Curta no Facebook

Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta Milton Gonçalves. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta Milton Gonçalves. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Arthur Verocai - “No Voo do Urubu” (2016)


“Compositores e arranjadores são animais distintos na floresta e, não raro, hostis entre si. Disputam as mesmas presas: a beleza, a complexidade, a inspiração – enfim, a música –, e cada qual costuma se atribuir o crédito pelo sucesso do outro. Arthur Verocai é dos poucos a desconhecer esse problema: compositor, ele é seu próprio e completo arranjador, e os dois se embrenham juntos pela mata, partilhando segredos e descobertas”.
Ruy Castro


Podia ter escolhido pelo caminho do já consagrado pelo tempo para falar sobre Arthur Verocai. Podia falar sobre o mítico primeiro trabalho, lançado há 45 anos e hoje considerado cult entre músicos e apreciadores de sua música pelo mundo. Podia, igualmente, falar de “Econre”, CD lançado em 2005 pelo pianista, violonista, maestro, compositor e arranjador na Inglaterra e que traz o fino de um trabalho amadurecido e com a merecida produção “gringa”. Mas a emoção faz com que, deliberadamente, deixe de optar por essas duas vias mais fáceis. A opção se dá exatamente pelo sentimento imediato, pelo coração que bate rápido ao ouvir pela primeira vez “No Voo do Urubu”, o primoroso novo disco de Verocai lançado ano passado e que, embora o pouco tempo de vida, pode já ser considerado fundamental. Isso, desde a primeira audição. Como ocorreu comigo.

Com seu misto inequívoco de jazz, bossa nova, soul, clássico e música experimental, Verocai é uma das joias brasileiras tardiamente redescobertas. Desde os anos 60, foi arranjador de gente do calibre de Elis Regina, Jorge Ben, Ivan Lins, Gal Costa, Erasmo Carlos, Som Imaginário, Nélson Gonçalves, Marcos Valle e muitos outros. A atuação nos bastidores se estendeu nos anos 70, quando atuou como diretor musical e arranjador da TV Globo em programas como "Chico City" e "A Grande Família", compondo trilhas incidentais e temas de abertura de novelas. Tanto foi nessa linha “por trás das câmeras” que, em terras brasileiras, acabou caindo no obscurantismo. Porém, como já é recorrente, precisou ser descoberto por DJ’s do hip hop norte-americano nos anos 2000 para que, enfim, voltasse à cena. E agora para ficar.

“No Voo do Urubu” registra, assim, um músico, aos 72 anos, em sua melhor fase. É isso que o disco transparece. Composto por 11 novas faixas - todas magistralmente arranjadas pelo autor -, traz, além de 6 delas escritas unicamente por Verocai, parcerias entusiasmadas que denotam a devida homenagem ao mestre. Que, por sua vez, tributa seus mentores: Stan Kenton, Bernard Herrmann, Vilma Graça, Wes Montgonmery, Miles Davis, Milton Nascimento e, claro, Tom Jobim. O disco já começa assim: na faixa-título, cuja abertura é brilhantemente orquestrada pelo maestro, o clima retraz os primeiros arranjos de um Tom pré-bossa nova com um misto de soundtracks, que tanto Verocai se acostumara a inventar. O título e a atmosfera classuda, que fazem referência ao “maestro soberano” como das muitas que há no disco, dá lugar agora a um suingue carioca tanto em melodia quanto em letra e, mais ainda, pela ginga do intérprete. Seu Jorge põe o vozeirão a serviço da linda e brasilianista letra, que exalta a Rio de Janeiro com suas belezas e ícones: “Sol, o supremo pintor/ Arquiteto do mundo, Deus nosso senhor/ Poderia criar/ A cidade no monte com vista pro mar/ Uma bela baía, nossa Guanabara/ Olha o cara de cão, lembra o São Sebastião/ Padroeiro do nosso Rio de Janeiro/ Onde Estácio de Sá arremessou o Sá/ Tem muito siri, quero ficar aqui/ Tem patola azul, arraiá, guaiamum/ As antigas baleias, hoje são sereias/ De Ipanema à Bangu, no voo do urubu”.

