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sábado, 8 de julho de 2023

Frank Jorge & Naipe de Sopros - Bar do Alexandre - Porto Alegre/RS (30/06/2023)

 

“Rock 'n' roll: amor e morte”. Com este lema, emprestado do amigo e também roqueiro gaúcho Julio Reny, o carismático e catalisador Frank Jorge subiu não ao palco, mas à calçada do badalado Bar do Alexandre, em plena Rua Saldanha Marinho, no Menino Deus, quadras da minha casa. Tão perto é que, chegando a pé e uns minutos após o começo do show, fui recebido por Frank tocando “Se Você Pensa”, de Roberto e Erasmo, ao lado de Alexandre Birck, na bateria, e Régis Sam, baixo, além de um afiado naipe de sopros: Carlos Mallmann (trombone) Joca Ribeiro (trompete) e Gustavo Muller (sax tenor e barítono). Que luxo! Combinação simples, mas suficiente para o front man entregar um show cativante e de puro rock. No set-list, temas da carreira solo de Frank, hits da sua tão lendária quanto ele Graforréia Xilarmônica, uma das bandas fundadoras do rock gaúcho e clássicos nacionais, internacionais e regionais.

A convite do próprio Frank, pude presenciar uma apresentação digna da melhor Porto Alegre roqueira. O público que cantou com ele de cabo a rabo joias do seu repertório solo como “Pode Dizer Assim”, “Não Pense Agora”, “Sensores Unilaterais”, “Elvis” e “O Prendedor” até aquelas da Graforréia que não podem faltar: "Eu", "Twist", "Nunca Diga" e "Amigo Punk", esta milonga-rock que é mais do que uma música: é um dos hinos não-oficiais da Porto Alegre alternativa.

Frank e sua banda tocando o hino "Amigo Punk"

Mas teve também covers muito legais e coerentes com a pegada rock 50/60 que sempre caracterizaram a obra e a estética de Frank. Dos parceiros de rock gaúcho, além de "Amor e Morte", de Reny, teve "Lugar do Caralho", do ex-parceiro de Cascavelletes Júpiter Maçã (à época, anos 80, ainda Flávio Basso) e "Cachorro Louco", pedrada da própria Cascavelletes. Ainda menos vaidoso, ele tocou, sob um coro geral da galera, o hit "Núcleo-Base", dos paulistas do Ira!, ato, convenhamos, raro em artistas do Rio Grande do Sul, comumente bairristas.

Mas teve mais! Frank não poupou relíquias. Outra de RC, numa emocionante "Quando"; Beatles, "Nowhere Man", rock argentino e até Ramones. Porém, claro, nada do punk grosseiro, e sim, uma versão da sessentista "Rock 'n' Roll Radio". Nada mais condizente com Frank Jorge. O clima de celebração se completou ainda com o anúncio, horas antes, da inegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro. O próprio Frank puxou mais de uma vez o coro: "Ele é inelegível!" em ritmo de "Seven Nation Army", tal as torcidas organizadas, porém dentro dos acordes de "Nunca Diga", de autoria do próprio Frank (que, diga-se, foi escrita bem antes do megasucesso da White Stripes).

Um começo de noite agradabilíssimo regado àquilo que hoje se reserva a pequenos redutos porto-alegrenses, que é a cena rock. Por algumas horas, o clima da antiga Osvaldo Aranha foi recuperado e se reproduziu ali, testemunhado pelo céu nublado da noite. Um momento de resistência, de celebração. Quase litúrgico. Frank, na 'seriedade", como diz a todo tempo, trata, de fato, rock como algo sério. Empunhando sua guitarra como um padre carrega um crucifixo, São Frank Jorge conduziu sua legião de séquitos em enlevo de oração. Coisa muito séria esse rock 'n' roll, hein? Assunto de amor é morte. Amém.

