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segunda-feira, 11 de maio de 2020

As 5 melhores do Kraftwerk na escolha dos fãs - Homenagem a Florian Schneider

Florian Schneider, que morreu no último dia 6, foi, tanto quanto Ralf Hütter é, genial. Embora muito se hibridize a atuação de cada um na banda, não só pela coautoria de tudo, pela imagem/estética que se tem deles ou por conta da postura low profile e até arredia diante da mídia (principalmente de Florian), diz que é Florian a verdadeira cabeça da Kraftwerk.

Eberhard Kranemann, um dos integrantes da correligionária de krautrock Neu!, é categórico: “Para mim, Florian foi o fundador do Kraftwerk. Ele era a pessoa mais importante do Kraftwerk. Depois, as coisas mudaram, e eu tenho a impressão de que Ralf Hütter passou a ser o líder da banda, mas no começo a ideia toda foi do Florian”. Se Ralf passou a ter maior protagonismo no desenrolar da história de quase 50 anos da banda, Florian foi quem, por exemplo, construiu o primeiro drum machine (a partir de uma unidade de ritmo de um órgão!), a que se escuta em “Tanzmuzik”, de 1973, quando, a partir de então, a bateria tal como se conhecia passou a virar antiguidade. Mais do que isso: ele, Ralf e seus séquitos nos fizeram identificar/assimilar que som emite um computador. O imaginário da humanidade entende essa gênese sonora por causa deles. Isso não merecia um Grammy de Música, mas um Nobel de Ciência!

Como “Tanzmuzik”, poderia lançar aqui como exemplo inúmeras outras de autoria dele, esse esteta da era moderna. Várias da Kraftwerk, do "Radio-Activity", do "Trans-Europe Express", do "Authoban", do "The ManMachine". A precisa homenagem do Bowie a eles e a ele, "V-2 Schneider", também caberia. Mas não deixo só a mim esta tarefa. Convido fãs de Kraftwerk para escolherem a suas 5 preferidas, o que talvez nos faça conseguir exprimir um pouco da magnitude da genial obra de Florian Schneider-Esleben .

Daniel Rodrigues





"A Kraftwerk foi uma banda que eu conheci bem no momento que eu estava curtindo essas bandas antigas e mais experimentais, como New Order e Depeche Mode. A primeira música que eu ouvi foi 'The Robots' e vi o clipe naquele momento. Achei genial. Daí baixei o álbum deles chamado 'The Mix', que me marcou bastante. Hoje em dia as músicas todas têm elementos eletrônicos e, basicamente, eles foram os precursores nisso. Daí fico imaginando o pessoal do final dos anos 70 ouvindo Kraftwerk e pensando: 'Ouvir isso é dar um pulo para o futuro!' kkk."
- “Radio-Activity” (“Radio-Activity”, 1975)
- “Trans-Europe Express” (“Trans Europe Express“, 1977)
- “The Robots” (“The Man-Machine”, 1978)
- “Computer Love” (“Computer World”, 1981)
- “Pocket Calculator” (“Computer World”, 1981)




"Assisti à apresentação que o grupo Kraftwerk fez no Cais do Porto, aqui no Rio, em 2004. Foi o grande show da minha vida! Assisti Florian e Ralf fabricarem ali, aos meus olhos, o que definiu todo um mover musical posterior dentro do pop. Ali, bem na minha frente! Aquela apresentação me marcou para toda a vida."
- “Computer World” (“Computer World”, 1981)
- “Home Computer” (“Computer World”, 1981)
- “Numbers” (“Computer World”, 1981)
- “Tour de France” (single “Tour de France”, 1983, e “Tour de France Soundtracks”, 2003)
- “The Telephone Call” (Electric Café”, 1986)



"Muito triste o que aconteceu, mas faz parte não é? Difícil ver nossos heróis indo embora. Cinco músicas de uma das minhas bandas preferidas!"

- “Kometenmelodie II“ (“Autobhan”, 1974)
- “Antenna“ (“Radio-Activity”, 1975)
- “The Man-Machine“ (“The Man-Machine”, 1978)
- “Trans Europe Express“ 
- “Musique Non Stop” (Electric Café”, 1986)




"Eu conheci o Kraftwerk graças ao funk carioca! Viu como o funk salva?! Na verdade, conheci Africa Bambaata e Kraftwerk nos programas de funk da rádios Imprensa e Rádio 98. Entonces, eles fazem parte da minha vida desde criança, rárá!!  Isso também aconteceu com os desenhos animados e meu caso de amor com o jazz. Essas são as minhas preferidas."
- “The Man Machine” 
- “Computer World”
- “Sex Object” (Electric Café”, 1986)
- “Boing Boom Tschak” (Electric Café”, 1986)
- “Vitamin” (“Tour de France Soundtracks”, 2003)




"Difícil selecionar cinco músicas sendo que, pelo menos, dois álbuns da Kraftwerk são inteiramente indispensáveis: 'Trans-Europe Express' e 'Die Mensch-Maschine', que se tratam de instituições movidas por setores prazerosos que merecem muita atenção e preservação. Nossas sinapses agradecem."
- "Tanzmusik" (“Ralf und Florian” 1973)
- "Radio-Activity" 
- "Europe Endless" (“Trans-Europe Express”, 1977)
- "The Hall of Mirrors" (Trans-Europe Express”, 1977)
- “The Model" e "Neon Lights" (“The Man-Machine”, 1978)



"Minha escuta sempre se encantou com a atmosfera que o Kraftwerk possui. Tudo é  música, inclusive os silêncios e as performances. Tudo está  criado com um propósito . A contribuição é inegável e muito contagiou a todos."
- “Computer World”
- "The Hall of Mirrors"
- "Neon Lights"
- “Tour de France”
- “Kometenmelodie II“



"Curto muito Kraftwerk!"

