E chegamos ao grande momento! Ao momento tão esperado. Teremos a decisão Copa do Mundo Madonna. Frente a frente, Vogue, canção do álbum "I'm Breathless", trilha sonora do filme Dick Tracy, de 1990; e Music, faixa que dá nome ao disco do qual faz parte, do ano de 2000. Vogue, para chegar à decisão, tirou Miles Away, na primeira fase; Secret, na segunda; e depois três faixas do álbum "Erotica" na sequência, Fever, nas oitavas-de-finais, Erotica, nas quartas e Deeper and Deeper na semifinal. Music, por sua vez, eliminou Get Together na primeira fase; Borderline, na segunda; True Blue nas oitavas; Justify My Love nas quartas-de-final e na semifinal, Into the Groove. Como pode-se perceber, o caminho para a final não foi nada fácil. Mas agora, como será o confronto das duas? Nossos técnicos-comentaristas-especialistas decidirão quem fica com a taça. Que comece a decisão...
***
VOGUE
X
MUSIC
Cly Reis: E as equipes estão em campo. Vai começar mais uma final. Duas equipes de respeito. Dois grandes times. E a bola está rolando. Logo de início, aquela introdução "Hey Mr. DJ, put a record on... I want dance with my baby" já garante um gol relâmpago e Music sai na frente. Mas Vogue é time grande e logo na saída de bola, com aquele seu clássico "Strike a pose", empata rapidinho. Jogada manjada mas que o adversário não soube conter. O jogo segue igual, duas equipes ofensivas, de ritmo pra frente, que jogam em busca do gol. O refrão de Vogue é fantástico, um dos mais emblemáticos da carreira da cantora, e garante o 2x1; mas o de Music não fica pra trás e empata novamente. Que jogo, senhoras e senhores!!!
Depois dos respectivos refrões, começa o segundo tempo e o andamento de Music acelera imitando Trans-Europe Express do Kraftwerk e aí é bola na rede! Music toma a frente no placar novamente. Mas por pouco tempo porque aquele andamento dançante elegante de Vogue põe tudo de novo em números iguais. 2x2.
A listagem dos astros de Hollywood é um golaço de Vogue, 3x2; e aquela ênfase final logo em seguida, até a "lacração" com aquele "VOGUE" ecoado, garante mais um no placar. 4x2. Mesmo marcando mais um golzinho com aquela finaleira cheia de evoluções eltrônicas de seus excelentes DJ's produtores, Music não consegue empatar e o placar fica nisso mesmo: Vogue 4 x Music 3. Um confronto digno de uma final de Copa do Mundo.
VOGUE, para mim, é a Campeã da Copa do Mundo Madonna.
Eduardo Almeida: Hey, Mr. DJ. Se fosse na Copa do Mundo dos Smiths, você seria enforcado, mas nessa final você é a estrela. Dois times fortíssimos. Competentes ao extremo pra fazer a torcida dançar e festejar. As firulas das movimentações da equipe de Vogue surtem efeito logo de cara: 1 x 0. Music parte para o ataque, pressiona com uma cadência maravilhosa, muda o ritmo, mas Vogue toma a bola, gira pra cá, gira pra lá e marca o segundo.Parece um jogo de ataque contra defesa. Vogue não se abate. Leva tudo na malemolência e sacramenta o placar com mais um belo gol. Agora é só posar pra foto com a taça, que sairá nos jornais no dia seguinte. "STRIKE A POSE".
Final: Vogue 3 X O Music
VOGUE vence.
Iris Borges: Vogue ganha pq é onde Madonna se consagra agradando todos os públicos, onde toca o povo dança e se bobear faz a coreografia. Music é música de divulgação de disco por mais que Madonna tenha tentado ser moderna, embala mas se mudar a música no meio da pista não faz diferença. Toma!
VOGUE vence. José Júnior: E chega a grande final. VOGUE x MUSIC. O juiz apita, a bola rola em campo. Music chegou à final com sua disco music, levantando a torcida e chamando pra pista, unindo as pessoas. Vogue carrega uma personalidade ímpar, com dribles orquestrados, passes perfeitos, como em suas poses. Chega o final do jogo, por 3x1 o time vencedor para e pergunta: "What are you looking at?". A torcida vai à loucura.
VOGUE é campeã!
Daniel Rodrigues: Bola rolando para a final da Copa Madonna! Em campo, a tradicional “Vogue” com o retrospecto de eliminar as melhores músicas do melhor disco da cantora, “Erotica”. Do outro lado, “Music”, a melhor canção pós-“Bedtime Stories” e uma surpresa no campeonato. Jogo difícil no início, com oportunidades para os dois lados, haja vista que são times ofensivos. Faltou só capricho no último toque. O primeiro tempo ficou assim, sem ninguém abrir o placar. Na etapa decisiva, o favoritismo e a camisa de “Vogue” fizeram a diferença. Impondo seu bem armado, meteu um aos 10 min. Aos 18 min, o segundo. Depois, fechou a defesa e segurou o ímpeto de “Music” até o final. Com placar clássico como a própria...
VOGUE se sagra a campeã da Copa Madonna!
Sorteados os jogos da primeira fase! E não é porque os singles e grandes hits não se enfrentam entre si agora que não teremos grandes confrontos, até porque, em se tratando de The Smiths, é só musicão e consequentemente, só jogaços. Já, de cara, teremos alguns enfrentamentos de abalar a monarquia inglesa: Barbarism Begins At Home, por exemplo, pega um osso duro de roer, a agressiva Miserable Lie; Bighmouth Strikes Again não terá tarefa fácil contra a intensa Death of a Disco Dancer; Rubber Ring contra A Rush and A Push... é pedreira; Last Night I Dreamt... contra The Headmaster Ritual também não é nenhuma moleza; e Sweet and Tender Hooligan contra The Queen is Dead, talvez o jogo mais difícil desta fase, promete muito tumulto e quebra-quebra pelas ruas de Londres.
