O encontro de um ótimo diretor com um ótimo elenco só poderia render um espetacular filme, com uma história que nos prende até o último segundo, como uma festa que a gente não quer ir embora.
Quando sua irmã se casa, Laura (Penélope Cruz) retorna à Espanha natal para acompanhar a cerimônia mas por motivos de trabalho, o marido argentino (Ricardo Darín) não pode acompanhá-la. Chegando no local, Laura reencontra o ex-namorado, Paco (Javier Barden), que não via há muitos anos. Durante a festa de casamento, uma tragédia acontece. Toda a família precisa se unir diante de um possível crime de grandes proporções enquanto se questionam se o culpado não está entre eles. Na busca por uma solução, segredos e mentiras são revelados sobre o passado de cada um.
É um roteiro muito bem construído e amarrado. Alguns podem achar que ele enrole demais, perca um certo tempo, especialmente no segundo ato, nos momentos de dramas e inúmeras cenas de diálogos. mas acredito que essa paciência, essa ausência de pressa, tenha sido uma forma que o diretor encontrou para nos colocar mais próximos e íntimos dos personagens.
As atuações estão nos detalhes, no choro, numa troca de olhares, nos diálogos, em pequenas frases. Penélope Cruz, Ricardo Darín e Javier Bardem mantém seus níveis altos de atuação, contudo, o que brilha mesmo é o roteiro. O longa consegue ir de um início divertido, leve e alegre para um drama pesado, de fotografia escura, em um apagar e acender de luzes. O diretor Ashgar Fahradi soube com maestria criar um clima de suspense, tensão e mistério e um ótimo exemplo disso é o momento em que descobrimos o sequestro, no pagamento do resgate. Você sente que tudo pode acontecer.
As vantagens de se viver numa cidadezinha tranquila já sabemos, mas e as desvantagens? As fofocas, a falta de privacidade, todo mundo sabendo a vida de todo mundo, a dificuldade de se guardar segredos são, assim como brigas por terras, fantasmas do passados, amores mal resolvidos, e patriarcalismo, são elementos presentes no instigante “Todos já sabem”. O filme consegue abraçar todos estes itens e ainda contar uma história intrigante, com uma narrativa fluida que, mesmo após seu término, nos deixa inquietos, pensado no que será daquela família e daquela cidade depois de toda essa história.
O cinema é capaz de mexer
com as nossas emoções como pouca coisa consegue, mesmo a gente sabendo que, na
grande maioria das vezes, aquilo que estamos vendo seja apenas uma encenação.
Somos, com total aceitação, levados a acreditar na “mentira” e com ela se comover.
Jean-Claude Carrière, fascinado por essa magia que talvez apenas o cinema tenha
no universo das artes, comenta em seu “A Linguagem Secreta do Cinema” que os
instrumentos de persuasão do cinema podem parecer simples: emoção, sensação de
medo, repulsa, irritação, raiva, angústia. Mas, pontua ele, “na realidade, o processo é muito mais
complexo”, provavelmente até indefinível.
“Envolve os mais secretos mecanismos do nosso cérebro, incluindo, talvez a preguiça,
a natural indolência, a disposição para renunciar às suas virtudes por qualquer
adulação.”
Isso explica em parte porque
sentimos tanto medo de alguns personagens. E não estou falando apenas dos
assassinos dos filmes de terror: há pessoas (afinal, acreditamos que elas,
mesmo lá dentro da tela, existam de verdade) que, mesmo num drama ou outro
gênero menos horripilante nos provocam igual sensação de temor. Quando essa
magia intrínseca do cinema observada por Carrière se junta ao talento de
cineastas e atores, a química é bem dizer infalível. Aí, soma-se a isso ainda nossa
aceitação quase pueril ao que vemos e dá pra imaginar o que acontece: frio na espinha.
Ainda por cima, o universo
dos vilões aterrorizantes é inegavelmente fascinante. Quem, mesmo tremendo as
pernas a cada gesto que o dito cujo venha a dar, não aprecia (ou pelo menos
reconhece que é sui genneris) a
figura de um Freddy Krueger ou Michael Myers? Mas, como disse, não tratamos
aqui somente dos carniceiros, afinal, destes é até previsível que imputem medo.
Elencamos aqueles personagens e seus respectivos atores cujos papeis são tão
críveis que não faríamos nenhuma questão de cruzar com eles algum dia na vida –
e não precisa nem ser uma pessoa, inclusive.
O penetrante olhar do canibal Lecter.
1 – Hannibal Lecter (Anthony Hopkins)
O absolutamente frio
psiquiatra, que atravessou a fronteira da sanidade para passar a matar por
prazer – às vezes, até se alimentando de suas vítimas, dando-lhe o simpático
apelido de Hannibal “Canibal” –, é provavelmente o mais célebre psicopata da história
do cinema. Hopkins, com talento e muita sensibilidade, dá vida ao personagem do
escritor Thomas Harris, o qual aparece pela primeira vez na tela no clássico “O Silêncio dos Inocentes” (Demme,
1991). Continuou assustador em outros longas, “Hannibal” (2001), “Dragão
Vermelho” (2002) e “Hannibal - A Origem do Mal” (2007), mas vê-lo no primeiro e
disparado melhor da série é até hoje imbatível em termos de qualidade cênica –
e de medo também.