- “The Model”
- “Autobahn” (“Autobahn”, 1974)
- “Radio-Activity”
- “The Robots”
- “The Hall of Mirrors”



"Impressiona-me que, assim como um Kubrick ou um Tarkovski no cinema, a obra da Kraftwerk é pequena em relação ao tempo de atividade, no caso da banda, quase 50 anos. São apenas 7 discos de músicas inéditas (tirando o de mixes e os ao vivo) e, grosso modo, todos essenciais. Um pouco como fiz lá na adolescência, quando apresentei meu primeiro programa de rádio na antiga Ipanema, em 1995, no saudoso Clube do Ouvinte, seleciono um pouco de cada época da banda para dar esse panorama de 5 faixas. Afinal, considero-lhes tudo essencial."
- “Airwaves” (“Radio-Activity”, 1975)
- “Trans-Europe Express”/ “Metal on Metal” (“Trans-Europe Express”, 1977)
- "Neon Lights"
- “Home Computer”
- "Elektro Kardiogramm" (“Tour de France Soundtracks”, 2003)




"Que tarefa difícil escolher só cinco!!! A gente fica pensando: 'Mas e aquela...', 'E aquela outra...' e 'Como é que aquela outra vai ficar de fora?'. É  um dilema. Esforçando-me, brigando comigo mesmo pra deixar alguma de fora, aí vão minhas cinco."
- “Ruckzuck” (“Kraftwerk”, 1971)
- “Kometenmelodie II“
- “Airwaves”
- “The Model”
- “It's More Fun to Computer” (“Computer World”, 1981)




“O Kraftwerk é mesmo uma raça rara: em uma carreira que se estende por 40 anos*, este é um grupo que nunca gravou um disco ruim sequer. De 1973 em diante, o Kraftwerk desenvolveu um estilo eletrônico único e completamente sedutor, alcançando seu auge em três álbuns essenciais: ‘Trans-Europe Express’, ‘The Man-Machine’ e ‘Computer World’, este último sem dúvida sua melhor definição. Não havendo uma compilação final de maiores sucessos de mercado, eis a seguir meu guia para as músicas* essenciais do Kraftwerk”.
- “Kristallo” (“Ralf und Florian”, 1973)
- “Autobahn” (single “Autobahn”, 1975)
- “Spacelab” (“The Man-Machine”, 1978)
- “Radioactivity” (“The Mix”, 1991)
- “La Forme” (“Tour de France Soundtracks”, 2003)

* Trecho do livro “Kraftwerk Publikation: A Biografia”, de 2012, quando a banda havia completado pouco mais de quatro décadas
** Buckley listou os “20 Bits” clássicos da Kraftwerk. Extraímos dessa lista 5 músicas não mencionadas nas outras listas








domingo, 16 de junho de 2013

Kraftwerk - "Computer World" (1981)



"Computar é a maior diversão"


Sim, definitivamente eles são homens do futuro! Eles voltaram do futuro e caíram no século XX, quando os computadores ainda eram equipamentos complexos, possuídos apenas de grandes empresas ou de poucos privilegiados, alguns de porte gigantesco, elemento do imaginário de ficções científicas, para nos contar que este mesmo mundo estaria interligado por estes aparelhos, em rede, que estaríamos todos vigiados sem privacidade, que seríamos todos catalogados e reconhecidos apenas por números, que alguns tantos amariam estas máquinas  como se fossem pessoas, que o maior prazer de muitos seria ficar diante de uma tela e que teríamos aparelhos portáteis que nos tornariam praticamente... robóticos.
Loucura?
Podia parecer.
Mas não se cumpriu?
(Só não somos, exatamente, 'operadores' de calculadoras portáteis, mas sim de mini-computadores de mão multifuncionais, o que no espírito da coisa, da praticamente na mesma)
Sim, por meio de um disco, “Computer World” de 1981, os robôs do Kraftwerk antecipavam tudo isso. Depois de terem anunciado a tecnologia da comunicação, a mecanização da sociedade, a intensificação do trânsito nas grandes cidades, eles então nos diziam que o mundo seria dominado pelos computadores. Sim, sem dúvida eles vieram do futuro. Sempre achei que não eram humanos, mesmo.
E as músicas? Ah... Sinfonias modernas com a cara dos novos tempos. Minimalismo, detalhe, construção, ousadia, genialidade. De um brilhantismo e uma leitura atualíssima ainda hoje, em pleno século XXI. Bom, talvez porque ainda não tenhamos chegado ao tempo em que elas foram produzidas.

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FAIXAS:
1. Computer World
2. Pocket Calculator
3. Numbers
4. Computer World ..2
5. Computer Love
6. Home Computer
7. It’s More Fun to Compute


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Ouvir:
Kraftwerk Computer World


Cly Reis

sábado, 3 de dezembro de 2022

Copa do Mundo Kraftwerk - Oitavas-de-finais

Eu tava vendo a hora que isso ia acontecer...

Kommetenmelodie 1 contra Kommetenmelodie 2, Computer World contra Computer World 2, Trans-Europe Express contra Metal On Metal...? Nenhuma delas! Deu Tour de France contra Tour de France Étape 2. 

É! As oitavas já começam com o clássico da Merselhesa. Mas não é o único jogaço que o sorteio reservou para essa fase: tem Radioacitvity contra Model, Robots contra Autobahn e outros confrontos quentes.

Então confere, aí abaixo, como ficaram as oitavas-de-final da Copa do Mundo Kraftwerk:



segunda-feira, 29 de maio de 2023

CLYLIVE Especial de 15 anos do ClyBlog - Kraftwerk - C6 Fest - Vivo Rio - Rio de Janeiro/ RJ (18/05/2023)

 



Somos apenas humanos
por Cly Reis



Há 15 anos atrás tinha o privilégio de assistir a um show do Kraftwerk. Desde então, tive, para mim, a convicção de que havia presenciado o melhor show de minha vida. Até por conta disso, não  tinha a intenção de vê-los ao vivo novamente. Pra que? Já  havia me satisfeito e, provavelmente, não  seriam melhores do que foram naquela vez.