Os jogos já foram distribuídos aos nossos colaboradores José Júnior, Patrícia Ferreira, Eduardo Almeida e Fernanda Calegaro que irão ajudar a definir os classificados para a fase seguinte. Sei que não é tarefa fácil. Vai dar uma dor no coração de ter que excluir qualquer música que seja mas as coisas são assim e no final, apenas uma vencerá.
Então vamos lá. Encaremos os confrontos e que vença a melhor.
Os autores pousando para as lentes na fachada do Bistrô Multifoco.
A ocasião era oportuna: meses após o lançamento da antologia "Conte Uma Canção - vol.2", da editora
Multifoco, na qual participamos meu irmão Cly Reis e eu cada um com um conto,
estaríamos juntos no Rio de Janeiro, sede da editora. Então, por que não
fazermos um encontro que abordasse isso? Foi o que aconteceu no dia 16 de
dezembro. A partir de uma ideia de Leocádia Costa, que nos deu o privilégio de
fazer as honras, realizamos um sarau de leitura de ambos os contos no bistrô da
própria Multifoco, na Lapa.
Lemos na íntegra, alternando as vozes de personagens e narrador, tanto "Heart Fog", de minha autoria e baseado numa canção da banda de rock
alternativo Th’ Faith Healers, quanto "O Filho do Diabo", do Cly, este, criado
sobre um antigo blues de Robert Johnson: “Me and my Devil Blues”.
Para isso, contamos com a ilustre participação da atriz e amiga Luciana
Zule, que muito gentilmente aceitou nosso convite de dividir conosco a leitura
dos textos. Num clima bastante intimista, reunimos familiares e amigos num
momento muito agradável, que contou com um bate-papo descontraído ao final.
Abaixo, um pouco do que aconteceu nos registros feitos por Leocádia.
Os irmãos ensaiando antes do sarau.
Repassando o texto agora com nossa convidada Luciana Zule.
Leocádia fez as honras da abertura do sarau.
A leitura começou.
"Heart Fog" sendo lido aos convidados.
Ouvintes atentos.
Carolina e Luna, ilustres convidadas.
Agora é Luciana quem assume o papel de narrador
para a leitura de "O Filho do Diabo".
Cly acompanha a leitura de seu conto.
Plateia segue atenta.
O ator Eduardo Almeida nos deu a felicidade da sua presença também.
Nossos especialistas madonnísticos
tiveram que encarar semifinais acirradíssimas entre grandes hits, sendo
obrigados a tomar difíceis decisões que envolveram , além do gosto pessoal de
cada um, qualidade, tradição, ritmos, imagens e emoção.
Pois então chega de conversa e vamos ao que interessa, os
resultados de nossos treinadores de plantão que classificaram para a grande
final dois super-sucessos da maior estrela da música pop.
***
INTO THE GROOVE x MUSIC
Iris Borges: Into the Groove é o conjunto música boa, clipe bom e, mesmo com o passar dos anos, é atual nas pistas de dança. Music tem clipe legal, tem animação, a música é boa e, como sempre, Madonna mostrando corpos e fazendo aquela coisa de provocar, mas que acaba perdendo a graça. Ganha Into The Groove disparado.
Daniel Rodrigues:
Into the Groove chega cheia de moral pra semi no alto de seu status de fase Madonna/Nile Rodgers. Futebol-arte, ofensivo, cheio de craques em tudo que é posição, tipo Seleção de 82. Mas o que ela não contava era que o adversário, “Music”, era justamente a melhor canção de Madonna pós-Bedtime. Ao invés de toquezinho bonito e lance pra galera, a eficiência de “Music”, que vai lá e mete um, dois e, no fim do jogo, quando “Into” se mandava toda pro ataque no desespero, enfia um terceiro. “Into” ainda marcaria o seu de misericórdia, mas era isso mesmo. MUSIC na finaleira!
Eduardo Almeida:
A tradição de um lado contra o mais moderno. Into The Groove é dançante no melhor estilo anos 80, época do futebol espetáculo. Logo faz um gol. Music é mais técnica, muitos artifícios tecnológicos na sua preparação para o campeonato. O empate não demora a acontecer. Into desempata no final do primeiro tempo. Music volta com toda energia, empata e vira o jogo. Os três gols marcados pelo artilheiro, no melhor estilo Paolo Rossi na Copa da Espanha. Into tem seus craques, mas nem sempre craque vence o jogo.
Final de jogo: INTO THE GROOVE 2 X 3 MUSIC
Por maioria, MUSIC classificada para a final.
VOGUE x DEEPER AND DEEPER
José Júnior:
E a semifinal chega com dois times maduros, com técnicas semelhantes: Vogue x Deeper And Deeper. Jogo duro, bem marcado. A bola vai rolando, passando pelo dance-pop, disco, house... Deeper and Deeper que cita, ao final da canção, versos de Vogue, tem um time bem estruturado, uma defesa presente. Vogue está em campo como em batalha nas Ballrooms e, mesmo com um grande adversário, desfila em campo e marca um strike (a pose), ou melhor, com um gol de voleio!Vogue classifica!
