Como é bom se emocionar com uma música mesmo depois de tantos anos e tanta coisa que já se ouviu na vida. E obviamente, essa emoção, quando manifestada, muitas vezes vem acompanhada de certo exagero proposital. Dia desses, tive um impulso desses nas redes sociais, o que motivou repercussões. Inspirado por meu irmão, que diz que "não existe nada melhor que New Order" (pelo menos enquanto os está escutando), empreguei a mesma máxima quando tive o deleite de ouvir/ver o videoclipe do novo single da Everything But the Girl, "Nothing Left To Lose", que prenuncia o álbum novo da banda inglesa depois de 23 anos. Minha teoria: a de que a EBTG havia atingido o ápice da música pop. Pronto: polêmica armada.
Houve indignação, aqueles que me exigiram explicação por "tamanho absurdo" e quem argumentasse que os verdadeiros reis do pop foram e são os Beatles. Tudo correto, gente. Concordo que me excedi. Mas além do motivo estritamente emocional - o que já se justificaria como licença poética - há no fundo da provocação certa verdade. Aliás, como acontece com todo exagero: uma verdade aumentada. Afinal, a EBTG, se não a maior banda pop da história como lancei, é a que melhor representa a história do gênero atualmente. O novo single prova isso: mesmo tantos anos depois do último material inédito, a dupla Tracey Thorn e Ben Watt tem a capacidade de evoluir em si mesma, sintetizando em seu som tudo que já produziram em mais de 40 anos de carreira. Assim, captam todas as tendências da música pop de antes de seu tempo associando-as a new wave, o indie, ao collage rock e ao pós-punk, que lhes formou, mais os gêneros que vão surgindo pelo caminho.
"Amplified Heart", de 1994, é uma destas saborosas sínteses. Com influências desde sempre do jazz e da MPB, carregam na sua sacola musical tudo o que arrecadaram até aqueles idos da metade dos anos 90, produzindo um daqueles discos de equilíbrio perfeito entre o melodioso e o dançável, entre o melancólico e o alegre, entre o sentimentalismo e o deleite. E sempre com muita classe, o tal sophisti-pop o qual lhes é atribuído. O hit do álbum, uma das músicas mais executadas da década, "Missing", confirma tudo isso. Sentimental e dançante ao mesmo tempo, é daqueles mistérios da indústria musical. Virou febre nas rádios e MTV, ganhando uma remix estilo club do DJ Todd Terry, que a popularizou ainda mais. A canção se tornou a primeira e única da dupla no Top 40 dos Estados Unidos da Billboard Hot 100 e foi a 11ª a passar mais tempo nas paradas da história do US Hot 100.
Porém, nem tão misterioso assim. Acostumados com a fórmula do perfect pop, que produziram às pencas desde sua estreia em "Eden", em 1985, um dia emplacaram. Houve sucessos anteriores, como "I Don't Want to Talk About It", de “Idlewild” (1988), e "Driving", de “Language of Love” (1990). Mas "Missing" invadiu os nighclubs e, ao mesmo tempo, agradou os ouvidos exigentes, sendo a mais tocada nas estações de rádio de jazz contemporâneo dos Estados Unidos em 1996.
Porém, "Amplified...", obviamente, não se resume ao seu maior êxito comercial. Sem exceção, todas as faixas são dignas de um álbum irretocável. "Rollercoaster", a inicial, é outro perfect pop de alta sofisticação, cadenciado pela percussão nos bongôs, uma batida de violão bossa-novista e lânguidas frases de teclado. Já "Troubled Mind", das preferidas, é romântica sem ser balada. Com uma linda levada de violão, tem uma leve cadência funkeada na programação de ritmo, que acompanha a voz sempre hipnotizante de Tracey, uma das melhores cantoras que a música pop já viu - e isso, sim, posso afirmar sem receio de polemizar. Na letra, ela conta sobre uma garota que vê a relação ruir por causa da "mente conturbada" do parceiro, mas que mesmo assim lhe declara: "You know, I love you, love you, love you".
Semelhante performance sensível e de exímia afinação da front girl acariciam a melodiosa "I Don't Understand Anything", a cantarolável "We Walk the Same Line", ambas de autoria de Tracey, e outro destaque do cancioneiro da banda: "Get Me". Ouvi-la cantando o refrão com aquela voz sensual e apaixonada: "do you have get me" é de cortar o coração de qualquer um.
Watt, principal compositor e instrumentista do grupo, assina e canta ele próprio as bonitas "Walking To You" e "25th December". Mas o diferencial da EBTG é indiscutivelmente a sua cantora. É ela quem comanda os microfones de mais uma excelente: "Two Star". Esta, sim, uma balada, inteligentemente bem conjugada com os outros números na narrativa do disco. O riff de piano pronuncia dois pares de notas que, dissonantes, simbolizam o desencontro de dois amantes em um triste fim de relacionamento. A letra reforça esta ideia: "Então vá, e pare de me escutar/Pare de me escutar/ E não me peça o que falar, ou para julgar a vida dessa forma/ Quando a minha está em desordem". Com uma sutil bateria e direito a arranjo de cordas do maestro Harry Robinson, tem no vocal de Tracey seu maior trunfo. E quando sentimento sai deste canto! Igual sensação deixa "Disenchanted", que encerra o disco. Somente ao violão e acompanhamento de um sensual saxofone, nela Tracey fica livre para dar um show de interpretação, fazendo lembrar grandes cantoras de baladas da história - olha aí de novo minhas hipérboles! - como Sarah Vaughan, Barbra Streisand e Elis Regina.
Radares da música pop de seu tempo, a dupla Tracey e Watt não parou em "Amplified..." e seguiu cumprindo se papel simbólico. Durante a gravação de “Amplified Heart”, Thorn e Watt escreveram letras e músicas para duas faixas do segundo álbum dos conterrâneos Massive Attack, que representam o que há de mais hype na música dos anos 90. Thorn faz os vocais em ambas as faixas, sendo uma delas o single "Protection", uma obra-prima que alcançou a posição 14 no top 40 e colocou o disco entre os 4 mais vendidos do Reino Unido. Pela EBTG, vieram na sequência ótimos discos: o assumidamente clubber “Walking Wounded”, de 1998, e o experimental “Temperamental”, de 1999, onde efetivam a incorporação de estilos como o trip hop, o drum'n'bass e a dance music. Sempre assumindo a função de totens das referências e tendências estético-sonoras, a banda pode por este aspecto ser considerada, sim, a grande banda pop em atividade, seja por sua atuação protagonista como pela de resguardo do legado do que Beatles, Bowie, Grace, Prince, Nile e diversos outros deixaram. A EBTG atingiu o ápice da música pop? Claro, que não. Exagero meu. Mas enquanto os estou ouvindo meu coração se amplifica e tem a clara certeza disso.
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