A elegância da bossa nova invade como uma brisa matinal sobre as pedras do Arpoador em “O Tempo e o Vento”, quando o próprio Verocai canta uma nova homenagem ao mestre Tom – além do próprio título, que remete à trilha sonora feita por Tom à minissérie da TV Globo, em 1986, ainda parafraseia a canção “Luiza” (“As canções que escrevi/ esqueci sobre o piano...”). O amigo de décadas Danilo Caymmi – filho do mestre baiano, que tanto influenciara Tom, e membro da Banda Nova, que acompanhou o autor de “Corcovado” por 15 anos – é quem empresta o timbre grave para “Oh Juliana”, mais uma bossa refinada cujo arranjo de cordas, cheio e intenso, ajuda a desenhar uma melodia romântica e delicada. Ao final, Verocai empunha um de seus instrumentos-base, o violão, para um solo rico, que passeia entre o clássico, aprendido nas aulas com Léo Soares e Darci Villaverde, e o popular, que Roberto Menescal lhe ensinara.

A voz suave de Lu Oliveira entoa o samba-exaltação “Minha Terra Tem Palmeiras”, parceria de Verocai com outro antigo companheiro musical, o igualmente maestro e veterano Paulinho Tapajós. Ao mesmo tempo, um tributo bilaquiano e jobiniano, que une os sabiás e as cores tropicais celebradas tanto pelo poeta quanto pelo músico, estes, por sua vez, duas referências máximas da cultura brasileira. A abordagem solene, entretanto, não se restringe somente a Tom Jobim (“Ninguém perde o Tom/ Ilusão de vista/ Coração artista não tem fim/ Coração sambista tem compasso de passista/ Seja no piano ou tamborim.”), ou a Olavo Bilac, tal qual o título induz, mas também a outros compositores referenciais da formação do ritmo que define o Brasil: o samba: “Minha terra tem palmeiras/ Beija-flores e portelas/ Na aquarela do Brasil/ Amarelo, verde, anil/ De Noel, Ary e Gil”. Em clima de samba de gafieira, são os metais que protagonizam.

A veia soul de Verocai dá as caras na brilhante parceria com Vinícius Cantuária, “A Outra”. Sopros em altíssima afinação e um magnífico domínio de Itamar Assiere ao piano elétrico, que se conjuga com perfeição na instrumentalização meticulosamente preparada para o arranjo, outro dos trunfos do tarimbado Verocai. Outro a reverenciar o mestre, e à altura, é o rapper Mano Brown, com quem Verocai divide a composição e os microfones de “Cigana”. Um verdadeiro funk melódico ao estilo Bobby Womack e Cassiano, com direito a coro feminino e orquestra de cordas com 20 músicos. Brown, exímio letrista, capricha: “Leu a minha mão/ e levou o meu dinheiro/ Decifrou as linhas/ de um destino traiçoeiro/ Um sonho de um menino/ A cigana revelou/ Um exímio jogador/ Infeliz no amor”.

Mais do espírito da black music – que tanto ajudou a mitificar a figura de Verocai às novas gerações –, porém deixando de lado a abordagem romântica e investindo num tema social e filosófico típico deste outro parceiro e fã: Criolo. Os versos iniciais de “O Tambor” dizem: “Chega de ser, de sofrer, de chorar/ Mastigar toda a desgraça com pão/ Saliva com ódio num prato de arroz com feijão/ Pra quem não sabe o que é humilhação”. A canção, por sua vez, seja pelo arranjo de metais ou pela levada de jazz-funk, tem o maior clima de Azimuth, a brilhante banda brasileira que esteve sempre muito presente na discografia de Verocai. O baterista Mamão, aliás, é quem comanda as baquetas.

De modo a equilibrar temas cantados com instrumentais, aos quais Verocai sempre deu muito valor a um e outro sem distinção, três suítes apenas tocados fecham o disco. “Snake Eyes”, a primeira delas, impressiona pelo equilíbrio da instrumentalização, ora investindo nas volumosas cordas, ora nos igualmente fartos sopros em chorus: 2 trompetes, 2 trombones, sax alto, sax tenor, piccolo, trompa e clarinete. “Na Malandragem”, por sua vez, retoma o suingue funkeado, dando vez a um inteligente dueto de flauta e sax. Outro craque da percussão, Robertinho Silva, agiliza a bateria mas também um brasileiríssimo pandeiro, que lhe dá uma mirada samba funk.

