Fui assistir a "Meu Pai", filme do escritor e diretor francês Florian Zeller, com a expectativa de ver nada muito além de um drama familiar com boas atuações. Recebi muito mais do que isso! "Meu Pai" é envolvente, tem um roteiro brilhante, instigante, fascinante. Zeller coloca o espectador dentro da cabeça, do universo confuso, embaçado, embaralhado de Anthony, um idoso que sofre de um processo gradativo de deterioração de memória, possivelmente um Alzheimer, embora não mencionado diretamente no filme, e ocasiona uma série de dificuldades à filha, que mesmo extremamente carinhosa, atenciosa, pacienciosa, começa a ver-se impotente diante das limitações do pai. O filme, com um roteiro inteligente e uma montagem brilhante, cria uma espécie de labirinto que embaralha situações, impressões, objetos, numa proposital desordem de espaço e tempo, que faz com que o espectador tenha um pouco da sensação do que acontece dentro da mente de uma pessoa naquelas condições. Informações são dadas e são negadas, objetos parecem estar em determinado lugar mas logo não estão mais, pessoas aparecem mas não temos certezas que existem, lembranças são recuperadas mas não sabemos se os fatos aconteceram... Como era de se esperar, dadas as indicações ao Oscar da dupla de protagonistas, as atuações são memoráveis! Olivia Colman, já oscarizada por "A Favorita", tem uma atuação perfeita mesmo sem arroubos ou exageros. Ela ganha o filme num olhar, emociona numa expressão facial, na maneira como coloca uma frase. Anthony Hopkins, por sua vez, vivendo o personagem de seu mesmo nome, Anthony, está absolutamente brilhante (mais uma vez na carreira). Suas mudanças de expressão, muitas vezes na mesma cena, oscilando entre o afeto, a fragilidade, a irritação e a confusão, são simplesmente incríveis! A cena final em que ele parece, por um momento, finalmente, dentro de toda sua demência, perceber sua vulnerabilidade e de certa forma, volta a ser um menininho chamando pela mãe, é de encher os olhos de lágrimas e aplaudir de pé. "Meu Pai" é muito mais que um filme de atuações mas só as atuações já o justificariam. Mas ainda bem que, além delas, temos mais do que isso.
E o Oscar de 2021 foi diferente! Pra começar, foi agora, em abril, e não em fevereiro, como tradicionalmente ocorre; não aconteceu em um auditório cheio de gente e sim numa cerimônia quase intimista com os convidados dispostos em mesas protocolarmente distanciadas; teve indicados recebendo prêmios em vários lugares do mundo, ao vivo; os números musicais foram externos, breves e distribuídos, em sua maioria, antes da cerimônia; sem orquestre e com um DJ; o prêmio de melhor filme não sendo anunciado por último; mas o mais importante: poucas vezes houve tanta diversidade e representatividade, tanto nas indicações quanto na premiação. Negros, mulheres, asiáticos, homossexuais foram premiados de forma natural e justa, por inegável mérito de seus trabalhos muito mais do que por uma pressão social como em outros momentos quando a qualquer gritaria de "mais mulheres", "mais negros", se dava três ou quatro estatuetas só para satisfazer os grupos e depois voltar à normalidade dos critérios da academia. Me pareceu que, mais que nunca, eram tão incontestes as virtudes das minorias representadas, que seria impossível não lhes prestar o reconhecimento com as vitórias em suas categorias.
