A versão norte-americana foi a que apareceu primeiro por aqui e deixou muita gente com medo de atender ao telefone, mas logo se soube que tratava-se de um remake, muita gente foi atrás do original e descobriu que era tão arrepiante quanto o outro.
Em ambos os filmes, com algumas pequenas mudanças, o enredo basicamente é o mesmo: uma jornalista, (Reiko, em "Ringu", e Rachel, em "O Chamado") depois da morte misteriosa da sobrinha, acaba investigando uma suposta fita de vídeo-cassete que, ao que parece, "mata" quem a assiste, uma vez que, uma semana depois de ver o pequeno e confuso filme, repleto de imagens desconexas, com uma misteriosa mulher, um precipício e um sinistro poço, o infeliz espectador inevitavelmente, morre.
Ainda no início das investigações e um tanto incrédula, naquele momento, a repórter assiste ao conteúdo da fita e, em pouco tempo, se convence que, assim como sua sobrinha e outras pessoas que descobrira terem visto o tal vídeo, está condenada à morte. Começa, então, uma corrida contra o tempo e contra a morte, tentando descobrir o que pode interromper o processo. Para piorar, seu filho assiste à fita a aí que o desespero bate mesmo. Resta analisar, com urgência, cada um dos elementos que aparecem no filme, a mulher, o espelho, o poço..., e tentar achar uma pista de como salvar o filho. Quem é a mulher? Onde é a casa onde ela está? Onde fica aquele poço?
Aí há diferenças entre os filmes quanto à atividade da tal mulher: no original, uma pitonisa, no outro, uma criadora de cavalos; no primeiro com uma relação conturbada com o marido, no outro mais convencional. No entanto, em ambos os casos as investigações apontam para a filha do casal, no original Sadako, e Samara no remake, que teria tido uma morte trágica, possivelmente ligada ao poço, e agora, através da fita sobrenatural voltava para uma vingança contra todos pelo destino que teve.
Ocorre à repórter, com ajuda de seu ex-marido, que também já assistirá ao vídeo, que, somente encontrando os restos mortais da garota e dando-lhe um sepultamento digno, seu espírito torturado descansará em paz. Será?
O filme norte-americano é melhor. Desenvolve melhor a trama, coloca novos elementos sem comprometer o argumento básico, tem a ótima Naomi Watts no papel da jornalista Rachel, e uma fotografia esverdeada, esteticamente interessante, e que dá um aspecto mais sombrio e "úmido" à película. Além disso, a expressão das vítimas da fita, com suas caras retorcidas, é mais aterrorizante no novo; o curta-metragem mortal contido na VHS é muito mais perturbador; a valorização da água, remetendo ao poço, é uma bola dentro, acrescentando um elemento visual e psicológico importante para o espectador; e a parte técnica, com sua direção de arte, som e efeitos visuais, muitas vezes desperdiçados em refilmagens, dessa vez fazem diferença a favor da produção hollywoodiana, com destaque para a clássica cena em que Samara sai da tela da TV.
"O Chamado" (1988) - Sadako saindo da TV
"O Chamado" (2002) - Samara saindo da TV
Colocado assim pode parecer que o original não tenha mérito algum mas é exatamente o contrário: foi um dos raros casos em que o remake pegou exatamente o que havia de bom e melhorou ainda mais. Um 3x1, no placar, vá lá...
Tipo aquele jogo que não é mole mas a diferença técnica é evidente de um time pro outro. Ele faz valer essa diferença, abre 2x0, até toma unzinho pela boa qualidade do adversário, mas logo faz o terceiro e fica tranquilo. Poderia até golear mas por respeito a um adversário tão digno, tira o pé, e fica nisso mesmo.
Aqui, um pequeno comparativo de imagens: bem no alto, a aparência da primeira vítima, a sobrinha, depois do contato com a menina maldita; na segunda faixa, as jornalistas, Reiko, à esquerda, e Rachel à direita, assistindo ao vídeo fatal; logo abaixo, o visual dos dois poços, primeiro o do original e depois o do remake; e por fim, as já icônicas personagens do mundo do terror, Sadako e Samara.
Oi, você é o Pestana, não é? perguntou o homem tirando-lhe da distração, logo depois se desculpando pela inconveniência: - Desculpa, mas o meu filho é muito seu fã – disse trazendo para junto de si o garoto que vestia uma camisa com o número 5 às costas - Eu também aliás... – completou ainda, um tanto constrangido pela última observação. - Sou eu mesmo – confirmou agastado o homem ali parado diante daquela vitrine no shopping. - Você poderia dar um autógrafo pra ele, na camiseta, por favor – agora virando o menino meio de costas de modo a permitir a escrita do ídolo.
Pouco à vontade, Pestana apanhou a caneta que aquele pai lhe dava, apoiou parte da mão nas costas do garoto e pôs ali sua rubrica quase ilegível na qual só se distinguia o “P” enorme. “P” de Pestana. O dono da frente da área. Dizia-se que só atravessava dali para dentro da área grande a quem ele desse autorização e olhe lá. O verdadeiro volante, o cabeça-de-área. Era combatido por muitos velhos puristas do futebol como mais um cabeça-de-bagre, isso sim, mas aquilo não era verdade. Pestana sabia jogar. Tinha uma saída de jogo limpa e fluída. Roubava a bola, olhava em torno e logo vislumbrava o companheiro bem posicionado. Passe certo! Perfeito. E o time saía para o ataque. Se precisasse também sabia conduzir. Levava bem a redonda, com habilidade, destreza, lucidez e alguma velocidade. Qualidades que o próprio Pestana reconhecia em si e por isso mesmo aspirava a meia-armação. Ah, os meia-armadores, os pensadores do jogo cerebrais como Zidane, Carpegianni, Cruyff, Platini, carregadores de bola como Kaká, os de chegada na frente como Zico, ah, e Dom Diego, ah, e Pelé. Sei que dizem que o Rei era quase atacante mas... aquele passe pro Jairzinho contra a Inglaterra e aquele pro Carlos Alberto? Só quem VÊ mesmo o jogo pra fazer aquilo. Sonhava vestir a 10 e ser o maestro de seu time. Conduzi-lo às vitórias nas situações mais complicadas. Não queria fazer o gol, mas com um toque genial deixar o companheiro na cara do gol como quem diz “faz”. Mas não. Até começara como meia na base mas o excesso de jogadores da posição fez com que disputasse posição na frente da área e ali se destacasse. Subiu para os profissionais, ganhou títulos, chegou à Seleção, se consolidou como um dos melhores volantes da história do futebol brasileiro e agora era difícil que lhe dessem aquela oportunidade de ser o mago do meio-campo. O menino saiu forçando o pescoço tentando olhar as próprias costas. Não agradeceu mas seu olhar emocionado dizia tudo. Nem precisava. O pai sim, se desmanchou em agradecimentos que o Pestana recebia tentando disfarçar o incômodo. Saiu do shopping chateado com aquela idolatria estúpida e resolveu ir caminhando, mesmo, para casa, uma vez que não morava muito distante dali, de modo a ir ruminando um pouco aquela situação que lhe desagradava. Estando um final de tarde quente, parou num bar qualquer para comprar um refrigerante e ali, sem ser reconhecido, talvez pelo boné e óculos escuros que usava, ouviu dois homens que discutiam a rodada do final de semana. Um deles dizia: - ... ah, mas isso porque o Pestana não deixou o cara nem ciscar na frente dele. - Isso é verdade – concordou o outro – É um monstro aquele Pestana! Volante não tem igual – completou ainda. - Pra mim é um grosso que só sabe dar pancada – gritou lá de dentro o dono do boteco – Deviam proibir esses volante no futebol... Meio emburrado com a última observação, o Pestana resolveu sair dali sem nem acabar de beber o refresco. Ora, “grosso”! Veja só. Era só ter uma chance que mostraria que podia ser um meia. Um meia genial. Com lançamentos de Gérson e assistências de Riquelme. Ia pedir para o técnico para, daquele dia em diante, ser escalado mais à frente, com liberdade para sair e criar jogadas. Podia dar uma colaboração maior do que somente desarmar e aparecer na frente de vez em quando. Sabia que podia. Estava decidido, iria falar com o ‘professor’ no dia seguinte. E o fez. Falou com o técnico, à parte, no treinamento da manhã seguinte. O comandante não entendia o porquê daquela reivindicação agora. Estavam bem no campeonato, o time estava encaixado, ele, o Pestana, acabava de ser escolhido pelos jornalistas o volante do campeonato e era novamente chamado para a Seleção. Além do mais tinha um ótimo armador no time, igualmente convocado para o selecionado nacional. Por que isso agora? O Pestana argumentava, argumentava, mas não haveria mesmo recurso que convencesse alguém em são juízo a escalar o melhor da sua posição fora dela. Loucura! - Deixa estar, Pestana! – dizia o professor - Tu é o melhor