Um filme do tempo do cinema moleque, onde um roteiro simples, mas com bons personagens, interpretados por excelentes atores, faziam grandes obras. Uma obra leve e cômica, que ao mesmo tempo consegue ser tensa, com um suspense bem feito, uma ótima direção do premiadíssimo John Huston.
Um casal de irmãos missionários Rose Sayer (Katharine Hepburn) e o reverendo Samuel Sayer (Robert Morley) vivem tranquilamente na antiga Congo Belga (atual Republica do Congo), até o inicio da primeira grande guerra, onde o exercito alemão aparece para controlar o país. Devido a luta para resistir ao controle dos alemães, o reverendo Samuel acaba morrendo, e Rose se vê sozinha, pois a maioria dos nativos foram presos ou assassinados e alguns viraram soldados do exército alemão. Se passam alguns dias e com chegada de Charlie Alnutt (Humphrey Bogart), um barqueiro que vive na região, viajando pelos rios abordo do seu barco “Rainha da África”. Charlie no primeiro encontro com Rose não causa boa impressão, mas agora ele é a única chance dela sair com vida do pequeno vilarejo e também, por que não se vingar dos alemães?
A irmã Rose despejando as bebidas do embriagado barqueiro
Rose Sayer é uma personagem de uma força de vontade incrível, que nunca perde sua feminilidade, se no começo do filme ela passa a imagem de esnobe e aristocrática, o jeito que ela olha para Charlie, as roupas que ela veste, você não consegue imaginar que ao longo do filme você vai torcer por aquela personagem. Dai vem a tragédia, a chega a guerra, ela perde tudo, só não perde seu espirito de luta, sua vontade de se vingar daqueles que acabaram com sua vida, mesmo nos momentos em que ela está frágil, que parece perdida, rapidamente ela se recompõem. Rose não é uma donzela em perigo que espera ser salva, e sim ela vai atrás da salvação, e pode se dizer que ela acaba salvando Charlie.
Charlie Alnutt logo na sua primeira aparição, diferente de Rose ele já te conquista, abordo de sua “Rainha da África” (que barco barulhento!!!), chamando atenção de todos na vila, atrapalhando a missa dos irmãos Sayer, logo depois, em uma hilariante cena onde ele almoça com os irmãos, nos é mostrado sua simplicidade e humildade. Com o passar do filme, também fica claro que ele tem problemas com as bebidas, mas com a ajuda Rose ele supera isso e consegue se transformar em um homem novo. Ele não é um galã, longe disso, ele não tem bons modos, não se veste bem, anda boa parte do filme sujo, mas a sua personalidade, o seu jeito de ser, são apaixonantes.
As dificuldades (reais) de atravessar o Rio Congo
O filme em sua grande parte se passa dentro do barco e o casal tentando atravessar o rio Congo, para destruir um grande barco alemão que dominava aquela região, mas para chegar até lá terão que passar por uma emboscada do exército alemão, sem falar dos perigos naturais do Rio do Congo. A trama mostra as diferenças deste casal sem fazer rodeios, tudo bem claro, por exemplo, o plano de destruir o barco é ideia de Rose, que Charlie é totalmente contrário, mas por ela se mostrar irredutível ele acaba ajudando, é um inicio de relacionamento difícil, mas a cada perigo superado pelo casal seus laços são fortalecidos. Uma cena que acho fantástica e que muda completamente o relacionamento dos dois, é quando Rose percebe que o humor de Charlie sempre muda após ele beber, fica agressivo, então ela toma uma decisão, jogar todo estoque de bebidas na água, uma por uma, provocando a revolta de Charlie, que na hora fica revoltado, mas em seguida percebe que não necessita mais da companhia da bebida, pois agora ele tem uma companheira muito melhor.
A produção do filme sofreu muito durante as filmagens, boa parte do filme foi gravada no Congo, atores e pessoas da produção ficaram doentes, as dificuldades de ajustar as câmeras, algumas cenas tiveram que ser refeitas em estúdio, mesmo com toda a dificuldade, o resultado final foi algo épico. Podemos reclamar de maneira injusta (pelo menos eu acho injusto) dos efeitos especiais do filme que são muito precários, é o que tinha na epoca e o filme tentou fazer o melhor, a única cena desse tipo que me incomodou, foi o momento onde o casal de protagonista foi atacado por uma nuvem de mosquitos (algo que realmente aconteceu com a equipe de filmagem), na cena os mosquitos foram colocados digitalmente, o que ficou muito falso, os atores ficaram um pouco perdidos sem saber para onde olhar, se colocassem eles se debatendo e reclamando dos mosquitos, a cena já ficaria bem clara, sem haver a necessidade de mostrar os insetos.
A memorável cena do beijo.
É realmente uma aventura na África, e você realmente entra nesta aventura, o filme é dinâmico, não cansa, apesar não ter a velocidade que estamos acostumados a ver nas produções atuais, sim ele é meio lento em alguns momentos, mas isso é muito bom, porque aí você pode ver a beleza da fotografia do filme, apreciar a bela paisagem, que o diretor faz questão de mostrar. Sem falar que temos duas estrelas no auge de suas carreiras, Katharine Hepburn e Humphrey Bogart (Bogart até mesmo ganhou seu único Oscar de melhor ator por este filme), estão incríveis, não são atores, porque a imagem que eles passam é que é tudo real, são naturais, mesmo com toda dificuldade de gravar o filme, diálogos incríveis, cenas memoráveis, como o primeiro beijo do casal, ou quando o barco encalha e os dois descem para puxar o barco, a uma perfeita química entre eles, os personagens vão se transformando, se misturando, um absorvendo o outro, fantástico o trabalho desta dupla.
Vale muito a pena ver o filme, ele é muito agradável e suave, uma obra de arte, na verdade é apenas uma historia bem contada. Simples, não? Mas os prazeres mais simples são tão bons.
Obs: Passei dias falando com um sotaque inglês “Mrs. Alnutt”.
Nosso convidado do Duelo do mês é o radialista, locutor,
cinéfilo e blogueiro Paulo Telles.
Morador da Lapa, no Rio de Janeiro, o famoso bairro boêmio carioca não é páreo
para o fascínio cinéfilo de nosso entrevistado. Telles divide seu tempo entre
as locuções e roteiros de rádio e as várias colaborações para blogs e revistas
de cinema. Dentre elas, a DVD Magazine, onde possui uma coluna. Seu blog, Filmes Antigos Club, está há 5 anos no ar. O espaço é dedicado a artigos sobre filmes clássicos
que fizeram história. Telles também é um dos maiores especialistas do Brasil no
tema western, tendo escrito diversos
textos e resenhas sobre o gênero. Ele se considera criterioso para fazer suas
matérias e põe a pesquisa como peça fundamental para redigir qualquer texto. Eu
decidi entrevistá-lo e explorar todo seu vasto conhecimento de sétima arte. Ele
gentilmente aceitou e colaborou com respostas bem afinadas e nos deu uma grande
entrevista. Um prato cheio de spaghetti
e western de todo tipo, fartura total
para os amantes do bang bang.
Desfrutem com armas na mão.
BINO: Paulo, vamos
entrar direto no tema western. Recentemente eu li um texto seu para a DVD
Magazine que foi um dos melhores que vi sobre o tema bang bang. Era sobre o Western Americano e o Europeu,
uma comparação, na verdade, uma diferenciação de ambos os estilos, quase um
duelo. Eu tenho notado entre amigos e cinéfilos uma divisão de preferências
entre os dois. É certo que o spaghetti
fez o western americano repensar sua estética de cowboy limpinho, mas ao mesmo tempo bebeu muito na fonte hollywoodiana de
fazer estes filmes. Quais foram as grandes contribuições que ambos os gêneros
deram um para o outro?
Eastwood e seu referencial "Os Imperdoáveis"
PAULO TELLES: Primeiramente,
saudações cinéfilas aos leitores do Clyblog e obrigado pela acolhida. Esse texto foi um dos meus primeiros redigidos no meu blog Filmes Antigos Club, criado em2010, dividida
originalmente em três partes, e foi trasladado para minha coluna Revendo por Edinho Pasquale (editor
do DVD Magazine) em um único artigo. Ambos os estilos deram uma indelével
contribuição à sétima arte, contudo, os faroestes
spaghetti ajudaram a fortalecer o gênero. Para vocês terem uma
ideia, o western (por definição do
famoso crítico Andre Bazin, o "cinema
americano por excelência") foi extremamente explorado por Hollywood
pelo menos durante os primeiros 60 anos de indústria, inclusive na TV e nos
seriados infantis de cinema (ao estilo Durango
Kid, The Lone Ranger, etc), praticamente repetindo uma fórmula,
ou melhor, dizendo, uma estética lírica e poética. Obviamente isso foi
saturando o público e a crítica, mesmo que o cinema americano nos meados da
década de 1950 tentasse inovar o gênero com temas sociais e de politização. Até
que veio um notável cineasta italiano chamado Sergio Leone a mostrar para as
plateias do mundo que o Velho Oeste era mais pungente do que os cineastas
americanos florearam, mas estes, amantes da mitologia e do folclore, não se
importavam com a fidelidade dos reais acontecimentos, e sim com a legenda áurea
e romântica dos mitos do Oeste Americano. Obviamente, isso não condizia com uma
época violenta que fora o Velho Oeste. Ele admirava os trabalhos dos mestres
Ford, Hawks, Mann, Daves, Hathaway, mas discordava do idealismo romântico e
poético que estes diretores envolviam acerca de seus cowboys e no meio em que viviam, mesmo que estes cowboys fossem de teor freudiano. Se não
fosse Leone, os westerns americanos
ficariam quase batendo na mesma tecla, e graças a ele o gênero, no geral,
sobreviveu mais um pouco e vem de certa forma, sobrevivendo. Afinal os
americanos não teriam feito obras como “Meu
ódio Será Sua Herança”, “Os Profissionais”, “Quando os Bravos se Encontram”,
“Mato em Nome da Lei”e até mesmo "Os Imperdoáveis", de Clint Eastwood, se não fosse pela
intervenção dos westerns italianos. Ambos os estilos, o americano e o
europeu, cada um com sua essência, foram importantíssimos e são de um legado
ímpar para a cinematografia mundial.
