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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Lauryn Hill - "The Miseducation of Lauryn Hill" (1998)


A escola de Ms. Hill

"O hip hop encontra escrituras transformando o negativo numa coisa positiva”
Lauryn Hill

A década de 90 lançou um filme que entrou pra minha lista de melhores filmes de todos os tempos (não digo que é uma lista de 10 ou de 100, porque perdi a conta, mas engloba todo tipo de filme), o "Mudança de Hábito 2". Uma comédia musical que me chamou atenção pela qualidade dos cantores, pelo repertório e pelo conjunto da obra. Uma cantora em especial, Lauryn Hill, que já participava do grupo de hip hop Fugees, mas que para mim ainda era desconhecida, se tornou um objeto de desejo. Queria saber mais sobre ela, o que fazia, o que estaria por fazer, mas nessa época o acesso às informações musicais era difícil, afinal de contas a internet ainda não estava disponível para todos.
Em 98, Lauryn Hill (nascida em 25 de maio de 1975, na cidade de South Orange, New Jersey), lança o álbum "The Miseducation Of Lauryn Hill". Na primeira oportunidade adiquiri o disco e continuo ouvindo até hoje. O seu nome traduzido significa “A Deseducação de Lauryn Hill” e tem como capa uma xilogravura da cantora – uma referência ao disco "Burning", do The Waylers - numa mesa escolar. Este ambiente é o tema do álbum, usando como referência, logo em sua abertura na faixa "Intro", um sinal de entrada e uma lista de chamada. Ainda há interlúdios entre algumas faixas simulando o intervalo entre as aulas.
Na segunda faixa Ms. Hill abre com o rap "Lost Ones", uma batida sobre os perdidos, uma canção sobre a realidade. E é a partir da concepção de realidade que as músicas se sustentam ao longo do disco. Ela não se preocupa com o amor romântico de baladas superficiais, mas explora a vida como ela é, como na faixa 3. A música "Ex-Factor" é uma batida mais lenta, sobre as contradições e sofrimentos de um amor inacabado, assim como a música 8, que retoma o amor, porém não correspondido.
"To Zion", é uma homenagem à decisão de ter o seu primeiro filho, junto a Rohan Marley (filho de Bob Marley), já que a aconselharam a abortar para que não atrapalhasse o momento de sua carreira. Ainda bem que a decisão foi contrária, pois um dos maiores hits do disco é exatamente esse, que ainda contou com a participação de Carlos Santana.
Doo wop é um estilo musical que surgiu na comunidade negra dos EUA, baseado no R&B, com a particularidade de ter uma harmonia de vocais. Lauryn Hill escancara suas referências musicais nomeando a faixa 5 como "Doo Wop (That Thing)", recriando o estilo, utilizando os vocais pra falar sobre garotos e garotas, e sobre o que eles buscam. A resposta está no refrão: “Garotos é melhor vocês ficarem ligados... algumas garotas só estão atrás ‘daquilo’... Garotas é melhor vocês ficarem ligadas... alguns caras só estão atrás ‘daquilo’”. Da faixa "Doo Wop...", Lauryn viaja novamente pelo hip hop nas duas músicas seguintes, "Superstar" e "Final Hour".
Fica claro que as letras vão além de meras rimas e bons compassos. A ideologia por trás delas gira em torno da realidade vivida por adolescentes negros, de escolas negras, de bairros negros, como na música "Everything Is Everything". Nesta, ela exalta o poder de transformação do hip hop, como no trecho: “ ...o hip hop encontra escrituras transformando o negativo numa coisa positiva”. Já na música "Forgive Them Father", Lauryn se vale de partes da Bíblia para criticar tanto o sistema capitalista como as relações inter-raciais.  Mas é na música "Every Guetto, Every City" que ela usa de metalinguagem para falar de sua própria adolescência, onde era uma menina de pernas magras, que sonhava com o sucesso.
O sucesso, Ms. Hill obteve de forma meteórica. Ganhou cinco prêmios das onze indicações ao Grammy: álbum do ano, artista revelação, prestação vocal R&B feminina, canção R&B e álbum R&B. Vendeu por volta de 400.000 cópias só na primeira semana e entrou para a lista dos 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall of Fame.
Sua “deseducação” alcançou o mundo, rompendo barreiras entre classes sociais. Porém, assim como podemos entender que o disco engloba críticas variadas, nas variadas faixas, a última música, cujo título é homônimo ao álbum, apresenta uma visão mais para dentro dela mesma. Há questionamentos quanto à repressão externa, do que as pessoas esperavam dela. Logo, “deseducação”, como um todo, significa crítica, questionamento, aprendizado. Mas a sua própria “deseducação”, pode ser um grito de liberdade, de uma pessoa que teve que se adequar às formas para ser quem é.
O disco não pára por aí. Algumas músicas não citadas merecem atenção e duas outras entram na faixa bônus. Uma delas é a regravação de Frankie Valli, a "Can’t Take My Eyes Off You". Após o sucesso, Ms. Hill gravou um Unplugged pela MTV, sem projeção e entrou numa espécie de torpor criativo. O álbum foi tão marcante que os seus fãs aguardam não só os shows baseados nesses sucessos, mas que sua criatividade e reinvenção sejam motivos de inspiração para um novo trabalho.
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FAIXAS:
01. Intro
02. Lost Ones
03. Ex-factor
04. To Zion
05. Doo Wop (That Thing)
06. Superstar
07. Final Hour
08. When It Hurts
09. I Used To Love Him
10. Forgive Them Father
11. Every Ghetto, Every City
12. Nothing Even Matters
13. Everything Is Everything
14. The Miseducation of Lauryn Hill