Só que o tempo passou e, dentro desses 15 anos que me separam daquele show, tive uma filha. Ela tem 11 anos hoje e, ao longo de sua formação musical, sem que eu forçasse, sem que eu influenciasse decisivamente, acabou por adorar Kraftwerk. E eis que, eu que já me dava por satisfeito por tê-los visto uma vez, descubro que os caras vêm pro Brasil de novo! Eu tinha que levar minha filha para ver. Não sei se, a essas alturas, eles vêm de novo, se vão continuar fazendo turnês, se Ralph Hütter não vai pendurar as chuteiras, ou mesmo se sua "bateria" ainda vai durar por muito mais tempo, uma vez que, brincando brincando, já são 76 anos nas costas ("toc, toc", batendo na madeira). Era agora ou, possivelmente, nunca mais.

Então fiz o "esforço" de ir ao show no C6 Fest. Sinceramente, fora o fato da oportunidade de minha filha ter essa experiência, não guardava maiores expectativas. Imaginei que, velhinhos, com a vida ganha, com um repertório incontestável, depois de várias passagens por aqui, os homens-máquina fossem entrar no palco só pra cumprir tabela: aquele showzinho burocrático, tipo entro lá, ligo a programação eletrônica, cumpro uma horinha de show, ganho minha grana vou embora...

Que nada!

Os caras tavam pilhados!

Um show dinâmico, com espontaneidades, "improvisos", uma pedrada emendando na outra e, mesmo dentro daquele tradicional comedimento dos alemães, uma certa animação e uma movimentação incomum, especialmente do líder e fundador Ralph Hütter.

"Numbers" que abriu o show, combinada com "Computer World" já foi algo espetacular, musical e visualmente, com as impressionantes projeções sincronizadas no telão. "Spacelab" a seguiu trazendo a todos a surpresa da homenagem ao Rio de Janeiro, no telão,  com a nave do Kraftwerk sobrevoando a cidade e pousando em frente ao Vivo Rio, levando o público à loucura. E teve uma "The Model" empolgante, "Autobahn" reinventada, muito mais livre e quase espontânea, "The Man-Machine emocionante, "Trans-Europe Express" arrasadora, um medley das partes de "Tour De France" e um gran-finale com uma "Music Non Stop" descontraída e cheia de pequenas variações. Senti falta, é verdade, de "Radioactivity" que podia muito bem ter entrado no lugar de "Planet of Visions", mas nada que desvalorize tudo o que acontecera lá. 

Para quem achava que já havia visto o suficiente da banda, que era dispensável assistir a outro show, que eles estariam apenas cumprindo uma formalidade, acabei saindo com a sensação de ter presenciado outro dos grandes espetáculos da minha vida. Uma banda muito a fim, quase um "show de rock" por sua dinâmica, Ralph Hütter cheio de tesão, quase elétrico naquela sua movimentação contida. Balançou a cabeça, mexeu os ombros, bateu o pezinho e, no final, naquele momento em que os integrantes vão deixando o palco, um a um, desceu de seu posto, fez uma reverência, até sorriu e bateu no peito, agradecido, me parecendo, ali, até um pouco emocionado... Será? Será que o robô está se tornando humano? A convivência com nossa espécie teria feito com que, mesmo, uma máquina como ele adquirisse a capacidade de sentir emoções? Em época de discussões sobre Inteligência Artificial, a questão bem que procede, não. Mas como diria o policial Murphy, a propósito, um homem-robô, na frase final de "Robocop 2", "Somos apenas humanos". 

trecho de "Computer Love"

trecho de "The Robots"




★★★


A revolução das máquinas
por Daniel Rodrigues

Se me perguntassem quais shows que eu ainda gostaria de ver de artistas que estejam em atividade (ou minimamente estejam vivos), listaria alguns difíceis e outros quase impossíveis. Das possibilidades, Ministry, John Cale e Pixies são um caso. Já dos improváveis, Th’ Faith Healers, Can e My Bloody Valentine encabeçam a lista. Claro: tem aqueles grandes shows que nunca fui mas que ainda são passíveis de um dia, seja no Brasil ou numa ocasião fora do país, serem presenciados por mim, como Madonna, Björk, David Byrne, Neil Young, Stevie Wonder e os Rolling Stones, que pode ser que venham à minha terra novamente como Roger Waters, que retornará a Porto Alegre por conta das memoráveis apresentações que fez na cidade para sua despedida dos palcos em novembro.

Mas de todos estes posso dizer com tranquilidade que o que mais queria ver era a Kraftwerk, desejo que foi realizado no último dia 18, no Vivo Rio. Desejo, não: sonho. Após duas vindas dos alemães ao Brasil, uma no Free Jazz Festival de 1998, quando eu nem sequer trabalhava para custear um ingresso tão caro a São Paulo, e outra, em 2009, quando estiveram no Rio de Janeiro, em plena Praça da Apoteose. Esta sim eu lamentei por não ter ido. Mesmo com os reiterados convites do meu irmão, que foi ao show, para que eu tentasse dar um jeito de ir ao Rio, onde pelo menos pouso garantido teria, as condições financeiras da época fecharam totalmente a porta. Minha lamentação foi alimentada durante estes 15 anos que se transcorreram desde aquela última apresentação da Kraftwerk em terras tupiniquins, ainda mais quando da morte de um dos cabeças do grupo neste meio tempo, Florian Schneider, em 2020. Embora já fora da banda há algum tempo, sua morte despertou o alerta de que o outro principal integrante, Ralf Hütter, já com quase 80 anos, pudesse, pelo óbvio, também ter sua “máquina desligada”.