B: Um dos legados
de Ford e de outros grandes diretores foi mitificação do homem do Oeste
americano. Mas ao mesmo tempo sabemos que muito do que se via nos filmes não
correspondia à realidade ou era controverso. Um dos maiores exemplo é o famoso
tiroteio de O.K. Corral. Tivemos diversas produções sobre este tema e que
exaltaram os participantes do tiroteio, mas a pesquisa de especialistas disse
que não foi nada daquilo o que aconteceu na verdade. E outro foi uma espécie de
inversão que transformou o índio em pária social pelas produções de cavalaria,
aquela história de mocinho versus
índio. Formato que alguns diretores repensariam anos depois – Ford foi um
deles. O progresso a qualquer "custo" desnudado nas produções de
Leone confrontava os mitos fordianos e CIA. A figura do pistoleiro anti-herói e
errante é na verdade uma cutucada. Fale-nos um pouco do mito do cowboy.
PT: Como eu disse, os americanos são fascinados
pela mitologia do Oeste Americano, e isso já acontecia antes mesmo do
surgimento do cinema. Em 1883, o próprio William Frederick Cody, conhecido
mundialmente como Buffalo Bill, já vinha explorando ele mesmo seu lado de
“herói” nos seus espetáculos circenses do Oeste Selvagem. Quando o cinema já
existia como um espetáculo, Buffalo Bill foi convidado por um dos primeiros
mocinhos do Far-West, Gilbert Broncho Billy Anderson (que também
era produtor) para estrelar um filme, intitulado “The Adventures of Buffalo Bill”, justamente com a
intenção de demonstrar que, no cinema, a ideal “fábrica de sonhos”, realidade e
lenda poderiam se confundir facilmente. Dois anos depois da morte de Wyatt
Earp, em 1929, um escritor chamado Stuart Lake publicou um livro chamado “Wyatt Earp, Frontier Marshal” (“Wyatt Earp, o Delegado da Fronteira”),
onde narrava as façanhas do “Leão de Tombstone”, como era Earp alcunhado. Lake
sempre declarou que cada narrativa, cada palavra ou vírgula, foram do delegado,
mas depois voltou atrás, dizendo que todo o livro era de sua inteira autoria, e
que Wyatt nunca lhe passou informações. Contudo, já nessa época, o cinema estava
em busca de heróis para mitificar o verdadeiro mocinho, e não de personagens
freudianos ou em enredos elevados a tragédia grega como viria mais tarde. Com
base no livro de Lake, Wyatt Earp parecia se encaixar como este novo mito cowboy. Em 1937, Randolph Scott e Cesar
Romero eram respectivamente Wyatt e Doc Holliday no filme “Frontier Marshal”, um dos primeiros
filmes a abordar o duelo de O.K. Corral baseado na história de Lake, cujo
argumento serviria também para “Paixão
dos Fortes”, de John Ford, em 1946. Mas evidente que não foi apenas Wyatt Earp o objeto desta mitificação cinematográfica, e Hollywood
transformou em heróis Billy The Kid, Jane Calamity, Buffalo Bill, Jesse James,
Wild Bill Hickcok, Kit Carson e até mesmo o famigerado General Custer. Todos na
realidade estavam distantes de serem “mocinhos”, mas o cinema americano
preferiu de início laurear tais ídolos do Velho Oeste, pondo uma legenda
romântica em cada um, imprimindo lendas e descartando fatos verdadeiros.
Afinal, um famoso cineasta que todo bom amante de western prestigia já falava em um de seus grandes filmes: “Isto é o Oeste. Quando a lenda é mais forte
que os fatos, se imprime a lenda”. Isso mesmo, John Ford.
"Sem lei e sem alma"
Quanto ao famoso tiroteio do O.K. Corral, tão bem
retratado em filmes como “Paixão dos
Fortes”, “Sem Lei e Sem Alma”, e “A Hora da Pistola” (os dois últimos de John Sturges), não passou
de uma tremenda farsa. O verdadeiro tiroteio, ocorrido em 26 de outubro de
1881, durou um minuto, enquanto que no filme “Sem Lei e Sem Alma”dura 15. Nem Wyatt Earp e nem seus
irmãos foram heróis em nenhum momento de suas vidas, e sim assassinos
acobertados pela insígnia da Justiça. Ike Clanton era um homem pacífico e ele e
seus parentes foram vítimas dos Earp, porque sabiam de coisas comprometedoras a
respeito de Wyatt e Doc Hollyday, este um pobre coitado. O verdadeiro Earp era
o típico “171” do Velho Oeste: trapaceiro, mentiroso, amoral e covarde. Nem
mesmo a amizade de Earp com Holliday era verdadeira. Foram, de fato, parceiros
de copo e mesas de jogo, além de ser seu aliado e cúmplice no duelo de O.K.
Corral, mas não tinham grandes afinidades. Wyatt era de uma família de rudes
camponeses pioneiros do Oeste, e Doc de uma família refinada do Leste,
diplomado em Odontologia e de esmerada cultura. E fato é que, na última vez que
se encontraram, descobriram que eram bastante diferentes e resolveram não mais
se falar. Segundo o cinema, tal fato não deve ser impresso, mas sim a lenda
romântica de que os dois eram amigos inseparáveis. Contudo, o western como gênero cinematográfico foi
sendo revisado a partir do início de 1950, e o protótipo do herói que vinha
sendo retratado em muitos destes filmes sofreu mudanças por grande parte de
cineastas revisionistas. O herói não era 100% herói, ou definitivamente, não
era. Ele podia agir de acordo com sua forma de pensar sobre justiça, lei, ordem
e meio que vive. Poderia cometer acertos e erros como qualquer ser humano.
Enfim, foi preciso humanizar o cowboy,
e mesmo os famigerados vilões também são objetos de profunda análise pela base
psicológica.
B:
Quem foram para você os diretores e os filmes de western que melhor deram esta contribuição, vamos
dizer, social e mitológica do homem daquele meio?
James Stewart em "E o sangue semeou a terra".
mito do cowboy
PT: Acredito
que Anthony Mann e Delmer Daves foram os mais prolíferos dentro desta
contribuição à mitologia do homem dentro do Velho Oeste, muito embora os
estilos dos diretores se diferenciem. Interessante em dizer que os cinco filmes
em série estrelados por James Stewart em parceria com o cineasta Mann refletem
bem a mitologia do homem em seu meio social. Basta assistirmos obras como “Winchester 73”(1950), “E O Sangue
Semeou a Terra” (1952), “O Preço de um Homem” (1953), “Região do Ódio” (1954) e
“Um Certo Capitão Lockhart” (1955)que veremos este mito do herói grego no meio da tragédia grega, ou em
outras palavras, o mito do homem, do novo cowboy,
no meio social em que ele esta vivendo. Já Delmer Daves tem uma obra “didática”
que reflete muito bem o tema, “Como
Nasce um Bravo”,de 1958, estrelado por Glenn Ford e Jack Lemmon,
onde temos este aprendendo a ser um “cowboy
de verdade” em meio a um grupo de rudes vaqueiros liderados por Ford, um
dos grandes ícones do Far-West americano. Lemmon, um cara do Leste e
acostumado à boa-vida, tem exatamente em sua mente o mito meio que laureado do cowboy, mas quando ele vai ver, percebe
que não é nada disso.
B: Agora nos fale
dos primeiros westerns realizados nos Estados Unidos.
PT: O cinema nasceu em 1895, na França, e isto já
é falar nos primórdios da sétima arte e de sua invenção como meio de
entretenimento. Já em 1898, nos Estados Unidos, a Edison Company (de Thomas
Edison), produziu uma vinheta de um minuto de duração chamada “Cripple Creek Bar Room”, aclamado por
alguns críticos e estudiosos como o primeiro western da história. Segundo Primaggio Mantovi, autor do livro “100 anos de Western”, a cena mostrava
um pequeno saloon com alguns cowboys, um típico jogador do Velho
Oeste, e uma garçonete de aspecto masculino que pôde ter sido interpretado por
um ator. Contudo, foi “O Grande Roubo
do Trem”, datado de 1903, que mereceu a honra de ser o primeiro western, por se tratar de um primeiro
filme a contar uma história escrita especialmente para o cinema (logo, o
primeiro script para o gênero). O filme foi feito em apenas dois dias e
se tornou oficialmente o primeiro western
do cinema. Vieram pioneiros como David W. Griffith, Thomas Happer Ince, William
S. Hart, Cecil B. DeMille (mais tarde, o idealizador de grandes espetáculos
épicos e bíblicos, como “Os Dez
Mandamentos” e ”Sansão e
Dalila”), e o próprio John Ford, cada um realizando uma obra ou outra no
gênero. E não somente quando o cinema engatinhava em seus primeiros passos,
como também ainda não se tinha o recurso do som, afinal ainda era a fase silents
do cinema. David W. Griffith é considerado o pai da linguagem cinematográfica,
e realizou em 1915 o filme que é considerado, de fato, o primeiro
longa-metragem do cinema: “O
Nascimento de uma Nação”. Thomas Ince idealizou o primeiro
estúdio ao ar livre, ao comprar 20 mil acres de terra para construir sua
própria cidade do Velho Oeste, contratando depois uma trupe de cowboys autênticos e índios de verdade,
peritos em cavalgar, laçar e atirar. “War
on The Plains”e “Custer’s
Last Fight”, ambos de 1912, foram um dos primeiros westerns rodados por Ince.
vídeo O Grande Roubo de Trem
Contudo, o ano de 1914 é tido como o ano oficial do
nascimento do western no cinema,
porque até então não houve a preocupação em desenvolver um ator capaz de
encarnar o autêntico cowboy do Oeste,
ou por que não dizer, o mito. Os primeiros atores a desenvolver os heróis do
gênero foram Lionel Barrymore e Francis Ford (irmão do cineasta John) e eram
figuras presentes nos filmes de Griffith e Ince, mas o primeiro herói oficial
do gênero foi mesmo Gilbert “Bronco
Billy” Anderson. William
S. Hart e Cecil B. DeMille tiveram um interesse maior pelo gênero nos
primórdios do cinema americano. Ainda em 1914, DeMille estreou na direção com “Amor de índio”, e
posteriormente transportou para as telas, em primeira adaptação
cinematográfica, o famoso romance de Owen Wister, “The Virginian – O Paladino da Justiça”, história esta que
teria várias readaptações para o cinema em épocas futuras, inclusive originando
uma série de TV na década de 1960, muito famosa – “O Homem de Virginia”, estrelada por James Drury.Ainda
no período silents do cinema, Cecil B DeMille dirigiu os westerns “Sonhos de Moça” (“The Girl of The Golden West”), em 1915,
e refilmou, em 1918, “Amor de Índio”.