faixas extra:
15. Can't Take My Eyes Off You
16. Tell Him (live)


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Ouça:
The Miseducation of Lauryn Hill


sexta-feira, 7 de agosto de 2020

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL 12 ANOS DO CLYBLOG - Deee-Lite - "World Clique" (1990)


"Entrançados pelas revoluções musicais no jardim de Deee-Lite, os três groov-nicks estavam destinados a esbarrar um no outro. Três culturas diferentes unificadas na era da comunicação."
Trechos do texto do HQ do encarte do disco

"Como se diz delicioso?
Como se diz adorável?
Como se diz deliciosa?
Como se diz divina?
Como se diz de-groovy?
"De" com isso?
Como se diz Deee-Lite?"
Bordão da banda

Em 9 de novembro de 1989, afora a multidão presente in loco para presenciar aquele acontecimento histórico para a humanidade, o mundo todo parava para assistir pela TV a queda do Muro de Berlim. Mais do que apenas concreto, quebravam-se, naquele momento, diferenças. Tudo que a Guerra Fria alimentava com as sobras mal mastigadas da Segunda Guerra se dissolvia, tornando possível que, não apenas a Alemanha se reunificasse, como novas e saudáveis conexões e comunicações entre culturas acontecessem. Ocidente e Oriente não restavam mais apartados. Sua queda não apenas reidentificava uma dualidade ideológica, mas também simbolizava a quebra de preconceitos maiores, como de raça, gênero, cor, cultura e nacionalidade, fosse alemão, soviético, japonês ou norte-americano. Vislumbrava-se, ali, um renovado olhar para o respeito ao outro.

A música não demorou em captar estes ventos de liberdade e comunhão. Precisou, na verdade, precisamente de apenas 268 dias, bem pouco para quem suportou 9.490 deles dos 26 anos desde que o muro foi erguido, em 1963. Artista rapidamente tocada pela reconfiguração planetária de então foi Lady Miss Kier Kirby. A norte-americana, cantora, DJ, modelo e designer de moda aproveitou a passagem aberta pelo muro derrubado para, saída de seu país, passar por sobre seus escombros em direção a até bem pouco tempo inimiga Rússia e recrutar o talentoso Super DJ Dimitry. Sem guardas na fronteira, ela andou ainda mais e foi parar no Japão, desta vez para capturar outro “às” nas manipulações sonoro-digitais: Jungle DJ Towa Towa. Juntos, fizeram de QG, claro, a universal Nova York. Pronto: estava composta a primeira banda de música pop fruto da nova configuração mundial: a Deee-Lite.

O som dançante, alegre e altamente melodioso do trio fazia reverências retrô à música negra norte-americana, mas também a modernizava ao valer-se de elementos peculiares da experiência nativa de seus integrantes, do som das pistas noturnas e das novidades tecno que aquele início da última década do século XX passava a oferecer. Estavam ali a efervescente acid house mas também o hip-hop, o funk, a soul, o eletro-pop, a disco, o jazz, o AOR e o synth. Essa misturança criativa e libertária se materializava no primeiro e disparado melhor disco do grupo: “World Clique”, que completa 30 anos de lançamento neste dia 7 de agosto.

