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sábado, 25 de dezembro de 2021

Jingle Black - 7 vezes em que Papai Noel caiu na soul music


O black loucão George Clinton dando
uma de Papai Noel
Se tem coisa que a gente gosta é pegar como gancho o Natal para fazer paralelos com temas como cinema, literatura e música. Aí quando se junta a isso uma outra paixão, que é fazer listas, então: é só servir a ceia! Nessa
vibe natalina, pensamos em trazer aqui uma lista bem musical para esta época de Festas, mas com um, digamos, groove diferente. Sim: artistas da soul music que produziram obras com a temática natalina. E são vários! Comum no mercado fonográfico norte-americano desde os anos 50, tanto para músicos desta vertente quanto de outros gêneros, como a música popular, o country, o rock e até o jazz, claro que o clima festivo e de confraternização da data se encaixaria muito bem com os sons suingados e animados da música black. Não deu outra: a química perfeita.

E se os gringos foram os que lançaram a moda, aqui no Brasil o pessoal da soul não fica para trás, não! Tem brazucas de respeito nesta listagem também, todos hábeis em colocar Papai Noel pra remexer os quadris. Afinal, se é cabível a discussão de que Jesus Cristo era preto, porque não sondar que o Bom Velhinho também não possa ser “da cor”? Pelo menos na música, em vários momentos ele foi, e aqui vão alguns bons exemplos.

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The Supremes – “Merry Christmas” (1965) 

Diana Ross e suas parceiras foram a tradução do melhor que a gravadora especializada em black music Motown podia ter. Supremas na interpretação, elas cabiam perfeitamente ao estilo de arranjo e produção musical do selo, bem como no esquema de marketing da indústria fonográfica da época, a qual tinham uma boa fatia de mercado. Claro que, com todos esses atributos, não demoraria para que gravassem o seu disco especial de Natal, o que ocorreu três anos depois da estreia do grupo vocal. Clássicos do cancioneiro natalino como “Silver Bells”, “Santa Claus is Coming To Town” e “My Favorite Things” são um arraso na voz delas. OUÇA AQUI



James Brown & The Flamous Flames 
– ”James Brown Sings Christmas” (1966) 

Um velho barbudo e branco tentando bancar de rei só porque é Natal? Isso é inadmissível para quem é o Rei do Soul. James Brown não deixou por menos e gravou não um, mas três álbuns natalinos ao longo da carreira, os quais foram compilados em 2010. O melhor deles, no entanto, é o primeiro: ”James Brown Sings Christmas”, de 1966. Acompanhado da sua competente banda à época, a Flamous Flames, e com arranjos caprichados que bebem no gospel e no R&B, tem como grande detalhe ser um disco totalmente autoral, ou seja, dispensa as tradicionais regravações de standarts. É James Brown impondo a sua autoridade - Papai Noel que vá ciscar noutro lugar. OUÇA AQUI



The Jackson 5
 – “Christmas Album” (1970) 

Curiosamente, foi uma família de Testemunhas de Jeová que gravou um dos melhores álbuns de Natal todos os tempos. Outros que, assim como as Supremes, traduziam muito bem o espírito e o estilo da Motown, os Jackson 5 também modernizaram os clássicos natalinos em versões recheadas de funk e groove. Michael Jackson, então com 12 anos, já dava sinais de que, de fato, era diferenciado, mas os irmãos não ficam mal na foto, não. Além disso, a produção de Hal Davis e, principalmente, os arranjos do craque Gene Page – autor da memorável trilha do filme blackexplotation “Blackula” –, abrilhantam ainda mais o trabalho. Foi o álbum de Natal mais vendido de 1970 a 1972, com mais de 3,5 milhões de cópias em todo o mundo. OUÇA AQUI



Cassiano
 música “Hoje é Natal” de "Cuban Soul" (1976) 

Quem acha que só gringo dos States manja de soul, está muito enganado. No Brasil, pelo menos um gênio do gênero existiu e se chamava Genival Cassiano. Em seu segundo disco solo, “Cuban Soul” ou “18 Kilates”, este paraibano brilha como uma verdadeira joia. Dono de um estilo de cantar e compor inigualáveis, Cassiano tem no disco a parceria de Paulo Zdanowski em todo o repertório (que traz maravilhas como “Coleção”, “Onda” e o hit “A Lua e Eu”). Mas especialmente a faixa de abertura traz o tema natalino, na tristonha “Hoje é Natal”. Com sua melodia cheia de nuances e encadeamentos que somente um músico de mão cheia e muito inspirado sabe fazer, a música é brilhante como o título do álbum sugere. OUÇA AQUI



Gerson King Combo
 – “Jingle Black" (1977) 