"Marked Man",
primeiro western
do mestre John Ford
William S. Hart
era um ator clássico do teatro norte-americano que tentava transferir sua
carreira para o cinema, e junto com John Barrymore e o lendário Douglas
Fairbanks (na minha consideração, o primeiro grande aventureiro da sétima
arte), seria um dos poucos a realizar este ideal, mas Barrymore não estava
interessado em westerns. Com a ajuda
de Thomas Ince, que foi seu produtor, ele realizou os westerns “Um Negócio
Perigoso”, em 1914; “Terra do Inferno”, em 1916
(considerado o primeiro western
adulto); “Serás minha escrava”,
também de 1916; “The Tiger”, em
1918; e “Wagon Tracks”, em
1919. Juntos, a dupla Hart e Ince alcançaram sucesso de crítica e público que
nem eles ao certo poderiam imagina.
John Ford começou sua carreira em 1914, como
assistente de direção, ator e até dublê, com o nome artístico de Jack Ford.
Iniciou na arte da direção em 1917, dirigindo “A Marked Man”, seu filme favorito e um dos poucos que adorava
mencionar em suas entrevistas. Entre este ano de 1917 até 1920, Ford realizou
28 westerns para o estúdio da
Universal, todos de grande importância para o gênero. Em 1924, Ford realizou
uma obra-prima, o épico do gênero “Cavalo
de Ferro”, estrelado por George O’ Brien, que havia sido dublê de
Tom Mix. Existem ainda muitas outras obras do gênero realizadas nos primeiros
anos da indústria cinematográfica, mas numerá-las todas é um trabalho que
requer ainda pesquisa de minha parte.
B: O papel da
mulher na sociedade do Oeste americano era bem secundário, penso que nas
produções do gênero western isso
também não era diferente. São raros os filmes em que tivemos mulheres como
protagonistas e com personagens fortes. O que você pensa disso?
PT: Penso que isso não é necessariamente verdade
em termos de produção do gênero. Temos ótimos filmes em que a mulher é a protagonista.
É verdade que não são muitos, mas devemos fazer justiça aos cineastas que se
lembraram delas. Anthony Mann fez isso em “Almas em Fúria”, em 1950, colocando Barbara Stanwyck como a
heroína freudiana e corajosa que desafiava a “madrasta má” vivida pela dama do
teatro americano Judith Anderson, para defender seu pai, vivido por Walter
Huston (pai do cineasta John). Stanwyck era considerada por Hollywood como a “Madrinha dos Westerns”, e tudo porque
ela era perfeita para o gênero. Ela cavalgava muito bem e sabia atirar de
verdade, sendo também uma extraordinária atriz em outros gêneros, geralmente em
papéis bem avançados para as atrizes de sua época. Barbara atuou em fitas westerns como “A Bandoleira” (ou “Na
Mira de um Coração”), dirigido por George Stevens, em 1935, onde
viveu a lendária Annie Oakley, e fez um importante papel feminino em “Aliança de Aço”, de Cecil B.
DeMille, dividindo as honras com Joel McCrea. Anos mais tarde, na década de
1960, foi a estrela de um famoso seriado de TV do gênero, “The Big Valley”(1965-1969),
onde viveu a corajosa matriarca de uma família.
Barbara Stanwyk,
madrinha do western
Também tivemos um personagem forte feminino como
protagonista num grande clássico americano do gênero dirigido por um dos
grandes artesãos da sétima arte, o brilhante Nicholas Ray. Falo de “Johnny Guitar”, realizado em 1954,
onde Joan Crawford esbanja toda a ousadia e a coragem como nunca antes exibidas
no cinema. Joan está perfeita como a dona de saloon perseguida por uma banqueira que sente um ódio mortal por
ela (vivida pela também brilhante Mercedes McCambridge), enquanto ela também é
defendida por um “herói-bandido” que sempre carrega um violão, Johnny Guitar
(vivido por Sterling Hayden). Uma das obras mais psicológicas do gênero com um
surpreendente espaço para a reivindicação feminina, tendo como pano de fundo a
disputa de duas mulheres pelo amor de um mesmo homem, onde o confronto final
entre as duas é inevitável. Em 1994, aproveitando o embalo da volta dos westerns
no mercado de cinema graças ao estrondoso sucesso de "Os Imperdoáveis", de Eastwood, veio “Quatro Mulheres e Um Destino”, dirigido
por Jonathan Kaplan, onde temos um elenco de primeira, lideradas pelas
poderosas Madeleine Stowe, Mary Stuart Masterson, Andie MacDowell e Drew
Barrymore, onde são elas as grandes protagonistas da obra. E pouco tempo
depois, veio Sharon Stone protagonizando em “Rápida e Mortal”, em 1995, contracenando com Gene
Hackman. Seja como for, as mulheres estão sempre marcando o seu território no
gênero, sejam como protagonistas ou personagens secundárias, talvez mesmo
servindo como a fonte de motivação para o herói ou o mito do Velho Oeste. Sem a
cativante presença feminina, o western
não tem graça.
B: Vamos falar de spaghetti, vamos falar de Leone. A meu ver foi um
diretor completo, inovador e vanguardista. Estava à frente de seu tempo em
relação a muitos diretores de seu país e até de Hollywood. Mesmo assim ele foi
massacrado pela crítica em sua época, algo que Peckinpah e outros também
sofreram na pele. Porque ele demorou tanto a ser reconhecido e valorizado?
Um dos principais respossáveis
pelo faroeste spaghetti,
Sergio Leone
PT: Foi, em grande parte, o preconceito de alguns
críticos. Tanto Leone quanto Sam Peckinpah utilizaram muito do excesso da
violência em suas obras, algo inovador para os padrões dos anos de 1960. Os
críticos de então acreditavam que o público poderia ficar chocado com esta nova
maneira de se fazer Western. Tanto a violência mostrada por Peckinpah quanto as
mostradas por Leone eram uma arte incompreensível para a crítica da época,
muito embora Sergio se preocupasse não somente com a violência, mas com todo um
conjunto. Contudo, ambos os diretores tiveram merecido reconhecimento lá pela
metade dos anos de 1970, quando suas obras foram revisitadas por críticos de
mente mais aberta. Outro fator que também que veio a demorar o reconhecimento
destes dois mestres foi a desconstrução do mito do cowboy romântico. Leone,
assim como Peckinpah, derrubaram de vez todas as lendas romanescas do gênero,
que já eram obsoletas já no fim da década de 1950. Alguns críticos de início
não viam isso com bons olhos, e muito menos, Hollywood. Contudo, como sabemos,
foi graças ao sucesso dos Westerns italianos que o cinema americano teve que se
reinventar para não perder a concorrência, e não deu outra. Outro motivo que
ajudou também a retardar o reconhecimento de Leone & Cia foi justamente
alguns cineastas de baixo orçamento tentarem imitar o estilo de Leone sem
sucesso, o que o incomodava, pois achava que o estavam plagiando. Por isso que
muitas vezes tivemos faroestes europeus tão pobres e inexpressivos que mal passaram
das prateleiras das locadoras de vídeo, muitos deles feitos com baixíssimo
orçamento e roteiros sem pé e nem cabeça. O próprio Sergio Leone declarou a
respeito de seus imitadores durante uma entrevista: "Sou considerado o
Pai do Western Spaghetti, mas se eu soubesse que teria feito parir tanto
fdp..."
“José Mojica, mestre do terror e dos espaços profundos.”
Glauber Rocha
“Sua câmera não mente jamais e confirma o desejo de reinventar o gênero horror com uma deformação formal, que só se encontra em alguns verdadeiros pioneiros”.
Rogério Sganzerla
Nas primeiras décadas do século XX, alguns dos cineastas que
ajudaram a construir a linguagem do cinema o fizeram com muita criatividade e
intuição. Passados os pioneiros anos em que Griffith e Méliès abriram os
portais daquele mundo de imaginação, foi a vez de outros realizadores, principalmente
Vidor, Hitchcock, Lang, Sternberg e Clair, desvelarem aquela pedra bruta.
Com recursos tecnológicos e financeiros geralmente parcos de um período de entre-Guerras,
era a inventividade em criar soluções, trucagens e métodos que os fazia obter o
resultado que pretendiam em frente à câmera e... ação! Estava feita a magia.
As décadas se passaram e os polos produtores e escolas de
cinema foram assimilando a gramática audiovisual de maneira formal e técnica.
