Jurim Moreira/Lobão/Torcuato Mariano) 1:23
2. "O Rock Errou" (Bernardo Vilhena/Lobão) 3:42
3. "A Voz da Razão" (Bernardo Vilhena/Lobão) 2:39
4. "Baby Lonest" (Cazuza/Ledusha/Lobão) 3:46
5. "Spray Jet" (Bernardo Vilhena/Lobão) 3:11
6. "Moonlight Paranoia (Seasons of Wither)" (Joe Perry/Steven Tyler/Versão: Bernardo Vilhena/Júlio Barroso/Lobão) 4:35
7. "Revanche" (Bernardo Vilhena/Lobão) 4:57
8. "Noite e Dia" (Júlio Barroso/Lobão) 3:14
9. "Canos Silenciosos" (Lobão) 3:22
10. "Glória (Junkie-Bacana)" (Cazuza/Lobão) 2:48
11. "Click" (Bernardo Vilhena/Lobão) 3:20

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Ouça:
Lobão O Rock Errou



Cly Reis

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Música da Cabeça - Programa #23



Não sabe ainda o que fazer nessa véspera de feriado? Ouve o Música da Cabeça! O programa vai ao ar na Rádio Elétrica hoje, às 21h, trazendo informação, curiosidades e, claro, muita música. Hoje vai ter coisas como David Bowie, Stevie Wonder, Jorge Benjor e Gilberto Gil, Elza Soares e mais. Com certeza, mais. Então, antes de entrar no feriado, acessa la a rádio e escuta o programa. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.


Ouça:
Programa #23


quarta-feira, 11 de março de 2020

Música da Cabeça - Programa #153


Coronavírus se espalhando, "pibinho" na economia, demonização do abraço, perda de McCoy Tyner e Max Von Sydow, dólar nas alturas... Olha: só mesmo ouvindo o Música da Cabeça pra aliviar a coisa. Temos pílulas relaxantes de boa música no programa de hoje das marcas Grace Jones, Jorge Ben, Cibo Matto, Jards Macalé, Elza Soares e outras. Ainda, lembramos o Dia da Mulher, celebrado dia 8, e fazemos homenagem no "Cabeção". A dose semanal que você precisa está na Rádio Elétrica. Siga a prescrição: tome às 21h. Com produção e apresentação de Daniel Rodrigues. É tiro e queda.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Cartola - "Cartola" (1976)



"A delicadeza visceral de Angenor de Oliveira é patente quer na composição, quer na execução. (...) Trata-se de um distinto senhor emoldurado pelo Morro da Mangueira. A imagem do malandro não coincide com a sua. A dura experiência de viver como pedreiro, tipógrafo e lavador de carros, desconhecido e trazendo consigo o dom musical, a centelha, não o afetou, não fez dele um homem ácido e revoltado. A fama chegou até sua porta sem ser procurada. O discreto Cartola recebeu-a com cortesia. Os dois conviveram civilizadamente. Ele tem a elegância moral de Pixinguinha, outro a quem a natureza privilegiou com a sensibilidade criativa, e que também soube ser mestre de delicadeza".
Carlos Drummond de Andrade



O escritor Ariano Suassuna, numa hilária passagem de uma palestra que proferira em 2012, comenta sobre a desqualificação da cultura no Brasil e cita como exemplo uma matéria do jornalista Carlos Eduardo Miranda, a qual dizia ser o guitarrista da banda pop-brega Calipso, Chimbinha, um “gênio”. Suassuna, do alto de sua sabedoria, ironiza indagando que, se for usar o termo “gênio” para alguém como o famigerado Chimbinha, o que lhe resta para qualificar Mozart? De fato, o adjetivo é forte e sofre de constante vulgarização nos tempos atuais, a ponto de chegar a uma total inadequação como esta. Porém, há casos em que chamar algo ou alguém de genial é mais do que cabível: é a única forma de classificar. É o caso de Angenor de Oliveira, um dos maiores compositores que a música (popular? Brasileira? Mundial?) já viu. De vida oscilante entre a fama e a dureza, foi nesta segunda que se consagrou. Os anos de lida difícil como pedreiro serviram se não por outro motivo pelo menos de uma coisa: por conta do justificável cuidado que tinha com a preciosa cabeça – de onde saíam as tais genialidades –, protegia-a dos dejetos de obra usando um chapéu coco. O suficiente para os colegas de broxa e argamassa lhe darem o apelido que viraria a alcunha artística definitiva deste Mozart do morro: Cartola.