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Frank e banda mandando ver no bom e velho rock 'n' roll

Sendo recebido ao som da Jovem Guarda de Roberto e Erasmo


Rua e bar lotados para assistir Frank Jorge

Outro clássico do repertório "xilarmônico": Nunca Diga"

Daniel Rodrigues

sábado, 30 de janeiro de 2016

Júpiter Maçã - “A Sétima Efervescência” (1997)





"Em algum lugar entre Roberto Carlos,
Rita Lee e Syd Barret,
 Júpiter sente seu corpo derreter,
visita planetas e conversa com seres imaginários.
'Loki' é elogio.”
Alexandre Matias,
revista Rolling Stone Brasil




Flávio Basso é visto por muitos, por setores da crítica especializada, principalmente, como um músico de extremo talento, arrojado e inventivo, um multi-instrumentista de mão cheia. Um de seus álbuns, “Plastic Soda” (Trama, 1999), totalmente escrito, produzido, arranjado e executado por ele, chegou a ser premiado, em 2000, como o melhor disco do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), recebendo também o Prêmio Açorianos, concedido pela Secretaria de Estado da Cultura/RS. Em votação feita por cerca de 50 músicos, críticos, jornalistas e produtores musicais, para a revista Aplauso, publicada em 2007, “A Sétima Efervescência”, seu primeiro álbum solo, foi eleito o melhor álbum da história do rock gaúcho. O mesmo disco foi eleito também pela revista Rolling Stone Brasil (n. 13, outubro de 2007, p. 127) como um dos 100 melhores álbuns brasileiros de todos os tempos, figurando na 96º posição. Na ocasião, assim se pronunciou a revista:
“Um raio lisérgico atingiu a cabeça do ex-Cascavelletes Flávio Basso nos anos 1990 e ele reuniu diferentes pontas soltas pelo rock – Jovem Guarda, mod, garagem e psicodelia – em um disco forte, coeso e chapado. Começa com “Um Lugar do Caralho”, um  Cavalo-de-Tróia que não prepara o ouvinte para a chuva Technicolor de referências que flutuam ao redor do compositor como alucinações sorridentes. Em algum lugar entre Roberto CarlosRita Lee e Syd Barret, Júpiter sente seu corpo derreter, visita planetas e conversa com seres imaginários. “Loki” é elogio”.
Aqui, duas abordagens sobre Flávio Basso, o Júpiter Maçã, que trazem à luz sua representatividade e complexidade dentro da cena musical rock gaúcha e brasileira.


