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terça-feira, 2 de abril de 2019

The Claypool Lennon Delirium - “South of Reality” (2019)



"Dois mundos colidiram e que mundos gloriosos e estranhos eles são."
Texto do site oficial da banda

“Sean é um mutante musical, segundo meu próprio coração. Ele definitivamente reflete sua genética - não apenas as sensibilidades de seu pai, mas também a perspectiva abstrata e a abordagem única de sua mãe. É uma loucura gloriosa."
Les Claypoll 

“Eu disse a Les que eu era sobrinho de Neil Diamond. Eu acho que isso é o que realmente o vendeu na ideia de trabalhar comigo.”
Sean Lennon

Toda hora pinta alguém que vem com aquela já manjada sentença de que “o rock morreu”. A irrelevância da maioria do que surge no mundo do rock ‘n roll quase faz com que se acredite nisso. Porém, de tempo em tempo, aparece algo que dá esperança de que não só o rock não se extinguiu como ainda é capaz de se reinventar. A última grande confirmação deste alento chama-se The Claypool Lennon Delirium, a junção de dois músicos supercriativos, Les Claypool e Sean Lennon, que a feliz improbabilidade promovida pelos deuses roqueiros uniu quase sem querer. Recentemente, eles lançaram “South of Reality”, seu segundo disco, que dispensa a comum ação confirmativa do tempo para entrar para a história. Um rock colorido, plástico, artístico, criativo, fora do convencional. Uma obra-prima imediata.

Iniciada em 2016, por conta de um convite de Claypool, à época em final de turnê com sua Primus, a Sean, igualmente “de bobeira” nalgum projeto, a parceria rendeu o já surpreendente “Monolith of Phobos”, daquele ano, e o EP "Lime and Limpid Green", de 2017. Agora, a dupla afirma a química entre ambos em nove faixas, que fazem valer do talento de cada um tanto na criatividade compositiva quanto, igualmente, de suas qualidades técnicas como instrumentistas e produtores. Eles realçam as características que os marcam tanto na Primus de Clyapool, irreverente e dissonante, quanto na carreira solo de Sean, melodista de fina estampa, homogeneizando tudo isso e construindo, assim, uma nova identidade sonora: psicodélica, incomum e nada óbvia. Embora o experimentalismo, peculiar aos dois artistas, “South...” não descamba para o “cerebralismo” excessivo ou para devaneios lisérgicos intermináveis. Tudo está sempre a serviço de uma obra sonoramente instigante.

Claypool, um dos maiores baixistas da história do rock, aproveita sua destreza não apenas para improvisar mas para criar riffs, bases e texturas. Já Sean, verdadeiro herdeiro dos gênios de seu pai, John Lennon, e da mãe, Yoko Ono, além de tocar com habilidade invejável guitarra e bateria, adiciona seus inventivos arranjos vocais, riffs e contra-riffs, que completam o parceiro. Essa contribuição fica clara na faixa de abertura, “Little Fishes”. Circense e bufa, lembrando Syd Barrett e a Beatles da fase “Sgt. Peppers”, é visível que a ideia inicial da melodia partiu de Claypool, que divide os vocais com Sean. Porém, como bom parceiro, além das variações rítmicas extraídas da bateria, Sean adiciona à canção sua guitarra, fundamental para as segunda, funkeada, e terceira partes, um jazz progressivo que remete a Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin.

A dupla Sean e Claypool: encontro de dois
mundos que deu certo
O mesmo processo se vê na gostosa “Easily Charmed by Fools”, a mais pop do disco – embora a psicoldelia se faça presente inevitavelmente. Riff de Claypool no baixo, resposta de Sean na guitarra, que também coloca a sua voz doce para contracantar, dando um ar de rock sessentista a esse funk estilizado. Mais Claypool ainda é “Toady Man's Hour”, de andamento quebrado e marcada pelo vocal esganiçado do baixista. Até nisso, aliás, eles se completam: a docilidade do timbre vocal de Sean, muito parecido com o de seu pai, contrabalanceia a esquisita e chistosa voz de Claypool.