Cly Reis:
É o tipo do jogo em que um time grande, com alto potencial, bons resultados e tudo mais, chega pra enfrentar, praticamente, uma seleção. Não dá... Deeper and Deeper é uma baita duma música, empolgante, dançante, bem composta, fez um sucesso absurdo, mas foi pegar logo um adversário que é praticamente sinônimo de Madonna. O jogo acaba 3x0 pra Vogue mas é aquele placar quase enganoso porque D&D jogou pra caralho, jogou muito, insistiu, tocou bola, chutou em gol... só que não dá. Não chega perto. No final, Vogue comemora a classificação e a vaga na final.
Só restaram oito!
Quatro jogos. Quatro embates de arrepiar.
No momento decisivo o álbum "The Queen Is Dead" se impõe e coloca quatro representantes nas quartas, sendo que um deles com certeza ficará pelo caminho, uma vez que teremos o confronto "Bigmouh Strikes Again" contra There's A Light That Never Goes Out". Já o álbum "Meat Is Muder" tem dois representantes na fase atual. Um deles é o azarão "I Wan't the One I Can't Have", que vem surpreendendo, mas tem pela frente a poderosa "The Queen Is Dead", enquanto o outro, o que dá nome ao disco, "Meat Is Murder" também não terá vida fácil contra "What Difference Does It Make?". Completa a tabela de jogos, "The Boy With The Thorn In His Side" do "The Queen Is Dead" contra o bom time de "Girl Afraid" representando o "Hatful of Hollow", um jogo que promete muitas emoções.
Nesta fase, como são seis julgadores, analistas, comentaristas, como preferirem, e temos quatro partidas, cada grupo de três ficará encarregado de decidir dois deles, assim I WANT THE ONE I CAN'T HAVE x THE QUEEN IS DEAD e WHAT DIFFERENCE DOES IT MAKE? x MEAT IS MURDER, ficarão comigo, Cly Reis, com José Júnior e Fernanda Calegaro; e THE BOY WITH THE THORN IN HIS SIDE x GIRL AFRAID e BIGMOUTH STRIKES AGAIN x THERE'S A LIGHT THAT NEVER GOES OUT, a cargo de Daniel Rodrigues, Patrícia Ferreira e Eduardo Almeida. Boa sorte, amigos. Porque vamos precisar.
Confira abaixo a tabela das quartas-de-finais:
O espaço, na área portuária do Rio de Janeiro, do antigo Cais Mauá, hoje transformou-se numa extensa área de passeio e lazer com diversas atrações como MAR, o Museu de Arte do Rio, o museu do Amanhã, o Aqua Rio e atrações eventuais nos armazéns reformados. Tornando ainda mais aprazível a circulação por este espaço, relativamente novo da cidade, foram pintados nas paredes dos antigos armazéns e nas edificações do cais, trabalhos de diversos artistas que por sua beleza, significação e monumentalidade acabaram também se constituindo em atrativos turísticos e paradas obrigatórias para as fotos e selfies. Fique com alguns dos trabalhos murais que podem ser vistos no Boulevard Olímpico da capital Fluminense, incluindo o imenso mural do artista Eduardo Kobra, reconhecido como o maior grafite do mundo.
Trabalho de Panmela Castro, também conhecida
como Anarkia Beladona.
"Magia Negra".
Mural de Camila Camiz
"Saudade é amor... te sigo esperando",
de Rita Wayner.
Trabalho de Luíza Furtado.
Mais para perto da Praça XV, a Liga da Justiça
por César de Almeida, mais conhecido como Dicesarlove
O samba, linguagem tão entranhada na essência do carioca
no trabalho do artista Duim.
Trabalho geométrico de Mario Bands
Belíssima negra na arte de Lya Alves
Os atletas refugiados na Olimpíada do Rio,
retratados no muro por Rodrigo Sini e Cety Soledade
E aqui o gigantesco mural de Eduardo Kobra, "Etnias",
hoje um novo ponto turístico no Rio de Janeiro.
Não venho falando que o bairro Bom Fim e sua história andam recorrentes pra mim? Pois pouco tempo depois de ter assistido a "Filme Sobre um Bom Fim" e visitado a Lancheria do Parque nas vésperas da despedida do garçom Ildo, ambos assuntos que me motivaram a escrever aqui para o blog, outro acontecimento envolvendo o bairro me impele a falar a respeito do Bonfa de novo. É o documentário “Rock Grande do Sul: 30 Anos”, para o qual tivemos a honra de sermos convidados para a pré-estreia por um de seus diretores, meu amigo e jornalista Lucio Brancato, o que aconteceu no simpático Panama Estudio Pub, na Cidade Baixa, numa (mais uma!) noite chuvoso de setembro na capital.
Dentre os que assistiram, estavam o codiretor e também jornalista Fabrício Almeida, os colegas de Grupo RBS Alexandre Lucchese e Porã Bernardes, que ajudaram na pesquisa e entrevistas, e um dos protagonistas do filme, o DJ e produtor musical Claudinho Pereira, responsável pelos contatos que fizeram com que Rock Grande do Sul acontecesse 30 anos atrás. O disco impulsionou as bandas gaúchas dos anos 80, as quais já mobilizavam multidões por aqui, mas ainda não tinham projeção nacional. A trajetória começa em setembro de 1985 com um show no Gigantinho, o “Rock Unificado”, que reuniu pela primeira vez somente bandas locais e um público de mais de 10 mil pessoas. Disso, culmina com a escolha de cinco desses conjuntos para participarem de uma coletânea, engendrada por Claudinho junto a Tadeu Valério, executivo da RCA Victor, que veio a seu convite como olheiro assistir ao espetáculo. Convencido por Claudinho, se valesse a pena, Valério os lançaria um disco. Valeu. Assim, gravariam pela primeira vez em um LP nacional TNT, Garotos da Rua, Engenheiros do Hawaii, Os Replicantes e DeFalla (este último, que não participou do tal show no Gigantinho, mas era visivelmente um destaque na cena pela sonoridade, visual e postura).