ali. Ali, na frente da grande área. Tu é o cão-de-guarda. O adversário já treme só de saber que é o Pestana que tá lá protegendo a defesa. Deixa de besteira e vai jogar o que tu sabe, homem – arrematou dando um tapa carinhoso na cabeça do volante. No treino daquela manhã, o Pestana foi melhor do que nunca. Parecia estar em dia de jogo a valer. Deu carrinho, roubou bolas, saiu jogando, avançou com a bola e ainda, depois de um lançamento de mais de 50 metros, no pé do atacante, que o deixou na pinta pra meter pra dentro, saiu olhando pro treinador como quem diz “viu só”. Mas aquele treinamento parecia reservar algo de especial, e o habilidosíssimo meia do time, craque de bola, em uma jogada despretensiosa, à toa, parecia ter torcido o tornozelo. Médico em campo. Todas as atenções nele. Hum... Pela experiência de boleiro aquilo era coisa pra pelo menos um mês. Era a grande chance do Pestana. Depois da sua solicitação aberta e da exuberante exibição técnica no treinamento, habilitava-se claramente para a vaga já na próxima partida, dali há dois dias, até porque o técnico não tinha grandes opções no elenco para a reserva. - Eu posso fazer a dele, professor – prontificou-se, confiante, ao final do treino. - Vamos ver, vamos ver. Eu vou testar algumas formações – disse o técnico com aquele jeito de raposa velha. O velho fez mistério até a última hora e só na concentração anunciou que utilizaria um dos garotos dos juniores para a criação das jogadas. Um garoto que até prometia mas que além de muito ‘verde’ nem se aproximava da qualidade técnica dele, Pestana, mesmo jogando de volante durante todos esses anos. O abatimento do Pestana foi tão visível que o técnico foi ter com ele: - Eu não podia te trocar de lugar hoje porque os caras tem um dos melhores ponta-de-lança do campeonato, Pestana. Só tu ali na frente pode parar aquele 10 deles. Tu é o Homem Certo pra isso. Só tu, Pestana. Só tu. O Pestana fez que sorriu sem levantar os olhos e deu a entender que estava conformado. Não proferiu palavra durante toda a viagem da concentração para o estádio, nem na palestra do vestiário, nem pediu a palavra na hora dos gritos de ordem e incentivo. Entrou em campo calado e com um olhar fixo no vazio e um leve sorriso no canto da boca. Ouviu ainda algum colega gritando, “Vamo lá, Pestana!” Pega ele, pega ele”. Assentiu automaticamente sem nem saber com o que estava concordando e ouviu então o apito do juiz. Começava o jogo. Foi truncado, pegado, marcado, sem grandes jogadas. Foi assim durante quase todo o tempo. Um insistente zero a zero que devia-se muito aos fatos de que, no time do Pestana, a articulação havia ficado a cargo de um garoto que claramente sentia a pressão da responsabilidade, e de que, do outro lado, o adversário não conseguia armar uma jogada sequer, pois sempre deparava-se com um Pestana especialmente inspirado naquela noite. O jogo já ia-se encaminhando para o apagar das luzes quando uma bola, numa área morta do campo, ali pela intermediária, espirrou e ficou entre o Pestana e o atacante. Típica bola pra dividida. E dividida, qualquer um sabia que o Pestana não perdia uma. Arrepiava, levantava o que encontrava no caminho e era melhor o adversário sair da frente. Aquela em especial até estava mais para ele, facilmente chegaria antes do outro. Era provável até que o atacante pipocasse e só fizesse de conta que ia na bola. Mas o Pestana pareceu retardar o arranque. Será? O rival sentiu confiança e foi com sede na bola. O Pestana então ameaçou uma entrada mais viril e o atacante adversário, num golpe de instinto, até para se proteger, armou-se de toda uma virilidade que não costumava usar. Ora, sabemos o que acontece quando quem não sabe jogar duro tem que fazê-lo. Acaba por ser desleal. E foi o que aconteceu. O atemorizado avante adversário entrara por cima da bola enquanto, inexplicavelmente o Pestana, na última hora aliviara e entrara frouxo na jogada. O tornozelo virou de uma forma que poucas vezes se viu num campo de futebol. Coisa feia! Apito, falta, expulsão, empurra-empurra, médico em campo e todo aquele alvoroço. O Pestana saía de maca. Mas saía... rindo. Inexplicavelmente saía rindo com o pé praticamente virado ao contrário. Sempre que o tempo está para chuva o tornozelo do Pestana dói. Nunca voltou a andar perfeitamente. Na modesta casa em que vive no subúrbio, guarda os troféus, os recortes de jornal, as camisas da Seleção e contempla uma parede forrada de fotos. Pôsters de meias, de armadores, de pontas-de-lança. Zico, Caju, Rivelino, Ronaldinho Gaúcho, Zidane, Messi... Agora volta da cozinha levemente claudicante com a cerveja na mão e posta-se diante da TV para ver o programa de esportes. Nunca deixou de ver as resenhas esportivas mesmo depois que deixara de jogar. Por coincidência estão a falar dele no programa. "Pra mim, o melhor volante que eu vi jogar foi o Pestana. E não era desses cabeça-de-bagre, não. Sabia jogar. Sabia passar, conduzir pro ataque, lançar. Tinha bola pra ser meia se quisesse", sentenciava o comentarista. Desligou a TV e foi manquitolando para o quarto. Pestana faleceu poucos anos depois. Sozinho, com sérias dificuldades financeiras e problemas de alcoolismo. Deixou este mundo de bem com o futebol e mal consigo mesmo.
Acabo
de ler "Marlon Brando - A face sombria da beleza", do
jornalista francês François Forestier, que já biografou JFK e Marilyn Monroe. O presentaço veio do amigo Francisco Bino, que, na
dedicatória, fez uma previsão um tanto cômica: "Che, tu vai
ler tão rápido que vai parecer ejaculação precoce - desse mal Brando não sofria". Na verdade, acho que foi o único mal do
qual esse puta ator não padeceu.
Brando teve infinitas personalidades. Ora anjo, ora monstro. Mais monstro do
que anjo, diga-se. Na arte dramática, soube ser Midas; na vida real,
foi Medusa. Único, rebelde, encantador, arrogante, trágico. Ao
mesmo tempo em que conquistava todos à sua volta, fazia-se
repugnante. Antes de filmar algumas cenas de "Uma rua chamada
pecado", praticava um ritual que começava por uma leve
masturbação, depois molhava a calça jeans e, por fim, abria a
braguilha. Pronto, agora Stanley Kowalski poderia se exibir aos
colegas - em especial, à Blanche DuBois-Vivien Leigh.
Desdenhava
a profissão. Não lia roteiros, não decorava falas. Improvisava e
tomava conta dos sets como se fosse o dono de estúdio - havia
exceções, como com John Houston e Francis Ford Coppola, por
exemplo. Ainda no teatro, quando fazia "Um bonde chamado
desejo", tinha como hobby "brincar de boxe" com
figurantes e atores substitutos. Certo dia, levou um direto no rosto
que quebrou seu nariz. O autor da proeza: um jovem desconhecido
chamado Jack Palance, que se orgulharia a vida inteira do feito. Sua
grande diversão era chocar, chamar a atenção. E conseguiu. Todas
as mulheres do universo, de Hollywood ao Taiti, do México às
Filipinas, caíram em tentação. Entre as que sucumbiram, Ava
Gardner (então namorada de Frank Sinatra, que mandou capangas darem
um "recado" a Brando envolvendo a palavra "castração"), Marilyn Monroe (a quem ele não dava bola - "era muito
bunduda") e Vivien Leigh (então esposa de Laurence Olivier,
bissexual e grande referência para Brando, tanto no cinema quanto no
teatro).
Na adolescência como
protagonista de
"O Selvagem"
O
homem que virou rei de Hollywood, que defendeu indígenas e panteras
negras, nunca escondeu a sexualidade aflorada, intransigente,
desafiadora, inquietante. Gostava de mulheres exóticas - Rita
Moreno, Movita Castañeda, Katy Jurado, Tarita Teririipaia. E de
homens, também. Entre eles, os parceiros de toda vida: Wally Cox e
Christian Marquand. Brando nunca negou sua bissexualidade. Bernardo
Bertolucci teria se apaixonado por ele, incutindo sua obsessão nas
transgressões entre Brando e Maria Schneider em "O último
tango em Paris". O ator gostava tanto de gente quanto de Russel,
seu guaxinim. Teimava, no entanto, em não gostar de si. Ainda que
não bebesse ou consumisse drogas (influência pela vida errante
levada pela mãe, Dodie), Brando maltratava o próprio corpo comendo
desenfreadamente. A grande paixão? Sorvete. Potes e mais potes, que
o faziam engordar quilos de um dia para o outro. Aos 30 anos, por
estar "muito rechonchudo", quase perdeu o papel de "O
selvagem" para Montgomery Clift - que fazia sombra a Brando
desde "Uma rua chamada pecado", sendo, na época, um dos
grandes queridinhos de Hollywood. Monty era bonito, educado,
inteligente e homossexual. Ainda que tomasse conta de qualquer
ambiente, Brando baixou a bola para um colega de "O selvagem".