Para compensar, entretanto, “Boriska”, de raiz beatle, haja vista a semelhança com a grandiosidade melódica de Lennon/McCartney, é toda Sean, mas com as adições de Claypool tanto no timbre inconfundível de seu baixo quanto no arranjo invariavelmente inconstante que permeia, aliás, a maioria das faixas. Destaque para os dois solando na segunda metade do número: Sean na guitarra e Claypool com um arco no baixo elétrico, expediente que ele já usara na Primus, como em “Mr. Krinkle”, de “Pork Soda” (1993).

Já “Amethyst Realm” é um verdadeiro exemplo da fusão das duas musicalidades. Rock denso e de arranjo intrincado, tem a cara das melodias cantaroláveis de Sean – inclusive com a subida  de tom na segunda parte, algo muito Beatles também –, parecida com outras belas canção escritas pelo próprio no passado como “Spaceship” (“Into the Sun”, 1997) ou a faixa-título de “Friendly Fire” (2006). Porém, traz uma base de baixo de Claypool com a qual a música não existiria. E se Claypool segura todas por detrás, desta vez é Sean que apavora com improvisos de guitarra ao melhor estilo Robert Fripp. A faixa-título é outra prova da comunhão dessas duas mentes. Baixo e guitarra cumprem juntas a ideia central da melodia, e as vozes, em uníssono, se misturam. Lembra Primus e os trabalhos de Sean no mesmo grau.

Porém, mais do que qualquer outra faixa do disco, duas delas representam a simbiótica união entre os dois músicos. Ainda mais complexas, “Blood and Rockets - Movement I, Saga of Jack Parsons - Movement II, Too the Moon” e “Cricket Chrionicles Revisited - Part I, Ask Your Doctor, Part II, Psyde Effects”, como os próprios títulos indicam, são minissinfonias, haja vista suas estruturas em “movimentos” e “partes” e a engenhosidade da composição. “Blood...” é um épico de pouco mais de 6 min, expondo a versatilidade de cada um tanto em composição quanto arranjo e harmonia, além, igualmente, na técnica instrumental e produtiva que têm. Melancólica, conta a trágica história real de Jack Parsons, um engenheiro norte-americano dos anos 30, que ajudou a desenvolver a tecnologia para propulsão de foguetes espaciais e pertenceu ao chamado “Esquadrão Suicida” da universidade Caltech que, ao que indica a história, se suicidou explodindo a si próprio após envolver-se com a seita Thelema, comandada pelo ocultista Alester Crowley (“Faça o que tua vontade/ O amor é a lei/ Me faça voar até a lua”, diz a letra, parafraseando a lei thelemista cantada por Raul Seixas nos anos 70 como "Sociedade Alternativa").

Já “Cricket...”, igualmente sinfônica, remonta a influência indiana de George Harrison à música pop. Sean, com igual habilidade da guitarra, toca cítara, enquanto teclados viajantes percorrem o espaço sonoro e o baixo namora com o jazz. Ainda, acompanham percussões típicas da música que Ravi Shankar legou aos Beatles e ao rock dos anos 60. Delirante como o próprio nome da banda aponta. “South..” se despede com a Beatles-Primus “Like Fleas”: neo-psicoldelismo na medida certa, que poderia tranquilamente ser uma bonus track do “Magical Mystery Tour”, de mais de meio século atrás e sem dever nada a tal.

Se diante de tanta coisa dispensável que o rock do século XXI tem apresentado der aquela vontade de reclamar que “o rock morreu”, acalme-se. Pegue “South...” da The Claypool Lennon Delirium e deixe rolar. O efeito será tranquilizador pela constatação de que essa máxima não se aplica e, ao mesmo tempo, animador por causa daquilo que se ouve: um som empolgante como é o bom e velho rock ‘n’ roll.

FAIXAS:
1. “Little Fishes”
2. “Blood and Rockets - Movement I, Saga of Jack Parsons - Movement II, Too the Moon”
3. “South of Reality”
4. “Boriska”
5. “Easily Charmed by Fools”
6. “Amethyst Realm”
7. “Toady Man's Hour”
8. “Cricket Chrionicles Revisited - Part I, Ask Your Doctor, Part II, Psyde Effects”
9. “Like Fleas”
Todas as composições de autoria de Les Claypoll e Sean Lennon

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

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