Porém, o primitivismo criativo, algo genial e admirável em qualquer realizador,
inclusive nos mais estudados, é ainda mais valioso quando surtido com
espontaneidade. Caso do já saudoso José Mojica Marins, morto no último dia 19
de fevereiro. Eternizado como seu principal personagem, o assustador coveiro Zé
do Caixão, o diretor – um autodidata que mal tinha o primário concluído, quanto
mais um curso de cinema – alinha-se a este time de cineastas cuja linguagem
cinematográfica lhe era natural e transbordante.
Mojica como Zé do Caixão à época de "À Meia Noite..."
À margem do mainstream, Mojica firmou seu nome pela via do cinema marginal. Independente e amador, ele não produzia para nenhum grande estúdio e penava
para financiar seus projetos, mas seu cinema de terror bizarro inspirado nos B
Movies e, igualmente, calcado no noir e no western norte-americanos e seus
grandes estetas – Orson Welles, John Ford, Howard Hawks, John Huston – driblava qualquer escassez de recursos. Esmerava-se nos roteiros e tinha uma técnica intuitiva apurada para a fotografia, a edição, a construção de personagens e a condução narrativa. Assim foi por toda sua carreira, “fazendo chover” mesmo com
baixos orçamentos, a exemplo dos celebrados “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” (1964),
“Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver” (1967) e “O Estranho Mundo de Zé doCaixão” (1968).
Duas exceções, entretanto, mostram que, nas raras ocasiões
em que teve recursos para produzir melhor, Mojica não desperdiçava. Um deles é,
justamente, seu último longa, de 2008, “Encarnação do Demônio”, produzido por
Paulo Sacramento e no qual, após mais de seis décadas de carreira transcorridas,
finalmente conseguiu fazer um filme nos moldes do que sempre sonhou. O outro
título de sua extensa filmografia em que se vale de uma produção digna é
“Exorcismo Negro”, de 1974 (ano em que havia ganho dois prêmios na França, L’Ecran Fantastique e Tiers Monde). Produzido por Aníbal Massaini Neto – financiador de
pornochanchadas, mas responsável também por bons longas históricos como “Independência
ou Morte” e “Corisco, o Diabo Loiro” –, tem poucas locações, menos de 15 personagens
e alguns figurantes. Se não se trata de uma superprodução, é suficiente para o
diretor estabelecer um padrão de qualidade, que coloca “Exorcismo Negro” entre
os seus melhores.
Na história. na onda do então recente sucesso de “O Exorcista”, de um ano antes, Mojica
viaja para passar o Natal com os amigos num sítio onde vivem e escrever a
história de seu próximo filme. No entanto, coisas misteriosas começam a se
suceder na casa, com seus amigos sendo possuído por alguma força sobrenatural. Ele
descobre que a matriarca da família fez, no passado, um acordo com a bruxa Malvina
para engravidar e salvar seu casamento. Em troca, Malvina deve indicar o filho
do Satanás, Eugênio, para se casar com a menina. Além disso, Mojica entra em
conflito com o próprio Zé do Caixão, que está pronto para recolher as almas
daquela família. Como é peculiar de Mojica, a autorreferência e o jogo de
sentidos para com seu alter-ego dão à obra um ar metalinguístico, assim como já
havia proposto em “O Despertar da Besta” e “O Estranho Mundo...”
Mojica com a família de amigos em "Exorcismo...": tensão o tempo todo
O versátil Jofre Soares sendo acometido pelo espírito de Zé do Caixão
Possessão e exorcismo: influências do recente sucesso de "O Exorcista"
“Exorcismo...” traz um manancial de referências obrigatórias
a filmes de horror: a casa assombrada, objetos que se movem sozinhos, corpos
sendo tomados por espíritos malignos, bichos peçonhentos, mistérios familiares
que vem à tona, erotismo grotesco, um animalzinho de estimação judiado e uma
criança cuja inocência é ameaçada pelo mal. Porém, mais do que uma sucessão de
clichês, o filme tem a qualidade de que tudo é tecnicamente bem realizado: efeitos
especiais, cenas de briga, trucagens com sangue, cenografia, corte da edição. Diferentemente
do que se viu por muito tempo no cinema nacional e que se tornou-lhe,
inclusive, uma pecha. Merece atenção especial, entretanto, a fotografia (quesito
no qual Mojica sempre foi irreparável), que concilia a dureza da sombra marcada
e a coloração que capricha nos tons quentes – principalmente, claro, no
vermelho-sangue. Igualmente, não apenas o uso bem articulado da trilha sonora,
outra conhecida qualidade do diretor, como, também, da própria seleção das
músicas, como as de Syd Dale, Daniele Amfitheatrof e Michel Magne.
Cena do ritual: apavorante e na medida certa
Mas, além disso, o ritmo de “Exorcismo...” é perfeito. Aquilo
que é um problema em alguns filmes de Mojica, fruto justamente da dificuldade de
produção que invariavelmente enfrentava, a continuidade é um trunfo deste
longa. A narrativa mantém a tensão e dá sustos do início ao fim. A chegada do
personagem Mojica à casa dos amigos, por exemplo, é sucedida por uma série de
acontecimentos aterrorizantes, que não deixam o espectador descansar. A
sequência do ritual macabro, excessivamente longa em outras realizações do
cineasta (“Delírios de um Anormal” e na reedição estendida de “O Despertar...”),
aqui está na medida exata entre a alucinação vivida pelo personagem e o ritmo
narrativo, que não cansa quem assiste.
Premiado internacionalmente, celebrado por referências como
Glauber Rocha, Gustavo Dahl e Rogério Sganzerla e, bem mais tarde, descoberto
pelo mercado norte-americano, que o intitularia como Coffin Joe. Nada foi
suficiente para que Mojica vencesse as restrições ao seu trabalho por quase todo
o período em que esteve ativo, dos anos 40 até o século XXI. Nos anos 80, espremido
pela censura e pelo sistema, partiu para o cinema pornô, que ao menos lhe daria
alguma grana. Pouco antes de conceber seus últimos filmes, já nos anos 2000,
Sganzerla escrevia sobre o amigo e admirado cineasta: “Além de nunca ter
recebido nem adiantamento, quanto mais condições de produção compatíveis com
seu talento, não filma há 15 anos, sendo vítima do descaso, inépcia,
irresponsabilidade ou talvez preconceito”. Pouco visto em seu próprio país, “Exorcismo...”
é, certamente, um dos melhores filmes de terror da década de 70 – rica neste
gênero, aliás. A se ver por este resultado, imagine se Mojica tivesse recebido
o devido reconhecimento em vida?
Ele contracenou ao lado de quase todos os grandes atores e atrizes da golden age americana. Com Burt Lancaster trabalharam em quase 10 filmes juntos. Também produziu e dirigiu dezenas de outras lendas do cinema. Atuou em clássicos eternos como "Spartacus", "Glória Feita de Sangue" e "Duelo de Titãs". Foi dirigido por nada menos que; Howard Hawks, Henry Hathaway, John Huston, John Frankenheimer, Otto Preminger, Anthony Mann e George Miller. Era considerado um ator difícil e ao mesmo tempo muito respeitado. Demitiu Anthony Mann de Spartacus e trancou o pé com Hollywood em relação à "lista negra" do governo americano quando saiu em defesa de Dalton Trumbo e de outros roteiristas. Foi indicado ao Oscar, Bafta, César e Globo de Ouro. Mesmo merecendo, a Academia só lhe daria um Oscar honorário. Da lista da AFI dos maiores atores de todos os tempos, ele é o único ainda vivo. Doou cerca de 40 milhões de dólares a caridade. Atribui sua longevidade ao casamento duradouro de mais de 60 anos. Longa vida mestre, longa vida lenda.
O que que alguém tem em mente quando resolve refilmar um dos maiores clássicos de todos os tempos? A não ser que você seja um Kubrick, um Kurosawa, um Scorsese, e pretenda lançar uma nova visão sobre o original, nenhuma razão justifica. Fazer melhor?... É uma pretensão descabida e constrangedora. Melhorar tecnicamente?... O filme é consagrado, aclamado, multipremiado e o cara acha que um efeitinho aqui, outro ali, uma maquiagem, vão fazer diferença? Ganhar muito dinheiro? A mera ousadia de mexer com um clássico já gera desconfiança do público e, geralmente a conferida, a ida ao cinema, só confirma o fracasso da empreitada, o que faz com que, nas críticas, nos comentários e no boca-a-boca ele não seja recomendado e portanto torne-se, na maioria das vezes, um grande prejuízo financeiro. Fazer uma homenagem?... Não com uma versãozinha que não amarra as chuteiras do clássico, quando a melhor homenagem seria ficar sentado no sofá de casa assistindo e reverenciando aquela obra-prima. Então, me diz: por que diabos um infeliz resolve refilmar "Ben-Hur"?
Cara, que contribuição o cidadão acha que tem a dar ao filme que até pouco tempo atrás era o maior ganhador do Oscar? Ele acha que pode melhorar alguma coisa? Pode ter recordes de bilheteria? Não! Não! Mil vezes não!