Como um verdadeiro Black Moses, o cara tinha escrito a tábua da música soul brasileira em “Mandamentos Black” naquele mesmo ano. Ou seja: tava com toda a licença para tornar preto também o Papai Noel. É isso que Gerson King Combo faz com seu vozeirão e ritmo contagiante em “Jingle Black”, o sugestivo título do compacto lançado em 1977, em pleno auge de sua popularidade nos bailes funk da Zona Sul. Curiosamente, a música, escrita por ele com Pedrinho da Luz e Ronaldo Correa, traz no seu lado oposto a maravilhosa “Good Bye”, provavelmente a melhor canção do repertório do James Brown Brasileiro. No mercado negro, o raro minidisco com apenas duas faixas custa aproximadamente 200 Reais. E vale. OUÇA AQUI



Bootsy Collins
 – “Christmas Is 4 Ever“ (2006) 

Numa lista de soul natalina em que há a sonoridade tradicional, passando pelo modelo Motown, pelo funk e pelas baladas, não podia faltar a turma P-Funk, que mais do que ninguém soube subverter ao máximo o gênero adicionando-lhe psicodelia, peso e muita irreverência. E Bootsy Collins foi quem puxou o trenó no disco “Christmas Is 4 Ever”, em que reúne uma galera como George Clinton, Bernie Worrell e Bobby Womack e os rappers MC Danny Ray, Snoop Dogg e DJizzle em leituras muito inspiradas de temas típicos, mas também outras originais. O resultado é um som moderno e contagiante, em que canções tradicionais como “Jingle Bells” viram “Jingle Belz”, “Winter Wonderland”, “WinterFunkyLand” e “This Christmas”, “Dis-Christmiss”. Bem a cara malucona de Bootzilla e seus amigos. OUÇA AQUI



Aretha Franklin
 – “This Christmas, Aretha” (2008) 

A Rainha do Soul, diferentemente dos Jackson 5, foi bastante fiel às raízes protestantes de sua formação religiosa e filosófica a ponto de demorar décadas para gravar, de fato, um disco de Natal. Somente mais de meio século depois de estrear para a música que Aretha Franklin topou a empreitada no bonito “This Christmas, Aretha”. Tem standarts? Claro, mas também temas autorais como "'Twas the Night Before Christmas", dela e de Clement C. Moore, e um dueto com o filho e também cantor Edward Franklin na faixa-título. Valeu a pena a flexibilizada de Aretha: o disco alcançou a posição de nº 102 na parada de álbuns da Billboard. OUÇA AQUI



Snoop Dogg
 – “Snoop Dogg Presents Christmas In Tha Dogg House” (2008) 

Ícone do gangsta rap, Snoop Dog ficou bem conhecido com canções natalinas ao emplacar, em 2014, o tema do filme “A Escolha Perfeita 2”, cantando em dueto com Anna Kendrick "Winter Wonderland/Here Comes Santa Claus”. Mas anos antes o próprio já havia compilado várias de suas gravações com esta temática em “Snoop Dogg Presents Christmas In Tha Dogg House”. No clima “preto ostentação”, o rapper tem a companhia de diversos artistas como Chris Starr, Lil Gee, Hustle Boyz, Uncle Chucc e Soopafly. Pioneiro, o álbum foi disponibilizado apenas em formato digital, isso antes do mercado de música ser dominado pelo streaming. Títulos característicos da linguagem do gueto: "My Little Mama Trippin on Xmas", "Christmas in the Hood”, "Xmas on Soul" e "Christmas Outro". OUÇA AQUI


Daniel Rodrigues

sábado, 29 de agosto de 2015

Gerson King Combo – Festa Voodoo – Quadra da Escola de Samba Bambas da Orgia – Porto Alegre/RS (22/08/2015)



A lenda da soul brasileira
na quadra dos Bambas.
Mais um privilégio que tenho como morador de Porto Alegre e admirador da black music do Brasil. Depois de assistir ao memorável primeiro show do pernambucano Di Melo, em julho, agora, a festa Voodoo, responsável por trazer essa turma malemolente à minha cidade, presenteou os porto-alegrenses como eu com a vinda de outra lenda da soul brasileira: Gerson King Combo. Mais um dos artistas que caiu no ostracismo com o declínio do estilo nos anos 80, King Combo foi redescoberto no estrangeiro (Inglaterra e Japão) e, atualmente com 70 anos, voltou a ser cult de alguns anos para cá ao universo do entretenimento.