Antes da avant-première
Vendo o filme, impossível não compará-lo a “Filme sobre Um Bom Fim”, tendo em vista a quase simultaneidade em que foram lançados. A temática, que faz ambos passarem necessariamente pelo bairro e pela cena cultural da época, os une numa leva de realizações que se completa com outro documentário desde ano, “Sobre Amanhã”, de Diego de Godoy e Rodrigo Pesavento, a respeito da banda DeFalla, lançado também faz pouco, em agosto, no Festival de Gramado. Vários entrevistados são, obviamente, os mesmos, visto que nomes como Biba Meira, Carlos Gerbase, Carlos Eduardo Miranda, Claudinho e Edu K, por exemplo, são essenciais para a história dessa efervescência cultural vivida por Porto Alegre num passado recente.
Conversei sobre isso com Lucio, que me revelou ter sido, de fato, apenas um feliz acaso. As semelhanças existem, tanto que tiveram que evitar de usar imagens e vídeos repetidos em uma obra e outra. Mas a ideia de “Rock...” surgira entre seus idealizadores há pouco tempo, quando Porã se dera conta do aniversário do disco, sendo que o projeto de “Filme...”, consideravelmente maior, já vinha sendo tenteado há uma década. E é aí que as coisas começam a se diferenciar. Por tratar de um tema menos complexo, o lançamento do disco e suas consequências (“Filme...” remonta parte da história e vivências do Bom Fim e arredores em mais de duas décadas), “Rock...” exige um menor número de entrevistados (menos de 20 ao todo) e recortes temporal e narrativo idem.
Começando a projeção.
Talvez por esses fatores, “Rock...” tenha ficado tão agradável e lúdico. Não que “Filme...” também não o seja; mas a complexidade que seu tema central levanta, bem como os vários desvelamentos que não se pode deixar de fazer (política, cultura, boemia, história, antropologia, comunicação, literatura, cinema, arquitetura histórica, urbanismo, etc.), lhe dão necessariamente um caráter mais denso – desafio este que o diretor Boca Migotto cumpre muito bem, diga-se. No caso de “Rock...”, essa exigência é menor, pois os caminhos para dissecar o assunto tornam-se naturalmente menos intrincados, ajudando, inclusive a detectar com mais facilidade os pontos a serem destacados no decorrer da narrativa. Dá até para fazer “firulas”. É o que acontece, por exemplo, na hora em que King Jim, d’Os Garotos da Rua, levemente “desmemoriado”, recorda que até havia plateia no Gigantinho na fatídica noite de 11 de setembro de 1985, depoimento imediatamente reconsiderado por Charles Master, do TNT, a quem era óbvio que havia um grande público. Momento engraçado e bem construído pela montagem.
O tempo recorde em que foi produzido – desde a concepção do roteiro, entrevistas, decupagem e montagem levou-se apenas sete semanas (algo como menos de dois meses), conforme Lucio, impressionado com o próprio feito, me relatou – não prejudicou o resultado final. Muito pela experiência dos realizadores, talhados nas várias mídias do jornalismo (tevê, jornal, rádio, etc.), “Rock...” ganhou agilidade e fluência, contando desde o surgimento das bandas e o furor da cena gaúcha dos anos 80, passando pelo “Rock Unificado”, os bastidores da assinatura do contrato com a RCA e o sentimento dos protagonistas quanto àquela conquista. Além disso, remonta o que aconteceu dois anos depois da coletânea como resultado: a gravação do disco de cada uma das cinco bandas que integraram a “Rock Grande do Sul”, dentre estes os clássicos “Papaparty”, da DeFalla, "O Futuro É Vortex" (1987), d’Os Replicantes, e o LP homônimo da TNT.
Bem interessante esse momento do filme, em que contam sobre a aventura de ir para o Rio de Janeiro para gravarem os discos, o que rende histórias engraçadas e com sabor nostálgico. Charles fala da reação “jeca” dos rapazes da TNT ao se depararem com o rico aparato do estúdio e, logo em seguida, voltarem ao hotel onde estavam hospedados e esconderem os seus instrumentos de vergonha que ficaram. Ou das sacanagens que Os Garotos da Rua, suburbanos também no jeito de ser, faziam no quarto do hotel dos membros do Engenheiros do Hawaii, que, universitários intelectualizados, respondiam às brincadeiras testando-lhes o conhecimento, tal como relataram Jim e Humberto Gessinger. Eu, que sou especialmente fã de Replicantes, adorei saber das condições que a banda de Gerbase impôs à gravadora. Punks cientes – e orgulhosos – de sua inaptidão técnica como músicos, embora extremamente criativos e donos de uma música inteligente e pungente, tinham critérios desde a escolha do repertório até o método de gravação, em que a banda tocava junta (sem overdub) e escolhiam, ao final, o take “menos pior”, como relatara engenheiro de som que os apadrinhara, o Barriga.
Master, Gessinger e Gerbase,
três das figuras centrais do filme.