Numérica e quantitativamente, não tivemos, novamente, nenhum grande vencedor, como acontecia em outros tempos quando uma só produção fazia uma limpa nos prêmios, arrebatando sete ou oito estatuetas, mas não há como negar que um filme que leva as categorias de filme, direção e protagonista é, sem dúvida o grande vencedor. Foi o caso de "Nomadland", que já vinha sendo multipremiado em outras competições e festivais e que só confirmou seu favoritismo, marcando também a segunda vitória de uma mulher Chloé Zaho, na categoria de direção. Outras mulheres também fizeram história como foi o caso de Emerald Fennel, a jovem diretora que em sua estreia ganhou o prêmio de melhor roteiro original, Youn Yuh-jung, a primeira sul-coreana a vencer o prêmio de atriz coadjuvante, e Mia Neal e Jamika Wilson , as primeiras negras a vencerem o prêmio de maquiagem e cabelo. Por falar em representatividade negra, além diversas indicações, representantes negros foram premiados em diversas categorias, nas mais variadas modalidades como na, já mencionada, maquiagem, na música, como no caso do parceiro de Trent Raznor e Atticus Ross, na trilha de "Soul", Jon Baptiste, e pela canção de "Judas e o Messias Negro" interpretada pela cantora H.E.R.; no curta "Two Distant Strangers", produzido por negros, e que aborda a morte de afro-americanos pela força policial; e especialmente, na categoria de melhor ator coadjuvante, com o prêmio para Daniel Kaluuya, interpretando o líder dos Panteras Negras, Fred Hampton.
Ainda falando em representatividade, é marcante também a participação de "O Som do Silêncio", que se só por sua mera proposta já era extremamente significativo ao abordar a temática dos deficientes auditivos, tornou-se ainda mais importante ao vencer duas categorias, a de produção de som, na qual era esperado e justíssimo, e montagem, na qual acabou sendo, de certa forma, uma agradável surpresa.
Por falar em surpresa, para muitos a grande surpresa da noite ficou com o prêmio para melhor ator, vencida pelo veterano Anthony Hopkins, pelo filme "Meu Pai", numa categoria que muitos apontavam o falecido ator Chadwick Boseman como favorito a um prêmio póstuma por sua atuação em "A Voz Suprema do Blues".
No mais os prêmios ficaram bem divididos e, acredito que, de um modo geral, com bastante justiça, premiando exatamente as melhores virtudes de cada um dos concorrentes. Dois para "Mank", , dois para "Judas e o Messias Negro", dois para "Meu Pai", dois para "Soul", dois para "O Som do Silêncio", três para "A Voz Suprema do Blues" e todos saíram felizes. Até a Glenn Close que, mesmo não levando a estatueta, em sua oitava indicação, roubou a cena da cerimônia, rebolando no desafio musical do DJ da festa. Impagável!
Confira abaixo todos os vencedores em todas as categorias:
Tom Noonam até é um bom vilão, é convincente, é assustador, mas Ralph Fiennes, no mesmo papel, como o desequilibrado Francis Dolarhyde, com sua insegurança imprevisível, joga mais; William Petersen faz um bom policial Will Graham, correto, sem defeitos, mas Edward Norton, é mais jogador ; Joan Allen como a cega Reba está normal, dá conta do recado, mas Emily Watson, desempenhando a mesma função, é show de bola; Brian Cox, mesmo com uma aparição muito breve, faz um Hannibal Lecter discreto em campo, suficiente para sua posição, mas Anthony Hopkins, que já imortalizara o personagem no cinema em "O Silêncio dos Inocentes", é sacanagem!!! É craque! Michael Mann até é mais técnico que Brett Ratner, mas isso não basta para que o time de "Manhunter" de 1986, seja superior ao do "Dragão Vermelho" de 2002.
A refilmagem é mais completa, desde a introdução ao personagem de Hannibal Lecter, nos dando detalhes de como ocorrera sua captura, passando pelo próprio afastamento do policial Graham decorrente dessa prisão, chegando a uma construção melhor do serial killer, fazendo-o mais presente ao longo do filme e aperfeiçoando sua relação com o espectador.
O filme original passa longe de ser ruim. Na verdade é um cult policial dos anos 80, mas a refilmagem soube utilizar o que o antigo tinha de bom, aprimorar a estratégia de jogo tão bem e ainda preencher espaços vazios do campo.