Um ex-fuzileiro naval mal-encarado chamado Lee Marvin fazia-no
tremer. Para Marvin, aquele motoqueiro falso requebrava um pouco além
da conta. "Maricão", dizia. "Não passa de um
monte de merda".
Dali
em diante, entre péssimos filmes e parcas boas exceções, como o
genial "Sindicato de Ladrões" (novamente de Kazan), Brando
via seu peso aumentar na mesma medida em que as confusões sucediam
em sua vida pessoal - sempre envolvendo mulheres. No começo dos anos
70, foi parar em "O Poderoso Chefão", já gordo e
decadente, com 58 anos, depois que o papel fora recusado por Laurence
Olivier e George C. Scott. Brando estava desacreditado, assim como o
filme, negado por vários diretores até parar nas mãos de um jovem
de 31 anos chamado Francis Ford Coppola. Sem dinheiro e credibilidade, Brando trocou 5% de participação na bilheteria por
U$ 100 mil. Deixou de ganhar, por baixo, U$ 10 milhões. Mas
recuperou a estima, a aura que havia ido pelo ralo. Depois dos
primeiros dias de filmagem, quando quiseram trocar Coppola pelo velho
mestre de Brando, um dedo-duro do Macartismo chamado Elia Kazan, Don
Corleone acariciou um gatinho e bateu pé: "se tirarem Coppola, também saio". Assim, Coppola ficou. Ficando, fez uma
obra-prima. Ficou rico e conseguiu dinheiro e renome suficiente para
realizar seu maior sonho, uma insanidade chamada "Apocalipse
Now". Tão insano quanto os 125 quilos com os quais Brando
chegou às locações, nas Filipinas.
Brando encarnando o célebre
Cel. Kutz em "Apocalypse Now"
Sobre
"Apocalipse Now", Forestier escreve: "As filmagens
seriam afetadas por um furacão, que destrói os cenários; o ator
principal, Harvey Keitel, não podia ser mais irritante. É pior que
Brando, no estilo Actors Studio. A cada saleiro depositado na mesa,
Keitel pergunta: ‘Mas por quê? Desde quando? Qual a história
desse saleiro? E dessa mesa?’. Coppola o manda embora. O
substituto, Martin Sheen, é satisfatório, mas... sofre um ataque
cardíaco, de cansaço. Passam-se os dias. A película prende nas
câmeras, por causa da umidade. Os técnicos fumam, se drogam,
contraem doenças desconhecidas. Os mosquitos atacam os brancos. Os
bifes importados dos Estados Unidos chegam descongelados, ou mesmo
podres. Encantadoras figurantes incitam os atores e maquinistas a se
entregarem a atos imorais - mas saborosos. O próprio Coppola cede
aos encantos das coelhinhas da Playboy que participam das filmagens.
O exército filipino recusa-se a emprestar helicópteros. Brando
raspa a cabeça. Dennis Hopper, o bad boy de ‘Sem Destino’,
chega. Drogado até o pescoço, recusa-se a tomar banho. Passada uma
semana, ninguém mais lhe dirige a palavra - exceto por telefone. Ao
fim de 40 dias, passa a ter direito a um ônibus particular: ninguém
mais quer entrar na condução com ele. Brando desaparece na selva."
Em
2004, aos 80 anos, Marlon Brando morreu. Apesar de ter tido o mundo
ao seu dispor, pereceu sozinho, assistindo uma comédia sem graça de
Abbot & Costello. Talvez comendo um McDonald´s daqueles que eram
jogados por cima do muro por um funcionário da lancheria mais
próxima de sua casa, em Mulholand Drive. Partiu não sem antes ter
vivido uma sequência de tragédias que, se fosse transformada
roteiro de cinema, perderia credibilidade - tamanho surrealismo. Em
1990, seu filho Christian Brando, um drogado problemático de QI
abaixo da média, dá um tiro na cabeça do cunhado, Drag Dollet, na
sala da casa do ator. Brando presencia os momentos seguintes e
procura inocentar o filho "atuando" no tribunal. Cheyenne,
a filha viúva, é outra problemática. Viciada em drogas e remédios,
estava grávida do agora finado namorado. Depois de inúmeras
tentativas de suicídio, a garota conseguiu se enforcar (“com
sucesso”) em 1995, aos 24 anos.
Entre
a sedução de Kowalski, a luta de Zapata, a ingenuidade de Terry
Malloy e a sagacidade de Vito, fico com a insanidade de Kurtz. Ou de
Brando, tanto faz. Ao fim e ao cabo, this will never be the end.
porRicardo Lacerda
Ricardo Lacerda é jornalista, chato e curioso. Desde que se conhece
por gente, vê filmes e escuta música de “gente velha” – como
diziam os amigos do colégio. É aficionado por folclore
latino-americano, curte Paulo Leminski e Pedro Juan Gutierrez –
entre doses de Salinger e Hesse. Na tela, aceita quase tudo – salvo
exceções. Foi editor da revista APLAUSO. Formado pela PUC, tem
especialização em Relações Internacionais pela ESPM e é sócio
da República – Agência de Conteúdo, de onde escreve para
publicações como Superinteressante, AMANHÃ, Voto e Jornal do
Comércio.
com os quais tive o prazer de conviver durante anos
e vivenciar muitas histórias."
Cly Reis
Em pé: Cris, Tairone, Cabelo, Flávio e Dani.
Agachados: Cly Reis, Testa, Nílson, Éverton e Fábio.
(não foi o time do Ju-Ma do Século, mas não foi muito diferente disso e
todos estes estavam no grupo)
O Manchester já era um time consolidado no bairro quando a Juventus surgiu. Meninos, na maioria renegados de outros times por não serem virtuoses da bola, nós os juventinos por nossa vez éramos organizados e ambiciosos e em algum tempo já chamávamos a atenção dos adversários da região. Começávamos a crescer, ganhar nossos amistosos, a figurar bem em torneios locais mas parecia que para efetivamente confirmarmos uma respeitabilidade, era necessário ganhar do time do bairro: o Manchester.
Quando a Juve nasceu o Manchester já tinha lá seus 8 ou 10 anos de existência e seu jogadores além de mais velhos que nós, eram mais experientes e mais fortes. Um deles, fundador do Manchester, o Ricardo, conhecido como Lambão, era irmão de um dos integrantes e criadores da Juventus, o Nílson, que até pelo fato de ser irmão mais novo e já tendo jogado no Manchester sendo normalmente ser preterido em nome dos mais velhos ou dos que jogavam mais bola, tinha uma gana em especial para ganhar deles. Então eis que quando nos sentimos minimamente prontos desafiamos o Manchester para um duelo. Para ver quem mandava na Intercap. Era lógico que eram eles. Mais tarimbados, corpulentos e organizados dentro de campo nos aplicaram uma impiedosa goleada. O que se repetiu algumas vezes em novos enfrentamentos, inclusive em um torneio da Federação de Futebol Sete do qual ambos os times participaram.
Mas as goleadas diminuíram. Os manchesterianos ainda nos venciam mas os placares passaram a ficar mais apertados e às vezes de maneira até mesmo contestável. A Juventus, além de perder a inocência inicial, agregava novos valores ao time, nos reforçávamos com um conhecido de um aqui, um colega de outro acolá e de repente começávamos a ganhar uma cara de time. Tinha um bom goleiro, o Tairone, um bom meia, o Éverton, o Testa tinha suas virtudes, o Topo-Gigio também mas de resto eram jogadores apenas esforçados. Mas então o Fábio, um menino que havia estudado comigo na 3 série havia voltado a morar no bairro e agora era um rapaz forte e corpulento, o Dani, um garoto que morava perto do campinho, jogava na defesa e gostava um bocado de bater, o irmão do Tairone, o Cris, que era franzino mas valente e dono de um espírito de liderança e tanto, passaram a fazer parte do nosso time. Com estes e outros a Juventus se reforçava e diminuía a diferença para o grande rival do bairro. Era hora de desafiá-los de novo.