Japão (Towa), Rússia (Dimitry) e Estados Unidos (Kier) juntos para fazer o som da nova era
E como representar aquele novo momento mundial? Com festa, é claro! Sintonizados com o clima de diversão regada à música eletrônica da era clubber, a balada da Deee-Lite começa em altas vibes com “Good Beat”. Samples, beats, grooves e o canto de Miss Kier, que lembra o das grandes divas da era disco. Está aberta a pista, que lota de pronto! Pra não baixar a empolgação, outro arraso: “Power of Love”. Um acorde de piano muito jazzy chama as batidas secas da acid house, que reverberam fortes e fazem impactar o plexo solar. Mas não só: o vocal entra juntamente, formando uma dance tomada de soul anos 70, resumo daquela sonoridade nova que a Deee-Lite trazia em seu balaio cosmopolita. Impossível ficar parado!

Além do som, era importantíssima a Deee-Lite também a parte visual. Eles sintetizavam a “montação” da indumentária clubber, com suas saias e calças coloridas, leggings, tênis sneaker e esportivos, pulseiras, colares, tic-tacs, piranhas e anéis, além de vernizes, maquiagens brilhantes, piercings, tatuagens tribais, cabelos em cortes à frente da moda ou em tons berrantes como o verde-limão e a rosa-choque. Em elementos siderais divertidos e coloridos como os de um cartoon da Hanna-Barbera e tipografia retrô anos 50, a capa de “World...” traz os três integrantes em roupas não menos avivadas e extravagantes mas, principalmente, destaca seus traços antropomórficos típicos: Miss Kier, uma vistosa mulher com os ares latinos da América miscigenada; Dimitry, cujo tipo eslavo em roupas fashion prenunciava a aderência russa ao capitalismo a partir de então; e Towa Towa, de estatura baixa e cabelos pretos lisos típicos de um oriental, o qual trazia para aquela arquitetura estética a cultura pop dos animes japoneses. Todos prontos para a balada!

Mas não se pense que se trata de qualquer festinha! Na “delicious party” da Deee-Lite, além da importância do traje (quanto mais espalhafatoso, melhor), havia também convidados ilustres. O lendário Bootsy Collins é um deles. Baixista de grupos icônicos da black music, como a banda de James Brown e o combo de George Clinton, a Parliament/Funkadelic – a quem Towa Towa faz referência em seu boné na capa do disco – Bootsy empresta não apenas seu estilo único de tocar e o visual de “cartum ambulante” (o qual inclui, fora os óculos esquisitões e não raro uma cartola idem, um sorrisão irresistível) como, tanto quanto, a presença de alguém da “velha guarda” naquele projeto. Como uma chancela para a nova geração. É ele quem comanda baixo e guitarra do funkão pra lá de suingado “Try me On... I’m Very You”, onde Miss Kier, aliás, dá um show de vocal.

Bootsy: velha guarda da black music
dando aval para a nova geração
Bootsy volta a aparecer na pista em outro funk, a gostosa “Smile On”, mas desta vez acompanhado de outros convidados de pulseirinha vip com ele: os craques Maceo Parker, no sax, e Fred Wesley, além das cantoras Sahira e Sheila Slappy. Estas duas, aliás, não arredam pé do “queijão” em nenhum momento, sacolejando-se o tempo todo e fazendo o backing do disco inteiro, dando uma trégua apenas na brilhante “What is Love?” em que os DJ’s Dimitry e Towa homenageiam com muita propriedade a Kraftwerk, fazendo lembrar temas dos alemães como “Sex Object”, por causa da voz grave e sensual de Mike Rogers, mas também a sonoridade de coisas de “Computer World” e “The Man-Machine”.