Nos dois filmes, um agente do FBI, Will Graham, aposentado por questões físicas e emocionais depois dos incidentes que levaram à prisão do canibal Hannibal Lecter, é chamado a voltar às atividades para investigar um novo serial-killer que vem matando famílias, dentro de suas próprias casas e colocando cacos de espelho no lugar dos olhos das vítimas. O curioso é que o assassino, apelidado entre os policias e pela imprensa de Fada-do-Dente, parece ter conhecimento das casas, do dia a dia das famílias e isso intriga o FBI. Graham concorda em voltar à ativa e entende que, por mais desagradável que seja a melhor maneira de entrar na mente de um psicopata é consultando outro. Sim! Ele decide então pedir ajuda ao homem que capturara, Lecter que, além de um bom gourmet de carne humana, era também um conhecido e respeitado psiquiatra e poderia dar alguma colaboração no entendimento das razões e perfil psicológico do novo assassino. O problema é que o Dr. Lecter não é lá flor que se cheire e faz um jogo duplo com o agente, ao mesmo tempo lhe dando dicas sobre o serial killer mas fornecendo, mesmo de dentro da cadeia, informações sobre o agente ao procurado, deixando-o extremamente exposto ao criminoso.
Fora os elementos já citados como a apresentação do episódio que viria a levar à prisão de Lecter, o aproveitamento melhor do personagem canibal ao longo do filme, a presença mais constante do Fada-do-Dente no decorrer do longa, a maior importância dada à colega cega do assassino no enredo, há uma diferença fundamental entre os filmes que é o final. Sem dar spoiler, enquanto o antigo se encerrava no embate entre o Graham e Dollarhyde, numa das mais cultuadas cenas do cinema policial, a segunda versão vai além desse momento, se estendendo para um final mais dramático e operístico na casa do agente.
"Manhunter" - cena final
"Dragão Vermelho" - cadeira de rodas em chamas
A sequência incial do concerto, do jantar e de Graham capturando Lecter, é gol para o novo filme logo nos primeiros minutos de jogo; e o matador Fada-do-Dente põe fogo no jogo fazendo o segundo para o remake com toda a sequência da cena do repórter em chamas colado na cadeira de rodas, muito mais impactante que a do original. Por outro lado, ainda que a extensão do epílogo da nova versão seja bem interessante, o primeiro final, cultuado pelos fãs, com a entrada do policial estilhaçando a vidraça, a luta entre os dois dentro da casa de Dolarhyde, a troca de tiros e a fotográfica posição do corpo formando o Dragão Vermelho, tudo ao som alucinante de "In-A-Gadda-Da-Vida", do Iron Butterfly, garante um golaço para o time de 1986. Por mais que Edward Norton e Ralph Fiennes estejam muito bem em seus papeis, os do original, William Petersen e Tom Noonan, não desapontam em nada e esse quesito não constitui vantagem pra nenhum dos lados, mas aí o craque desequilibra e Anthony Hopkins, com seu Hannibal Lecter, garante mais um para o remake de 2002. Só que como muitos jogadores espetaculares, Hannibal é temperamental e logo depois de fazer o gol, dá uma mordida no adversário, ao melhor estilo Luís Suárez, e deixa seu time com uma menos em campo, o que acaba não fazendo diferença pelo bom esquema de jogo montado pelo seu técnico. A propósito, no que diz respeito à direção, mesmo com um jogo correto, bem estruturado de Brett Ratner, Michael Mann joga mais e guarda o seu lá no fundo da meta adversária. Mas o placar fica assim: 3x2 para o remake num jogo emocionante.
De cima para baixo,
os dois agente Graham, os dois Fada-do-Dente e os dois Hannibal Lecter.
À esquerda os da versão original de 1986 e à direita os da refilmagem de 2002.
Bom jogo de dois times mordedores e com matadores de ambos os lados.
O cinema é capaz de mexer
com as nossas emoções como pouca coisa consegue, mesmo a gente sabendo que, na
grande maioria das vezes, aquilo que estamos vendo seja apenas uma encenação.
Somos, com total aceitação, levados a acreditar na “mentira” e com ela se comover.
Jean-Claude Carrière, fascinado por essa magia que talvez apenas o cinema tenha
no universo das artes, comenta em seu “A Linguagem Secreta do Cinema” que os
instrumentos de persuasão do cinema podem parecer simples: emoção, sensação de
medo, repulsa, irritação, raiva, angústia. Mas, pontua ele, “na realidade, o processo é muito mais
complexo”, provavelmente até indefinível.