O dançarino SoulBalaMachine
ditando o ritmo da galera.
Dono de uma voz possante, que salta daqueles senhores pulmões, o carioca Gerson Côrtes (irmão de outro precursor da soul no País, Getúlio Côrtes) entra no palco muito bem iluminado da Quadra dos Bambas da Orgia vestindo sua tradicional capa, esta azul-claro misto de boxeur e super-herói, mais calças do mesmo tecido lânguido e da mesma cor, casaco, colete, camisa de golas largas, colares no pescoço, sapatos bicolor e chapéu. Uma figura exótica e impressionante. A imponência do porte e do vozeirão, no entanto, se amenizam com o tratamento educado e a simpatia, que dão o clima alegre da festa. A animação foi bastante ampliada  ainda pela presença do dançarino Rafael SoulBalaMachine, que, vindo especialmente do Rio, ajudou a ditar o ritmo com seus passos mágicos e incentivando o público a fazer o mesmo.

Nós curtindo o balanço de Gerson King Combo.
Sem voltar a Porto Alegre desde 2001, o Rei da Soul Brasileira (que leva o reinado já no nome), não poderia começar a apresentação com outra música: “Estou voltando”. Os versos dizem tudo: “Está voltando com mais força (força)/ Pois nunca teve ausente/ Presente nessa guerra/ Esperou o tempo certo pra voltar”. “Uma chance”, do seu grande álbum de 1977, fez o clima ficar ainda mais quente, mesmo com a torrencial chuva que caía lá fora. “Deixe Sair o Suor” e, mais ainda, “Eu vou Pisar no Soul”, traduzem o sentimento do seleto público que, corajoso, não se intimidou com o temporal e compareceu: “Já separei a minha beca, engraxei os meus sapatos/ Espichei os meus cabelos, detonei os caras chatos/ Por que.../ Eu vou pisar no soul/ Eu vou dançar um Black”.

O mestre da soul com  a cozinha afiada da Ultramen.
O irresistível groove de “Funk Brother Soul”, outro de seus clássicos – este, do LP “Gerson King Combo Volume II”, de 1978 –, antecipa “Soul da paz” e a pacífica “Força e poder”. Das surpresas do show, King Combo, com toda autoridade que tem, encarna o conterrâneo e contemporâneo Tim Maia e manda uma brilhante versão de “Rational Culture”, a faixa em inglês da viagem esotérica de Tim presente no disco “Racional Vol.1”. A banda, os rapazes da Ultramen (Júlio Porto, guitarra; Pedro Porto, baixo; Zé Darcy; bateria; e Leonardo Boff, teclados) mais dois sopros (sax e trompete excelentes, diga-se de passagem), funcionaram perfeitamente bem assim como ocorrera no show de Di Melo, no mesmo formato. Apreciadores e fãs, eles sabem de cor as canções dos mestres – segundo King Combo, ensaiaram com ele apenas uma vez na tarde daquele mesmo dia. O “síndico” foi novamente revisitado com a cover de um de seus maiores hits, “Sossego”, num dos melhores momentos do show. King Combo convidou da plateia duas pessoas para cantarem com ele, uma delas a cantora gaúcha Nani Medeiros, que o incentivou a tocar a balada “Foi um sonho só”, que contém na original um coro feminino e que havia sido tirada do set-list por não ter quem o acompanhasse. Achou-a.
Chamando Nani Medeiros ao palco
para dividir o microfone.

Herdeiro de James Brown no Brasil, King Combo, que integrou as bandas de Erlon Chaves e de Wilson Simonal e grupos seminais da soul brasileira, como a Black Rio e a Fórmula 7, é dos poucos que tem procuração para cantar o Godfather of Soul. E foi o que fez em dois momentos. Primeiro, numa quente “I Feel Good”, dos maiores clássicos da música negra mundial. Claro que todo mundo cantou e dançou junto. A outra foi dentro do maior sucesso do próprio King Combo: “Mandamentos black” (“Dançar, como dança um black/ Amar,como ama um black/ Andar, como anda um black/ Usar, sempre o cumprimento black/ Falar, como fala um black...”), um dos hinos da cena dos anos 70. Nesta, inseriram “Sex Machine”, outro hit de Brown, incendiando de vez a quadra dos Bambas.

Na despedida do público.
Se “Estou voltando” iniciou o show, o recado final foi dado com “Good Bye”, outra bem conhecida do King of Brazilian Soul, que, particularmente, considero sua melhor música. Funk da melhor qualidade: ritmo contagiante, sopros inteligentes, letra romântica e cantarolável e aquilo que só quem faz funk no Brasil sabe: um toque de samba. Ah! Aí é insuperável, e Gerson King Combo é um dos principais representantes! Quando eu pensei que, por não ser a banda original de Kink Combo, a Ultramen não incluiria a pitada brasileira, o baterista Zé Darcy, na segunda parte, engendra um ritmo de samba. Um final perfeito.

Se continuarem assim as promoções da Voodoo, trazendo lendas da soul brasileira, vou querer ver também Hyldon, Carlos Dafé, Toni Tornado, Cassiano, Bebeto, Tony Bizarro, Arthur Verocai... Estão me acostumando mal.



fotos: Jord Hare