Completando 40 anos de seu lançamento, o segundo disco do sambista é a consolidação de uma era iniciada na virada do século XIX para o XX quando negros ex-escravos e filhos deles migraram do Nordeste para o Rio de Janeiro, a capital brasileira que veria o nascimento do gênero musical essencialmente nacional: o samba urbano. Após gravar o também fundamental álbum de estreia, em 1974, igualmente homônimo e recheado de clássicos da MPB, Cartola viu-se, aos 67 anos de idade, finalmente alçar ao estrelato. Mas, como dito, antes de chegar a isso travou muitas batalhas com o destino. Sua vida cheia alegrias e tristezas foi o verdadeiro reflexo do negro pobre brasileiro: mesmo com tamanho talento, a discriminação e as dificuldades raciais e socioeconômicas muitas vezes se sobrepuseram. Aos 8 anos, nos anos 10, já tocava cavaquinho e acompanhava os blocos carnavalescos. Mas a fome atingia a ele e a sua família, tendo de dividir-se entre o pinho e o trabalho desde cedo. Na adolescência, em 1928, fundou a primeira agremiação de samba do Rio, a famosa Estação Primeira de Mangueira, época em que já compunha vários sambas, muitos deles sucessos na voz de Carmen Miranda, Francisco Alves e Mário Reis (mesmo que não recebesse crédito às vezes, ou seja, não fosse pago pela autoria). Pouco depois, tem de abandonar os estudos, pois a mãe morre e passa a se sustentar sozinho. Até que contrai meningite e, em seguida, fica viúvo, afastando-se por uma década do violão pelo desgosto. Volta à cena por acaso num café de Ipanema quando Sérgio Porto o descobre lavando carros num prédio do bairro. O ano era 1956, e corria pelos botecos a lenda de que mito Cartola havia morrido. Não: a vida não havia conseguido derrubá-lo. Pouco tempo dali, com ajuda de amigos e admiradores, monta com a segunda e derradeira esposa, D. Zica, o bar Zicartola, página importante na história da música popular brasileira que viu, por exemplo, jovens como Paulinho da Viola nasceram para a música. Claro, sob a bênção de Cartola, a partir dali fadado finalmente só aos aplausos.

Chegados os anos 70, o qual não se imaginava ser a última década da vida de Cartola (podia-se pelo menos suspeitar, dada a idade avançada e o organismo judiado), um de seus admiradores, o produtor musical João Carlos Bozelli, o Pelão, deu-se conta de uma coisa importantíssima: mesmo com o tardio mas devido reconhecimento, Cartola não tinha ainda um disco solo! Vários o gravaram dos anos 20 até então, tendo suas composições já imortalizadas na música brasileira mais do que o próprio autor. Mas ele mesmo, cantando e protagonizando, havia apenas uns poucos e esparsos registros. Diversas das joias compostas por ele ao longo de 60 anos e cantadas por outros intérpretes – “Não posso viver sem ela” (Ataulfo Alves, 1941), “O Sol Nascerá” (Isaura Garcia, 1964), “Sim” (Elizeth Cardoso, 1965), "Festa da vinda" (Elza Soares, 1973) – juntaram-se, então, a canções novas que, tal o poder operado pelos gênios, tornaram-se clássicos atemporais imediatamente. É o caso de “O Mundo É Um Moinho”, samba-canção que abre o segundo disco e que traz um dos mais belos poemas da língua portuguesa, algo do nível de Camões ou Vinícius. A exatidão formal dos versos sobre o requinte harmônico é aquilo que um Chico Buarque sempre buscou. “Preste atenção querida/ De cada amor tu herdarás só o cinismo/ Quando notares estás a beira do abismo/ Abismo que cavastes com teus pés.”. A melodia é primorosa, como se o amigo (e admirador) Heitor Villa-Lobos tivesse posto em partitura um samba. No luxuoso arranjo, assinado por Dino 7 Cordas, a flauta do virtuose Altamiro Carrilho e o violão solo de um então jovem chamado Guinga. Perfeição é pouco.