“Envolve os mais secretos mecanismos do nosso cérebro, incluindo, talvez a preguiça,
a natural indolência, a disposição para renunciar às suas virtudes por qualquer
adulação.”
Isso explica em parte porque
sentimos tanto medo de alguns personagens. E não estou falando apenas dos
assassinos dos filmes de terror: há pessoas (afinal, acreditamos que elas,
mesmo lá dentro da tela, existam de verdade) que, mesmo num drama ou outro
gênero menos horripilante nos provocam igual sensação de temor. Quando essa
magia intrínseca do cinema observada por Carrière se junta ao talento de
cineastas e atores, a química é bem dizer infalível. Aí, soma-se a isso ainda nossa
aceitação quase pueril ao que vemos e dá pra imaginar o que acontece: frio na espinha.
Ainda por cima, o universo
dos vilões aterrorizantes é inegavelmente fascinante. Quem, mesmo tremendo as
pernas a cada gesto que o dito cujo venha a dar, não aprecia (ou pelo menos
reconhece que é sui genneris) a
figura de um Freddy Krueger ou Michael Myers? Mas, como disse, não tratamos
aqui somente dos carniceiros, afinal, destes é até previsível que imputem medo.
Elencamos aqueles personagens e seus respectivos atores cujos papeis são tão
críveis que não faríamos nenhuma questão de cruzar com eles algum dia na vida –
e não precisa nem ser uma pessoa, inclusive.
O penetrante olhar do canibal Lecter.
1 – Hannibal Lecter (Anthony Hopkins)
O absolutamente frio
psiquiatra, que atravessou a fronteira da sanidade para passar a matar por
prazer – às vezes, até se alimentando de suas vítimas, dando-lhe o simpático
apelido de Hannibal “Canibal” –, é provavelmente o mais célebre psicopata da história
do cinema. Hopkins, com talento e muita sensibilidade, dá vida ao personagem do
escritor Thomas Harris, o qual aparece pela primeira vez na tela no clássico “O Silêncio dos Inocentes” (Demme,
1991). Continuou assustador em outros longas, “Hannibal” (2001), “Dragão
Vermelho” (2002) e “Hannibal - A Origem do Mal” (2007), mas vê-lo no primeiro e
disparado melhor da série é até hoje imbatível em termos de qualidade cênica –
e de medo também.
2 – Norman Bates (Anthony Perkins)
É inegável que as patologias
psíquicas dão muito substrato para a criação deste tipo de personagem, seja na
literatura ou no cinema. E claro que os diversos transtornos mentais existentes
são um prato cheio para roteiristas. Norman Bates, psicótico atormentando pelo
Complexo de Édipo encarnado como jamais o próprio Perkins conseguiu igualar, é
até hoje um enigma que desafia os psiquiatras. Mas numa coisa todo mundo
concorda: o cara dá medo pacas! Com a mão habilidosa de Alfred Hitchcock, "Psicose", de 1960,tem talvez o melhor personagem de um thriller no melhor filme do mestre do suspense.
Monólogo final de Norman Bates - "Psicose"
Pacino, mais assustador que
muito serial-killer.
3 – Michael Corleone (Al Pacino)
Os filmes de máfia são
recheados de personagens marcantes e não raro assustadores, pois altamente
violentos. Porém, talvez pelo tratamento literário de drama dado por Mario Puzo,
pela escolha acertada de Coppola do jovem Pacino para o papel e, obviamente, pelo
talento do ator, nenhum se compare ao filho mais novo de Don Corleone. Empurrado
pelo destino para o crime organizado, o ex-oficial do Exército tornou-se, mais
do que qualquer outro de seus irmãos, o chefão mais impiedoso e frio da cosa nostra. Se no primeiro longa vê-se
sua conversão à máfia até a natural sucessão ao pai, em "O Poderoso Chefão - parte 2", de 1974, ele está mais apavorante do
que muito serial killer. Com um
olhar, ele faz qualquer um congelar. Poderoso, dá-se direito a qualquer coisa,
e nunca se sabe o que está maquinando naquela mente obsessiva. Coisa boa, não
é. Seja nos acessos de raiva, seja no mais contido e calculista silêncio,
Michael é apavorante.