A versão atual tenta ser mais dinâmica, mais enxuta do que as mais de três horas da antiga, o que não se justifica porque, por outro lado, fica se demorando em situações dispensáveis, cujo tempo poderia estar sendo utilizado num melhor desenvolvimento. A opção por um encurtamento, além de tudo, modifica pontos interessantes da história original, como, por exemplo, a "adoção" de Judah Ben-Hur pelo romano que é salvo por ele nas nas galés no original, que é excluída em detrimento de um "avanço da fita" até o ponto onde nosso herói conhece o mercador (Morgan Freeman) que lhe proporciona enfrentar o irmão adotivo Messala na corrida de bigas. Cena que, justiça seja feita, é muito caprichada, muito bem executada, ganhando uma importância crucial no novo filme, mas que, a rigor, não devia ter sido tentada pois, por mais bem feita que tenha sido, sempre que se for lembrar da cena de bigas de "Ben-Hur", pode ter certeza que a que virá à mente de qualquer um será a épica de 1959. Mas aí reside um ponto interessante: o filme não é um horror, não é péssimo, terrível! Tem seus defeitos mas tem suas virtudes. A cena da corrida é boa, a das galés é impactante, a ordenação da história e a hierarquia de fatos proposta pelo diretor é até interessante... Só que deveria usar tudo isso para fazer outro filme e não refilmar um dos maiores filmes da história. Na comparação é como o Íbis ajeitadinho, com um bom esquema tático, se meter a enfrentar o Barcelona.
trailer "Ben-Hur" (1959)
trailer "Ben-Hur" (2016)
Pois então, já que falamos em futebol, vamos à bola rolando que é o que interessa. Só pela ousadia, por ter se metido de pato a ganso, o "Ben-Hur" do glorioso Timur Bekmambetov já sai tomando 1x0.
Pelas atuações dolorosas de seus protagonistas, especialmente do personagem principal, Jack Huston, neto de John Huston, que deve ter causado um alvoroço no cemitério fazendo com que o avô, William Wyler e Charlton Heston (mesmo sem ser brilhante) dessem voltas nos seus respectivos túmulos com sua performance, e pelo não menos terrível Messala leva 2x0.
Pela relação da mãe ( Ayelet Zurer) com o adotado romano, vai o terceiro gol, e pela fragilidade e má construção das relações no filme, de um modo geral, vai buscar mais uma na rede.
Por ter se metido a besta de tentar reproduzir a incrível cena dos remadores nas galés, mesmo o fazendo com alguma qualidade, toma outro no contra-ataque: 5x0; e pela opção pela exclusão do resgate do cônsul romano na batalha marítima que recupera a nobreza de Ben-Hur, leva outro pra deixar de ser besta. Não perca as contas: 6x0.
Por modificar elementos expressivos do clássico de 1959 como o acidente com o novo governador, chegando à judeia, que leva à prisão de Ben-Hur; a situação da mãe e irmã leprosas; a transferência do Circo Romano, onde ocorrem as corridas, de Roma para uma "filial" em Jerusalém; a ausência das quilhas metálicas nas rodas da biga de Messala, na prova; e a falta de colhões de manter aquela conotaçãozinha homossexual entre Ben-Hur e Messala que o antigo, mesmo em sua época, teve a ousadia de sugerir, vai buscar mais uma no barbante. Estamos em quanto? Sete, né?
O original marca mais um pela trilha sonora marcante de Miklós Rósza e outro pelo deslumbre visual e suntuosidade. É um massacre: 9x0.
William Wyler contra o esforçado Timur Bekmambetov vale mais um pra conta do original e; como não poderia deixar de ser, pela cena da corrida de bigas, um das mais marcantes, eletrizantes, emocionantes, incríveis da história do cinema, guarda mais um. 11x0.
Mas e as virtudes do remake que eu apontei, não valem nada? Meros chutes a gol, sem perigo nenhum. Aquelas que o goleiro olha e só acompanha pela linha de fundo e o narrador chama o slogan da emissora: "Globo e você, tudo a ver", ou "Bandeirantes, o canal do esporte", ou "SporTV, o canal campeão"..., ou qualquer coisa do tipo.
O de 2016 até é esforçado mas, me desculpe: Clássico é clássico.
Resultado final:
O antigo abre 11 corpos de vantagem sobre o novo na corrida de bigas, alcança o retardatário e pisoteia o cocheiro do adversário na curva final.
Seguindo com a segunda parte do duelo com o radialista,
locutor, cinéfilo e blogueiro Paulo Telles num bate-papo tão apaixonado pela
sétima arte quanto instrutivo. Se na primeira Telles aborda o faroeste
norte-americano, destacando diretores, títulos referenciais e até sobre o papel
da mulher no western, agora, ele fala
um pouco mais sobre o spaghetti, a
versão italiana para o gênero que não só ganhou fãs no mundo todo como, de certa
forma, trouxe-lhe uma nova linguagem. Ainda, aquilo que todo cinéfilo gosta:
listas. O entrevistado já sai elencando seus filmes preferidos nas duas
categorias e defende com muito critério e poder analítico uma a uma de
suas escolhas. Vamos, então, à segunda e última parte da entrevista:
FRANCISCO BINO:- Sei que não é
fácil fazer estas coisas, mas nos faça uma lista com os dez melhores western
Spaghettis de todos os tempos segundo você? E os dez melhores do cinema
americano?
PAULO TELLES: E não é mesmo, prezado Bino (risos). Elaborar
uma lista com apenas dez de cada estilo não é uma tarefa fácil. Entretanto, há
outros títulos que também estão em minha apreciação que não se encontram aqui
listadas, portanto, apresento os meus Top Ten de cada estilo do gênero:
AMERICANOS
1 -"RASTROS DE ÓDIO"/The Saerchers (1956) –
Direção: John Ford Foi através desta
obra prima (assisti pela primeira vez em 1985, com catorze anos) que comecei a
me interessar sobre cinema e tentar entendê-lo como arte. Foi a partir deste
momento, que me deixei penetrar pelo mundo de John Ford e no mundo dos westerns. Não tem como você não se
deixar encantar pela beleza majestosa e áspera do Monument Valley, cenário
natural este preferido de Ford, e pela figura estoica de Ethan Edwards,
interpretado por John Wayne. Em minha opinião, foi a melhor atuação de sua
carreira, digna mesmo de um prêmio, trabalho este que rendeu até elogios do
cineasta e filósofo Jean-Luc Godard, inimigo declarado de Wayne por razões
políticas. “Rastros de ódio”
conserva os elementos dramáticos do faroeste tradicional, por seu estilo
peculiar, épico e lírico, onde o cineasta descreve a odisseia de Ethan e de
seus discípulo Martin Pawley (vivido por Jeffrey Hunter) na perseguição aos
comanches que raptaram a jovem Debbie (vivida por Natalie Wood), e isto tudo
num relato de tensão ininterrupta e de grandeza plástica e cromática, segundo
as nobres palavras do finado crítico Paulo Perdigão, ex-colunista do jornal O
Globo. Recentemente, o filme foi exibido em reprise nas grandes salas do Cinemark, em sua sessão de
clássicos, e assisti junto ao José Eugenio Guimarães, editor do blog Eugenio em Filmes. Mesmo sem o
impacto do formato VistaVision, ainda
assim valeu o ingresso.
"Rastros de Ódio", cena de abertura
2 - MATAR OU MORRER/High Noon (1952) –
Direção: Fred Zinnemann Um dos grandes westerns que estabeleceu o chamado Western
Psicológico, uma alusão ao Macarthismo e a sociedade americana de então,
uma das obras primas de um grande cineasta, Fred Zinnemann. Poucos sabem, mas
os americanos consideram tão importante este filme que uma cópia desta obra
prima foi depositada numa cápsula do tempo, que só será reaberta no ano 2213.
Uma trama elevada à dimensão de tragédia grega tendo como herói o xerife Will
Kane (em minha opinião o mais humanizado de todos os protagonistas no gênero,
digno do título de herói) vivido por um dos atores que mais bem personificaram
o mito do cowboy do oeste, Gary
Cooper, em uma cruzada solitária para defender sua vida. Ele durante muitos
anos cuidou de uma cidade e de seus habitantes, mas agora mesmo não estando sob
a insígnia da lei, estes mesmos habitantes se recusam a ajudá-lo, pois todos
temem o pistoleiro e seus comparsas que descerão no trem do meio dia para matar
Kane. Um estudo acurado da consciência do herói que mesmo podendo fugir ou
deixar a responsabilidade para o próximo xerife, ainda sim mantém sua dignidade
para ter paz consigo mesmo. Não tem como não falar deste Western sem mencionar
Grace Kelly como sua esposa quaker, e a famosa canção “Do Not Forsake Me Oh My Darling”, interpretada
por Tex Ritter. Solidão, consciência, medo, e ingratidão são as temáticas
principais desta obra de Zinnemann.
3 - O MATADOR/The Gunfight (1952) – Direção: Henry
King Outro grande western de base psicológica dirigida por
um dos grandes artesões de Hollywood, e trazendo Gregory Peck numa das melhores
atuações do gênero, Jimmy Ringo, um temível pistoleiro que quer largar as armas
para viver pacificamente para a esposa e seu filho, que ainda não o conhece.
Contudo, sua fama de rápido no gatilho não só atemoriza as pessoas mais
pacatas, mas atrai aventureiros desocupados que o querem por à prova, o que faz
com que Ringo não consiga a paz que almeja. Um estudo acurado do mito do
pistoleiro, que tão logo seja afamado (ou mal afamado), outros estão dispostos
a temê-lo ou a desafiá-lo.
4 - DA TERRA NASCEM OS HOMENS/The Big Country (1958) –
Direção: William Wyler Um dos melhores Westerns
americanos que já assisti e por muitos, e também pudera, não tinha nada para
dar errado tendo na direção um dos maiores cineastas de todos os tempos,
William Wyler, que assinou grandes obras primas da Sétima Arte, como “Jezebel”, “A Princesa e o Plebeu”, “Chagas
de Fogo”, e “Ben-Hur”,
como também não podia dar errado tendo um elenco de primeira categoria como
Gregory Peck, Jean Simmons, e Charlton Heston. Outro destaque é sua produção,
com uma fotografia impecável e formato de tela panorâmica que nenhum televisor
poderia enquadrar, isto é, um dos primeiros faroestes americanos em
superprodução para afastar o público dos televisores, que então esvaziavam as
salas de exibição. Vale lembrar também de sua mensagem pacifista, coisa rara
nos filmes do gênero, já que o personagem de Peck, um almofadinha do
leste, se envolve na briga de duas famílias por causa da divisão de água, mas
ele acredita que poderá agradar a gregos e troianos. Muito interessante!