Na mesma linha temática de perda da amada, “Minha” (“Minha/ Ela não foi um só instante/ Como mentiam as cartomantes/ Como eram falsas as bolas de cristal”) traz a tradicional elegância poética e composicional de Cartola, a qual o poeta Drummond chamou de “delicadeza visceral”. É isso que se sente noutra de suas imortais canções, esta, um dos hinos da Mangueira: “Sala de Recepção”. “Habitada por gente simples e tão pobre/ Que só tem o sol que a todos cobre/ Como podes, Mangueira, cantar?”. Com esse questionamento, que percorre todo um paradigma sociocultural dos povos marginalizados e sua bravia cultura – a qual prescinde de estudo formal, haja vista que um poeta e compositor de fina estampa como Cartola tinha apenas o primário –, tem a ajuda do registro agudo da cantora Creusa, equilibrando o tom moderado e elegante do canto de Cartola. E com que beleza são cantados os versos! “Pois então saiba que não desejamos mais nada/ A noite e a lua prateada/ Silenciosa, ouve as nossas canções”.

Outra das antigas, sucesso já nos anos 40, “Não Posso Viver sem Ela” vem num arranjo redondo de partido-alto, favorecendo a voz declamativa de Cartola – esta, acompanhada, na segunda parte, por um coro feminino. O trombone inicia anunciando os acordes-base. Segue desenhando frases do sopro a faixa inteira com a majestosa “cozinha” que traz Elton Medeiros no ganzá e caixa de fósforos; Gilson de Freitas, no surdo; Jorginho do Pandeiro no seu instrumento originário; Nenê, na cuíca; mais Meira ao violão; Canhoto no cavaquinho e Dino 7 Cordas tangendo as próprias. Mais um samba romântico, cujo refrão é uma aula de uso poético do idioma lusófono: “Pode ser que ela ouvindo os meus ais/ Volte ao lar pra viver em paz”. Isso se chama “rima rica”, meus senhores. Paulinho da Viola, valorizador de Cartola desde sempre, a gravaria numa versão de igual qualidade em 1983.

Mais uma gloriosa é “Preciso me Encontrar”, única do disco não composta por Cartola junto com “Senhora Tentação” (de Silas de Oliveira, originalmente gravada por Elizeth Cardoso em 1967 com o título “Meu Drama”). Esta é de outro mestre do samba: o portelense Candeia. Abertura mais do que marcante ao som de um fagote e o dedilhado aberto do violão, erudita e melancólica. A versão choro de Marisa Monte, de 1989, é muito legal, mas inesquecível mesmo é a cena de “Cidade de Deus” em que esta, a original, faz trilha para a fuga frustrada do personagem Cabeleira: “Deixe-me ir/ Preciso andar/ Vou por aí a procurar/ Rir pra não chorar.” Simplicidade dos versos e uma síntese narrativa impressionante que caíram como uma luva ao filme.

“Peito Vazio”, outra das recentes à época da gravação, é mais uma de tirar o fôlego tamanha sua riqueza melódica, seja na estrutura harmônica airosa, seja na poética romântico-parnasiana. Chico Buarque, no documentário “Palavra (En)Cantada“, disse-se impressionado com tal capacidade inata de Cartola e desses sambistas do morro, uma vez que provavelmente jamais tiveram acesso à literatura parnasiana ou romântica. O belo samba “Aconteceu” (“Aconteceu/ Eu não esperava, mas aconteceu/ Todo o bem que fiz, se fiz, ela esqueceu”), também nesta linha, antecede outra prova da criatividade superior do Mozart da Mangueira: “As Rosas não Falam”. Assim como “O Mundo é um Moinho” (e outras composições sui-generis como “Acontece”, do álbum anterior, e “Nós Dois”, de 1977), pode-se classificar como uma obra-prima – é tida como a 13ª maior música da MPB em votação da revista Rolling Stone Brasil.