Com a menor atividade da Kraftwerk, pensava que, para eles retornarem ao Brasil, quiçá, somente lá em 2024 ou 25, já que, ao menos, os shows estão retornando com tudo neste pós-pandemia. Considerando que os velhinhos já puseram seus sistemas em modo slow, até seria um tempo considerável um ou dois anos para que se mexessem. Mas eis que, para minha surpresa, eles são anunciados para estrelarem o C6 Fest, no Rio e em São Paulo. E agora, primeiro semestre do ano, em maio! E mais: meu irmão iria ao show com minha mãe, que aprendeu a adorá-los conosco, e minha sobrinha, Luna, fã da banda e que presenciaria seu primeiro grande show ao vivo. Num esforço coletivo, peguei uma mesa ao lado da deles e embarquei para o Rio. Todo o empenho, expectativa e lamentação foram totalmente recompensados.

Os desenhos estilo new look
em movimento em "Autobahn"
Num formato pocket ("calculator", claro), adequado ao line-up de um festival, o quarteto liderado por Ralf entregou uma apresentação empolgante e empolgada em aproximadamente 1 hora e 20 de palco. A disposição foi a de sempre: os quatro enfileirados com roupas iluminadas em led e com suas mesas mágicas com programadores, sintetizadores, computadores e outras engenhocas saídas do estúdio Kling Klang direto de um laboratório de Düsseldorf, e, ao fundo, projeções magníficas que dialogam com os sons através de imagens, luzes, grafismos e vídeoartes. Porém, o grupo estava muito a fim e deu a plateia brasileira um espetáculo cheio de vontade e musicalidade, que se percebia no manejo altamente espontâneo dos “leitmotiv” de cada música. 

Já no repertório, somente clássicos, que se emendaram uns aos outros sem pausa para respirar e, sim, para se admirar e absorver. Foi uma sequência para tirar lágrimas de qualquer fã, a começar pelo duo “Numbers/Computer World”, na abertura e com o qual eles poderiam ficar ali no palco por 1 hora inteira só brincando com os elementos de cada música, os números e os algoritmos digitais provocando sons, que jamais cairia na monotonia. Pra acabar com o coração dos kraftwekianos, mandam na sequência uma surpreendente execução de “Spacelab”, que além de ser um barato ouvi-la ao vivo e tocada de forma tão espontânea dentro dos limites do que o aparato eletrônico permite, foi uma atração à parte sua projeção, que mostrou a viagem da nave espacial (comandada por eles, obviamente) do espaço até chegar na Rio de Janeiro e pousar em frente ao próprio Vivo Rio, para delírio da galera.

“Autobahn”, com a ideia genial de animação dos carros desenhados manualmente da capa original de 1974, e a sequência “Tour de France/ Tour de France – Etape 1 e 2", com as imagens "vintage" da tradicional volta da França para a qual eles compuseram a trilha-tema em 1983, também foi de tirar o fôlego. Igualmente, o perfect pop “The Model”; a autorreferenciativa “The Robots”, com sua arte geométrica ao estilo da escola soviética; a altamente dançante “Planet of Visions”, motivando uma arte orgânico-digital-futurista; e a apoteótica “Trans-Europe Express/Metal on Metal”, cuja viagem do trem em 3D pelos trilhos europeus acompanha um desfile de execução dos quatro, mostrando que estavam se divertindo com a energia que emanava do público.

trecho de "Tour de France"

De todas as grandes performances, talvez a mais marcante tenha sido justamente a que fechou o show: a minissinfonia “Electric Cafe”: “Boing Boom Tschak/ Techno Pop/ Musik Non Stop”. As projeções, com a estrutura dos robôs e desenhos feitos em computador, mesclado arquitetura, design, música e arte, foi um digno final. Na despedida, um a um executava improvisos (sim, improvisos!) e saí do palco, até a vez do líder Ralf, ovacionado. Não à toa: Ralf Hütter é um “computer hero”, um esteta, um gênio da modernidade.

O maior show que já vi. Um dos maiores espetáculos da Terra. Uma das mais importantes bandas da música de todos os tempos, e não apenas da música pop, isso digo com certeza. Tanto quanto obras de Bach, Mozart, Wagner, Cage, Beatles, Dylan, ColtraneJoão, a Kraftwerk é importante para a evolução da humanidade como espécie, pois que excede o patamar simplesmente artístico. Toda a parafernália tecnológica, como nossos smartphones ou aparelhos digitais que nos rodeiam, não teriam a comunicabilidade sonora que têm hoje não fosse os "homens-máquina" terem inventado esta linguagem. Somente robôs como eles teriam esta sensibilidade: a de saber como seus pares se comunicam conosco, humanos. E se a tecnologia é reflexo de nossa capacidade de criação, talvez ser robô seja o verdadeiro sentido de ser humano.

PS: De quebra, ainda levamos um showzaço da Underworld para fechar a noite, que não deixou nada a desejar para os mestres da eletrônica.

Hino autorreferente: "The Man-Machine"

Brincando com os teclados em "The Model"


Trecho da emplogante "Planet of Visions"


Um trem eletrônico passou pelo Rio: "TEE" + "Metal on Metal"


sexta-feira, 7 de agosto de 2020

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL 12 ANOS DO CLYBLOG - Deee-Lite - "World Clique" (1990)


"Entrançados pelas revoluções musicais no jardim de Deee-Lite, os três groov-nicks estavam destinados a esbarrar um no outro. Três culturas diferentes unificadas na era da comunicação."
Trechos do texto do HQ do encarte do disco

"Como se diz delicioso?
Como se diz adorável?
Como se diz deliciosa?
Como se diz divina?
Como se diz de-groovy?
"De" com isso?
Como se diz Deee-Lite?"
Bordão da banda

Em 9 de novembro de 1989, afora a multidão presente in loco para presenciar aquele acontecimento histórico para a humanidade, o mundo todo parava para assistir pela TV a queda do Muro de Berlim. Mais do que apenas concreto, quebravam-se, naquele momento, diferenças. Tudo que a Guerra Fria alimentava com as sobras mal mastigadas da Segunda Guerra se dissolvia, tornando possível que, não apenas a Alemanha se reunificasse, como novas e saudáveis conexões e comunicações entre culturas acontecessem. Ocidente e Oriente não restavam mais apartados. Sua queda não apenas reidentificava uma dualidade ideológica, mas também simbolizava a quebra de preconceitos maiores, como de raça, gênero, cor, cultura e nacionalidade, fosse alemão, soviético, japonês ou norte-americano. Vislumbrava-se, ali, um renovado olhar para o respeito ao outro.