Close com um sorriso nada covidativo.
4 - Alex Forrest (Glenn Close)
Não são apenas homens que
fazem o espectador arrepiar. A maníaca de Alex Forrest, de “Atração Fatal” (Lyne, 1988), vivida por Glenn Close, é o melhor
exemplo. Inconformada com um “pé na bunda” que levara de um homem casado, Dan
Gallagher (Michael Douglas), com quem tivera um caso, ela passa a persegui-lo e
a assombrar não apenas a ele, mas toda a sua família. Memoráveis cenas, como a
do coelhinho de estimação da filha de Dan cozinhando na panela ou quando,
depois de uma briga em que ele quase a estrangula, ela solta um sorriso
horripilante, não deixam dúvida da força dessa personagem. Aliás, através da
psicopatia, um símbolo à época do novo comportamento feminino, que não aceita
mais a imposição machista nas relações. Não tem mais perdão: traiu, é
penalizado.
5 - Alien (Bolaji Badejo)
Na magia do cinema, o medo
pode vir da maneira que se bem entender. Pois não é a forma humana do ator
nigeriano Bolaji Badejo que configura o seu personagem mais marcante. É a
fantasia que ele veste, a do extraterrestre mais apavorante do cinema: Alien. Vários da mesma espécie dão as
caras no bom “Aliens - O Resgate” (Cameron, 1986) e nas desnecessárias
sequências. Mas nada se compara à excelente ficção-terror de 1979, de Ridley
Scott, em que apenas um exemplar da espécie vai parar dentro da nave espacial
em uma missão cheia de problemas. Um, aliás, é mais que suficiente para botar
terror em todo mundo. O mais interessante é que o bicho não é muito visto, pois
há o recurso fotográfico e cênico de dificultação do olhar, como pede um bom thiller. O vemos de fato, por inteiro e
em luz suficiente, apenas mais para o fim da fita, quando o clímax já está lá
em cima. Aí, só resta se segurar na poltrona.
Cena do gato de Ripley - "Alien, o oitavo passageiro"
O Cady da primeira e o da segunda vaersão.
6 - Max Cady (Robert De Niro)
Um dos maiores atores da
história, De Niro de tempo em tempo encarna figuras assustadoras, desde o
taxista louco de “Taxi Driver’ até o comerciante de escravos Rodrigo Mendoza de
“A Missão”. Mas nada se compara a Cady, em que revive o já ótimo personagem de Robert
Mitchum na versão que inspirou Martin Scorsese a rodar "Cabo do Medo", de 1991 (“Círculo
do Medo”, 1962). União de QI elevado e músculos, o algoz da família
Bowden é capaz de, aliado à abordagem do roteiro, confundir os papeis de vilão
e herói. Quem é mais filha da puta ali: o ex-presidiário que se vale da
liberdade para perseguir os outros, o advogado que o prendeu deliberadamente, a
esposa conivente ou as leis da sociedade, interpretáveis e permissivas?
7 - HAL-9000 (Douglas Rain – voz)
Quem disse que só a
violência do homem ou a selvageria do bicho podem assustar? A inteligência,
quando direcionada para o lado ruim, é devastadora. Ainda mais quando essa
inteligência for artificial, como a do computador HAL-9000, o cérebro-mãe da
nave especial de "2001: Uma Odisseia no Espaço"(1968). Kubrick e Clarke criam o personagem mais estático e, talvez
até por isso, amedrontador do cinema moderno. Mirar aquele seu “olho” de plástico
é deparar-se com a frieza inumana capaz das piores coisas. Através de
meticulosos comandos, a máquina, rebelde e neurótica, põe à sua mercê toda a
tripulação, afetando, mesmo depois de “morto”, toda a expedição. Detalhe: a voz
original de Douglas Rain já é suficientemente aterradora, mas a da dublagem
para o português, feita pelo célebre Marcio Seixas na clássica versão da
Herbert Richards, consegue superar.