Ouvindo-se “As Rosas não falam”, a comparação com um músico erudito não parece exagerada, o que ratifica em carta medida a percepção manifestada por Chico. Quem conhece o "Vocalise, Op.34,Nº14", do compositor, maestro e pianista russo Sergei Rachmaninoff talvez nunca tenha percebido a semelhança da melodia desta com a música de Cartola. Não que o sambista não pudesse admirar algo deste tipo – pelo contrário, tinha sensibilidade musical suficiente para tal. Mas é bastante improvável que tenha se inspirado em Rachmaninoff ou mesmo escutado a peça – repetindo-a inconscientemente ou “chupando-a” conscientemente – antes de inventar os acordes deste samba. Proposital ou não, é-lhe elogiável. O arranjo, o qual conta novamente com a flauta de Carrilho, favorece o brilhantismo cristalino da melodia e da harmonia. E o que dizer da riqueza literária desses versos: “Queixo-me às rosas, que bobagem/ As rosas não falam/ Simplesmente as rosas exalam/ O perfume que roubam de ti, ai”?

“Sei Chorar”, de ritmo animado mas de letra igualmente sobre um amor desiludido, abre caminho para mais uma genial: “Ensaboa”. Lundu em dueto novamente com Creusa, se situa entre a reverência à linguagem ancestral africana, repetindo os cantos de trabalho das lavadeiras rurais, e a poesia modernista, no emprego fonético da sintaxe, no ritmo interno das palavras e na abordagem social do tema central. Marisa Monte também gravaria essa nos anos 90 numa linda versão em que lhe intensifica o aspecto rítmico. Finalizando o disco mais um clássico: “Cordas de aço”. Metalinguística, é a simbiose entre emoção e técnica, entre artista e sua arte. “Ai, essas cordas de aço/ Este minúsculo braço/ Do violão que os dedos meus acariciam/ Ai, esse bojo perfeito/ Que trago junto ao meu peito/ Só você, violão, compreende porque/ Perdi toda alegria”.

O historiador e pesquisador musical brasileiro José Ramos Tinhorão conta, em seu “História Social da Música Popular Brasileira”, que, na Rio de Janeiro do final do século XIX e início do XX, “as camadas populares urbanas viviam um dinâmico processo de grande riqueza cultural”.  Foi nesta época que surgiram os primeiros blocos carnavalescos e os primeiros nomes do samba, tanto na Zona Portuária e arredores quanto no Estácio de Sá e nas periferias e morros, como o da Mangueira, o que deu a luz à Cartola. Tardios, os dois primeiros discos dele, além de conterem a mais alta qualidade musical, formam um arquivo de importância documental e antropológica incomensuráveis dentro da cultura brasileira e dos processos sociais da América negra. Por razões socioculturais e econômicas nefastas e vergonhosas, demorou meio século para que o óbvio acontecesse, processo idêntico ao ocorrido com outros bambas como Clementina de Jesus, Nelson Sargento, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva e Adoniran Barbosa. Todos só gravariam trabalhos solo na terceira idade e na última década de suas vidas. Se isso é um resultado das tais desvalorização e vulgarização da cultura a qual Suassuna diz ainda acometer o Brasil, ao menos, em algum momento, os moinhos do mundo sopraram a favor da genuína genialidade. E se a fama chegou até a porta de Cartola sem ser procurada, como frisou Drummond, o fez com o devido respeito e deferência, enquanto que o discreto Cartola recebeu-a com a cortesia de um verdadeiro nobre.


*************** 
FAIXAS:
1. O Mundo é um Moinho
2. Minha
3. Sala de Recepção
4. Não Posso Viver sem Ela (Cartola/Bide)
5. Preciso me Encontrar (Candeia)
6. Peito Vazio (Cartola/Elton Medeiros)
7. Aconteceu
8. As Rosas não Falam
9. Sei Chorar
10. Ensaboa
11. Senhora de Tentação (Meu Drama) (Silas de Oliveira)
12. Cordas de aço

todas as faixas compostas por Cartola, exceto indicadas.