Destaque para a briga entre Peck e Heston, que viram a noite lutando, e também
para eletrizante trilha sonora de Jerome Moross.
5 - OS BRUTOS TAMBÉM AMAM/Shane (1953)- Direção:
George Stevens Era o filme
preferido do crítico brasileiro Paulo Perdigão, já falecido, entretanto a meu
ver ele é um conto moral sobre a redenção e a ótica de uma criança ao idealizar
o perfil do herói do Oeste. O baixinho Alan Ladd é perfeito como o pistoleiro
Shane, que busca a paz e quer largar as armas, mas ele não consegue quando se
vê obrigado a empunha-las para defender um casal e o filho deles, que o
idolatra como um verdadeiro mito. Shane chega a uma cidade como um típico “anjo
purificador” ao tentar distribuir dignidade e autoconfiança para os fazendeiros
amedrontados. A fábula sobre o bem e o mal e disputa entre dois é bem
caracterizada no duelo final entre Ladd (Shane) e o pistoleiro Wilson, vivido
pelo brilhante Jack Palance. Outro clássico do gênero recomendado para todos os
amantes do Western, ou simplesmente, quem ama cinema.
6 - DUELO AO SOL/Duel in The Sun (1946) – Direção:
King Vidor Verdadeiramente um Super-Western
de tirar o fôlego!!! Uma nova forma bem adulta de atrair o público igualmente
adulto as salas de cinema, e produzido por David O’ Selznick, o megaprodutor
responsável por outra obra prima (E O Vento Levou) e estrelando a
sensual Jennifer Jones e o galante Gregory Peck, que não esta nada galante
nesse filme (risos). Foi o maior êxito comercial de Selznick e que foi o apogeu
do Western romanesco, no
entanto, acabou criando problemas com ligas puritanas americanas pelo teor de
sexualidade bem apimentada e exagerada, ao introduzir o chamado “beijo francês”
no cinema americano. Além disso, a trama é basicamente uma tragédia grega, onde
a mestiça vivida por Jennifer Jones tem o pai condenado à morte por ter matado
sua mãe e o amante dela, e daí passará a viver com uma tia, vivida por uma dama
do cinema, Lilian Gish, que é esposa de um senador, vivido pelo lendário Lionel
Barrymore. Mas os dois filhos do casal se interessam pela mestiça, mas ela
acaba optando pelo mais sedutor e amoral, que é Gregory Peck, que não quer
nenhum compromisso, em vez do decente Joseph Cotten. De resto, é uma tragédia
grega a se seguir em grandes proporções, mas no grande estilo do Western
Clássico Americano.
7 - A LEI DO BRAVO/White Feather (1955) – Direção:
Robert D. Webb É um dos meus
prediletos por tratar-se de um tema antirracista, e um dos faroestes mais
respeitados sobre a temática indígena, cujo argumento foi redigido pelo
cineasta Delmer Daves, mas dirigido por Robert D. Webb (um cineasta de menor
renome, mas nem por isso menos admirado). No roteiro, Daves repetiu os mesmos
ingredientes de Flechas de fogo, realizado cinco anos antes, versando a
trajetória de jovem guerreiro cheyenne
Cão Pequeno (vivido espetacularmente por Jeffrey Hunter) e um engenheiro bem
intencionado Josh Tenner (vivido por Robert Wagner). Este tenta persuadir os
índios a mudar-se para uma reserva, mas o projeto acaba prejudicado pela
ganância de garimpeiros. A obra caminha para uma sequência final que eu mais
admiro - o confronto do solitário de Cão Pequeno, que se recusa a mudar de sua
reserva, contra as tropas da União. Destaque para a bela Debra Paget,
praticamente a repetir seu papel em Flechas de Fogo, como a irmã de Cão
Pequeno e interesse romântico do herói vivido por Wagner. Recomendo.
Poster de "A Face Oculta, de Brando
8 - A FACE
OCULTA/One-Eyed Jacks (1961) – Direção: Marlon Brando Outro Western em
superprodução que está em minha apreciação onde se tem o registro da única
experiência de Marlon Brando como diretor. Muitos apreciam "O Poderoso Chefão" como o melhor
filme de Brando, mas contesto um pouco isso, tendo em vista este excêntrico
trabalho do gênero onde o ator investiu cinco milhões de dólares, em dois anos
de trabalho. Foi uma produção tumultuada (era para Stanley Kubrick dirigir), e
das 35 horas de filme impresso, Brando selecionou material para cinco horas de
filme, que acabou sendo reduzido para 2h e 21 minutos de filme. Era para ter
sido o Western de maior duração da história se Brando não fosse obrigado a
reeditar sua duração. Além disso, tramas ligadas sobre a vingança me fascinam,
assim como a dualidade do caráter do ser humano quando se aplica no personagem
vivido por Karl Malden. Malden é bandido assaltante de bancos como Brando, e
acaba traindo este, seu melhor amigo, que passa cinco anos na prisão e jura
vingança por todos os anos que ficou no presídio, e quando finalmente o
reencontra, ele é um homem mudado, xerife de uma cidade, e respeitado pelo
povo. A questão fica se ele mudou moralmente ou isso não passa de uma fachada.
Brando sempre alegou que seu Western era um “assalto frontal ao tempo dos
clichês”.
9 - OS PROFISSIONAIS/The Professionals (1966) –
Direção: Richard Brooks Revisitado por mim
faz pouco tempo, não há a menor dúvida que esta obra de Brooks foi uma resposta
americana (uma das primeiras) para o Western italiano que já invadia as salas
de exibição, e também não foi pra menos, pois importaram até a beleza italiana
dos deuses Claudia Cardinale para se juntar as feras do cinema americano, como
Burt Lancaster, Lee Marvin, Robert Ryan, e o ator negro Woody Strode, este
excelente, mas infelizmente pouco valorizado. Um ótimo exemplar de tenacidade e
tensão, cuja trama vai adquirindo colorações políticas e éticas inesperadas,
mas com extraordinário espírito de aventura como jamais vista no gênero
americano. Destaque para a fotografia e para sua trilha sonora, de Maurice
Jarre.
10 - MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA/The Wild Bunch (1969) –
Direção: Sam Peckinpah O “clímax dos clímax” do gênero, como eu defino. Para os amantes de cinema,
e, sobretudo, do gênero que estamos debatendo, é a obra clímax da estilização
da violência, coreografada de forma ritualística em câmera lenta, evocando um
Oeste sujo e selvagem, sem qualquer idealismo romântico e lenda áurea dos
mitos, com personagens decadentes, anacrônicos, e desglamourizados. Causou
polêmica de fato, o que retardou o reconhecimento de Sam Peckinpah como um dos
grandes cineastas do gênero, pois acabou sendo cortados 56 minutos de sua
metragem original, o que provocou protestos do diretor e até mesmo por parte da
crítica, que não estava ainda acostumada com este excesso da violência nos
filmes. Outrora os ídolos do cinema americano, William Holden, Ernest Borgnine,
e Robert Ryan, três fantásticos atores (principalmente o terceiro, que atuou em
Hollywood sempre com muita competência e profissionalismo, sendo um dos meus
atores preferidos) estão soberbos e maravilhosos em seus papéis, arquétipos do
declínio e de toda decadência, que de uma maneira ou outra, desgraçadamente se
empenham em aventurar num último golpe de suas malditas vidas. Vale também
destacar a bela fotografia de Lucien Ballard.
ITALIANOS/EUROPEUS
1 - TRÊS HOMENS EM CONFLITO/Il buono, il brutto, il
cattivo (1966) – Direção: Sergio Leone
Foi o primeiro faroeste
italiano a me chamar a atenção justamente devido a falta de romancismo,
idealismo, lirismo, e todo tipo de folclore tão comumente acostumado nos
faroestes americanos. Propositalmente, o grande Sergio Leone soube o que fez ao
retratar o Velho Oeste do jeito que fosse condizer com os fatos, e descartando
mitos. A ganância e o individualismo exacerbado, pessoas querendo se dar bem à
custa de outras, são características bem acentuadas nas obras deste grande
cineasta, como vemos neste exemplar, revelando ao mundo um novo tipo de cowboy,
o mais distante possível de John Wayne, Gary Cooper, ou Randolph Scott, e seu
nome é um mito vivo – o americano Clint Eastwood. Junto a Lee Van Cleef e Eli
Wallach (maravilhoso como Tuco, o feio), formam um triunvirato de trapaças e
aventuras desmedidas, onde ao fim, o duelo a três é inevitável.
2 - DJANGO/Django (1966) – Direção: Sergio Corbucci Outra obra prima que
ajudou a consolidar o faroeste italiano na minha preferência. O mundo se rendeu
a um novo ídolo do Western europeu, e desta vez um genuíno italiano chamado
Franco Nero, um dos meus atores favoritos do gênero. Não há como não se
impressionar com uma figura calada e de toda de negro chegando a uma pequena
cidade carregando um caixão. Uma cidade dominada pelo terror da famigerada Ku
Klux Klan que para dominar o poder enfrenta bandidos mexicanos, e o estranho
Django está no meio de tudo isso para salvar a vida de uma estranha mulher, por
quem se apaixona ao seu modo. Corbucci dá a esta obra uma carga explosiva
acentuada, realçada pela antológica trilha sonora de Luis Bacalov.
3 - O DIA DA DESFORRA/La Resa dei Conti (1967) –
Direção: Sergio Sollima
Outro exemplar à italiana
do gênero que é um exercício psicológico de tensão, mas mantendo as
características do legítimo padrão do western italiano, trazendo o americano
Lee Van Cleef como um caçador de bandidos da elite que persegue um mexicano
(vivido pelo italiano Thomas Millan) acusado de violentar e matar uma menina.