O bom gosto das linhas melódicas a la Tom, não coincidentemente remetendo a Villa-Lobos (de quem Tom é o mais célebre aprendiz), finaliza o disco com a emocionante “Desabrochando”. O violão clássico toma a frente, acompanhado da flauta e da orquestra de cordas. Tão sensível que lhe é possível ouvir uma flor em botão rebentando. Como disse Ruy Castro, “em outros tempos, ‘No voo do urubu’, logo seria elevada à categoria de clássico. Mas, como vivemos na vida real, resta-nos o privilégio de sermos os poucos e felizes a poder escutar essas grandes canções”. Comigo, ao menos, foi assim também: bastou uma primeira audição para que esse sentimento de regalia e essa certeza se confirmassem. Fácil assim.
..........................................


FAIXAS
01. No Voo do Urubu (Arthur Verocai) - part. Seu Jorge
02. O Tempo e o Vento (Verocai/Tibério Gaspar)
03. Oh! Juliana (Verocai) - part. Danilo Caymmi
04. Minha Terra Tem Palmeiras (Verocai/Paulinho Tapajós) - part. Lu Oliveira
05. A Outra (Verocai/Vinícius Cantuária) - part. Vinícius Cantuária
06. Cigana (Verocai/Mano Brown) - part. Mano Brown
07. O Tambor (Verocai/Criolo) - part. Criolo
08. Snake Eyes (Verocai)
09. Na Malandragem (Verocai)
10. Desabrochando (Verocai)

..........................................
OUÇA

por Daniel Rodrigues

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

"Os Matadores Mais Cruéis que Conheci", volume II - Promoção OMMCQC





"Está aberto o reino da morte!"
Chegou às nossas mãos, autores participantes, e em breve deve estar pintando nas livrarias, a antologia "OMMCQC II" (Os Matadores Mais Cruéis que Conheci, vol. II) que traz 37 contos que exploram exatamente esse lado tão misterioso, sórdido, selvagem, primitivo e inutilmente reprimido do homem: seu lado assassino.
Pois se você quer ter o mórbido prazer de folhear essas páginas empapadas de sangue antes que elas sujem as prateleiras das livrarias, compartilhe a nossa promoção na página do clyblog no Facebook e fique esperando a morte chegar, ou melhor... o livro chegar... na sua casa.
O sangue é da melhor qualidade e quem garante isso, somos nós, os 'matadores' que criaram esse universo de instinto selvagem. Tem matadores jovens, maduros, mulheres, homens, há as que matam com um salto-alto, há os que matam com machados, os que matam em porões imundos, há os que matam em motéis, há os sofisticados, há os afoitos, há os que mataram por acidente e os que matam por vocação... Variedade é o que não falta, e estes, abaixo são os criadores desse universo tão provocante e assustador, com suas histórias sangrentas:

HOJE EU VOU COMER SUA BUNDA -  Cly Reis

A ESCRITORA - William Schmahl Barros

A FACE DO EXTREMO - Eliane Verica

A LENDA DE MIGUEL JUAREZ - Edinaldo Garcia

“A ÚLTIMA CEIA” Juliana Pitta

A ÚLTIMA OFERTA - Valdison S. Barbosa

A VINGANÇA DO LOBO - Eduardo Colucci de Castro

AMOR DE MÃE - Graziela Fusco Ramos

AS MÃOS QUE CONTROLAM A MARIONETE - Maristela Abreu

BÁRBARA - Bruna Leôncio

CARONTE - Ricardo Esteves

A TESTEMUNHA - César Costa

DE JOVEM PROMISSOR, À SERIAL KILLER - Gustavo Demarchi

A ENFERMEIRA - Thiago Vilard

ACEITA UMA BEBIDA? - Gui Barreto

O PASSEIO - Heliton Queiroz

CORAÇÕES FRIOS - W.G. Souza

IGOR - Fábio Baptista

MELISSA - Davi M. Gonzales

MENINA ASSASSINA - Michele Mourão

MENTES INSANAS - Debora Gimenes

O ASSASSINO DO BOTIJÃO - Márcio Lobo

O COLECIONADOR DE ÓRGÃOS - Marcio Milton de Souza

O DONO DO ANTIQUÁRIO - Zulmênia Pereira do Vale

O VARAL - Luciana Rodrigues

O FOSSO - César Bravo

LOUCO OU CRUEL? - Ana Angélica Ferrazi

PACIÊNCIA - Henrique Seben

PAI NOSSO - Guilherme Matos

PRATO FRIO - Jowilton Amaral da Costa

RESPEITEM A MINHA NATUREZA - André Albuquerque

TRÊS PORQUINHOS - Narjara Oliveira

UM FURO DE REPORTAGEM - Leônidas Grego

SANGUE FEDE - Fábio Gonçalves

UMA NOITE COMO OUTRA QUALQUER - Ramon Bacelar

VERDADES - Beto Canales

WILLY PANCAS - Afobório



Compartilhe. Boa sorte, luz e sangue, sempre.


Cly Reis

segunda-feira, 2 de março de 2015

20 filmes para entender o cinema brasileiro dos anos 80




Enfim, chegamos à terceira e última listagem de filmes brasileiros essenciais para se entender o nosso cinema no final do século XX, terminando com a safra dos 80. Mais do que para com os anos 60 e 70, a década de 80 foi a que mais tive dificuldade de escolher entre tantos títulos que considero fundamentais. Talvez pelo fato de, dos anos 60, embrionários e revolucionários, haver mais clareza quanto ao que hoje é tido como essencial, bem como pela até injusta comparação com os sofridos e minguados anos 70. O fato é que a produção dos 80 vem justificar, justamente, o decréscimo quali e quantitativo da sua década anterior. Tanto é verdade que, com os reflexos visíveis da Abertura Política e já se enxergando a tão sonhada democracia não apenas como uma miragem, os cineastas brasileiros – mesmo com a menos rígida mas ainda existente censura – passam a ter uma até então inédita estrutura através de verba do próprio Governo via Embrafilme.
Foi aí, então, que os cineastas daqui mostraram o quanto são, de fato, brasileiros. Se já haviam conseguido, nos 60 e 70, realizações memoráveis sem uma Atlântida ou Vera Cruz por trás, quando tiveram um tantinho mais fizeram “chover pra cima”. Desfalcados a maior parte da década da tempestuosidade de ideias de Glauber Rocha, falecido em 81, além de Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade, também vitimados cedo, outros cabeças do cinema nacional avançaram em temática, nível técnico, concepção e apelo com o público. Ironicamente, entretanto, se os 80 justificaram a baixa dos 70, também herdaram o inevitável: justo na década que talvez melhor se tenha produzido para as massas até então, recaiu-lhes a pecha de cinema malfeito e sem qualidade, motivado, principalmente, pela herança das famigeradas pornochanchadas, naturalmente desvalorizadas com o declínio do discurso do Governo Militar – estigma do qual o cinema nacional tenta se livrar até hoje.
Para além das comparações, a diversidade do cinema nacional dos 80 é grande. As abordagens vão desde cinebiografias (pouco vistas até então), felizes adaptações do teatro para as telas (finalmente!), avanço do documentário, início da descentralização da produção eixo Rio-São Paulo e, principalmente, uma maior liberdade de expressão. Sem o fantasma constante das torturas e perseguições, as histórias tocavam agora direto nas feridas da ditadura. “Nos nervos, nos fios”. Ainda deu tempo, inclusive, de tanto Glauber quanto Leon produzirem as talvez obras-primas de ambos. Diretores surgiam; uns, despontavam; outros, afirmavam-se. Nesse contexto, sobraram títulos que, por restringirmos a 20, não puderam entrar na lista, mas que merecem menção: “Barrela”, “Cidade Oculta”, “A Dama do Cine Shangai”, “Quilombo”, “Um Trem Pras Estrelas”, “Gabriela”, “Índia, a Filha do Sol”, “O Romance da Empregada”, “Inocência”, sem falar nas produções televisivas de Walter Avancini. Mas, com esses 20 não tem erro: só filmaços.