Havia agora a convicção que o reforço não deveria ser apenas técnico mas também físico visto que os jogadores do adversário era muito mais fortes. O Tairone conhecia um cara, o Élton, que jogava muita bola e, apesar de ser mais ou menos da nossa mesma idade, era bem mais forte pois gostava de musculação coisas do tipo. Chamou o cara para jogar com a gente. Ele topou. Estrearia exatamente num Juventus x Manchester.
Naquela época, por conta de uma personagem de uma novela, a tal Juma Marruá, e pela coincidência das iniciais dos times, por brincadeira passamos a chamar o confronto pelo nome da moça, mas o apelido pegou e o título do nosso duelo local passou a ser esse: o clássico JU-MA.
E veio o dia do clássico. Seria aquele o dia da nossa primeira vitória? Sim, amigos! O fato de ter o Élton em campo fez toda a diferença. Além da boa qualidade técnica, parecia que não era mais apenas um time de guris, e o Manchester, já assutado pelas partidas anteriores que vinha ganhando no detalhe, sentiu isso. O jogo ficou mais pegado, os meninos não refugavam nas divididas, não se intimidavam, não fugiam das encaradas. O gol saiu num chute de longe do Fábio em que a bola desviou em alguém pelo meio do caminho e tirou do goleiro Edemir. 1x0 pra nós. Os 'meninos' iriam ganhar e o Manchester não conseguia aceitar aquilo. Até por isso o jogo ficou tenso, os nervos ficaram à flor da pele e como era de costume nos nossos embates contra o co-irmão, a partida acabou em confusão. Na confusão aconteceu algo de crucial importância e determinante para a sequência da trajetória da Juventus como time e para os confrontos futuros contra o Manchester. Nosso zagueiro, o Flávio, conhecido como Azeitona, acertou um murro no nariz do Júlio, um zagueiro alto, forte e violento que até então sempre nos impunha um grande respeito e até medo, por que não dizer, pelo seu jogo viril e até desleal. O curioso é que pela primeira vez eles ficaram intimidados. O Júlio não revidou o soco. Não massacrou de porrada o guri metido que ousara lhe dar um soco no nariz, como seria o provável que acontecesse em outros tempos. é lógico que a confusão aumentou, teve todo aquele "deixa disso", "vamos separar" e tal, mas não partiu pra cima do agressor. Não. Além do fato de ter o Élton em campo, o que já nos conferia uma imagem de igualdade física, era evidente pelo resultado do jogo e pela reação que os meninos tinham crescido. Tinham crescido e nunca mais as coisas voltariam a ser como antes.
É lógico que a Juventus voltou a perder umas que outras para o Manchester, mas nunca mais fomos fregueses. Depois da primeira vitória, igualamos o número de triunfos, devolvemos a golada no Campeonato da Federação, ultrapassamos o rival em número de vitórias e nunca mais foi abandonamos essa vantagem.
O bairro tinha um novo dono.
Parecia que sim, mas a grande prova estava por vir. O Ricardo, dono do Manchester, resolvera organizar um torneio padrão FGF7 (Federação Gaúcha de Futebol Sete), inclusive com árbitros contratados e tudo mais. Súmulas, partidas nos horários, calendário, belos troféus e medalhas. Ah, nossa recém conquistada supremacia não seria nada se não ganhássemos a Copa Intercap.
O destino, sacana, nos reservou uma peça logo de cara: pegaríamos o Manchester na primeira fase. Jogo equilibrado. Respeito mútuo, ninguém se abriu e o jogo ficou no 0x0. Ambos passamos de fase, eliminamos nossos adversários até que o destino, novamente ele, inconformado com a normalidade dos fatos no embate anterior, colocou-nos frente à frente numa semifinal. Aquilo decidiria a vaga na decisão. Maior que aquilo só se fosse a própria final, mas como não era, o grande confronto histórico de Juventus e Manchester seria aquele.
Como alguns anos antes Internacional e Grêmio se enfrentaram numa semifinal de Campeonato Brasileiro e o confronto foi chamado de "Grenal do Século" pela importância que tinha naquela fase de um campeonato nacional, pela semelhança das circunstâncias, foi natural e justo que aquele jogo do torneio, até então, mais importante que aquele bairro já havia visto, fosse alcunhado de nada mais nada menos que o "Ju-Ma do Século".
E o jogo foi eletrizante! Jogadas bonitas, jogadas duras, tensão, seriedade, apreensão! Até que numa jogada boba, num escanteio, o goleiro do Manchester, o Edemir, um cara meio cabeça-quente, depois de ter defendido o cruzamento e ter a bola em seu poder, agrediu o Éverton, com o jogo em andamento. Pênalti!!! O Fábio, que já se transformava num carrasco deles, bateu e fez. Edemir foi no canto certo a bola ainda triscou na trave e entrou. Estávamos na frente.
O jogo prosseguia bem, de certa forma sob controle, até que o Fábio que fazia uma atuação extraordinária até então, falhou. Foi matar uma bola com a sola do pé e a deixou passar por baixo dele. Ela sobrou limpa, quicando, na frente do gol pro atacante deles o Esquilão que não pensou duas vezes: fuzilou! eles empataram. Se seguisse daquele jeito teríamos penais. O resultado impacientava os dois times, a tensão crescia e a rivalidade não permitia que se pensasse na hipótese do outro ganhar. Por tudo isso, lá pelas tantas, pelo finalzinho do jogo, não lembro por qual motivo fechou a confusão. Empurra-empurra, braço pra cá, braço pra lá, separa aqui, parte pra cima do outro e nisso tudo, dois nossos foram expulsos e um deles. Os momentos finais seriam de arrepiar e com muuuuito espaço em campo. Mas a Juventus realmente parecia mais madura e soube encarar melhor a situação, e numa bola alçada longa, quase do meio de campo para a área, o Testa conseguiu ganhar na cabeça do goleiro que que saiu mal, quase no bico da área. A bola que ainda raspara na sua luva do atabalhoado arqueiro, foi morrendo devagarinho no fundo do gol. Foi uma explosão só! Nossa e das pessoas que assistiam ao jogo na lateral do campo que àquelas alturas estavam torcendo pelos meninos contra os marmanjos. Os minutos finais foram de tensão, de bola pro mato, de chutar pra qualquer lado. Não tinha mais jogo. Era só esperar o apito final. E ele veio com a nossa classificação e a vitória definitiva.
Curiosamente, assim como o Internacional que venceu o Grenal do Século mas não levou o título brasileiro, perdendo para o modesto Bahia, também não ganhamos a final, sendo derrotados pelo fraco Caracol. Chegamos à decisão, que seria no mesmo dia à tarde, esfacelados! Física, mentalmente, emocionalmente e com os dois desfalques expulsos no clássico. Eles fizeram 1x0 e, simplesmente, mortos de cansaço depois de um jogo de altíssima exigência, não tivemos força para buscar o resultado. Mas não fazia mal. É lógico que gostaríamos de ter coroado nossa participação com o título, mas o fato de ter vencido o maior rival numa semifinal do torneio mais importante que já houve no nosso bairro, já era motivo de sobra para que ficássemos orgulhosos e nunca mais déssemos margem para qualquer contestação
Aquele bairro tinha um novo dono.
Nosso
primeiro colaborador da série Duelo, de entrevistas sobre cinema western e clássicos
da sétima arte, é o capixaba e morador de Niterói, José Eugenio Guimarães.
Zootecnista, Cientista Social e professor universitário de profissão. Cinéfilo
de coração, o cara é dono do ótimo Blog Eugenio em filmes. Além de escrever em
sua page diversos textos sobre várias
fases do cinema, ele é um assíduo colaborador de muitas páginas culturais e
sobre o tema na internet. Eugenio, que veio de uma família de cinéfilos,
assistiu seu primeiro filme bem precocemente, aos dois anos de idade e que
depois não parou mais. Ele mantém aquele costume voraz dos aficionados por
cinema de rever uma grande produção muitas e muitas vezes. Conta que assistiu “No
Tempo das Diligências”, mais de 200! O western é só mais uma de suas grandes
paixões. Nosso entrevistado é também um profundo conhecedor de cinema
independente e um fã declarado do cineasta brasileiro Glauber Rocha. É com ele
que vou ter o imenso prazer de bater um papo cinéfilo nestas linhas cheias de
intensidade e paixão real pelo cinema.
BINO: José Eugenio, não posso deixar de fugir
de uma pergunta meio clichê: qual foi o primeiro grande filme que te impactou, aquele
que vem à tua memória sempre num flash rápido?