2 – Norman Bates (Anthony Perkins)
É inegável que as patologias
psíquicas dão muito substrato para a criação deste tipo de personagem, seja na
literatura ou no cinema. E claro que os diversos transtornos mentais existentes
são um prato cheio para roteiristas. Norman Bates, psicótico atormentando pelo
Complexo de Édipo encarnado como jamais o próprio Perkins conseguiu igualar, é
até hoje um enigma que desafia os psiquiatras. Mas numa coisa todo mundo
concorda: o cara dá medo pacas! Com a mão habilidosa de Alfred Hitchcock, "Psicose", de 1960,tem talvez o melhor personagem de um thriller no melhor filme do mestre do suspense.
Monólogo final de Norman Bates - "Psicose"
Pacino, mais assustador que
muito serial-killer.
3 – Michael Corleone (Al Pacino)
Os filmes de máfia são
recheados de personagens marcantes e não raro assustadores, pois altamente
violentos. Porém, talvez pelo tratamento literário de drama dado por Mario Puzo,
pela escolha acertada de Coppola do jovem Pacino para o papel e, obviamente, pelo
talento do ator, nenhum se compare ao filho mais novo de Don Corleone. Empurrado
pelo destino para o crime organizado, o ex-oficial do Exército tornou-se, mais
do que qualquer outro de seus irmãos, o chefão mais impiedoso e frio da cosa nostra. Se no primeiro longa vê-se
sua conversão à máfia até a natural sucessão ao pai, em "O Poderoso Chefão - parte 2", de 1974, ele está mais apavorante do
que muito serial killer. Com um
olhar, ele faz qualquer um congelar. Poderoso, dá-se direito a qualquer coisa,
e nunca se sabe o que está maquinando naquela mente obsessiva. Coisa boa, não
é. Seja nos acessos de raiva, seja no mais contido e calculista silêncio,
Michael é apavorante.
Close com um sorriso nada covidativo.
4 - Alex Forrest (Glenn Close)
Não são apenas homens que
fazem o espectador arrepiar. A maníaca de Alex Forrest, de “Atração Fatal” (Lyne, 1988), vivida por Glenn Close, é o melhor
exemplo. Inconformada com um “pé na bunda” que levara de um homem casado, Dan
Gallagher (Michael Douglas), com quem tivera um caso, ela passa a persegui-lo e
a assombrar não apenas a ele, mas toda a sua família. Memoráveis cenas, como a
do coelhinho de estimação da filha de Dan cozinhando na panela ou quando,
depois de uma briga em que ele quase a estrangula, ela solta um sorriso
horripilante, não deixam dúvida da força dessa personagem. Aliás, através da
psicopatia, um símbolo à época do novo comportamento feminino, que não aceita
mais a imposição machista nas relações. Não tem mais perdão: traiu, é
penalizado.
5 - Alien (Bolaji Badejo)
Na magia do cinema, o medo
pode vir da maneira que se bem entender. Pois não é a forma humana do ator
nigeriano Bolaji Badejo que configura o seu personagem mais marcante. É a
fantasia que ele veste, a do extraterrestre mais apavorante do cinema: Alien. Vários da mesma espécie dão as
caras no bom “Aliens - O Resgate” (Cameron, 1986) e nas desnecessárias
sequências. Mas nada se compara à excelente ficção-terror de 1979, de Ridley
Scott, em que apenas um exemplar da espécie vai parar dentro da nave espacial
em uma missão cheia de problemas. Um, aliás, é mais que suficiente para botar
terror em todo mundo. O mais interessante é que o bicho não é muito visto, pois
há o recurso fotográfico e cênico de dificultação do olhar, como pede um bom thiller. O vemos de fato, por inteiro e
em luz suficiente, apenas mais para o fim da fita, quando o clímax já está lá
em cima. Aí, só resta se segurar na poltrona.
Cena do gato de Ripley - "Alien, o oitavo passageiro"
O Cady da primeira e o da segunda vaersão.
6 - Max Cady (Robert De Niro)
Um dos maiores atores da
história, De Niro de tempo em tempo encarna figuras assustadoras, desde o
taxista louco de “Taxi Driver’ até o comerciante de escravos Rodrigo Mendoza de
“A Missão”. Mas nada se compara a Cady, em que revive o já ótimo personagem de Robert
Mitchum na versão que inspirou Martin Scorsese a rodar "Cabo do Medo", de 1991 (“Círculo
do Medo”, 1962). União de QI elevado e músculos, o algoz da família
Bowden é capaz de, aliado à abordagem do roteiro, confundir os papeis de vilão
e herói. Quem é mais filha da puta ali: o ex-presidiário que se vale da
liberdade para perseguir os outros, o advogado que o prendeu deliberadamente, a
esposa conivente ou as leis da sociedade, interpretáveis e permissivas?