1 - “A Idade da Terra”, Glauber Rocha (80) – Poesia total. O último e criticado filme de Glauber, fábula sobre as possíveis vidas e mortes de Cristo num Brasil moderno, pode ser visto até como uma metáfora visionária da morte do cineasta, que, entristecido com o Brasil e com a recepção a seu filme, sucumbiu um ano depois de lançá-lo. Esqueça os detratores: “A Idade...” é grande, potente, cáustico, catártico, altamente filosófico. Um dia será devidamente reconhecido.





2 - “Os 7 Gatinhos”, Neville D’Almeida (80) – Neville é daqueles cineastas da “elite intelectual carioca” que só fala besteira e produz coisas intragáveis e ininteligíveis, mas esse é um acerto inconteste. Baseado em Nelson Rodrigues, tem o dedo do próprio no roteiro e, além de trilha com músicas de Roberto e Erasmo, é uma tragicomédia crítica e consistente à hipocrisia e depravação da sociedade brasileira. Interpretações (Thelma Reston, Melhor Coadjuvante em Gramado) e cenas inesquecíveis como a dos “caralhinhos voadores” e “me chama de contínuo” estão neste longa referencial.




3 - “O Beijo no Asfalto”, Bruno Barreto (80) – Outra feliz adaptação de peça, outra feliz adaptação de Nelson Rodrigues. Essa, no entanto, deixando de lado a linguagem metafórica e fantástica de “Os 7 Gatinhos”, investe numa história contada com rigor e direção segura, apoiada pelas ótimas atuações de todos: Ney, Tarcisão, Daniel, Torloni, Lídia. Daqueles filmes que, se está passando na TV, não se fixe por 15 segundos, pois senão acabarás terminando de assisti-lo inevitavelmente.



4 - “Pixote, A Lei do Mais Fraco”, Hector Babenco (80) – Babenco chega à maturidade de seu cinema e faz o até hoje melhor trabalho de sua longa e regular filmografia. Com ar de documentário, toma forma de um drama realista e trágico, trazendo à tona mais uma mazela da sociedade brasileira: a desassitência político-social às crianças e a violência urbana. O pequeno Fernando, que, ao interpretar Pixote, faz bem dizer ele mesmo, nos emociona e nos entristece. Marília está num dos papeis mais espetaculares da história. Indicado ao Globo de Ouro e vencedor do New York Film Critics Circle Awards (além de Locarno e San Sebastian), é considerado dos filmes essenciais dos anos 80 no mundo.





5 - “Eles não Usam Black Tie”, Leon Hirszman (81) – Como um “Batalha de Argel” e “Alemanha Ano Zero”, é uma ficção que se mistura com a realidade, e neste caso, por vários fatores. Adaptação para o cinema da peça dos anos 50 de Gianfrancesco Guarnieri sobre uma greve e a repressão política decorrente, transpõe para a realidade da época do filme, de Abertura Política e ânsia pela democracia, retratando as greves no ABC Paulista. E ainda: tem o próprio Guarnieri como ator, que, segundo relatos, codirigiu o filme. Filme lindo, que remete a Eisenstein e Petri. Música original da peça de 58 de autoria de Adoniran Barbosa. Prêmio do Júri em Veneza.



6 -Sargento Getúlio”, Hermano Penna (81) – Pouco lembrado, mas talvez o melhor filme nacional da década. Adaptação do romance de João Ubaldo, dá ares de tragédia shakesperiana à história em plenos sertão e Ditadura Militar. Crítico, poético e altamente literário, sem deixar o aspecto fílmico de lado, haja vista a fotografia, cenografia e a arte primorosos. E o que dizer de Lima Duarte, Melhor Ator em Gramado, Havana e APCA? Ponha sua atuação entre as 20 maiores do cinema mundial sem pestanejar. Ainda levou Melhor Filme e Crítica em Gramado.






7 - “O Homem que Virou Suco”, João Batista de Andrade (81) – A forte atuação de José Dumond (Melhor ator em Gramado, Brasília e Huelva), mais uma vez espetacular como em “A Hora da Estrela” e “Morte e Vida Severina”, leva o filme conta a história do poeta popular, o nordestino Deraldo, quer tenta viver em São Paulo de sua arte mas é irresponsavelmente confundido com um assassino. Suas raízes e verdades, então, viram “suco” na grande cidade. Melhor Filme em Moscou e Nevers.