John Ford
JOSÉ
EUGENIO: Impacto, mesmo, senti ao ver “No Tempo das Diligências” (“Stagecoach”,
1939), em 1963, aos sete anos. Meu pai, cinéfilo, era assumidamente fordiano. E, certamente, herdei dele
essa paixão pelo cinema de John Ford. Muito antes eu já o ouvia, enquanto fazia
a barba ou tomava banho, rememorar diálogos inteiros de “Como era verde o meu
vale” (“How green was my valley”, 1941), o filme que ele mais preferia do
diretor. Mas a experiência de ver “No tempo das diligências” em tela de cinema,
ainda menino, foi algo que jamais esquecerei. Antes de irmos ao Cine Odeon de
Viçosa/MG, no qual foi exibido, o velho, como bom pai, começou a preparar o meu
espírito para o que eu iria ver. E tudo correspondeu às expectativas. Pareceu
que eu estava sonhando. Durante muito tempo “No tempo das diligências” foi o
meu filme preferido de John Ford. Só fui revê-lo no cinema, pela última vez, em
Belo Horizonte, em 1977, quando entrei na sessão das 14h e só saí ao fim da
sessão das 22h, quase à meia-noite. Então, também o vi nas sessões das 16, 18 e
20h. Cinco sessões ao todo, enfileiradas. Saí do cinema meio tonto, mas
totalmente em paz comigo mesmo. Já vi “No tempo das diligências” mais de 200
vezes. Também já ultrapassei esse número com “Rastros de ódio” (“The searchers”,
1956) e “O homem que matou o facínora” (“The man who shot Liberty Valance”,
1962), ambos também de Ford. São filmes que sempre revejo, nos quais sempre
descubro coisas novas.
B: O primeiro filme que a gente assiste no
cinema é como a primeira transa, algo marcante. Que lembranças tens dessa época?
JE: Comigo
até que não dá para fazer essa relação. Pois o primeiro filme que vi no cinema
foi em 1958. Estava com dois anos. Minha mãe queria ver “Marcelino Pão e Vinho”
(“Marcelino Pan y Vino”, 1955), de Ladislao Vajda, e não tinha com quem me
deixar. Levou-me junto. Segundo ela, fiquei o tempo todo com os olhos
arregalados colados na tela, do começo ao fim. Evidentemente, não guardo
lembranças desse meu batismo no cinema. O que ficou dessa ocasião foram as
canções do filme, usadas por minha mãe para embalar o meu sono enquanto fui
criança de colo. “Marcelino Pão e Vinho” só fui rever em BH, em um
relançamento, quando estava com 21 ou 22 anos. Valeu como experiência afetiva,
afinal estava tendo a oportunidade de ver o filme que inaugurou a minha
cinefilia e que me fez fazer incontáveis birras para voltar ao cinema. Mas o
filme mesmo é decepcionante, muito carola e moralista, uma produção típica da
Espanha franquista afundada num catolicismo tão retrógrado como medieval.
B: Sobre tuas preferências no cinema em geral,
quais escolas tu mais admiras? Fale um pouco delas.
JE: Há
muitas "escolas". Prefiro chamar de movimentos. Mas as que fizeram a
minha cabeça ou ampliaram os meus horizontes na cinefilia são, principalmente,
o Cinema Revolucionário Russo, a Avant Gard Francesa, o Realismo Poético
Francês, o Free Cinema Inglês, o Expressionismo Alemão, o Neorrealismo
Italiano, a Nouvelle Vague Francesa e o Cinema Novo Brasileiro.
Falar um
pouco delas... Vamos lá. Tentarei ser breve.
O Cinema
Revolucionário Russo, por ter sido uma experiência que, ao menos por curtíssimo
tempo, uniu o cinema a um projeto de mudança política e social. Era o cinema no
compasso da revolução, inserido na construção de novos homem e tempo.
Infelizmente, Stálin acabou com tudo isso.
A famosa cena do olho de "Um Cão Andaluz",
de Buñuel e Dalí
A Avant
Gard Francesa, por trazer a abstração, o universo da subjetividade para o
cinema, contaminando-o de poesia, aproximando-o das outras esferas da criação. Poucas
vezes o cinema esteve tão perto do sublime e da ousadia, do rompimento de
convenções, como neste breve período circunscrito aos anos 20.
O Realismo
Poético Francês por investir no lirismo, transitando do otimismo à tragédia em
tão pouco tempo. Praticamente foi um movimento que antecipou a tragédia
europeia instalada com o Nazismo, incorporando, principalmente em seu momento
de auge, a desesperança e o fatalismo.
O
Neorrealismo Italiano por mostrar o melhor do humanismo num momento cravado na
destruição provocada pela Segunda Grande Guerra. Câmeras nas ruas e becos, sob
a realidade do sol ou da noite, acompanhando gente praticamente real,
vivenciando problemas comuns, cotidianos, principalmente os que dizem respeito
à sobrevivência. Então, é um cinema aliado ao exercício da objetividade, mas
sem se esquecer de expressar o que passa em cada particularidade dos seres em
cena.
Já o
Expressionismo Alemão apreende a realidade num momento de incerteza e
dissolução. A Alemanha derrotada na Primeira Guerra entrou numa crise profunda,
não apenas econômica como moral, política e social. A mistura de tudo isso
gerou perplexidade. O fantástico, inclusive o terror, dominaram a cena.
Personagens dementes ou próximas disso davam o tom às narrativas e ações. Não
havia explicações plausíveis para os atos. Quase tudo encontrava motivação numa
ordem transcendental, inatingível, etérea, inexplicável. A poesia, a
psicanálise, a escultura, a pintura eram fortes aliadas da composição cênica. É
como se o cinema se tornasse total, ao englobar todos os demais meios de
expressão e sem esquecer os rumos incertos que a sociedade vinha tomando. Mas
tudo prenunciava o pior, como sabemos.
A Nouvelle
Vague, por sua vez, foi o cinema do NÃO. Não a qualquer convenção, a qualquer
dependência do cinema à literatura e aos estúdios. A liberdade criativa, a
juventude, o espírito de rebeldia dominaram o movimento, que falava
principalmente ao ser e às questões da contemporaneidade. Havia uma autonomia
autoral sem precedentes. As produções eram baratas, filmava-se onde era
possível, o glamour pouco importava.
Um espírito de espontaneidade dava a tônica, algo que Jean-Luc Godard ainda
hoje preserva em seus ensaios fílmicos.
cena de "Acossado" de Jean-luc Godard
O Free
Cinema Inglês é praticamente paralelo e parecido à Nouvelle Vague, mas era
menos etéreo, mais centrado nas questões concretas e prementes da existência.
Dava para sentir os personagens pulsando de forma mais vigorosa e intensa.
No Brasil,
o Cinema Novo, tão radical, com tantos nomes importantes e a vontade de revelar
o país além dos grandes centros, também de maneira independente dos esquemas
industriais, sem muitas preocupações às fórmulas, mas criando outras. Glauber,
maior nome do movimento, era praticamente um cineasta que se reinventava de
filme para filme, até chegar na desconstrução plena da narrativa em seu esforço
tão pouco compreendido de emancipar o olhar. É um provocador que faz falta à
mesmice de agora.
B: Em relação ao western, qual foi a grande contribuição desse
gênero para o cinema mundial?
Antônio das Mortes, personagem de Glauber
inspirado em Ford
JE: Ao cinema
mundial, não sei. Mundial é muita coisa. O que se sabe de concreto é: o western, por mais que muitos lhe torçam
o nariz, foi o gênero que apresentou um tipo de homem que podem ser
caracterizado como o indivíduo em sua forma mais bem acabada, sociologicamente
falando. O cowboy ou seus similares
estavam apoiados única e exclusivamente em suas determinações, desejos e
vontades. É algo específico de uma determinada cultura. Historicamente, não há
precedentes ao tipo em nenhum outro local do mundo. Geralmente as pessoas
estavam vinculadas a alguma estrutura, a uma ordem. O cowboy, não. Goza de uma margem de autonomia sem precedentes. Isso
encantou principalmente as plateias fincadas em organizações sociais mais
tradicionais. Nisso, de certa forma, o modelo inspirou cineastas japoneses,
principalmente Kurosawa. No Brasil, Glauber Rocha, principalmente em “Deus e o
Diabo na Terra do Sol” e "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", tem no
personagem Antonio das Mortes uma extensão. Aliás, sabe-se claramente que o
desenho do personagem está inspirado em Ethan Edwards (John Wayne), de “Rastros
de ódio”. Esses filmes de Glauber buscam inspiração nos westerns de Ford, mas sob a capa de um Eisenstein. E há a Itália,
país que sempre valorizou o gênero, tanto que inventou uma variante. Outras
formas de narrativa heroicas contaminadas pelo western pode ser encontradas no cinema popular chinês, por exemplo.
No Brasil, também há os filmes de cangaço, há muito tempo em baixa, com suas
estruturas narrativas também herdadas dos westerns,
principalmente pelo uso do cavalo pelos cangaceiros, algo que não resiste à
menor análise junto à realidade, pois cangaceiro se locomovia a pé. Mas o cowboy, mesmo, é uma experiência única,
ímpar, puramente estadunidense. É o indivíduo moldado naquilo que Weber chamou
de ética protestante – do puritanismo: alguém que apenas presta contas às suas
determinações e vontades.