Estrangeirismos, fantasias e complexidade de Júpiter Maçã

O texto do jornalista Alex Antunes, publicado no portal Yahoo! Notícias, em 23/12/2015, abordando a morte de Flávio Basso, músico gaúcho conhecido como Júpiter Maçã, se caracteriza, sobretudo, por sua pronunciada pessoalidade. Dizendo-se fã do álbum “Hisscivilization”, lançado em 2002, declarando admiração por certas composições do artista recém-falecido, Antunes também menciona o amigo pessoal Cisco Vasques – produtor audiovisual com quem Júpiter havia trabalhado –, refere-se à própria timeline como plataforma de acesso ao mundo e, de quebra, utiliza Rogério Skylab como recurso para fazer um autoelogio sutil, o trampolim de um pequeno panfleto classista.
O escrito, no entanto, para além do tom auto-centrado, possui outras características interessantes: é cheio de sinuosidades, insinuações e implicâncias. Por trás delas – ou junto delas – encontram-se distintos julgamentos de valor, nunca explicitados ou assumidos com franqueza. A começar pelo próprio título: “O crepúsculo do Zé Louquinho”, infantil, brincalhão e jocoso, numa primeira leitura, depreciativo e desrespeitoso, numa segunda passada de olhos.
Antunes reclama cautela quanto ao uso abusivo da expressão “gênio” para definir Basso, vida e obra. É um alerta, sem dúvida, apropriado. Muito embora se esqueça de considerar aí, nesse flagrante exagero retórico, o impacto da notícia da morte e o próprio carinho que, assim, mal elaborado, se manifesta publicamente, no calor do momento. De todo modo, reconhece, trata-se de um músico “talentoso” e inspiradíssimo. Ou seja: Antunes considerou mais eloquente a imprecisão do que a espontaneidade dos admiradores de Júpiter Maçã. Para ele, o músico falecido seria, em realidade, mais “chapado e folclórico” do que propriamente “genial”.
Aponta então uma razão adicional pela qual “estranhou” as narrativas e os depoimentos que atravessavam, em profusão, naquele momento, sua timeline: o “fator Gainsbourg”, isto é, a capacidade de certos artistas provocarem maior comoção, serem melhor acolhidos, por sua base de fãs, depois que morrem.
São considerações tão problemáticas quanto provocativas. Por um lado, servem ao necessário debate público sobre a figura e o legado musical de Júpiter Maçã. Por outro, contudo, são afirmações frágeis, que escondem vieses e limitações pessoais, limitações de perspectiva.
Obviamente, não se pode estipular com clareza a linha divisória entre a “genialidade” e a “chapação”, o caráter “folclórico” atribuído ao gaúcho Basso. Não é uma distinção fácil de ser feita, afinal de contas. Ao entendê-lo e ao enunciá-lo como “genial”, os fãs poderiam ter em mente, justamente – talvez tivessem em mente, de fato – os momentos em que, para eles, um criador “chapado” ganhou corpo, alçando-se muito acima de qualquer expectativa média ou qualquer previsibilidade que se pudesse ter. O terreno da música pop, mais do que qualquer outro campo de produção artística, é ideal para que proliferem embaralhamentos (bem como epifanias) deste tipo. A rigor, em se tratando de Júpiter Maçã, é extremamente difícil separar com clareza tais personificações (o “gênio”, o “folclórico” e o “chapado”). A não ser que se queira, deliberadamente, mais do que enfrentar a complexidade viçosa que ele carrega, produzir insinuações e desacreditações sutis a respeito dela. É o que faz Antunes. Desse modo, Júpiter resulta, no mínimo, como um tipo suspeito.
E há mais. Trata-se de focar, num tom crítico e severo, o “comportamento abusivo do gênio incompreendido, como um todo”. Aqui, através de outra definição vaga e inespecífica, sugere-se algo sobre a conivência necrófila dos fãs e o apego dos gaúchos aos “mitos datadões do rock” clássico. Em outros termos, está se falando sobre perversidade e culpabilização dos fãs (assim equiparáveis, num extremo radicalíssimo, à criminalização do próprio músico, exigida conforme episódio relatado [ou melhor: insinuado, apenas, sem o devido trato jornalístico]). Está se falando ainda sobre a desatualização dos gaúchos, presos em clichês trágicos e românticos, incapazes de ceder diante do curso natural e incorrigível da história (leia-se: as mãos do mercado). Júpiter Maçã deveria ter se tornado Cidadão Instigado, assevera Antunes.
Ou seja: são avaliações muito parciais, muito auto-centradas, que advogam para si uma centralidade e uma razão centralizadora incapazes, em última instância, de dar conta das mutações descentralizadoras, da criação policêntrica, do exercício de dissolução de núcleos de poder e força estética que marcaram, permanentemente, a trajetória de Flávio Basso. Numa pérola, Alex Antunes chega a dizer que Basso “não estava se embatendo com nada real”, parecendo não reconhecer que este suposto ente imaginário, esta fantasia doente, tirou-lhe, por fim, a vida real de que gozava. É o caso raro de uma irrealidade mortal.
O artigo termina abruptamente. Deixa-nos a sensação de que faltou complementar o argumento, assinar a pintura, assumindo-lhe, a ferro e fogo, a autoria. Esta falta parece o produto de um recuo político e estratégico – jogadas ao ar, como já estão, as insinuações. E Júpiter Maçã, claro, “pode ser considerado vítima de uma doença, a da adição a substâncias”. Ponto. Assim como Alex Antunes pode não saber exatamente o que fala. Ou pode também não querer dizê-lo integralmente, talvez por razões pessoais, razões que desconhecemos, que não podem ser ditas ou ouvidas; talvez por simples (e inconfessável) respeito ao morto, aos estrangeirismos, às fantasias e à complexidade da vida que ele deixou.