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OUÇA O DISCO:



terça-feira, 7 de novembro de 2017

Grupo Corpo – “Bach" e "Gira” – Teatro do SESI – Porto Alegre (07/10/2017)


Assistir o Grupo Corpo já de muito se tornou mais do que uma atração para mim: passou a ser uma obrigação enquanto cidadão brasileiro. Seja em Porto Alegre ou noutro lugar, desde a metade dos anos 90, quando os vi no palco pela primeira vez, de dois em dois anos – periodicidade que eles lançam novas montagens – é hora de desfazer a expectativa criada e conhecer o que irão apresentar de novo. Afinal, é sempre uma novidade a cada peça, e não raro, uma grata surpresa. Pois a companhia mineira é das poucas instituições artísticas (não só no Brasil, mas no mundo) capazes de surpreender a cada projeto mesmo o/s anterior/es tendo sido de alta qualidade. Ou seja: conseguem superar o que já é bom. Caso de “Gira”, o ousado espetáculo apresentado na nova turnê, o qual conta com a brilhante trilha sonora da banda paulista de jazz Metá Metá.

Se as duas últimas estreias, “Triz” (de 2013, trilha de Lenine) e “Dança Sinfônica” (2015, sobre composições de Marco Antônio Guimarães), foram igualmente competentes mas não necessariamente arrebatadoras, “Gira” consegue o feito de rivalizar com as melhores montagens da rica história de mais de 40 anos da companhia. E até superá-las. Inspirado nos ritos da umbanda, “Gira” traz como principal referência, além da estética do universo mágico das religiões afro-brasileiras, o orixá Exu, o dono do movimento e das transformações da vida. É ele quem liga o mundo dos humanos ao mundo das divindades. Na forma de movimentos e sons, foi exatamente isso que se viu no palco.

A estreia, como é de praxe nas apresentações do Corpo, foi antecedida por uma mais antiga: o magnífico balé “Bach”, de 1996 de forte apelo religioso e cuja leitura modernizada da obra do compositor alemão que lhe dá nome (feita pelo constante parceiro musical da companhia, Marco Antonio Magalhães) vai, literalmente, da morte à ressurreição. Da mais densa dificultação do olhar, sob as luzes ofuscantes do purgatório, até a mais límpida e dourada iluminação, encenada por movimentos graciosos de vida eterna. Impressionantes os atos da dança nas cordas, suspensas no ar e distantes cerca de 2 metros do chão.

Vídeo de "Bach", de 1996

Em "Gira", a mirada religiosa se mantém em certo aspecto, mas por uma visão totalmente distinta. Ao invés da tradição católico-cristã, são agora os ritos das religiões de matriz africana, com seu gestual, formas e sonoridades que prevalecem. Num cenário-instalação (de Paulo Pederneiras) que coloca o espectador como que num terreiro de culto, a coreografia de Rodrigo Pederneiras revela intensidade, instintividade e até certa brutalidade. Linda brutalidade, aliás, vinda da profundeza da natureza humana – e também da não humana. Rodrigo vale-se da rica base referencial dos ritos de celebração tanto do candomblé quanto da umbanda (em especial as giras de Exu) para forjar todo um poderoso glossário de gestos e movimentos. Fortes e contorcidos, dão a dimensão da natureza de Exu: um orixá mágico, de proezas inimagináveis, e cujo bem e mal andam sempre lado a lado, insolúveis. Inspirados nos gestos manifestados nos cultos, há momentos que parece que os corpos se quebram tamanho contorcimento.

Corpos que se contorcem e até parecem se quebrar
A iluminação, dura e quente (coassinada por Paulo e Gabriel Pederneiras), muda muito pouco, pois são os dançarinos e seus movimentos hipnóticos que constroem a narrativa, a qual faz uma imersão pelo universo anímico dos orixás. Como entidades incorpóreas, os bailarinos – torsos nus, com a outra metade do corpo coberta por saias brancas de corte primitivo e tecido cru, tanto de mulheres quanto de homens – entram e saem das três paredes negras da caixa-preta, criando uma ilusão quase espectral de infinito que os transforma em éter quando saem de cena. Quando reaparecem, contudo, é como se se materializassem ali na frente de quem vê, ou como se as entidades "baixassem" nos "cavalos" dos dançarinos. Dançam, simulam sexos, giram, torcem-se, alimentam-se do corpo físico e depois somem mais uma vez, como se desintegrassem.