7 - HAL-9000 (Douglas Rain – voz)
Quem disse que só a
violência do homem ou a selvageria do bicho podem assustar? A inteligência,
quando direcionada para o lado ruim, é devastadora. Ainda mais quando essa
inteligência for artificial, como a do computador HAL-9000, o cérebro-mãe da
nave especial de "2001: Uma Odisseia no Espaço"(1968). Kubrick e Clarke criam o personagem mais estático e, talvez
até por isso, amedrontador do cinema moderno. Mirar aquele seu “olho” de plástico
é deparar-se com a frieza inumana capaz das piores coisas. Através de
meticulosos comandos, a máquina, rebelde e neurótica, põe à sua mercê toda a
tripulação, afetando, mesmo depois de “morto”, toda a expedição. Detalhe: a voz
original de Douglas Rain já é suficientemente aterradora, mas a da dublagem
para o português, feita pelo célebre Marcio Seixas na clássica versão da
Herbert Richards, consegue superar.
Dublagem clássica de HAL-9000 - "2001: Uma Odisseia no Espaço"
8 - Zé Pequeno/Dadinho (Leandro Firmino da Hora/ Douglas Silva)
Tem que ser muito sem noção
para dizer para um mal-encarado “como é
que tu chega assim na minha boca?!” Não precisa ser cinéfilo pra conhecer a
resposta que é dada, pois é naquela cena que um dos personagens mais incríveis
do cinema dos últimos 30 anos surgia ainda mais temível. Se o pequeno Dadinho
já apavorava por se ver uma criança com sede de matar nos olhos, o jovem
traficante vivido magistralmente por Firmino em “Cidade de Deus” (2002),
então, “lavou a égua” neste quesito. Violento, entorpecido, marginal, cruel.
Como não esbugalhar os olhos quando esse cara manda matar uma criança pequena a
sangue frio? Ninguém se meta com Dadinho! Ops! Agora é Zé Pequeno, foi mal aí.
O brilhante personagem de Barden.
9 - Anton Chigurh (Javier Barden)
Os irmãos Cohen são mestres
do anticlímax, uma vez que seus filmes se valem largamente desse expediente,
usado por eles com muita habilidade de forma a gerar impactos surpreendentes no
espectador pelo jogo oportuno de quebra ou confirmação da expectativa. O
personagem Anton Chigurh, encarnado por Javier Barden no faroeste moderno"Onde Os Fracos Não Tem Vez"(2007), é
montado todo em cima dessa premissa. Absolutamente inexpressivo e
unidirecional, o psicótico Anton não sente nada, apenas mata. A naturalidade
com que ele elimina suas vítimas não tem glamour nenhum. Ele simplesmente pega
e mata, e nada é capaz de freá-lo. Fora isso, dá um pavor danado sempre que ele
aparece com aquela arma de ar comprimido.
10 - Harry Powell (Robert Mitchum)
“Lobo em pele de cordeiro” é
a melhor definição para Harry Powell. Afinal, quem desconfiaria que um pastor
aparentemente cheio de boas intenções se revelaria um tirano doméstico da pior
espécie? Se a interpretação de Mitchum fora superada pela de De Niro como Max
Cady, esta de "O Mensageiro do Diabo"(Laughton,
1955) fica para a história do cinema como uma das mais fortes e impressionantes
já vistas nas telas. Filme impecável, também mas não apenas pelas atuações. Mas
Mitchum, inegavelmente é o destaque.
"Amor-Ódio" - "O Mensageiro do Diabo"
Mais insano que qualquer outro Coringa.
11 – Coringa (Heath Ledger)
O alucinado e diabólico
vilão das histórias do Batman é um dos personagens mais originais da cultura
pop mundial. Interpretá-lo é, obviamente, um privilégio. George Romero o fez
muito bem na série e até o craque Jack Nicholson mandou muito bem no papel, mas
nada se compara ao que Heath Ledger fez em "O Cavaleiro das Trevas" (Nolan, 2008). Ele encarna Coringa, a ponto de,
dizem, amaldiçoar-se, haja vista que morreu logo depois das filmagens. Ledger
achou como poucos atores para o limiar entre a loucura e a lucidez, entre o
burlesco e o austero. Menção que não podia deixar de faltar na lista.
12 - Jack Torrance
(Jack Nicholson)
Se Stanley Kubrick já conseguira assustar com um computador,
imagina quando ele volta toda a história para isso. É o caso do perfeito "O Iluminado"(1979), outra das
obras-primas do cineasta costumeiramente reconhecido como o grande filme de
terror de todos os tempos e a melhor adaptação de Stephen King para as telas.
Mas seu impacto certamente não seria o mesmo se não tivesse a força de
Nicholson no papel de Jack Torrance. Ele vale-se de toda sua técnica e
sensibilidade cênicas a serviço da construção do personagem que vai perdendo o
controle de sua sanidade, pois, mediunicamente vulnerável, sucumbe aos
espíritos “sanguessugas” ligados àquele que Jack foi na vida passada: um serial killer que matou toda sua
família.