B: "O Portal do Paraíso" é considerado o filme
que matou o western americano, tudo por seu grande desastre comercial. O western spaghetti também passou por seu período turbulento e, após os anos 70,
também não teve mais o brilho da era do ouro dos Sergio's e companhia. Com todo
esse hiato, raras produções western tiveram destaque no cinema. Um exemplo é “Dança
Com Lobos” e "Os Imperdoáveis", que ganharam muitos Oscar e foram muito bem
recebidos pela crítica. Poucos estúdios e diretores apostam nesse tipo de
produção. Porque você acha que este gênero está tão em baixa nos últimos
tempos?
JE: O western é vítima de vários fatores. Há
primeiro a televisão, que o banalizou com um punhado de séries familiares e
telefilmes de consumo imediato. Também há o politicamente correto. Além do fato
de que os estadunidenses em geral têm certa dificuldade de confrontar um
passado de conquista que não se afigura tão glorioso para a História, dados os
custos humanos do empreendimento. Ainda é muito complicado, para eles, discutir
o genocídio dos índios. É um tema praticamente encoberto de tabu. É uma pena,
pois se há um gênero que pode ser chamado de genuinamente nacional em se
tratando de Estados Unidos, é o western.
Quer queira quer não, mostra como o país foi conquistado e unificado. À medida
que os EUA foram se urbanizando e se industrializando, ficado mais
cosmopolitas, o western foi se
tornado um gênero ultrapassado, uma narrativa que não combina mais com a
realidade, principalmente por revelar uma etapa que se quer esquecer.
B: Tarantino e os irmãos Ethan e Joel Coen parecem ter apostado no western,
cada um a seu estilo. Como você vê a estética e os filmes destes diretores?
Francamente,
em termos estéticos não saberia como responder. Sei que são recicladores, cada
qual à sua moda. São cineastas que têm um modo próprio de expressão mas sem
abrir mão das dívidas a pagar com a tradição. Tanto que seus filmes podem ser
sérias releituras ou, dependendo do momento, também podem ser meros pastiches.
O que me irrita, hoje, é o extremo valor que se dá a esses nomes. Não tanto os
Irmãos Coen, que são brilhantes. Mas faço reservas a Tarantino, não tanto a
ele, que é bom cineasta, mas por ser visto, principalmente pelos setores mais
jovens, como um valor totalmente original. Não é, mesmo. Pode ser mais
barulhento, mas estiloso, mais midiático, mas é também um manipulador em causa
própria, um bom marqueteiro de si mesmo. Em todo caso, vamos ver. Não estou
dizendo que o abomino, muito ao contrário. Apenas revelo o que para mim
desponta como limitações.
B: Se tu tivesses que fazer uma lista de 10
grandes e definitivos westerns de todos os tempos, quais seriam?
Esse
negócio de listar "grandes e definitivos" é problemático. Mas, vamos
lá, com todo o meu perdão às injustiças que certamente cometerei:
1 - No
tempo das diligências (Stagecoach), de John Ford (1939)
2 - Paixão
dos fortes (My Darling Clementine), de John Ford (1946)
3 - Rio
Vermelho (Red River), de Howard Hawks (1948)
4 - O
preço de um homem (The Naked Spur), de Anthony Mann (1953)
5 - Os brutos
também amam (Shane), de George Stevens (1953)
6 - Rastros
de ódio (The Searchers), de John Ford (1956)
O Duke, John Wayne,
em cena de "Rastros de Ódio"
7 -
Galante e sanguinário (3:10 to Yuma), de Delmer Daves (1957)
8 - Onde
começa o inferno (Rio Bravo), de Howard Hawks (1959)
9 - O
homem que matou o facínora (The Man Who Shot Liberty Valance), de John Ford
(1962)
10 - Meu
ódio será sua herança (The Wild Bunch), de Sam Peckinpah (1969)
Puxa,
apenas 10 títulos! Acabei de excluir cerca de 16 outros, que considero
essenciais, da lista. Parece que acabo de cometer pecado mortal.
B: Agora mudando o rumo da conversa. Quando
Redford quando criou Sundance queria dar oportunidade ao cinema independente. Muitos
diretores e produtores beberam nessa fonte que Cassavetes catapultou anos
antes. Que tu acha desse tipo de cinema não tão mainstream? Algum filme ou diretor te chamou atenção
nestes últimos anos?
JE: Esse
tipo de cinema, à margem, é essencial. E aí que vamos encontrar os germes de
renovação, as criatividades. Cinema é indústria e indústria é algo formatado,
que pode ser reproduzido em grande escala. O cinema independente está à margem
disso, pode se afastar das convenções, investir em pesquisas estéticas,
formais, autorais; pode correr riscos com mais facilidade. Pode ousar. Pena que
todo sopro de independência, de rebeldia, acaba, com o tempo — e são raras as
exceções —se incorporando ao mainstream,
ainda mais no cinema americano. Gosto de citar um caso extremo: John Waters,
com seu cinema de guerrilha. Já significou mau gosto. Vide “Pink Flamingos”.
Hoje, é encenado na Broadway. Seus exercícios autorais, fétidos, imorais e
amorais já foram incorporados à industria e refilmados segundo os grandes
esquemas. Vivemos tempos cada vez mais perigosos ao autoral e ao independente.
O capitalismo incorpora tudo, até o que lhe é contrário. Basta ser domesticado,
esquematizado e, claro, dar lucro.
Sobre quem
está chamando a minha atenção nos últimos anos: Sophie Deraspe, Martin Laroche,
XAvier Dolan, Stéphane Lafleur, Robert Morin, Denis Villeneuve, Alexandro
Avranas, Rosario Garcia-Montero, Petra Costa, Peter Webber... deve ter mais
alguém.
B: E sobre as produções Brasileiras e
Latino-Americanas o que você tem a dizer?
JE: Bom...
O cinema brasileiro sempre me interessou, desde que me habituei a vê-lo já na
fase final das comédias da Atlântida. Nós temos um cinema muito bom, diferente,
com valorosos cineastas. No tempo do Cinema Novo éramos uma das cinematografias
mais desafiadores. O cinema brasileiro foi recordista mundial de prêmios em
mostras e festivais internacionais nos anos 70. Penas que os contextos
políticos não ajudaram.
Já vi
muitos filmes mexicanos. Eram exibidos facilmente no Brasil até o começo dos
anos 70. Havia aqui uma representação da PelMex – Películas Mexicanas –, que
fazia a distribuição do que veio a ser conhecido como Cinema de Lágrimas. O
cinema cubano também teve melhores dias entre nós, principalmente o Novo Cinema
Cubano (já velho), dos anos imediatamente posteriores à Revolução.
Pouco
conhecemos das produção dos nossos vizinhos, excluída, atualmente, a Argentina,
que vive um contagiante momento de euforia. Quanto a nós, agora, parece que
estamos prisioneiros do formato ditado pela Globo Filmes. Mesmo assim, não
podemos reclamar, pois temos Jorge Furtado, Fernando Coimbra, Karim Aïnouz, Cláudio
Assis e gente mais velha que ainda está na ativa apesar de todas as
dificuldades.
B: O que tu achas do cinema como ferramenta de
inclusão social?
As
contribuições seriam exatamente a de levar o cinema à população. Tentativa que
não é nova e era praticada em tempos mais generosos e mais fartos de filmes com
temáticas populares e de acesso mais facilitado ao público em geral,
principalmente ao carente de cinema. Nos anos 60 e 70 os cineclubes faziam essa
ponte, levando o cinema à população que nunca o teve. Inclusive estimulando-o a
tomar a câmera como exercício de criação própria. Cheguei a participar um pouco
dessa fase, em meus dias de cineclubismo.
B: Para finalizar, se você se definisse como
pessoa em um filme, qual seria ele, e por quê?
JE: Ah! Não
sei. Certamente seria alguém semelhante aos personagens interpretados pelo
Wilson Grey, pelo Hank Worden, pelo Henry Calvin. Nunca me preocupei com isso.
Mas alguém heroico é que não seria. Estou mais perto do perfil dos perdedores.
Se tivesse que ser um cowboy,
encontraria afinidades com o Monte Walsh vivido pelo Lee Marvin em “Um homem
difícil de matar” (Monte Walsh, 1970), de William Fraker.