8 - “Bar Esperança, O Último que Fecha”, Hugo Carvana (82) – Poético e divertido, “Bar...” é o típico filme do novo Brasil que se construía com a Abertura, o que significava transformações irrefreáveis, como o avanço da modernidade e a morte da antiga boemia poética. Junto com a companhia Asdrúbal Trouxe o Trambone, lançou toda a geração de atores que viriam a desembocar na TV Pirata e afins e no cinema que se constituiu no Brasil na pós-retomada. Cenas memoráveis, atuações impecáveis, diálogos idem. Música-tema de Caetano com Gal Costa. Vários prêmios em Gramado. Uma joia.





9 - “Pra Frente, Brasil”, Roberto Faria (82) – Tijolaço na cara da ditadura, que, embora mais branda, ainda se mantinha no governo Figueiredo. Corajoso e sem dó, evidencia a desumanidade do regime militar ao contar a história de um homem confundido com um “subversivo” e que é dura e aleatoriamente torturado, fazendo um paralelo com o clima festivo da Copa de 70. Primeiramente proibido pela censura, depois de liberado arrebatou Gramado (Filme e Edição) e levou prêmio em Berlim, entre outras premiações e indicações.





10 - “Nunca Fomos Tão Felizes”, Murilo Salles (84) – O letreiro inicial diz tudo, quando o título do filme se constrói de forma a se entender “Tão Felizes Nunca Fomos”. Estocada forte na Ditadura, rodado no último ano do Governo Militar, conta a história de um filho de um misterioso militante político que é retirado de um colégio interno para viver temporariamente num moderno e entediante apartamento. Alto nível técnico. Arrebatou Brasília e prêmio da Crítica em Gramado.






11 - “Verdes Anos”, Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil (84) – O cinema gaúcho, encabeçado pela galera da Casa de Cinema, começava nos 80 a mostrar suas qualidades: roteiros tratados literariamente, ares de cult movie europeu, técnicos competentes e sotaque diferente do “carioquês” ou “paulistês” que todos eram acostumados a ouvir no cinema nacional. Um sopro de criatividade que revolucionaria o audiovisual brasileiro a partir dos anos 90. Tema musical clássico de Nei Lisboa.






12 - ”Cabra Marcado para Morrer”, Eduardo Coutinho (84) – Mestre do documentário mundial, Coutinho não se entregava mesmo quando parecia impossível. “Cabra...”, um dos maiores filmes do gênero, é um documentário do documentário. Interrompido em 1964 pelo governo militar, narra a vida do líder camponês João Pedro Teixeira e teve suas filmagens retomadas 17 anos depois, introduzindo na narrativa os porquês da lacuna. Premiado na Alemanha, França, Cuba, Portugal e Brasil, onde conquistou Gramado e FestRio.




13 - “Memórias do Cárcere”, Nelson Pereira dos Santos (84) – Prova de que Nelson Pereira não tinha “perdido a mão” depois de erros e acertos nos anos 70, se debruça novamente sobre Graciliano Ramos, mas desta vez não como fizera com seu grande romance, “Vidas Secas”, mas sobre o próprio escritor quando de sua prisão pelo Governo Vargas. Um épico que ganhou prêmio da crítica em Cannes.





14 - “A Hora da Estrela”, Suzana Amaral (85) – Exemplo de como se fazer um filme pequeno, com baixo orçamento, mas de muito, muito esmero de roteiro (baseado no forte texto de Clarice Lispector) e cenografia. Cartaxo interpreta a inocente Macabéa, noutra atuação espetacular dos anos 80 no cinema mundial, que a fez ganhar Urso de Prata em Berlim, onde a diretora também ganhou prêmio da crítica. O filme ainda levou tudo no Festival de Brasília.






15 - “O Beijo da Mulher Aranha”, Hector Babenco (85) – Uma história improvável em uma produção brasileiro-americana ainda mais improvável de dar certo. Mas Babenco, talentoso e sensível, amarra tudo com maestria. De roteiro primoroso, é mais uma pungente crítica ao Governo Militar e que tem nas atuações dos estrangeiros John Hurt e Raul Julia e na dos brasileiros, Lewgoy, Sônia Braga e Milton Gonçalves sua base. Cannes e Oscar de Ator para Hurt, mas concorreu também a Filme, Direção e Roteiro na Academia e a Palma de Ouro.