Contudo após vários reveses, em que o caçador tem o seu orgulho ferido devido à
esperteza do mexicano, ele descobre que na verdade ele é inocente, vitima de
inescrupulosos da alta roda em que o caçador vivido por Cleef faz parte, e por
isso ele resolve ajudar o mexicano. Um dos melhores e mais expressivos filmes
do Western europeu, dirigido por um Sergio, mas que não é o Leone.
O "O Dólar Furado",
dos favoritos
do faroeste spaghetti
4 - O DÓLAR FURADO/Uno Dollaro Bucato (1965) – Direção:
Giorgio Ferroni
Giuliano Gemma é outro
dos meus heróis do gênero à italiana, e este filme, ainda que embora tenha
alguns clichês do Western americano, ainda assim vale o espetáculo, que como “Django”, de Corbucci, ajudou a
impulsionar a moda do bang bang a italiana. Impressionante como uma
moeda de um dólar no bolso acaba salvando a sua vida após ser abatido pelos
inimigos, e como se fosse Ullysses da “Odisseia” de Homero, volta para se
vingar dos homens que tentaram matá-lo, tiraram a vida de seu irmão, e raptaram
sua mulher. “O Dólar Furado” é
outra obra prima do gênero que ajudou no impulso do faroeste italiano.
5 - OS QUATRO MALDITOS/Los Cuetro Implacables (1965) –
Direção: Primo Zeglio
Não chega a ser um
clássico do gênero italiano, mas meus motivos para listá-lo são mais puramente
afetivos, pois foi um dos primeiros assistidos por mim ainda na infância, e em
ter como herói aqui Adam West, que no ano seguinte emplacaria como o mais
famoso Batman da TV. O cowboy aqui
vivido por West é quase limpinho, briga adoidado, mas a trama sobre um agente
da lei (vivido por West) que tentar impedir que quatro bandoleiros (daí o
título de “Quatro Malditos”, ou
no original, “Os Quatro Implacáveis”)
recebam a recompensa por terem capturado e matado um fugitivo da justiça que
era inocente não deixa de ser de toda interessante e é uma história bem
ritmada. Como não deixarão barato, os “quatro malditos” emboscam o agente da
lei, e este, terá que lutar por sua vida.
6 - POR UNS DÓLARES A MAIS/Per un pugno di dollar
(1964) – Direção: Sergio Leone
Leone parte com tudo
nesta obra desmistificadora dos mitos laureados do Velho Oeste. A ganância, o
individualismo, o dinheiro, surgindo a figura do 'caçador de recompensas', tão
enormemente explorado em outros filmes, contudo sem tanta convicção e realidade
como expõe Leone. Embora sem muitas afinidades, os personagens de Clint
Eastwood e Lee Van Cleef, por motivos diferentes, acabam esquecendo suas
diferenças e se unindo para enfrentar a quadrilha de Gian Maria Volonté, com a
intenção de dividir a recompensa por eles oferecida pela Lei. Outra obra
merecedora de destaque entre os grandes clássicos do gênero spaghetti de se fazer Western.
7 - ERA UMA VEZ NO OESTE/C'era una volta il West
(1968) – Direção: Sergio Leone
Outro exemplar, talvez o
mais popular, onde se seguiu toda a Trilogia de Leone (“Por um punhado de Dólares”, “Por uns Dólares a Mais” e “Três Homens em
Conflito”). Vale destacar que o roteiro foi escrito por Leone com colaboração
de Bernardo Bertolucci, com leves reminiscências do clássico americano “Johnny Guitar”, de Nicholas
Ray (1954). Foi uma febre ao ser lançado nos nossos cinemas em 1971, mas
infelizmente com cópias de 144 minutos devido à censura (a metragem original
aos propósitos do cineasta foi de 229, sendo reduzidas umas para 137, e outras
com 165 minutos, a versão apresentada no mercado de vídeo hoje). Uma trama com
muito sangue e sem qualquer moral, uma verdadeira crítica à mitologia do Oeste
em vez do antigo glamour dos faroestes americanos, retratando a passagem de
pioneiros para os tempos da civilização com a chegada dos trilhos das
ferrovias. Parece um paradoxo ao vermos Henry Fonda, outrora um representante
da mitologia clássica do Western Americano, o típico mocinho das telas, na pele
de um malfeitor sujo e cínico como Frank. Não foi a toa que Leone escolheu
Fonda, pois era um assíduo admirador deste ator. Charles Bronson na pele de um
pistoleiro, Harmônica (porque sempre toca esta gaita quando esta prestes a
matar), que busca vingança contra Frank, que matou seu irmão, se destaca pelo
caráter lacônico, de quase poucas falas, e de muito suspense de seu personagem,
assumindo uma atitude quase parecida com a de Sterling Hayden em “Johnny Guitar”, quando protege
a viúva Jill Mcbain, vivida por Claudia Cardinale. Mais do que uma
superprodução, é um Super-Western,
acabando por se consagrar como um dos exercícios mais ousados do cineasta
Sérgio Leone.
"Era Uma Vez no Oeste", sequencia inicial
9 - CAÇADA AO PISTOLEIRO/Un minuto per pregare, un
instante per morire (1968) – Direção: Franco Giraldi
Um Western italiano cheio
de tensão, com argumento freudiano à dimensão de tragédia grega, mas não
deixando de ser extremamente violento e desmistificador. Trata-se da história
do pistoleiro Clay McCord (vivido por Alex Cord), temido e odiado por muitos,
que tem sua cabeça a prêmio oferecido por um delegado corrupto de uma cidade
(vivido pelo ótimo Arthur Kennedy). Contudo, o delegado age fora da lei e vem a
intervir Lem Carter (o sempre brilhante Robert Ryan), governador do Novo
México, que oferece uma anistia ao pistoleiro, contudo alguns aventureiros não
querem saber e tentam emboscar McCord, que ainda enfrenta outro problema – ele
tem momentos de ataque epilético, e carrega o trauma pelo pai também ter tido
esse mesmo problema. Embora os atores principais sejam americanos, o filme
ainda conta com as presenças italianas de Nicoletta Machiavelli, e do ator
Mario Brega. Está entre meus colecionáveis.
10 - ADIOS SABATA/Indio Black, sai che ti dico: Sei un
gran figlio di... (1970) – Direção: Gianfranco Parolini
Como não podia deixar de
serem ao estilo italiano, trapaças, aventureiros sujos, e todo mundo querendo
se dar bem. É assim que funciona esta obra de Parolini, tendo como anti-herói o
aventureiro Sabata (na verdade, Indio Black no original), vivido pelo
excelente Yul Brynner, aqui ainda um tanto limpinho e barbeado como foi em Sete
Homens e Um Destino, em 1960. Sabata é um caçador de bandidos que se junta
a um vigarista, Ballantine (vivido por Dean Reed) e ao engraçado e cínico
revolucionário, o gordo Escudo (vivido por Ignazio Spalla) para combater as
forças do Imperador do México Maximiliano, e se apoderar de um carregamento de
ouro. Contudo, esta união de forças tem objetivos diversos. O destaque fica em
algumas situações engraçadas, quando o ladrão Ballantine tenta enganar seus
associados. Vale também a pena assistir “Sabata,
O Homem que Veio Para Matar” (que não tem a ver com o filme estrelado
por Brynner, apesar do mesmo nome do protagonista), estrelado por Lee Van
Cleef, onde se apresentam as mesmas situações humorísticas quando se trata de
bandido enganar o outro, afinal, quem disse que existe honra entre ladrões?
B: Quais você acha
que são os western mais subestimados de todos os tempos?
PT: Acentuo uma obra fordiana intitulada “Audazes e Malditos”, de 1960, que
trata da questão do racismo. Pela primeira vez, o Mestre John Ford desenvolveu
uma mensagem antirracista em um tom bem eloquente que chega a ser comovedor,
tendo como pano de fundo o ano de 1866, quando negros recém-libertados passam a
integrar regimentos de cavalarias comandados por oficiais brancos. Um deles, um
notável sargento vivido pelo brilhante Woody Strode, é acusado de um crime que
ele não cometeu, sendo levado à corte marcial por preconceito racial. Mas ele é
defendido por seu superior, vivido por Jeffrey Hunter. O relato do filme
(sempre reconstituindo os fatos em flashbacks) é tenso, épico, e de
uma solene dramática indescritível, que só um brilhante cineasta como Ford
poderia conceber, mas eu pessoalmente considero um de seus melhores trabalhos
junto às outras obras de requinte maior do diretor. Também “A Árvore dos Enforcados”, dirigido
por outro grande artesão dos westerns,
Delmer Daves em 1959, acredito um tanto subestimada por alguns críticos,
entretanto não poderia ter um protagonista mais humano em todos os aspectos do
que o médico Joe Frail, vivido por Gary Cooper em uma de suas últimas atuações.
Amargo, malquisto, cínico, mas ao mesmo tempo, não isento inteiramente de
altruísmo, procura esquecer um trauma do passado e tenta continuar a vida. Mas
ele percebe que nem tudo esta perdido, pois se renderá ao amor de uma imigrante
suíça que acaba salvando sua vida, vivida pela Maria Schell. Vale destacar a
bela canção interpretada por Marty Robbins. Outro western, desta vez europeu, que acho muito subestimado é “Os bravos não se rendem”, dirigido
por Robert Siodmak e Irving Lerner, que conta a trajetória do General Custer de
maneira realista e desmistificadora (nada a ver com o herói pintado por Raoul
Walsh no clássico “O Intrépido General
Custer”,com Errol Flynn, em 1945). Robert Shaw esta perfeito
como o famigerado militar em sua sede de glória, e a famosa batalha de Little
Big Horn. Contudo é um dos trabalhos menos badalados (mesmo com uma bela trilha
sonora), visto a índole verdadeira e descaracterizante do personagem, o que
pode não agradar a todos.