A música não demorou em captar estes ventos de liberdade e comunhão. Precisou, na verdade, precisamente de apenas 268 dias, bem pouco para quem suportou 9.490 deles dos 26 anos desde que o muro foi erguido, em 1963. Artista rapidamente tocada pela reconfiguração planetária de então foi Lady Miss Kier Kirby. A norte-americana, cantora, DJ, modelo e designer de moda aproveitou a passagem aberta pelo muro derrubado para, saída de seu país, passar por sobre seus escombros em direção a até bem pouco tempo inimiga Rússia e recrutar o talentoso Super DJ Dimitry. Sem guardas na fronteira, ela andou ainda mais e foi parar no Japão, desta vez para capturar outro “às” nas manipulações sonoro-digitais: Jungle DJ Towa Towa. Juntos, fizeram de QG, claro, a universal Nova York. Pronto: estava composta a primeira banda de música pop fruto da nova configuração mundial: a Deee-Lite.

O som dançante, alegre e altamente melodioso do trio fazia reverências retrô à música negra norte-americana, mas também a modernizava ao valer-se de elementos peculiares da experiência nativa de seus integrantes, do som das pistas noturnas e das novidades tecno que aquele início da última década do século XX passava a oferecer. Estavam ali a efervescente acid house mas também o hip-hop, o funk, a soul, o eletro-pop, a disco, o jazz, o AOR e o synth. Essa misturança criativa e libertária se materializava no primeiro e disparado melhor disco do grupo: “World Clique”, que completa 30 anos de lançamento neste dia 7 de agosto.

Japão (Towa), Rússia (Dimitry) e Estados Unidos (Kier) juntos para fazer o som da nova era
E como representar aquele novo momento mundial? Com festa, é claro! Sintonizados com o clima de diversão regada à música eletrônica da era clubber, a balada da Deee-Lite começa em altas vibes com “Good Beat”. Samples, beats, grooves e o canto de Miss Kier, que lembra o das grandes divas da era disco. Está aberta a pista, que lota de pronto! Pra não baixar a empolgação, outro arraso: “Power of Love”. Um acorde de piano muito jazzy chama as batidas secas da acid house, que reverberam fortes e fazem impactar o plexo solar. Mas não só: o vocal entra juntamente, formando uma dance tomada de soul anos 70, resumo daquela sonoridade nova que a Deee-Lite trazia em seu balaio cosmopolita. Impossível ficar parado!

Além do som, era importantíssima a Deee-Lite também a parte visual. Eles sintetizavam a “montação” da indumentária clubber, com suas saias e calças coloridas, leggings, tênis sneaker e esportivos, pulseiras, colares, tic-tacs, piranhas e anéis, além de vernizes, maquiagens brilhantes, piercings, tatuagens tribais, cabelos em cortes à frente da moda ou em tons berrantes como o verde-limão e a rosa-choque. Em elementos siderais divertidos e coloridos como os de um cartoon da Hanna-Barbera e tipografia retrô anos 50, a capa de “World...” traz os três integrantes em roupas não menos avivadas e extravagantes mas, principalmente, destaca seus traços antropomórficos típicos: Miss Kier, uma vistosa mulher com os ares latinos da América miscigenada; Dimitry, cujo tipo eslavo em roupas fashion prenunciava a aderência russa ao capitalismo a partir de então; e Towa Towa, de estatura baixa e cabelos pretos lisos típicos de um oriental, o qual trazia para aquela arquitetura estética a cultura pop dos animes japoneses. Todos prontos para a balada!

Mas não se pense que se trata de qualquer festinha! Na “delicious party” da Deee-Lite, além da importância do traje (quanto mais espalhafatoso, melhor), havia também convidados ilustres. O lendário Bootsy Collins é um deles. Baixista de grupos icônicos da black music, como a banda de James Brown e o combo de George Clinton, a Parliament/Funkadelic – a quem Towa Towa faz referência em seu boné na capa do disco – Bootsy empresta não apenas seu estilo único de tocar e o visual de “cartum ambulante” (o qual inclui, fora os óculos esquisitões e não raro uma cartola idem, um sorrisão irresistível) como, tanto quanto, a presença de alguém da “velha guarda” naquele projeto. Como uma chancela para a nova geração. É ele quem comanda baixo e guitarra do funkão pra lá de suingado “Try me On... I’m Very You”, onde Miss Kier, aliás, dá um show de vocal.

Bootsy: velha guarda da black music
dando aval para a nova geração
Bootsy volta a aparecer na pista em outro funk, a gostosa “Smile On”, mas desta vez acompanhado de outros convidados de pulseirinha vip com ele: os craques Maceo Parker, no sax, e Fred Wesley, além das cantoras Sahira e Sheila Slappy. Estas duas, aliás, não arredam pé do “queijão” em nenhum momento, sacolejando-se o tempo todo e fazendo o backing do disco inteiro, dando uma trégua apenas na brilhante “What is Love?” em que os DJ’s Dimitry e Towa homenageiam com muita propriedade a Kraftwerk, fazendo lembrar temas dos alemães como “Sex Object”, por causa da voz grave e sensual de Mike Rogers, mas também a sonoridade de coisas de “Computer World” e “The Man-Machine”.