Filmes natalinos são bastante comuns, desde gostosas comédias como "Esqueceram de Mim"; aventuras frenéticas como "Duro de Matar", terror de péssimo nível como o infame "Krampus"; até dramas europeus como o clássico "Fanny e Alexander" de Ingmar Bergman que tem seu momento de celebração de Natal. Mas, em se pensando nas festas de final de ano como um todo, os de ano novo são bem mais raros. Então o Claquete fez um esforço de memória e alguma pesquisa pra ajudar e trouxe aqui para vocês doze filmes marcantes de virada do ano. Alguns melhores, outros piores, alguns clássicos, outros bem dispensáveis, mas todos de alguma maneira emblemáticos dentro do tema. Confiram então a nossa lista e feliz ano novo.
Talentos desperdiçados
num filme medíocre
1. "Noite de Ano Novo", de Gary Marshall (2011) - Vou começar com este não por uma questão de qualidade ou preferência, mas sim porque ele, como o nome já propõe, trata direta e objetivamente do assunto. Porque se fosse pela qualidade... Meu Deus! "Noite de Ano Novo" de Gary Marshall tem o atrativo de contar com um elenco estrelar formado por nomes como Robert de Niro, Hillary Swank, Hale Barry, Ashton Kutcher, Michelle Pfeiffer e até o cantor Bon Jovi, mas faz extremo mau uso desse time de estrelas com uma série de histórias simultâneas que se passam poucas horas antes da entrada do novo ano até o momento da virada. Atuações caricatas, personagens estereotipados, diálogos ridículos e situações inverossímeis são alguns dos motivos que fazem de "Noite de Ano Novo" um péssimo filme. Todos os continhos são bobos, melosos, pueris e exagerados, mas o da disputa de dois casais para que um dos bebês que as esposas estão esperando seja o primeiro a nascer, é de pedir pra morrer.
A antiga estrela Norma Desmond
com seus trejeitos e gestual exagerados.
2. "Crepúsculo dos Deuses", de Billy Wilder (1950) - Pra compensar a ruindade do anterior, vamos com um clássico então: "Crepúsculo dos Deuses", um dos maiores filmes da história do cinema, conta a história de um roteirista fracassado e endividado, que, fugindo de seus credores, acaba na casa de uma estrela esquecida do cinema mudo, Norma Desmond, que sabedora da atividade do rapaz deseja que ele revise um de seus horríveis roteiros para sua sonhada volta triunfal ao cinema. Duro e procurado, Joe Gillis patrocinado pela ricaça excêntrica, fica por ali mesmo e torna-se seu amante. O fato é que a atriz, já meio lelé da cuca, recusa-se a admitir que seu tempo passou, que está esquecida e acha que é mada e idolatrada pelo público e pela indústria do cinema. Exemplo perfeito do que a estrela tornara-se para o que achava que ainda era é a festa de ano novo que promove na qual apenas ela, seu amante e... os músicos comparecem. A festa de reveillón é um dos momentos mais amargos e melancólicos do filme nesta que é uma verdadeira obra-prima da Sétima Arte. Uma abertura genial, diálogos afiados, tomadas improváveis e um narrador cadáver. Mestre Billy Wilder!
Gabriel Byrne encarna bem o belzebu
em "Fim dos Dias"
3. "Fim dos Dias", de Peter Hyams (1999) - A passagem para o século XXI suscitava grande expectativa, curiosidade mas também uma enorme quantidade de superstições e predições. Seitas, religiões, profecias prenunciavam que o mundo acabaria no ano 2000 e aproveitando-se dessa paranoia apocalíptica "Fim dos Dias" montava o enredo de um bom filme de ação sobrenatural estrlado pelo carismático Arnold Schwarzenegger. O lance todo é que o Demônio volta à Terra e quer que seu filho nasça na passagem do milênio e para isso escolhe uma jovem, Christine York, à qual Jericho Crane, nosso heroi, deve proteger a todo custo a fim de evitar o fim dos tempos. O roteiro não é lá muito bem desenvolvido, as coisas muitas vezes ficam sem fio da meada mas, vá lá, como filme de ação, de entretenimento, "tiro, porrada e bomba", até que funciona. Destaque para Gabriel Byrne que faz mais um dos bons demônios do cinema.
A grande luta na noite de ano novo
4. "Rocky, Um Lutador", de John G. Avildsen (1976) - Filme que consagrou definitivamente Sylvester Stallone e eternizou o personagem boxeador na galeria dos mais emblemáticos da história do cinema. Um lutador humilde, de subúrbio tem a oportunidade de lutar contra o campeão mundial dos pesos pesados, Apollo Creed. Como é costume nos Estados Unidos, grandes eventos esportivos são marcados para a noite de ano novo e é exatamente o que acontece com a luta. O que num primeiro momento parecia que seria uma barbada, um mero treino para o imbatível campeão dos pesados, aos poucos, pela garra, coragem e irresignação de Rocky, passa a tomar um rumo diferente daquele esperado. Clássico o cinema!
O ambiente pode modificar o homem?
Este é o mote da aposta dos irmãos Duke..
5. "Trocando as Bolas", de John Landis (1983) - Divertidíssima comédia com Eddie Murphy e Dan Aykroyd na qual dois irmãos empresários, donos de uma grande investidora, resolvem fazer um experimento sócio-antropológico transformando seu gerente, um empresário rico, bem nascido e bem sucedido num mendigo marginal, e um vagabundo de rua, delinquente num respeitável homem de negócios. A troca da certo e Louis Winthotpe (Aykroyd), sócio-gerente da Duke & Duke, é rebaixado ao último nível humano, enquanto o pé-rapado trambiqueiro Billy Ray Valentine (Murphy) é colocado na empresa dos irmãos, tornando-se um homem sério, trabalhador e responsável. Só que quando os dois descobrem que foram objeto de uma humilhante aposta que mexeu com suas vidas de tal forma por apenas um dólar, e que mesmo provada a teoria não pretendem desfazer aquela situação, se unem e resolvem se vingar dos velhotes. Para isso, tem que interceptar o relatório da colheita de laranja que os irmãos Duke pretendem ter em primeira mão antes da divulgação oficial no primeiro dia útil do ano, de modo a terem vantagens na compra de ações. Valentine, ainda dentro da empresa, descobre que o documento será levado por um informante num trem que sairá de Washington e deverá ser entregue aos irmãos exatamente na hora da virada, à meia-noite, em Nova Iorque. No trem onde também acontece uma festa de ano novo à fantasia, Valentine, Winthorpe, o mordomo Coleman e uma prostituta que os ajuda (Jamie Lee Curtis), instalam-se disfarçados na cabine do informante com a intenção de trocar as maletas e pegar o relatório que chegue às mãos dos empresários e ali, cada um encarnando tipos diferentes, proporcionam alguns dos momentos mais engraçados do filme. A cantoria de Valentine, disfarçado de estudante camaronês de intercâmbio, Dan Aykroyd caraterizado de negão jamaicano, e a entusiástica saudação dos dois aos se encontrarem são motivos para boas risadas.
6. "O Destino do Poseidon", de Ronald Neame (1972) - Na noite de ano novo, pouco depois da virada, um transatlântico de luxo, lotado de passageiros, é atingido por uma onda gigantesca e virado de cabeça para baixo, começa lentamente a afundar. Aí é quando um pastor cético, vivido por Gene Hackmann, e um policial acovardado, Ernest Bornigne, tentam conduzir outros poucos passageiros ao casco do navio (que está na superfície) onde talvez tenham alguma chance de serem vistos e resgatados. Típico filme catástrofe bem característico da época, como "Inferno na Torre", "Krakatoa - O Inferno de Java", "Aeroporto 75", "Terremoto", e outros. Tirnado um momento em que poderia ser mais ágil, "O Destino do Poseidon" é um bom filme e mantém a tensão o tempo todo depois do início da tragédia. Só cuidado para não enjoar. A câmera, em grande parte do filme, fica balançando angustiantemente, como se o espectador estivesse a bordo.
"O Destino do Poseidon" - trailer
O jovem Arnie é outra pessoa atrás do volante de Chritine.
7. "Christine, O Carro Assassino", de John Carpenter (1983) - Um Plymouth Fury vermelho com vida própria. Com vontade própria. Com crueldade própria. Capaz de "seduzir" seu dono a tal ponto de deixá-lo completamente irreconhecível. Esta é Christine, um caro comprado praticamente em sucata, remontado e tratado com amor por seu novo dono, Arnie, um garoto simplório e tímido, que ignora o passado sombrio e trágico que o automóvel carrega consigo. Aos poucos a atenção e o cuidado de Arnie vão tornando-se obsessão e o rapaz muda radialmente de comportamento passando a agir de forma egoísta, arrogante e até perigosa. Na véspera de ano novo, Arnie chama o amigo Dennis pra dar uma voltinha na Christine e em meio a uma exibição de velocidade e imprudência, o amigo percebe o quanto aquela máquina maldita mudara o garoto que conhecera desde a infância. Prato cheio para amantes do terror e de rock'n roll uma vez que Christine adora ligar seu rádio por conta própria e tocar clássicos do rock.