B: Sam Peckinpah e
Robert Altman foram meio que marginalizados por Hollywood. Mesmo com poucos
filmes sobre o tema western eles impactaram a estética do gênero para sempre.
Wild Bunch e Quando os Homens são Homens, são exemplos claros disso. Que grande
contribuição foi essa? E que outros diretores após essa geração conseguiram
essa façanha?
O genial Altman, um dos diretores que mudaram o western
PT: Conheço pouco o trabalho de Altman no gênero,
com exceção do “Oeste Selvagem”, estrelado
por Paul Newman, em 1976. Entretanto, posso adiantar que ambos os cineastas são
oriundos da televisão e dirigiram trabalhos gratificantes no gênero para a
telinha. Peckinpah chegou a dirigir episódios de “O Homem do Rifle” (com Chuck Connors) e “Paladino do Oeste” (com Richard Boone), e Altman episódios da
série “Bonanza”e “Lawman”. Acredito que a
questão da marginalização destes cineastas é que ambos foram sinceros demais em
suas obras, sem rodeios. Peckinpah recorreu à violência em “Meu ódio Será Sua Herança”,de
1969, e a partir daí, não foi só no gênero western
que se viu esta apelação do diretor que é consagrado como o “Poeta da
Violência”. Basta acessarmos seus outros ótimos trabalhos como "Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia"(1974)
e "Sob o Domínio do Medo"(1972),
que poderemos ver também esta exaltação. Quanto a Altman, como vi “Oeste Selvagem”, senti a desmistificação
de uma lenda, no caso Buffalo Bill, e grande parte dos produtores embora saibam
que as lendas e mitos não correspondem à verdade, ainda assim preferem que as lendas
sejam impressas. Hollywood durante anos promoveu isso em seus westerns, e mesmo com o desenrolar das
mudanças graças aos faroestes italianos, a indústria de cinema não parecia
apoiar esta descaracterização dos mitos tão amados pelo folclore americano.
Contudo, a grande contribuição destes dois mestres foi tentarem fazer um novo
estilo de western, sem exaltação de
mitos ou heróis, sem áura romântica, propondo para as plateias mundiais que o
Velho Oeste também pode ser interessante se analisarmos seus personagens e o
meio social em que viveram. Acredito que Lawrence Kasdam (que realizou em 1985
o ótimo “Silverado”), que
também realizou pouquíssimos trabalhos no gênero (o último, “Wyatt Earp”, de 1994, com Kevin
Costner, que foi um fracasso), e atualmente Tarantino, vem conseguindo esta
proeza de impactar a estética, e por que não dizer, imortalizar o gênero.
B: Sabemos que
ainda existem produções western
tanto nos EUA quanto na Europa. Mesmo com Tarantino e outros diretores fazendo western
a sua maneira e em forma de homenagem, podemos afirmar que esse gênero morreu
ou ainda vai ressuscitar em uma grande e genial produção?
PT: Acredito que, na verdade, o western nunca morreu. Naturalmente as
produções de hoje são em menor escala, e não como era a mais de 50 ou 60 anos
atrás, época rica em criatividade e em franca produção, onde tínhamos cineastas
brilhantes como John Ford, Raoul Walsh, Howard Hawks, Anthony Mann, Delmer
Daves e claro, incluindo Peckinpah, Leone e outros mais. Mas de uma forma ou de
outra, o faroeste está vivo, só esta adormecido enquanto um cineasta fera como Tarantino ou como Clint Eastwood, a lenda viva, não rodarem novos trabalhos no
gênero (será que Clint pensaria em rodar um novo faroeste? Seria genial!). E
enquanto isso, também, novas produções são realizadas pela TV americana ou
mesmo para o cinema sem sabermos. Mas uma coisa é certa: este gênero
estritamente americano também batizado pelos italianos não morreu e nem morrerá
tão cedo se depender de cada fã e espectador como nós para divulgar, apreciar e
assistir. Podem acreditar!
B: Quais filmes western merecem destaque a partir dos anos 80 até
hoje, nos faça uma lista de alguns que são pouco conhecidos?
Willie Nelson em
"Justiça para um bravo"
PT: Não estou muito a par das novidades em
matéria de western nos últimos
tempos, mesmo porque sigo um esquema eclético focalizando em geral o cinema
antigo e todos os seus gêneros, mas naturalmente, o western tem um espaço com todo carinho dedicado. Entretanto, posso acentuar
alguns trabalhos do faroeste já tanto esquecidos na metade dos anos de 1980,
como “De Volta ao Oeste” (“Once
Upon a Texas Train”), de 1986, para a TV, dirigido por um dos grandes
especialistas do gênero, Burt Kennedy, e trazendo Richard Widmark (um notório Man
Of The West de primeira), Angie Dickinson, e o cantor Willie Nelson, além
de contar com presenças conhecidas como Chuck Connors, Stuart Whitman, Jack
Elam, Ken Curtis, Dub Taylor. No ano seguinte, o mesmo Willie Nelson foi o
protagonista de “Justiça para um Bravo”(“Red Headed Stranger”),
também realizado para a TV, onde contou com as presenças da bela Katharine Ross
(de “Butch Cassidy”) e do
excelente Royal Dano (cujo seu melhor papel de destaque foi no western “Irmão contra Irmão”, dirigido por
Robert Parrish, em 1958). Vale destacar também por esse período “O Álamo, 13 dias de Glória”, de
1987, que retrata a batalha do Álamo com mais fidelidade do que a versão
patriótica apresentada por John Wayne, em 1960, onde James Arness (da série de
TV Gunsmoke), interpreta Jim Bowie, Brian Keith como Davy Crockett,
Lorne Greene como Sam Huston (em seu último desempenho), e o inesquecível Raul
Julia como o general Santana. Em 1995, Jeff Bridges interpretou o temível Wild
Bil Hickcok na produção “Uma Lenda do
Oeste”, dirigida por Walter Hill, onde conta a trajetória
fidedigna de uma lenda, o mais distante possível de Gary Cooper na produção “Jornadas Heroicas”, de 1936, dirigida
por DeMille. Dos mais recentes que acredito que são ainda menos conhecidos, vale
destacar “Inferno no Faroeste”, de
2013, sob a direção de Roel Reiné, onde estrelam Mickey Rourke e Danny Trejo.
Parece-me que este western não chegou
as nossas salas de exibição.
B: Há um tempo eu
soube que Clint Eastwood escreveu uma carta a John Wayne pedindo a ele para
fazerem um filme juntos. Isso não aconteceu é claro. Caso acontecesse essa
produção seria ímpar e juntaria definitivamente os dois maiores ícones do western.
Um de cada estilo. E se no final do filme houvesse um duelo entre a dupla, quem
venceria?
Wayne e Clint,
o tão esperado duelo que nunca aconteceu
PT: Vixe, nem ouso te responder com segurança a
esta pergunta sem levar uma bala perdida (risos). Uma parada dura já que ambos
são dois gigantes do mesmo gênero, mas com estilos diferentes e épocas
diferentes. O mais engraçado é que, em 1989, dez anos após a morte de Wayne,
uma pesquisa realizada por uma revista de cinema apontou Clint Eastwood como o
novo sucessor de John Wayne. No entanto, Clint, apesar de admirar o bom e velho
Duke, jamais quis se comparar a ele ou sequer substituir John Wayne.
Clint tinha como modelo para o gênero o ator Gregory Peck, do qual considera
sua melhor atuação em “O Matador (“The
Gunfighter”). As performances vindas de Clint para compor seus durões
nos westerns, segundo ele, se
inspiravam em Gregory nesta obra dirigida por Henry King em 1951. É fato (e não
fita) que Clint enviou uma carta para o veterano Duke, propondo que
fizessem um filme juntos. Já pensou, Bino? Dois gigantes do gênero que talvez
pudesse precisar de duas telas do formato VistaVision para compor
tamanho encontro! (risos). Entretanto, Wayne, que vira “O Estranho Sem Nome”, a obra de Clint dirigida em 1973, não
gostou nem um pouco do estilo revisionista e violento deste western. Para Wayne, já foi difícil
filmar "Bravura Indômita",em
1969, tendo que se reinventar um pouco e quase recusou o papel que deu a ele
seu único Oscar como ator. Mas o gênero estava se desenvolvendo bem rápido, e
os faroestes estrelados por Wayne em épocas anteriores já ficavam obsoletos
para os novos padrões. Entretanto, Duke não só recusou o convite como
também aproveitou para criticar o trabalho de Clint Eastwood, que não lhe deu
ouvidos. A parceria não aconteceu e o maior prejudicado foi o público, ou, quem
sabe, o próprio Wayne. Portanto, por mais que eu adore John Wayne, acho que
Clint sacaria primeiro, ou quem sabe, por alguma "providência", um
empate técnico? (risos)
B: Para finalizar,
uma pergunta que será símbolo de todos os "Duelos" com entrevistados:
descreva você num grande filme?
PT: “Meu Ódio Será Sua Herança”. Não que
eu seja o “arquétipo da decadência” como os protagonistas da obra de Peckinpah,
que queriam realizar o último trabalho de suas vidas antes de se “aposentarem”,
mas eu sempre procuro investir nos negócios ou em qualquer situação da minha
vida como se fosse dar também o meu “último golpe”, ou concretizar meu “último
trabalho”. Isso não quer dizer, literalmente, que seja o último, mas quando
desejamos alcançar certos objetivos na vida com sucesso fica a lição que
devemos fazer o melhor do nosso melhor
em todos os nossos empreendimentos como se fosse o último. Os homens de Pike
Bishop (William Holden) não desistiram, e mesmo com o resultado que obtiveram
no final, eles foram determinados, e nós também não devemos desistir, mesmo que
nos sintamos decaídos em algum momento de nossas vidas. Assim, me descrevo em “The Wild Bunch”! "Meu Ódio Será Sua Herança"