A faixa título e “E.S.P.” mostram porque a Deee-Lite, principalmente na figura de Miss Kier, se tornou um ícone para a comunidade LGBTQ+. Uma ode ao hedonismo, à estética e ao amor. E o que dizer, então, de “Groove Is In The Heart”? Hit do disco, tornou-se um sucesso mundial, que estourou com clipe na MTV à época e fez com que a Deee-Lite tivesse seu maior reconhecimento, colocando o disco no 20º posto entre os mais vendidos. A música ficou entre as cinco primeiras no Hot 100 da Billboard dos EUA e do Reino Unido, bem como ocupou o 1º lugar na parada Hot Dance Club Play dos EUA. Não à toa. Resumo da proposta do trio, “Groove...” é ainda hoje uma referência quando se pensa em música alegre ou pra se dançar, tanto quanto uma “Stay in the Light” ou “YMCA”. Como não, aliás, entrar nessa com eles?! Pura energia boa. Sampler com a base de “Bring Down the Birds", de Herbie Hancock, o baixo saltitante de Bootsy, os metais de Maceo e Fred, o rap de Q-Trip e toda aquela galera ao fundo curtindo a balada.

Fecham “World...” as também ótimas "Who Was That?", um funk suingado cheio de “sampladelics relics” engendradas pelos DJ’s e um refrão pegajoso; e “Deep Ending”, acid house clássica que lembra, pelos acordes de teclados, Depeche Mode e New Order em seu uso menos convencional dos elementos eletrônicos, ora até num tom soturno herdado do gothic punk.

O HQ do encarte de "World Clique"
Porém, como toda balada animada, assim como começou, logo que raiou o dia, a rave da Deee-Lite se encerrou. O grande sucesso do disco de estreia da banda lhes renderia, inclusive, uma vinda ao Brasil para o Rock in Rio 1991. Mas ficou basicamente por aí. Soltariam apenas mais dois álbuns: o longo e inconstante "Infinity Within" (1992) e o derradeiro ”Dewdrops In The Garden” (1994), este último, praticamente já sem a principal cabeça compositiva da banda, o DJ Towa Towa, o qual começava a se aprumar para uma carreira solo deslumbrante agora rebatizado com o nome artístico pelo qual passaria a ser conhecido: Towa Tei. Diferenças e rusgas afastaram o trio cada um para seu canto. Dmitry, baseado atualmente na Berlim sem muros, segue trabalhando como DJ, compositor e produtor, remixando, inclusive, vários artistas, como Sinead O'Connor, Ziggy Marley, Nina Hagen e Ultra Naté. Além disso, seu conturbado relacionamento com Miss Kier inviabilizava totalmente a continuidade de qualquer projeto em comum. Ela, por seu turno, segue trabalhando agora em Londres como cantora e DJ, além de cumprir o importante papel de ativista da causa LGBTQ+, a qual ocupa posto de porta-voz. Uma perfeita drag queen em pele de mulher.

As portas da boate daquele improvável trio, que unia gente da América, a Europa e o Oriente, fechavam-se para receber outras e novas festas anos 90 afora. Se hoje é normal ver grupos como Black Eyed Peas e Fugees com integrantes de várias nacionalidades ou artistas identificados com a cultura queer, como RuPaul, Army of Lovers, Right Said Fred e Lady Gaga, isso não era comum naquele mundo pré-globalização da Deee-Lite. Eles, com alto astral e muita musicalidade, representaram o começo de uma era e transformaram para sempre a música pop, derrubando muros simbólicos e abrindo portas – e armários – para toda uma geração prestes a entrar no tão aguardado século XXI. Bastou darem um “clique”, para o “mundo” nunca mais ser o mesmo.

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O formato CD traz duas faixas não inclusas na edição original: a fantástica “Deee-Lite Theme”, parceria com Herbie Hancock, que prenuncia o que, principalmente, temas que Towa Tei faria em carreira-solo, como “Sound Museum”, de 1997. Além desta, “Build the Bridge”, cantada por Bill Coleman.

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Deee-Lite - "Groove Is In The Heart"


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FAIXAS:
1; “Good Beat” - 4:40
2. “Power Of Love” - 4:40
3. “Try Me On ... I'm Very You” - 5:14
4. “Smile On” - 3:55
5. “What Is Love?” - 3:38
6. ”World Clique” - 3:20
7. ”E.S.P.” - 3:43
8. “Groove Is In The Heart” (Deee-Lite/Herbie Hancock/Jonathan Davis) - 3:51
9. “Who Was That?” - 4:35
10. “Deep Ending” - 3:47
+ Bônus (versão CD):
- “Deee-Lite Theme” ((Deee-Lite/Hancock) - 2:08
- “Build The Bridge” - 4:32
Todas as composições de autoria de Deee-Lite, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO
Deee-Lite - "World Clique"

Daniel Rodrigues

domingo, 27 de novembro de 2022

Copa do Mundo Kraftwerk - classificadas da primeira fase

 Nosso time de especialistas teve seu primeiro desafio: escolher as primeiras classificadas na Copa Kraftwerk. Sim, pois na fase pré, apenas os editores do blog fizeram a triagem e colocaram oito das antigonas na disputa. Nessa fase, ingressaram todas as músicas, a partir de 1974, e todos os nossos experts em Kraftwerk entraram em ação.

E pra quem achava que as músicas velhinhas, lá dos primeiros álbuns só fariam figuração, se dariam por satisfeitas em ter participado, elas fizeram bonito e classificaram duas para a segunda fase. Mesmo número, curiosamente, que o lendário álbum Radio-Activity colocou na próxima fase. Deram azar nos confrontos. Já o dançante Electric Café (ou Techno Pop), de 1986, por sua vez, não classificou apenas uma, a ótima Telephone Call, eliminada exatamente por uma dessas vindas da preliminar,  Ruckzuck, time que promete incomodar. No entanto, o disco que colocou mais representantes na etapa que se seguirá foi Tour De France, muito pelo fato de ser o álbum com mais músicas do grupo, no entanto, proporcionalmente, Autobahn, de suas cinco faixas, colocou três delas na próxima fase. De resto, tudo muito equilibrado...