Detalhes cuidadosos estabelecem o ritmo da montagem, da fotografia e locações, mantendo tempos regulares e bem conduzidos das falas – um exemplo simples mas que denota essa delicadeza é o lettering que credita cada entrevistado, o qual aparece apenas depois da primeira ideia dita por estes. Ao final, fica um sabor de “quero mais”, e não pela sensação de ter sido pouco, pois, mesmo sendo um curta, o filme supera esse fator uma vez que conta muito bem a história. Fica, sim, o sentimento de “que pena, passou tão rápido!”
O filme desfecha com uma rodada de percepções de vários dos entrevistados sobre o que a coletânea “Rock Grande do Sul” representava para eles hoje. Com o a capa do vinil na mão, num exercício psicológico tátil, cada um dá seu depoimento que vai do orgulho ao carinho. Olhando-os nessa sequência, hoje todos mais velhos de quando realizaram a obra, fica a sensação de que parece ter passado pouco tempo de lá para cá, o que é imediatamente contrariado pelo fator cronológico, o qual relembra serem caprichosas três décadas. Não é pouco, de fato. A sensibilidade dos diretores e o carinho com que trataram do tema é provada no desfecho: percebendo essa atmosfera nostálgica que permeia a psique coletiva, o que se escuta no final não é "Segurança", "Entra Nessa" ou “Surfista Calhorda”, faixas do disco que automaticamente são ligadas a este – e com as quais seria óbvio demais encerrar. Ouve-se, sim, apenas o chiado da agulha no sulco do vinil, metáfora de uma obra que não inicia, pois seus ecos, na verdade, ainda não terminaram.
Afora isso, foi saboroso assistir a esse tributo a um dos discos que foi um dos principais responsáveis por fazer a mim e a meu irmão a gostarmos de rock e pelo qual guardo um sentimento especial até hoje. Pelo visto, não só eu.
Grande Otelo em "Rio, Zona Norte" com o seu realizador, Nelson Pereira dos Santos, que chega para ficar
Chegamos à terceira parte de nossa lista dos 110 melhores filmes brasileiros, em comemoração aos 110 anos do primeiro filme realizado no Brasil, “Os Óculos do Vovô”. E justo naquele em que é celebrado o Dia do Cinema Brasileiro! E podemos dizer que a coisa está ficando cada vez mais séria. Não que os primeiros-últimos da ordem já não garantissem uma qualidade excepcional. Afinal, separar APENAS 110 títulos entre tantos memoráveis foi tarefa não só difícil como incompleta. Porém, é óbvio que, à medida que vai se avançando na classificação, também se intensifica a importância das obras.
É bem o caso do nosso novo recorte, que vai do 70º ao 51º posto. E em verdade vos digo: só tem filmão! Se nos 40 títulos anteriores já figuravam grandes realizadores, como Eduardo Coutinho, Glauber Rocha, Hector Babenco e Humberto Mauro, agora entram no páreo outras referências indeléveis do cinema nacional, como Leon Hirzsman, Nelson Pereira dos Santos e Kleber Mendonça Filho com seus primeiros listados. Por que, claro, todos eles voltarão mais pra frente com mais obras. Mesmo caso de Cláudio Assis, aqui com “A Febre do Rato”, e Ruy Guerra, já mencionado com seu "Os Cafajestes" (102º) e agora representado por um dos raros musicais de toda a seleção: “Ópera do Malandro”. Como Guerra, Walter Avancini, Julio Bressane, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Jr. e Rogério Sganzerla, já presentes, voltam à carga com todo merecimento.
Entre as mulheres, se até então apareceram apenas filmes de Suzana Amaral, Laís Bodanzky e Tatiana Issa, Sandra Kogut amplia a representatividade feminina trazendo uma obra-prima da recente cinematografia brasileira: “Três Verões”. Por falar em época, ao contrário do recorte imediatamente anterior, onde calhou de não haver nenhuma produção dos anos 80, nesta, pelo contrário, elas são maioria entre as décadas, com 8 títulos, 4 a mais que a segunda com mais filmes, os anos 60. Este é um dos retratos de momentos importantes do audiovisual brasileiro que uma lista de teor histórico como esta pode suscitar. A constatação é uma mostra (à exceção de “Morte e Vida Severina”, teledrama da TV Globo) do quanto a Embrafilme, bem estruturada nos anos 80, rendeu ao cinema brasileiro frutos muito qualificados e duradouros. A mesma Embrafilme desmontada nos anos 90 por Collor... Mas isso é outra história.
Confiram, então, mais uma parte da lista destes filmes que, se não são necessariamente todos os melhores, infalivelmente guardam qualidades que os credenciam a estarem aqui.
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70.“O Homem que Virou Suco”, João Batista de Andrade (1981)
A forte e memorável atuação de José Dumond (Melhor ator em Gramado, Brasília e Huelva), mais uma vez espetacular como em “A Hora da Estrela” e “Morte e Vida Severina”, leva o filme, que conta a história do poeta popular nordestino Deraldo. Ele quer tenta viver em São Paulo de sua arte mas é irresponsavelmente confundido com um assassino. Suas raízes e verdades, então, viram “suco” na grande cidade. Melhor Filme em Moscou e Nevers, é daquelas corajosas realizações ficcionais, mas abertamente realista que quase documental, e de extrema importância para o período de abertura política no Brasil após os Anos de Chumbo da Ditadura Militar.