Dublagem clássica de HAL-9000 - "2001: Uma Odisseia no Espaço"
8 - Zé Pequeno/Dadinho (Leandro Firmino da Hora/ Douglas Silva)
Tem que ser muito sem noção
para dizer para um mal-encarado “como é
que tu chega assim na minha boca?!” Não precisa ser cinéfilo pra conhecer a
resposta que é dada, pois é naquela cena que um dos personagens mais incríveis
do cinema dos últimos 30 anos surgia ainda mais temível. Se o pequeno Dadinho
já apavorava por se ver uma criança com sede de matar nos olhos, o jovem
traficante vivido magistralmente por Firmino em “Cidade de Deus” (2002),
então, “lavou a égua” neste quesito. Violento, entorpecido, marginal, cruel.
Como não esbugalhar os olhos quando esse cara manda matar uma criança pequena a
sangue frio? Ninguém se meta com Dadinho! Ops! Agora é Zé Pequeno, foi mal aí.
O brilhante personagem de Barden.
9 - Anton Chigurh (Javier Barden)
Os irmãos Cohen são mestres
do anticlímax, uma vez que seus filmes se valem largamente desse expediente,
usado por eles com muita habilidade de forma a gerar impactos surpreendentes no
espectador pelo jogo oportuno de quebra ou confirmação da expectativa. O
personagem Anton Chigurh, encarnado por Javier Barden no faroeste moderno"Onde Os Fracos Não Tem Vez"(2007), é
montado todo em cima dessa premissa. Absolutamente inexpressivo e
unidirecional, o psicótico Anton não sente nada, apenas mata. A naturalidade
com que ele elimina suas vítimas não tem glamour nenhum. Ele simplesmente pega
e mata, e nada é capaz de freá-lo. Fora isso, dá um pavor danado sempre que ele
aparece com aquela arma de ar comprimido.
10 - Harry Powell (Robert Mitchum)
“Lobo em pele de cordeiro” é
a melhor definição para Harry Powell. Afinal, quem desconfiaria que um pastor
aparentemente cheio de boas intenções se revelaria um tirano doméstico da pior
espécie? Se a interpretação de Mitchum fora superada pela de De Niro como Max
Cady, esta de "O Mensageiro do Diabo"(Laughton,
1955) fica para a história do cinema como uma das mais fortes e impressionantes
já vistas nas telas. Filme impecável, também mas não apenas pelas atuações. Mas
Mitchum, inegavelmente é o destaque.
"Amor-Ódio" - "O Mensageiro do Diabo"
Mais insano que qualquer outro Coringa.
11 – Coringa (Heath Ledger)
O alucinado e diabólico
vilão das histórias do Batman é um dos personagens mais originais da cultura
pop mundial. Interpretá-lo é, obviamente, um privilégio. George Romero o fez
muito bem na série e até o craque Jack Nicholson mandou muito bem no papel, mas
nada se compara ao que Heath Ledger fez em "O Cavaleiro das Trevas" (Nolan, 2008). Ele encarna Coringa, a ponto de,
dizem, amaldiçoar-se, haja vista que morreu logo depois das filmagens. Ledger
achou como poucos atores para o limiar entre a loucura e a lucidez, entre o
burlesco e o austero. Menção que não podia deixar de faltar na lista.
12 - Jack Torrance
(Jack Nicholson)
Se Stanley Kubrick já conseguira assustar com um computador,
imagina quando ele volta toda a história para isso. É o caso do perfeito "O Iluminado"(1979), outra das
obras-primas do cineasta costumeiramente reconhecido como o grande filme de
terror de todos os tempos e a melhor adaptação de Stephen King para as telas.
Mas seu impacto certamente não seria o mesmo se não tivesse a força de
Nicholson no papel de Jack Torrance. Ele vale-se de toda sua técnica e
sensibilidade cênicas a serviço da construção do personagem que vai perdendo o
controle de sua sanidade, pois, mediunicamente vulnerável, sucumbe aos
espíritos “sanguessugas” ligados àquele que Jack foi na vida passada: um serial killer que matou toda sua
família.