Bem, é melhor que vocês mesmo confiram o que rolou nessa fase. Dêem uma olhada, aí, abaixo nos confrontos da primeira fase e seus classificados, pois em breve, já rola o sorteio dos embates da fase seguinte. 



CLASSIFICADAS:

Tour de France
Tour de France Étape 2
Aéro Dynamik
Chrono
Vitamin
Elektro Kardiogramm
La Forme
Radioactivity
Airwaves
Stratovarius
Ruckzuck
Planet of Visions
Autobahn
Kommetenmelodie 1
Kommetenmelodie 2
Techno Pop
Boing Boom Tschak
Music Non Stop
Sex Object
Electric Café
The Hall of Mirrors
Trans-Europe Express
Metal on Metal
Franz Schubert
Showroom Dummies
The Man Machine
The Robots
The Model
Computer Love
Computer World 1
Pocket Calculator
Numbers


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Kraftwerk – “Tour de France Soundtracks” (2003)





Ouvindo o álbum,
 você quase pode ouvir o som do vento
batendo no seu rosto”.
Jim DeRogatis,
crítico musical

“O Tour (de France) é como a vida:
uma forma de transe.
E o transe está baseado na repetição.
As máquinas são perfeitas para criar isso”
Ralf Hütter



Uma das definições do dicionário para "tecnologia" é: "Ciência cujo objeto é a aplicação do conhecimento técnico e científico para fins práticos". Porém, há também o entendimento de que tecnologia também é "o conjunto dos termos técnicos de uma arte ou de uma ciência". Juntando as duas subentende-se: é possível o ser humano criar arte a partir da tecnologia e vice-versa. Os papéis se confundem nessa hora.

Neste sentido, é interessante notar que todos os principais marcos da tecnologia dos últimos 200 anos criadas pela humanidade tenham se tornado música nas mãos do Kraftwerk. O trem do medley "Trans-Europe Express"/"Metal on Metal"; o rádio em suas mais diversas funcionalidades do disco "Radio-Activity"; o automóvel em “Autobahn”; o telefone em “Telephone Call”. Até a amplificação do som de um átomo eles forjaram (“Atom”, de “Kraftwerk 2”). Mas mesmo tendo sido responsáveis por legar à civilização moderna o imaginário dos sons de bits e bites dos computadores (em "Computer World", de 1981), a tecnologia que realmente encanta a dupla Ralf Hütter e Florian Schneider, as cabeças geniais do mítico grupo alemão, é a talvez mais lúdica e esportiva delas: a bicicleta. “Tour de France Soundtracks”, de 2003, último trabalho da econômica banda não apenas trabalha este tema como o explora de forma brilhante.

O passeio sobre duas rodas do Kraftwerk, contudo, começou em 1983, quando lançaram o single “Tour de France” em homenagem à tradicional competição ciclística. Uma ode à beleza do ato de pedalar e à interação do homem com a tecnologia, que traz uma base criada sobre a respiração uma humana, um ritmo funkeado envolvente e um magistral riff de teclado em tom alto, colorido. Traços mais do que sonoros e, sim, sensoriais, que põem o ouvinte a também percorrer as ensolaradas estradas francesas sobre o selim. De relativo sucesso à época, a faixa deveria fazer parte de um novo disco, projeto que foi substituído três anos depois por “Electric Café”. “Substituído” é o termo certo, pois não “descartado”. Duas décadas depois (o que, para os parâmetros krafterkianos não é um absurdo, haja vista que lançaram nesse ínterim apenas dois discos, sendo apenas um de inéditas), quando dos 100 anos da Tour de France, Ralf e Florian desengavetam um projeto comporem uma trilha sonora para um filme explorando todas as etapas da corrida, desde a preparação do atleta até o ápice.

O filme não saiu, mas nem precisava. As músicas substituem qualquer imagem. Ou melhor: as supõem, as suscitam. A narrativa é tão cinematográfica quanto – sendo sinfônica ao mesmo tempo. Ao estilo dos temas longos de abertura de álbuns, uma de suas especialidades (a exemplo de “Boing Boon Tschak”/”Tecno Pop”/”Music Non-Stop” de “Electric Café”, ou a faixa-título de “Autobahn”), inicia com um prólogo, que anuncia em notas espaciais, mas não dispersas, frases que dotarão toda a trilha. Em ritmo de house music e trazendo uma variação do riff original, a primeira etapa do tema central entra com a tradicional voz robótica do VoiceModeler operado por Florian. Isso tudo num charmoso francês, idioma usado em todas as letras e sentenças faladas. “Étape 2” e “3”, seguem na mesma batida, agora explorando as variações de textura do trance, mas tendo como base a mesma ideia sonora: os frisos do pneu da bicicleta girando e promovendo som, num transe. “Chrono”, última desta primeira parte, intercala momentos instrumentais com os elementos-chave da temática-base, terminando com o “robô” anunciando que foi dada a largada: “Les coureurs/ Chronométrés/ Pour l'épreuve/ De vérité/ Radio Tour information/ Transmission/ Télévision/ Tour de France…”.

Primeiro ato concluído, pista preparada para o Kraftwerk passear com sua arte. Desacelerando um pouco a intensidade da pedalada e introduzindo uma percussão metálica variante e multiforme, “Vitamin” é a primeira dos preparativos para a corrida – afinal, todo corredor que se preze tem de atentar ao que manterá a sua máquina em condições de prova. Ralf lê uma sequência de ingredientes de suplementos (“Adrenalin endorphin/ Elektrolyt co-enzym/ Carbo-hydrat protein/ A-b-c-d vitamin”), enquanto teclados cumprem percussão e o grave, pondo acima as texturas e o riff, que também não passa longe do de “Tour de France”.