69. “Sem Essa Aranha”, Rogério Sganzerla (1970)
68. “Pra Frente, Brasil”, Roberto Faria (1982)
67. “Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora é Outro”, José Padilha (2010)
66. “Ópera do Malandro”, Ruy Guerra (1986)
65. “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, José Mojica Marins (1968)
64. “O Padre e a Moça”, Joaquim Pedro de Andrade (1966)
63. “Três Verões”, Sandra Kogut (2020)
62. “Ele, O Boto”, Walter Lima Jr. (1987)
61. “A Pedreira de São Diogo”, Leon Hirzsman (1962)
60.“Os 7 Gatinhos”, Neville D’Almeida (1980)
Neville é daqueles cineastas da “elite intelectual carioca” que produz coisas às vezes intragáveis, mas esse é um acerto inconteste. Baseado em Nelson Rodrigues, tem o dedo do próprio no roteiro e, além de trilha com músicas de Roberto e Erasmo, é uma tragicomédia crítica e consistente à hipocrisia e depravação da sociedade brasileira. Interpretações (Thelma Reston, Melhor Coadjuvante em Gramado) e cenas inesquecíveis como a dos “caralhinhos voadores” e “me chama de contínuo” estão neste longa referencial.
59. “O Mandarim”, de Julio Bressane (1995)
58. “Morte e Vida Severina”, Walter Avancini (1981)
Enfim, chegamos à
terceira e última listagem de filmes brasileiros essenciais para se
entender o nosso cinema no final do século XX, terminando com a
safra dos 80. Mais do que para com os anos 60 e 70, a década de 80
foi a que mais tive dificuldade de escolher entre tantos títulos que
considero fundamentais. Talvez pelo fato de, dos anos 60,
embrionários e revolucionários, haver mais clareza quanto ao que
hoje é tido como essencial, bem como pela até injusta comparação
com os sofridos e minguados anos 70. O fato é que a produção dos
80 vem justificar, justamente, o decréscimo quali e quantitativo da
sua década anterior. Tanto é verdade que, com os reflexos visíveis
da Abertura Política e já se enxergando a tão sonhada democracia
não apenas como uma miragem, os cineastas brasileiros – mesmo com
a menos rígida mas ainda existente censura – passam a ter uma até
então inédita estrutura através de verba do próprio Governo via
Embrafilme.
Foi aí, então, que
os cineastas daqui mostraram o quanto são, de fato, brasileiros. Se
já haviam conseguido, nos 60 e 70, realizações memoráveis sem uma
Atlântida ou Vera Cruz por trás, quando tiveram um tantinho mais
fizeram “chover pra cima”. Desfalcados a maior parte da década
da tempestuosidade de ideias de Glauber Rocha, falecido em 81, além
de Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade, também vitimados cedo,
outros cabeças do cinema nacional avançaram em temática, nível
técnico, concepção e apelo com o público. Ironicamente,
entretanto, se os 80 justificaram a baixa dos 70, também herdaram o
inevitável: justo na década que talvez melhor se tenha produzido
para as massas até então, recaiu-lhes a pecha de cinema malfeito e
sem qualidade, motivado, principalmente, pela herança das
famigeradas pornochanchadas, naturalmente desvalorizadas com o
declínio do discurso do Governo Militar – estigma do qual o cinema
nacional tenta se livrar até hoje.
Para além das
comparações, a diversidade do cinema nacional dos 80 é grande. As
abordagens vão desde cinebiografias (pouco vistas até então),
felizes adaptações do teatro para as telas (finalmente!), avanço
do documentário, início da descentralização da produção eixo
Rio-São Paulo e, principalmente, uma maior liberdade de expressão.
Sem o fantasma constante das torturas e perseguições, as histórias
tocavam agora direto nas feridas da ditadura. “Nos nervos, nos
fios”. Ainda deu tempo, inclusive, de tanto Glauber quanto Leon
produzirem as talvez obras-primas de ambos. Diretores surgiam; uns,
despontavam; outros, afirmavam-se. Nesse contexto, sobraram títulos
que, por restringirmos a 20, não puderam entrar na lista, mas que
merecem menção: “Barrela”, “Cidade Oculta”, “A Dama do
Cine Shangai”, “Quilombo”, “Um Trem Pras Estrelas”,
“Gabriela”, “Índia, a Filha do Sol”, “O Romance da
Empregada”, “Inocência”, sem falar nas produções televisivas
de Walter Avancini. Mas, com esses 20 não tem erro: só filmaços.
1 - “A Idade da
Terra”, Glauber Rocha (80) – Poesia total. O último e
criticado filme de Glauber, fábula sobre as possíveis vidas e
mortes de Cristo num Brasil moderno, pode ser visto até como uma
metáfora visionária da morte do cineasta, que, entristecido com o
Brasil e com a recepção a seu filme, sucumbiu um ano depois de
lançá-lo. Esqueça os detratores: “A Idade...” é grande,
potente, cáustico, catártico, altamente filosófico. Um dia será
devidamente reconhecido.
2 - “Os 7
Gatinhos”, Neville D’Almeida (80) – Neville é daqueles
cineastas da “elite intelectual carioca” que só fala besteira e
produz coisas intragáveis e ininteligíveis, mas esse é um acerto
inconteste. Baseado em Nelson Rodrigues, tem o dedo do próprio no
roteiro e, além de trilha com músicas de Roberto e Erasmo, é uma
tragicomédia crítica e consistente à hipocrisia e depravação da
sociedade brasileira. Interpretações (Thelma Reston, Melhor
Coadjuvante em Gramado) e cenas inesquecíveis como a dos
“caralhinhos voadores” e “me chama de contínuo” estão neste
longa referencial.