Júpiter Maçã em Porto Alegre*

Flávio Basso foi uma das figuras mais controversas da música jovem feita no Rio Grande do Sul nos últimos trinta anos. É também um dos maiores talentos já vistos na cena local, sem sombra de dúvida. De fato, notoriedade e controvérsia não lhe faltaram em momento algum. Gostaríamos de examinar aqui, em função de sua representatividade, o modo como este artista singularíssimo se traduziu e se deixou traduzir no imaginário da cidade.
O bar Garagem Hermérica, por exemplo, situado na rua Barros Cassal, entre 1992 e 2013, foi o ambiente (de contatos, bebedeiras, vínculos afetivos e circulação de informações) no qual "A Sétima Efervescência" (1997), seu primeiro álbum solo, foi concebido. Por hipótese, pode-se dizer (pode-se suspeitar, pelo menos) que o Garagem Hermética – em sua primeira fase (cf. Leo Felipe, 2014) – é justamente o “lugar do caralho”, que ele canta numa de suas canções mais conhecidas, a música de abertura, o primeiro grande hit do álbum.
“Eu preciso encontrar/ Um lugar legal pra mim dançar/ E me escabelar/ Tem que ter um som legal/ Tem que ter gente legal/ E ter cerveja barata/ Um lugar onde as pessoas/ Sejam mesmo afudê/ Um lugar onde as pessoas/ Sejam loucas / E super chapadas/ Um lugar do caralho/ Sozinho pelas ruas de São Paulo/ Eu quero achar alguém pra mim/ Um alguém tipo assim/ Que goste de beber e falar/ LSD queira tomar/ E curta Syd Barrett e os Beatles/ Um lugar e um alguém/ Que tornarão-me mais feliz/ Um lugar onde as pessoas/ Sejam loucas e super chapadas/ Um lugar do caralho/ Lugar do caralho.”
No entanto, para encontrarmos Porto Alegre inscrita na obra de Júpiter Maçã, não devemos procurá-la explicitada, límpida e fácil, prontamente exposta nas letras das composições. Do ponto de vista referencial, acreditando-se então em sua carga denotativa, “Um Lugar do Caralho” narra buscas noturnas e aventuras lisérgicas paulistanas. É a cidade de São Paulo que funciona como um campo de ações, no qual anunciam-se algumas vontades e emerge uma pequena série de referências simbólicas (que são também referências anímicas). Porto-alegrense, no caso, é a coloquialidade, o repertório de gírias e o sotaque empregados.
Convém lembrar que o rótulo “rock gaúcho”, como disseram Humberto Keske e Lidiani Lehnen (2012), antes de indicar uma procedência geográfica, indica um certo acento, um certo dialeto – um dialeto gaúcho, dizem os autores –, alguma insularidade, “moldada entre o conservadorismo e a vanguarda cultural” (Keske e Lehnen, 2012, p. 521). “A Sétima Efervescência” é assim: conservador (pois revivalista) e vanguardista, quase displicente em relação ao horizonte real em que está imerso. Quase nada é dito sobre Porto Alegre, sobre a vida em Porto Alegre. A rigor, não há ali nenhum localismo, nenhum tradicionalismo, nenhuma cultura gaúcha (num sentido folclórico ou etnográfico, ao menos).
A cidade deixa-se avistar apenas de passagem, numa ou noutra menção, numa ou noutra estrofe, um tanto lateral e circunstancialmente. É o caso das canções “Querida Superhist x Mr. Frog” (que diz: “Hey querida, domingo vamos passear lá no Parque da Redenção/ Vamos viajar”) e “Eu e Minha Ex” (“Eu e minha ex/ Na tempestade/ Sob o mesmo guarda-chuva/ Pelas alamedas de Porto Alegre/ Do Mercadão até o Bom Fim). E isto é tudo. Com exceção de “Canção para Dormir”, que fala, muito de relance, sobre uma lenda típica da região sul do Brasil (“Eu acredito em fantasmas/ Em mula sem cabeça/ Negrinho do Pastoreio”), não há mais nada. Absolutamente nada. E não faz a menor falta!
Todavia, esta desaparição da cidade do universo temático do artista se mantém nos quatro discos posteriores? Em linhas gerais, sim. Como predominância, sim. Os olhos de Júpiter não estão vidrados na cidade. Muito embora, algumas ocorrências sinalizem certas nuances e/ou variações importantes. É o caso da canção “Bridges of Redemption Park”, de “Plastic Soda”, uma bossa nova escrita como uma crônica afetiva sobre o Parque da Redenção, cuja letra diz: “Brigdes of Redemption Park/ So little/ So chinese/ So guiding/ So inviting/ There is few Buddhist and Christians/ Some ‘gloomy’/ And people who drop out to see…”.
Mas sua singularidade não reside apenas nisto, no fato de ser um aparte, uma ilha temática – um retrato de Porto Alegre fazendo-se então visível –, num conjunto de obsessões e preocupações outras, muito mais habituais, quase sempre na linha “sexo, drogas e rock and roll”, apresentadas em tônicas mais ou menos ácidas, conforme o estilo musical invocado. Trata-se de uma bossa nova cantada em inglês, versando sobre um conhecido parque situado próximo ao centro da cidade. No entanto, de algum modo, o cenário descrito, em seu significado e em sua aderência local, é contradito e duplamente neutralizado, seja pelo idioma (o inglês, língua universal), seja pelo imaginário construído em torno do gênero (o caráter nacional, não necessariamente regionalista, da bossa nova).
Mas há outros casos equiparáveis. Um deles é “Casa de Mamãe”, do álbum “Uma Tarde na Fruteira”. Num trecho, a letra diz o seguinte:
“Olhando os mísseis na tevê/ Tomando chá/ Tô hospedado na capital/ Com Thalita F. Jones/ Na casa de mamãe/ Outra vez/ Na casa de mamãe/ Além disso eu nem progredi/ No meu blues tropicalista/ No meu blues neo-modernista/ Na minha canção mais estereofônica/ Eu gosto de Porto Alegre/ Eu gosto de Porto Alegre/ Eu gosto de Porto Alegre/ Eu gosto de Porto Alegre.”
É um relato enfático, de tons intimistas e metalinguísticos, mas que pouco diz verdadeiramente sobre a cidade. Recorrer, portanto, ao conteúdo manifestado nas letras não é, decididamente, uma boa estratégia. Não só porque canções como “Casa de Mamãe” e “Bridges of Redemption Park” perfazem um grupo minoritário, junto com mais duas ou três, mas porque a relação de Júpiter Maçã com Porto Alegre é mesmo muito mais complexa, podendo ser decomposta e examinada a partir de várias outras angulações complementares. Em primeiro lugar, pode-se cotejá-la à trajetória, às fases da carreira do artista, que vai amadurecendo e se transformando, artisticamente, que vai sendo reconhecido na medida em que se constitui um mercado midiático (um conjunto de rádios e espaços de mídia impressa, por exemplo) e a própria cultura do rock local.