Das melhores do disco, “"Aéro Dynamik" retomando a batida da parte introdutória, é a própria tradução do conceito homem-máquina representado pelo Kraftwerk desde que surgiram, no final dos anos 60, na industrial Düsseldorf: o corpo sonoro projetado no espaço como metáfora do movimento humano vencendo os átomos no ar. “Percussivo e dinâmico”, como define o próprio Ralf. A letra diz em francês o que é de fácil entendimento a qualquer língua, pois universal: “Perfection Mekanik/ Materiel et Technik/ Condition et Physik/ Position et Taktik/ Aero Dinamik”.  "Titanium", misto de trance e ambient, acrescenta-lhe uma leve variação rítmica e harmônica, enfatizando agora o metal extraforte utilizado para a fabricação das “magrelas”. A percussão torna-se ainda mais metálica, por óbvio, do que em “Vitamin”.

Das melhores do álbum e da carreira da banda, "Elektro Kardiogramm", começa dizendo a que veio. Batidas de coração são ouvidas em um ritmo interessante, rítmico. O ritmo do próprio corpo. E isso não é licença poética, pois são gravadas dos batimentos cardíacos do próprio Ralf Hütter enquanto pedalava! E a genialidade não para por aí: este som, orgânico e científico ao mesmo tempo, é sinterizado eletronicamente ao de uma respiração, também embalada pelo ciclo da pedalada. O riff, igualmente na mesma escala que circunscreve o de todas as faixas, é em tempo 3x4. Tudo isso encapsulado por uma batida que acompanha o fluxo sanguíneo, mas o embala ritmicamente. É de "Elektro Kardiogramm" que saem os versos “Minimum Maximum”, que dariam nome à turnê e ao disco ao vivo de 2005. Afinal, a verdadeira interação entre homem, natureza e tecnologia. Como diz o biógrafo da banda, David Buckley, que considera a faixa um dos pontos altos do disco, é “uma exploração sonora da unidade formada por ciclista e bicicleta, homem e máquina”.

"La Forme", mais introspectiva, impressiona pelo ar quase oriental de seu riff de teclados deslizante. A percussão, só no “chipô” e “bumbo”, igualmente econômica e nipônica, dão ainda mais classe a esta faixa, a qual remete a obras do passado da banda, como “Neon Lights” e “Computer Love”. Depois de preparar a forma, vem a recuperação do corpo. Esta engata com "Régéneration", vinheta preparatória que faz a ponte entre a última meditação antes de lançar-se na prova de fato. É chegada a hora da magnífica "Tour de France", tal qual fora composta em 1983, porém repaginada pela limpeza da sonoridade digital ainda não alcançada àquela época. Das maiores peças pop de todos os tempos, é o símbolo e o ápice da ideia de interação homem e tecnologia. Respirações ofegantes de ciclistas são intensificadas no electrobeat – que retraz a batida pontilhada de “Numbers” –, enquanto o som de um baixo com slaps é recriado eletronicamente e os teclados passeiam pela paisagem, transmitindo cor e liberdade. “Dá quase para sentir o ácido lático se acumulando nas pernas enquanto a música se desenvolve”, brinca Buckley numa passagem do livro “Kraftwerk Publikation: a biografia”.

Suave e deslizante, “Tour de France Soundtracks” resgata em parte a bagagem do grupo criador da eletro music: a sonoridade elegante e limpa, a valorização do ritmo, a perfeição dos detalhes, a exploração das texturas sonoras e o conceito globalizado e integral que pontua toda a obra de menos de 10 álbuns mas de vasta influência na música moderna. Há quem torça o nariz para este disco, alegando que deixa a desejar em relação aos trabalhos antológicos do Kraftwerk como “The Man-Machine” e “Trans-Europe Express”. Talvez um pouco de preconceito pela ausência de Karl Bartos e Wolfgang Flur, “percussionistas” da formação clássica – substituídos aqui pelos engenheiros de som (mas que se mostram músicos altamente competentes) Fritz Hilpert e Henning Schmitz. Quiçá também a vulgarização natural ocorrida pelo avanço da computação no século XXI (o que, em música, o Kraftwerk é corresponsável nos últimos 50 anos, diga-se) tenha deixado a impressão de que a banda ficara ultrapassada. Pensamentos compreensíveis, pois deles sempre se espera o mais do que de qualquer outro. Soma-se a isso ainda o fato de raramente lançarem alguma coisa, o que aumenta ainda mais sua mítica e, automaticamente, a cobrança.

Porém, como disse o jornalista inglês Chris Jones, “se você (assim como eu) ainda encara o Kraftwerk como uma divindade que deu ao mundo algumas das mais encantadoras e influentes músicas eletrônicas de todos os tempos, então vai amar este disco”. Afinal de contas, conclui sabiamente o designer e fã ardoroso dos alemães Peter Saville: “mesmo um álbum medíocre do Kraftwerk é um trabalho de uma genialidade sublime”. Caso de Tour de France Soundtracks”, onde a capacidade humana opera com a tecnologia a serviço da mais bela arte, seja ela vinda de seres vivos ou artificiais.
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FAIXAS:
1. "Prologue" (Ralf Hütter/Florian Schneider/Fritz Hilpert) - 0:31
2. "Tour de France Étape 1" (Hütter/Schneider/HilpertMaxime Schmitt) - 4:27
3. "Tour de France Étape 2" (Hütter/Schneider/Hilpert/Schmitt) - 6:41
4. "Tour de France Étape 3" (Hütter/Schneider/Hilpert/Schmitt) - 3:56
5. "Chrono" (Hütter/Schneider/Hilpert/Schmitt) - 3:19
6. "Vitamin" (Hütter/Schneider/Hilpert) - 8:09
7. "Aéro Dynamik" (Hütter/Hilpert/Schmitt) - 5:04
8. "Titanium" (Hütter/Hilpert/Schmitt) - 3:21
9. "Elektro Kardiogramm" (Hütter/Hilpert) - 5:16
10. "La Forme" (Hütter/Hilpert) - 8:41
11. "Régéneration" (Hütter/Hilpert) - 1:16
12. "Tour de France" (Hütter/Schneider/Schmitt/Karl Bartos) - 5:12

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