3 -“O
Beijo no Asfalto”, Bruno Barreto (80) – Outra feliz adaptação
de peça, outra feliz adaptação de Nelson Rodrigues. Essa, no
entanto, deixando de lado a linguagem metafórica e fantástica de
“Os 7 Gatinhos”, investe numa história contada com rigor e
direção segura, apoiada pelas ótimas atuações de todos: Ney,
Tarcisão, Daniel, Torloni, Lídia. Daqueles filmes que, se está
passando na TV, não se fixe por 15 segundos, pois senão acabarás
terminando de assisti-lo inevitavelmente.
4
- “Pixote, A Lei do Mais Fraco”,
Hector Babenco (80) – Babenco chega à maturidade de seu cinema e
faz o até hoje melhor trabalho de sua longa e regular filmografia.
Com ar de documentário, toma forma de um drama realista e trágico,
trazendo à tona mais uma mazela da sociedade brasileira: a
desassitência político-social às crianças e a violência urbana.
O pequeno Fernando, que, ao interpretar Pixote, faz bem dizer ele
mesmo, nos emociona e nos entristece. Marília está num dos papeis
mais espetaculares da história. Indicado ao Globo de Ouro e vencedor
do New
York Film Critics Circle Awards (além de Locarno e San Sebastian), é
considerado dos filmes essenciais dos anos 80 no mundo.
5 - “Eles não
Usam Black Tie”, Leon Hirszman (81) – Como um “Batalha de
Argel” e “Alemanha Ano Zero”, é uma ficção que se mistura
com a realidade, e neste caso, por vários fatores. Adaptação para
o cinema da peça dos anos 50 de Gianfrancesco Guarnieri sobre uma
greve e a repressão política decorrente, transpõe para a realidade
da época do filme, de Abertura Política e ânsia pela democracia,
retratando as greves no ABC Paulista. E ainda: tem o próprio
Guarnieri como ator, que, segundo relatos, codirigiu o filme. Filme
lindo, que remete a Eisenstein e Petri. Música original da peça de
58 de autoria de Adoniran Barbosa. Prêmio do Júri em Veneza.
6 - “Sargento
Getúlio”, Hermano Penna (81) – Pouco lembrado, mas talvez o
melhor filme nacional da década. Adaptação do romance de João
Ubaldo, dá ares de tragédia shakesperiana à história em plenos
sertão e Ditadura Militar. Crítico, poético e altamente literário,
sem deixar o aspecto fílmico de lado, haja vista a fotografia,
cenografia e a arte primorosos. E o que dizer de Lima Duarte, Melhor
Ator em Gramado, Havana e APCA? Ponha sua atuação entre as 20
maiores do cinema mundial sem pestanejar. Ainda levou Melhor Filme e
Crítica em Gramado.
7 - “O Homem
que Virou Suco”, João Batista de Andrade (81) – A forte
atuação de José Dumond (Melhor ator em Gramado, Brasília e
Huelva), mais uma vez espetacular como em “A Hora da Estrela” e
“Morte e Vida Severina”, leva o filme conta a história do poeta
popular, o nordestino Deraldo, quer tenta viver em São Paulo de sua
arte mas é irresponsavelmente confundido com um assassino. Suas
raízes e verdades, então, viram “suco” na grande cidade. Melhor
Filme em Moscou e Nevers.
8 - “Bar
Esperança, O Último que Fecha”, Hugo Carvana (82) – Poético
e divertido, “Bar...” é o típico filme do novo Brasil que se
construía com a Abertura, o que significava transformações
irrefreáveis, como o avanço da modernidade e a morte da antiga
boemia poética. Junto com a companhia Asdrúbal Trouxe o Trambone,
lançou toda a geração de atores que viriam a desembocar na TV
Pirata e afins e no cinema que se constituiu no Brasil na
pós-retomada. Cenas memoráveis, atuações impecáveis, diálogos
idem. Música-tema de Caetano com Gal Costa. Vários prêmios em
Gramado. Uma joia.
9 - “Pra
Frente, Brasil”, Roberto Faria (82) – Tijolaço na cara da
ditadura, que, embora mais branda, ainda se mantinha no governo
Figueiredo. Corajoso e sem dó, evidencia a desumanidade do regime
militar ao contar a história de um homem confundido com um
“subversivo” e que é dura e aleatoriamente torturado, fazendo um
paralelo com o clima festivo da Copa de 70. Primeiramente proibido
pela censura, depois de liberado arrebatou Gramado (Filme e Edição)
e levou prêmio em Berlim, entre outras premiações e indicações.
10 -“Nunca
Fomos Tão Felizes”, Murilo Salles (84) – O letreiro inicial
diz tudo, quando o título do filme se constrói de forma a se
entender “Tão Felizes Nunca Fomos”. Estocada forte na Ditadura,
rodado no último ano do Governo Militar, conta a história de um
filho de um misterioso militante político que é retirado de um
colégio interno para viver temporariamente num moderno e entediante
apartamento. Alto nível técnico. Arrebatou Brasília e prêmio da
Crítica em Gramado.
11 - “Verdes
Anos”, Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil (84) – O cinema
gaúcho, encabeçado pela galera da Casa de Cinema, começava nos 80
a mostrar suas qualidades: roteiros tratados literariamente, ares de
cult movie europeu, técnicos competentes e sotaque diferente do
“carioquês” ou “paulistês” que todos eram acostumados a
ouvir no cinema nacional. Um sopro de criatividade que revolucionaria
o audiovisual brasileiro a partir dos anos 90. Tema musical clássico
de Nei Lisboa.