* O texto é parte de um artigo maior e mais desenvolvido, publicado no México, como um capítulo independente, num volume sobre música e cidade na América Latina. A publicação saiu no primeiro semestre de 2015. Aqui, alguns pequenos ajustes foram feitos. A referência correta é: SILVEIRA, Fabrício. Porto Alegre en el espejo partido de Júpiter Maçã. In: VARGAS, Herom y KARAM, Tanius (eds). De Norte a Sur: música popular y ciudades en América Latina. Apropiaciones, subjetividades y reconfiguraciones. Mérida (Yucatán, México): Secretaría de la Cultura y las Artes de Yucatán, D. R. Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, Editorial Libro Abierto, 2015, p. 347-376. Agradeço a Herom Vargas e Tanius Karam, os organizadores do livro.

Referências
FELIPE, Leo. A Fantástica Fábrica. Porto Alegre – RS: Publicatto Editora, 2014.
KESKE, Humberto Ivan; LEHNEN, Lidiani. Na trilha sonora dos pampas: a batida pesada do rock ‘n’ roll a la gaúcho. Rio de Janeiro – RJ, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), revista Polêmica, v. 11, n. 3, julho/setembro de 2012, pp. 503-523.

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FAIXAS:

  1. "Um Lugar do Caralho" – 4:58
  2. "As Tortas e as Cucas" – 4:39
  3. "Querida Superhist x Mr. Frog" – 5:40
  4. "Pictures and Paintings" – 3:09
  5. "Eu e Minha Ex" – 5:52
  6. "Walter Victor" – 3:43
  7. "As Outras Que Me Querem" – 2:43
  8. "Sociedades Humanóides Fantásticas" – 6:42
  9. "O Novo Namorado" – 3:12
  10. "Miss Lexotan 6mg Garota" – 4:57
  11. "The Freaking Alice (Hippie Under Groove)" – 5:09
  12. "Essência Interior" – 7:00
  13. "Canção Para Dormir" – 3:13
  14. "A Sétima Efervescência Intergaláctica" – 2:38

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OUÇA O DISCO


terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Flávio Basso, 1968 - 2015

À memória de Flávio Basso
por Fabrício Silveira
                                    
Flávio Basso, há duas semanas no Panama Studio Pub
foto: Clarissa Daneluz
Ainda posso me lembrar da cor do dia, uma clara manhã de sol estourado no inverno de Porto Alegre. Não era sequer 8h. Flávio Basso estava sentado, sozinho, à mesa de um bar fuleiro na Lima e Silva. Era um daqueles bares que recebem os notívagos radicais, os insones, os madrugadores profissionais e os perdidos da noite anterior. Ele tomava uma xícara de café. Reparei que estava concentradíssimo naquilo que ouvia em seu walkman. Foi a primeira vez que o avistei, enquanto me dirigia, apressado, para algum compromisso na Universidade Federal. Hoje, 20 depois, onde havia o bar, há uma academia de ginástica.