A faixa título e “E.S.P.” mostram porque a Deee-Lite, principalmente na figura de Miss Kier, se tornou um ícone para a comunidade LGBTQ+. Uma ode ao hedonismo, à estética e ao amor. E o que dizer, então, de “Groove Is In The Heart”? Hit do disco, tornou-se um sucesso mundial, que estourou com clipe na MTV à época e fez com que a Deee-Lite tivesse seu maior reconhecimento, colocando o disco no 20º posto entre os mais vendidos. A música ficou entre as cinco primeiras no Hot 100 da Billboard dos EUA e do Reino Unido, bem como ocupou o 1º lugar na parada Hot Dance Club Play dos EUA. Não à toa. Resumo da proposta do trio, “Groove...” é ainda hoje uma referência quando se pensa em música alegre ou pra se dançar, tanto quanto uma “Stay in the Light” ou “YMCA”. Como não, aliás, entrar nessa com eles?! Pura energia boa. Sampler com a base de “Bring Down the Birds", de Herbie Hancock, o baixo saltitante de Bootsy, os metais de Maceo e Fred, o rap de Q-Trip e toda aquela galera ao fundo curtindo a balada.

Fecham “World...” as também ótimas "Who Was That?", um funk suingado cheio de “sampladelics relics” engendradas pelos DJ’s e um refrão pegajoso; e “Deep Ending”, acid house clássica que lembra, pelos acordes de teclados, Depeche Mode e New Order em seu uso menos convencional dos elementos eletrônicos, ora até num tom soturno herdado do gothic punk.

O HQ do encarte de "World Clique"
Porém, como toda balada animada, assim como começou, logo que raiou o dia, a rave da Deee-Lite se encerrou. O grande sucesso do disco de estreia da banda lhes renderia, inclusive, uma vinda ao Brasil para o Rock in Rio 1991. Mas ficou basicamente por aí. Soltariam apenas mais dois álbuns: o longo e inconstante "Infinity Within" (1992) e o derradeiro ”Dewdrops In The Garden” (1994), este último, praticamente já sem a principal cabeça compositiva da banda, o DJ Towa Towa, o qual começava a se aprumar para uma carreira solo deslumbrante agora rebatizado com o nome artístico pelo qual passaria a ser conhecido: Towa Tei. Diferenças e rusgas afastaram o trio cada um para seu canto. Dmitry, baseado atualmente na Berlim sem muros, segue trabalhando como DJ, compositor e produtor, remixando, inclusive, vários artistas, como Sinead O'Connor, Ziggy Marley, Nina Hagen e Ultra Naté. Além disso, seu conturbado relacionamento com Miss Kier inviabilizava totalmente a continuidade de qualquer projeto em comum. Ela, por seu turno, segue trabalhando agora em Londres como cantora e DJ, além de cumprir o importante papel de ativista da causa LGBTQ+, a qual ocupa posto de porta-voz. Uma perfeita drag queen em pele de mulher.

As portas da boate daquele improvável trio, que unia gente da América, a Europa e o Oriente, fechavam-se para receber outras e novas festas anos 90 afora. Se hoje é normal ver grupos como Black Eyed Peas e Fugees com integrantes de várias nacionalidades ou artistas identificados com a cultura queer, como RuPaul, Army of Lovers, Right Said Fred e Lady Gaga, isso não era comum naquele mundo pré-globalização da Deee-Lite. Eles, com alto astral e muita musicalidade, representaram o começo de uma era e transformaram para sempre a música pop, derrubando muros simbólicos e abrindo portas – e armários – para toda uma geração prestes a entrar no tão aguardado século XXI. Bastou darem um “clique”, para o “mundo” nunca mais ser o mesmo.

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O formato CD traz duas faixas não inclusas na edição original: a fantástica “Deee-Lite Theme”, parceria com Herbie Hancock, que prenuncia o que, principalmente, temas que Towa Tei faria em carreira-solo, como “Sound Museum”, de 1997. Além desta, “Build the Bridge”, cantada por Bill Coleman.

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Deee-Lite - "Groove Is In The Heart"


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FAIXAS:
1; “Good Beat” - 4:40
2. “Power Of Love” - 4:40
3. “Try Me On ... I'm Very You” - 5:14
4. “Smile On” - 3:55
5. “What Is Love?” - 3:38
6. ”World Clique” - 3:20
7. ”E.S.P.” - 3:43
8. “Groove Is In The Heart” (Deee-Lite/Herbie Hancock/Jonathan Davis) - 3:51
9. “Who Was That?” - 4:35
10. “Deep Ending” - 3:47
+ Bônus (versão CD):
- “Deee-Lite Theme” ((Deee-Lite/Hancock) - 2:08
- “Build The Bridge” - 4:32
Todas as composições de autoria de Deee-Lite, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO
Deee-Lite - "World Clique"

Daniel Rodrigues