12 - ”Cabra
Marcado para Morrer”, Eduardo Coutinho (84) – Mestre do
documentário mundial, Coutinho não se entregava mesmo quando
parecia impossível. “Cabra...”, um dos maiores filmes do gênero,
é um documentário do documentário. Interrompido em 1964 pelo
governo militar, narra a vida do líder camponês João Pedro
Teixeira e teve suas filmagens retomadas 17 anos depois, introduzindo
na narrativa os porquês da lacuna. Premiado na Alemanha, França,
Cuba, Portugal e Brasil, onde conquistou Gramado e FestRio.
13 - “Memórias
do Cárcere”, Nelson Pereira dos Santos (84) – Prova de que
Nelson Pereira não tinha “perdido a mão” depois de erros e
acertos nos anos 70, se debruça novamente sobre Graciliano Ramos,
mas desta vez não como fizera com seu grande romance, “Vidas
Secas”, mas sobre o próprio escritor quando de sua prisão pelo
Governo Vargas. Um épico que ganhou prêmio da crítica em Cannes.
14 - “A Hora da
Estrela”, Suzana Amaral (85) – Exemplo de como se fazer um
filme pequeno, com baixo orçamento, mas de muito, muito esmero de
roteiro (baseado no forte texto de Clarice Lispector) e cenografia.
Cartaxo interpreta a inocente Macabéa, noutra atuação espetacular
dos anos 80 no cinema mundial, que a fez ganhar Urso de Prata em
Berlim, onde a diretora também ganhou prêmio da crítica. O filme
ainda levou tudo no Festival de Brasília.
15 -“O
Beijo da Mulher Aranha”, Hector Babenco (85) – Uma história
improvável em uma produção brasileiro-americana ainda mais
improvável de dar certo. Mas Babenco, talentoso e sensível, amarra
tudo com maestria. De roteiro primoroso, é mais uma pungente crítica
ao Governo Militar e que tem nas atuações dos estrangeiros John
Hurt e Raul Julia e na dos brasileiros, Lewgoy, Sônia Braga e Milton
Gonçalves sua base. Cannes e Oscar de Ator para Hurt, mas concorreu
também a Filme, Direção e Roteiro na Academia e a Palma de Ouro.
16 - “O Homem
da Capa Preta”, Sérgio Rezende (86) – Na sua longa
filmografia, Rezende se especializou em rodar temas ligados à
história do Brasil. Porém o seu maior acerto é justamente o
primeiro com esta temática. Sobre o controverso político de Duque
de Caxias, Tenório Cavalcanti (Wilker, incrível), é um exemplo a
se seguir de cinebiografias, as quais hoje tanto se fazem mas que
resvalam na superficialidade. Grande vencedor de Gramado.
17 - “O Grande
Mentecapto”, Oswaldo Caldeira (86) – Das melhores comédias
do cinema nacional, filme mineiro que, na linha de “Verdes Anos”,
direcionou a produção a outros Estados que não Rio e SP, e que
sedimentou a geração TV Pirata (Diogo Vilella, LF Guimarães,
Regina Casé) numa história de Fernando Sabino ao mesmo tempo
deliciosa, cômica, poética e aventuresca. Um dos finais de filme
mais bonitos do cinema brasileiro. Trilha do Wagner Tiso marcante.
Melhor Filme pelo júri em Gramado e concorreu em Cuba, Canadá e
EUA.
18 - “Ópera do
Malandro”, Ruy Guerra (86) – Ruy é o cara que sempre
produziu com alto padrão de qualidade desde que surgiu, nos anos 60.
Em “Ópera...”, coprodução da Embrafilme com a França, ele
eleva ainda mais o nível. Numa adaptação da peça de Chico Buarque
(por sua vez, baseada em Brecht e Gay), ele se vale do apoio do amigo
e parceiro não só para os maravilhosos temas musicais como até
para os diálogos. Tiro certeiro. Musical que não te cansa, pois
integra tanto a cenografia às canções que todos os atores se saem
bem cantando.
19 - “Ele, O
Boto”, Walter Lima Jr, (87) – Lenda popular e realidade se
misturam nessa fábula contada com muita poesia sobre a beleza do
imaginário e da sexualidade feminino, tema que Lima Jr. recuperaria
10 anos depois em “A Ostra e o Vento”. Dos primeiros filmes
brasileiros que me arrebataram. Nunca me esqueci da lindeza da
fotografia das cenas noturnas, com a claridade (muito bem
fotografada) da lua na praia. Outra ótima trilha de Tiso.
20 - “Faca de
Dois Gumes”, Murilo Salles (89) – Terminando a década,
Murilo acerta a mão em cheio de novo, desta vez adaptando
Best-seller de Sabino. O resultado é um drama policial potente e não
menos crítico no que se refere ao sistema. Atuações memoráveis de
José Lewgoy, Pedro Vasconcelos e Paulo José, principalmente.
Direção, Fotografia e prêmios técnicos em Gramado, além de Filme
em Natal e Rio.
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Embora goste menos
desses títulos ou até não goste de alguns, acho justo, por uma
questão jornalística e histórica, ao menos citá-los, pois cada um
tem seu grau de importância dentro do período dos anos 60, 70 e 80
que abordamos:
60: “Macunaíma”
(Joaquim Pedro, 69); “Cara a Cara” (Bressane, 67); “A Falecida”
(Leon, 65); “Porto das Caixas” (Saraceni, 62); “Bahia de Todos
os Santos” (Triguerinho, 60); “A Grande Feira” (Pires, 61); “A
Grande Cidade” (Cacá, 66)