Produziu-se, nos últimos anos, um culto mórbido em torno de Júpiter Maçã – tal como Basso, recém-falecido, tornou-se popular. Vê-lo apresentar-se bêbado, trôpego, quase inconsciente, virou esporte radical de uma certa juventude burguesa, autocentrada, sem capacidade real de empatia. Produziu-se, para alguns, um atrativo bizarro, o gozo regulado de uma desgraça alheia. O fã disfarçando-se de abutre. Pior do que isto, sempre me pareceu, era a condenação moral, a desaprovação de sua suposta “decadência” com base nos valores do “profissionalismo”, dos “bons tempos” ou do “respeito à própria obra”. O fã disfarçado então de crítico hipócrita. O que matou Flávio Basso foi tentar se equilibrar entre estes dois extremos: abutres e hipócritas.

Sempre tive a impressão de que Júpiter nos colocava permanentemente em xeque, com a exuberância de seu talento, com sua imprevisibilidade, seu nonsense desbocado. Era como se estivesse nos cobrando, de algum modo, amor e reconhecimento incondicionais. Com certeza, já me senti constrangido e abalado diante de algumas de suas vexatórias performances ao vivo (assim como também já me senti recompensado e extasiante, em seus momentos de gênio e plenitude). Mas quero crer que, para um artista como ele, estes abalos, estas pequenas decepções – o próprio alcoolismo – eram coisa mundana, eram detalhes miúdos, coisas que vêm e vão. Ele não cabia, de fato, nisto. Isto não falava sobre ele, verdadeiramente.

De resto, a morte irá libertar Flávio Basso do “rock gaúcho”. Ele será celebrado como um dos mais importantes músicos do Brasil. Será saudado como um dos principais representantes da psicodelia nacional.

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Duas semanas atrás, Júpiter Maçã apresentou-se no Panamá Studio Pub, na Cidade Baixa, perto de onde eu moro. Não poderia deixar de vê-lo, mais uma vez. Ao final do show, disse-lhe que havia sido publicado, no México, há poucos meses, um livro sobre rock e cidades na América Latina. Disse-lhe que eu havia escrito um capítulo, falando justamente sobre o trabalho dele e sobre sua relação com Porto Alegre. Júpiter resmungou alguma coisa, mostrou-se espantado, agradecido e pediu para ver o livro. Disse-lhe que mandaria um exemplar, assim que pudesse.




Nem Flávio, nem Júpiter, nem Apple, nem Maçã

Por andei nesse mundo eu sempre comentei as pessoas que existia sim um Rock de expressão sul americano. Para mim o gênero teve muitas vertentes importantes; a primeira delas o icônico Rock Argentino, aquele de Charly, Espinetta, Nebbia, Vírus, Soda, Sui Generis, Pappo e por ai vai. Depois deles, o rock brasileiro com seus MutantesSecos e Molhados, a turma de Brasília esculpida a la Renato Russo e sua legião. O Barão de Cazuza e Frejat. Os Titãs de Cabeça de Dinossauro, os Paralamas de Hebert, Bi e Barone. Cara! E tantos outros que não caberia aqui.

Mas no sul do Brasil, a 500 km do Uruguai – que também figura com um rock não tão expressivo quanto o argentino, mas de grande amplitude artística –, ali surgiu o Rock Gaúcho (leva acento). O mais original desse país a meu ver. Talvez não o melhor ou mais politizado, mas foi o mais visceral e "sujo" ao estilo punk inglês. Flávio Basso e cia. foram a vanguarda de um movimento que hoje não existe mais. Não, esse movimento não queria tocar rock de protesto ou agradar tanto quem os ouvia. Estes caras queriam abominar a caretice, dizer menstruada em horário nobre de TV, bater uma punhetinha de verão e depois ir todos para um lugar do caralho chutar o gato preto.

Quanto a Flávio Basso, ele já não era mais Flávio, foi Júpiter, era Apple, maçã e tanta coisa que talvez tenha se perdido em seu way of life outsider. Sem ele o rock do sul fica sem pai, até meio sem vida. Não, ele não virou anjo, nem foi um mito na Terra. Ele apenas é e foi o tal do Rock Gaúcho.



Flávio Basso
1968 - 2015