O beijo da morte de Michael Corleone
"O Poderoso Chefão - Parte 2", de Francis Ford Copolla (1974) - Uma das cenas mais marcantes da Sétima Arte é a em que Michael Corleone, chefe da família desde a aposentadoria do pai Don Vito, na viagem a Cuba para negociações com o rival Hymann Roth, descobre a traição do irmão Fredo e na festa de ano novo, em meio à revolução que ocorre em Havana, sela nele o chamado "beijo da morte". Ali estava decretado que Fredo, mesmo sendo sangue do próprio sangue de Michael, não teria tratamento diferente de qualquer outro que tentasse se colocar no caminho da família. A frase do momento do beijo ficou célebre e é uma das mais lembradas na história do cinema: "Eu sei que foi você, Fredo. Você partiu meu coração."
O atrapalhado mensageiro Ted vivendo
uma noite de ano novo um tanto agitada.
8. "Grande Hotel", de Allison Anders, Alexandre Rockwell, Robert Rodriguez e Quentin Tarantino (1995) - Quatro histórias que se passam na véspera de ano novo num decadente hotel de Hollywood onde apenas o mensageiro Ted (Tim Roth), em seu primeiro dia de trabalho, é abandonado à própria sorte para atender os pedidos dos hóspedes. Só que é cada coisa que aparece!!! Uma irmandade de bruxas liderada por ninguém menos que Madonna; um marido muuuuito ciumento; dois pestinhas deixados por seus pais para que ele tome conta; e uma aposta muito inusitada entre amigos, neste que é certamente o melhor dos capítulos. Quentin Tarantino, que dirige o episódio, interpreta um excêntrico diretor de cinema, Chester Rush, que aposta seu carrão contra o dedo mindinho de um dos amigos que encontram-se com ele na suíte, se aquele conseguir acender o isqueiro dez vezes seguidas como num filme do qual todos eles são fãs. A situação é hilária e tem toda aquela "enrolação" que Tarantino sabe conduzir como poucos. E o que é que o mensageiro tem a ver com isso? Está lá especialmente para, com o cutelo que levara, a pedido de Chester, cumprir a aposta caso o isqueiro não acenda.
10. "Boogie Nights - Prazer Sem Limites", de Paul Thomas Anderson (1997) - Um clássico imediato e um dos melhores filmes dos últimos tempos, "Boogie Nights - Prazer Sem Limites" é uma preciosidade. Impecável em todos os sentidos, roteiro, fotografia, atuações excelentes e uma direção primorosa, o filme traz dois planos sequência que só quem entende do assunto é capaz de fazer. Acompanhando a indústria pornográfica desde o final dos anos 70 e focando na vida de um rapaz que se torna astro do gênero Dirk Diggler (Mark Wahlberg), "Boogie Nights" também volta-se para outros personagens periféricos mas não menos interessantes e importantes dentro do contexto. É o caso de Little Bill, vivido por William H. Macy (espetacular no papel!), assistente do diretor Jack Horner (Burt Reynolds) que, casado com uma estrela pornô, convive humilhantemente com constantes traições da esposa, e não falo das atuações dela nos filmes, e sim de suas trepadas fora do set de filmagem. Cansado daquilo, na festa de ano novo promovida por Horner, num plano sequência arrebatador, Little Bill entra na luxuosa casa de Horner, percorre os cômodos, pergunta pela esposa para os amigos e a encontra num quarto, mais uma vez transando com outro homem. Ele fecha a porta do quarto parecendo resignado, volta pelo mesmo caminho, chega ao pátio e vai até o carro. O espectador é levado por um breve momento a crer que ele, corno conformado como é, simplesmente vai ligar o carro e ir pra casa. Mas não. Ele se inclina, pega algo no porta luvas, não temos certeza mas logo percebemos que é uma arma. Ele sai do carro, volta pelo mesmo caminho, chega na porta do quarto e dali mesmo mata os dois. Só então a cena corta. Os outros convidados assustados correm para o local de onde ele sai com a arma e com uma expressão meio abobalhada no rosto. Ele sorri, mete a arma na boca e dispara. Uma das grandes cenas da história do cinema e, sem dúvida um dos melhores e mais impactantes planos sequência já feitos e já que é o nosso tema, se passa na noite de ano novo.
"Boogie Nights" - plano sequência da Festa de Ano Novo
11. "Se Meu Apartamento Falasse", de Billy Wilder (1960) - Mais um de Billy Wilder e mais um grande filme. "Se Meu apartamento Falasse", vencedor de 5 Oscar, incluindo os de filme e direção, mistura com maestria drama, romance e comédia , abordando temas delicados como ética, adultério, depressão, suicídio, sem deixar o filme pesado.
Lemmon e MacLaine brilhantes
no filme de Wilder.
O apartamento que revelaria muitos segredos se pudesse fazê-lo, no caso, é o de C.C. Baxter, vivido brilhantemente por Jack Lemmon, funcionário de uma grande empresa de seguros que ambicionando cargos maiores, empresta o apartamento para o chefe, o dono da empresa, Jeff Sheldrake, ter encontros extraconjugais com garotas, em geral funcionárias da empresa. Só que os vizinhos pensam que ele é quem recebe mulheres, faz noitadas barulhentas e regadas a bebida e Baxter, um solteirão, é tido como o garanhão, fama que sustenta, até para compensar exatamente o contrário, que é sua personalidade tímida e recatada. Numa dessas da vida, Baxter descobre que uma das amantes do patrão é nada mais nada menos que Fran (Shirley MacLaine) a ascensorista do prédio onde ele trabalha e pela qual ele está apaixonado. A história se desenrola, ela percebe que o amante nunca vai largar esposa e filhos, se frustra, percebe que é só mais uma entre tantas, tenta o suicídio dentro do apartamento, o que a aproxima do colega apaixonado. Na cena crucial, que se passa na noite de ano novo, jantando com Sheldrake, Fran descobre que o colega atencioso, mesmo depois de alcançar a posição desejada dentro da empresa, pedira demissão e negara-se a ceder o apartamento, e então percebe que aquele sim era o tipo de homem que valia a pena, que lhe daria carinho, que realmente a amava. Ela então deixa o patrão-amante no restaurante sai correndo em direção ao apartamento e antes de entrar ouve um estampido. Teria ele, sem esperanças de tê-la, dado um fim à sua medíocre vida? Assista para saber o final.
12. "Harry e Sally, Feitos Um Para o Outro", de Rob Rainer (1989) - Não sou muito de comédias românticas mas essa, devo admitir, é das minhas preferidas. Provavelmente por seu realismo (sim, realismo) uma vez que em meio à comicidade que o filme se propõe, muito das situações vividas pelos personagens são baseadas em histórias reais, entrevistas, relatos de casais, terapeutas conjugais e amigos. Harry e Sally se conhecem desde que acabaram a faculdade e ele dá uma carona a ela até Nova Iorque. Num primeiro momento ele dá em cima dela, ela o odeia, se separam em Nova Iorque, se reencontram, tornam-se amigos, muito amigos, confidentes, compartilham amizades, apadrinham relacionamentos, servem de ombro um para o outro nas decepções amorosas, mas parece que a amizade acaba fazendo com que não percebam que o par ideal está ali, bem mais perto do que imaginam. O estalo ocorre exatamente na noite de ano novo quando Harry, entediado, anda solitário pelas ruas da cidade. Em meio à sua caminhada ele percebe que tudo que queria era estar com ela naquela noite. Ele então, como se o mundo fosse acabar, sai correndo em direção ao prédio onde acontece uma festa de ano novo na qual Sally está. Na hora da contagem Harry chega, faz uma das declarações de amor mais apaixonantes do cinema e finalmente eles acabam juntos. Foi spoiler? Não! O título do filme já entrega tudo: são feitos um para o outro. O grande barato do filme mesmo é curtir cada fase da vida e do relacionamento deles até chegar naquele momento. No quesito cenas de ano novo, a de "Harry e Sally" sem dúvida alguma, é um das mais marcantes.
"Harry e Sally, Feitos Um Para o Outro" - Cena Final
* também podem ser lembrados, "200 Cigarros", "O Dário de Bridget Jones", "O Primeiro Dia", "Os Penetras", "O Acampamento", Primeiro Dia de Um Ano Qualquer", "Uma Longa Queda", "Onze Homens e Um Segredo" (1960), "O Amor Não Tira Férias", "Sex And The City - O Filme", "O Expresso do Amanhã", Em Busca de Um Beijo à Meia Noite" e "Fruitvale Station" (se lembrarem de mais algum, deixe nos comentários)