Para acompanhar/construir toda essa representação mitológica, a trilha da Metá Metá (Juçara Marçal, Kiko Dinucci e Thiago França) não poderia ser mais adequada. Diria brilhante. É visível a quem assiste, assim como noutras montagens realizadas em parceria com outros compositores (“O Corpo”, com Arnaldo Antunes, de 2000, ou “Santagustin”, de Tom Zé e Gilberto Assis, 2002), que a dança é fruto da criação musical e vice-versa, num permanente diálogo movimento/som, carne/espírito. A partir da proposta sonora, a coreografia cria soluções gestuais e rítmicas expressivas àquela ideia. O contrário, entretanto, acontece também, uma vez que o conceito de “Gira” e seus elementos são comuns e assimilados por músicos e companhia. O resultado é uma “estreita sintonia” entre os dois polos, como definiu o Dinucci, principal compositor do conjunto.

A bruta sensualidade e a ousadia dos
corpos nus
Nas melodias, a banda adensa as características da musicalidade de matriz africana, incrementando-a com elementos similares da música moderna, como o jazz avant-garde, o hip-hop, o rock e até o funk carioca. Em termos de estrutura, a polifonia e a dissonância são os conceitos sonoros encontrados para responder à complexidade do tema, forjando um tecido sonoro rico em texturas, síncopes, contraposições e volumes. Assim, lhes é possível criar enredo para os orixás, como em “Bará” (um dos nomes de Exu na África), mas para “Ogó” (bastão fálico de Exu) e “Ogun”, facilitando a sugestão para a composição coreográfica. Os temas em geral se valem de muita percussão, mas também de samples, guitarras e sopros, como o marcante sax tenor de Thiago França. A voz de Juçara Marçal, de altíssima técnica, é capaz de acompanhar as variações rítmico-harmônicas que compasso/movimento pedem. Ainda, no que se refere a vocal, a diva negra Elza Soares empresta sua robusta voz em duas essenciais participações: “Pé”, logo no início do balé, e “Okutá Yangi II”, que fecha o espetáculo num clima talvez até mais apoteótico do que em qualquer outro do Grupo. Em tom alto, severo, rascante.

Como se as entidades estivessem "baixando"
nos bailarinos
“Gira” é tão coeso que posso afirmar que é melhor ou tão bom quanto clássicas montagens do Grupo Corpo – leia-se ”Benguelê” (1998), “Sem Mim” (2011) e a já mencionada “O Corpo”. Em termos de trilha sonora, outro trunfo da companhia, além da magnífica e peculiar dança, a afirmação também vale. A Metá Metá não deixou nada a desejar diante de outros autores que já trabalharam com o Corpo, como Caetano Veloso, João Bosco, Tom Zé e Zé Miguel Wisnik. Talvez “Gira” não se assemelhe apenas à profunda emoção que a encenação de “Parabelo”, de 1997, é capaz de causar, algo tão referencial na dança moderna brasileira que foi mostrada ao mundo todo na abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro, ano passado. Contudo, em termos de proposta e realização, “Gira” mostra-se, sim, a mais completa da companhia mineira, pois é fruto de maturidade artística e técnica a qual chegaram e, principalmente, da ousadia e de atitude que sempre mantiveram - ainda mais, em épocas que qualquer nu em arte é motivo de censura. Afinal, abordar um tema tão visceral e verdadeiro, mas também tão discriminado e demonizado pelos ignorantes, exige coragem..

Som é movimento e dança é vibração. Ou o contrário, tanto faz. Quando que se tem, com tamanha veracidade e poética, a oportunidade de vivenciar essas sensações tão genuínas em dança e em música ao mesmo tempo? A resposta é bienal: quando o Grupo Corpo apresenta uma nova montagem. Tão bom que a gente nem se importa de esperar mais dois anos para sentir isso tudo de novo.

Grupo Corpo - vídeo de "Gira"


Daniel Rodrigues