16 - “O Homem da Capa Preta”, Sérgio Rezende (86) – Na sua longa filmografia, Rezende se especializou em rodar temas ligados à história do Brasil. Porém o seu maior acerto é justamente o primeiro com esta temática. Sobre o controverso político de Duque de Caxias, Tenório Cavalcanti (Wilker, incrível), é um exemplo a se seguir de cinebiografias, as quais hoje tanto se fazem mas que resvalam na superficialidade. Grande vencedor de Gramado.






17 - “O Grande Mentecapto”, Oswaldo Caldeira (86) – Das melhores comédias do cinema nacional, filme mineiro que, na linha de “Verdes Anos”, direcionou a produção a outros Estados que não Rio e SP, e que sedimentou a geração TV Pirata (Diogo Vilella, LF Guimarães, Regina Casé) numa história de Fernando Sabino ao mesmo tempo deliciosa, cômica, poética e aventuresca. Um dos finais de filme mais bonitos do cinema brasileiro. Trilha do Wagner Tiso marcante. Melhor Filme pelo júri em Gramado e concorreu em Cuba, Canadá e EUA.




18 - “Ópera do Malandro”, Ruy Guerra (86) – Ruy é o cara que sempre produziu com alto padrão de qualidade desde que surgiu, nos anos 60. Em “Ópera...”, coprodução da Embrafilme com a França, ele eleva ainda mais o nível. Numa adaptação da peça de Chico Buarque (por sua vez, baseada em Brecht e Gay), ele se vale do apoio do amigo e parceiro não só para os maravilhosos temas musicais como até para os diálogos. Tiro certeiro. Musical que não te cansa, pois integra tanto a cenografia às canções que todos os atores se saem bem cantando.






19 - “Ele, O Boto”, Walter Lima Jr, (87) – Lenda popular e realidade se misturam nessa fábula contada com muita poesia sobre a beleza do imaginário e da sexualidade feminino, tema que Lima Jr. recuperaria 10 anos depois em “A Ostra e o Vento”. Dos primeiros filmes brasileiros que me arrebataram. Nunca me esqueci da lindeza da fotografia das cenas noturnas, com a claridade (muito bem fotografada) da lua na praia. Outra ótima trilha de Tiso.






20 - “Faca de Dois Gumes”, Murilo Salles (89) – Terminando a década, Murilo acerta a mão em cheio de novo, desta vez adaptando Best-seller de Sabino. O resultado é um drama policial potente e não menos crítico no que se refere ao sistema. Atuações memoráveis de José Lewgoy, Pedro Vasconcelos e Paulo José, principalmente. Direção, Fotografia e prêmios técnicos em Gramado, além de Filme em Natal e Rio.




**********************
Embora goste menos desses títulos ou até não goste de alguns, acho justo, por uma questão jornalística e histórica, ao menos citá-los, pois cada um tem seu grau de importância dentro do período dos anos 60, 70 e 80 que abordamos:
60: “Macunaíma” (Joaquim Pedro, 69); “Cara a Cara” (Bressane, 67); “A Falecida” (Leon, 65); “Porto das Caixas” (Saraceni, 62); “Bahia de Todos os Santos” (Triguerinho, 60); “A Grande Feira” (Pires, 61); “A Grande Cidade” (Cacá, 66)
70: “A Lira do Delírio” (Walter Lima. 78); “O Amuleto de Ogum” (Nelson Pereira, 74); “A Dama da Lotação” (Neville, 78); “Toda Nudez Será Castigada” (Jabor, 73); “Doramundo” (Tizuka, 78); “A Rainha Diaba” (Fontoura, 74)


80: “Eu te Amo” (Jabor, 80); “Eu Sei que Vou te Amar” (Jabor, 86); “Festa” (Giorgetti, 89); “A Marvada Carne” (Klotzel, 85); “Amor Estranho Amor” (Khouri, 82); “Das Tripas Coração” (Ana Carolina, 82); “Superoutro” (Navarro, 89); “Bonitinha, mas Ordinária” (Chediak, 81)